segunda-feira, 18 de março de 2019

25.38 Deambulando entre a Ramada Alta e o Carvalhido


Capela do Senhor da Agonia, ou do Senhor do Calvário, ou Capela de Nossa Senhora das Dores na Ramada Alta





O sítio da Ramada Alta tomou a denominação de uma quinta que ali existia, pertencente, em meados do século passado, à família Barros Lima.
José Francisco de Barros Lima foi um negociante portuense e um dos heróis do Movimento Vintista que eclodiu em 1820, no Porto, e se traduziu na revolta contra a presença dos interesses britânicos em Portugal.
Este sítio, que também se chamou “Falperra”, fazia parte integrante dos caminhos de Santiago e era também percorrido pelos romeiros que tinham por destino as festas da Senhora da Hora e do Senhor de Matosinhos, com passagem pela Rua de 9 de Julho (antiga Rua da Ramada Alta) e tendo por primeiro destino o Carvalhido.
Alguns metros antes, naquela estrada, paravam no cruzeiro denominado o Senhor do Padrão, na esquina das ruas 9 de Julho e Nova dos Arcos (actual Rua Freire de Andradae), que ainda existe, mas transladado para a sua nova morada,  na década de 1980.




Em destaque, a primitiva Capela de Passos do Caminho de Santiago, na planta de Telles Ferreira de 1892





Cruzeiro do Senhor do Padrão, na Praça do Exército Libertador,  no seu novo local de instalação




Como se apercebe, na base envolvente ao cruzeiro existe uma chapa com uma legenda, que pretende homenagear os caminhantes:
"Louvado seja os tempos de valores virtude lizura ozeas. MDCCXXXVIII 1738".
Este cruzeiro, até ao ano de 1980, esteve implantado na Rua 9 de Julho, a cerca de 50 metros do actual local.




“O Cruzeiro do Senhor do Padrão foi erigido em 1738, assinalando a antiga estrutura viária desta zona da cidade do Porto, por onde passava o caminho que se dirigia ao norte da Península, nomeadamente a Santiago de Compostela. O cruzeiro testemunha, também, um tipo característico de religiosidade de caminhos, uma vez que, na sua aparente ingenuidade, simboliza um dos valores religiosos mais importantes da vivência religiosa exterior da época barroca.
Quando o espaço abrangente se urbanizou, com a construção de habitações e a abertura dos eixos viários que confluem para a Praça do Exército Libertador, o cruzeiro foi rodeado e protegido por uma estrutura quadrangular, com faces azulejadas e portão de acesso ao recinto.
No ano de 1993 o Cruzeiro do Senhor do Padrão foi classificado como de interesse municipal, e em 2000 a autarquia portuense restaurou a estrutura e devolveu-lhe a feição primitiva, colocando na base da mesma uma placa comemorativa que assinala a intervenção.”
Cortesia Catarina Oliveira (DGPC)



Rua de Oliveira Monteiro engalanada para os festejos do Senhor do Padrão e dos Aflitos em 1996


Desde há longa data, no terceiro fim-de-semana de Julho, realizam-se os tradicionais festejos em honra do senhor do Padrão e dos Aflitos.
No século XIX, os romeiros que demandavam a festa da Senhora da Hora, tomavam o caminho que seguia pela Rua de Cedofeita, passando pelo Ribeirinho (onde se juntavam os mirones a assistir à passagem, sentados em cadeirinhas, algumas de aluguer) para chegarem ao Carvalhido, pela Rua 9 de Julho. Em seguida, tomavam a  estrada que ligava a Francos e rumavam à ponte medieval que atravessava (e, continua a atravessar) a já formada Ribeira da Granja, em Ramalde do Meio. Seguia-se o Viso e chegavam às Sete Bicas.
Este caminho era também usado para os romeiros demandarem as festas do Senhor de Matosinhos, mas, neste caso, existia uma outra alternativa, pela qual, após ser alcançada a Rua de Serralves, próximo à igreja de Lordelo do Ouro, depois de percorrida toda ela, se chegava a Matosinhos pela Rua da Vilarinha.
Os arraiais duravam três dias e pelo caminho os romeiros tinham outros dois, de ensaio, à passagem – Ramada Alta e Carvalhido – tendo à disposição o vinho verde tirado das pipas, o pão-de-ló (roscas, cavacas, “bolinhos de Penafiel”, “doces de gema”) e o afamado “doce de Paranhos”. O peixe frito e as espetadas acompanhavam sempre o verdasco e as vendedeiras apresentavam para venda, em cestos, a fruta da ocasião.
Os romeiros faziam o percurso para a festa da Senhora da Hora (que ocorre nos nossos dias, 40 dias após a Páscoa) e para a festa do Senhor de Matosinhos (que ocorre, hoje, 52 dias após a Páscoa), tendo à sua disposição arraiais de passagem na Ramada Alta e nos largos do Carvalhido e da Prelada.


“Foi ontem o primeiro dia da romagem ao Senhor de Matosinhos, que o dia favoreceu. Em todo o caminho, desde o princípio da Rua de Cedofeita, o povo era imenso. Nos três arraiais do largo da Prelada, largo do Carvalhido e Ramada Alta era custoso fazer caminho pelo meio de gente que se apinhava naqueles pontos, num tumultar incessante.
No sítio do Ribeirinho estacionavam, segundo o costume, muitas famílias sentadas em fileiras de cadeiras, colocadas nas duas orlas do caminho. Caleches, carros, carruagens, etc, até os clássicos carroções, tudo andou em bolandas.”
In jornal “O Comércio do Porto”, 20 de Maio de 1861 – 2ª Feira



“Ontem de tarde houve arraial no Carvalhido e Ramada Alta aonde concorreu muita gente da cidade, houve abundância de peixe frito, espetadas e doce de Paranhos, que tudo teve muito consumo. A rua de Cedofeita esteve brilhante.”
In “Periódico dos Pobres do Porto”, 12 de Maio de 1856 – 2ª Feira

“Ontem foi o arraial da Hora no Carvalhido. Foi grande a concorrência. Porém, a meio da tarde, principiou um diminuto orvalho, que fez com que todo o povo se retirasse, ficando só no arraial as pipas com a zurrapa chamada vinho, as fritadeiras e doceiras de Paranhos.
As cadeiras que se costumam pôr na Ramada Alta e no Reguinho, aos proprietários não valeu a pena retirá-las de casa porque o receio da chuva fez uma completa retirada.”
In Jornal “O Direito”, de 14 de Maio de 1858




“De tarde desde a rua de Cedofeita ao Carvalhido, movia-se, num continuado fluxo e refluxo uma multidão de gente.
Na fonte dos Ablativos estacionavam, na forma do costume, numerosas famílias.
Na Ramada Alta e largo do Carvalhido houve também os costumados arraiais subalternos.”
In jornal “O Comércio do Porto”, 15 de Maio de 1863 – 6ª Feira



Sobre a festa da Senhora da Hora, de que nos fala os dois artigos jornalísticos seguintes, ela realizava-se na capela da Senhora da Hora, no sítio da Mãe d’Água, junto da fonte das Sete Bicas.
 
 
“Teve ontem lugar, próximo do Padrão da Légua, a festa anual de Nossa Senhora da Hora.
Foi grande o número de romeiros que ontem de tarde peregrinava pelas ruas que conduzem àquele arrabalde.
Houve muita animação e não pouco peixe frito.”
In “O Jornal do Porto, 15 de Maio de 1863 – 6ª Feira
 
 
 
“No passado domingo, 20 do corrente, realisou-se o ultimo dia da festa; foi grande a afluência de forasteiros que excedeu a espectativa, em virtude do estado do tempo não ser muito convidativo; á noitinha, desabou um forte aguaceiro que pôz tudo em debandada, e talvez fôsse um bom calmante para os cacos esquentados pela divina efervescencia bachante.
Durante o dia, tocou a banda de Ramalde, que não desmereceu os bons créditos de que gosa, sob a escrupulosa regência do sr. Amorim”.
In semanário “O Sino” de 27 de Maio de 1917




A actual Rua do Carvalhido faz fronteira entre as freguesias de Ramalde e Paranhos e herdou este topónimo pelo facto de, nesse lugar, ter existido uma grande concentração de soutos de carvalheiras. O Carvalhido aparece já designado por “Sovereyros munitos” (Sobreiros Resguardados), no documento de 1138, quando D. Afonso Henriques procedeu à ampliação e confirmação do couto do Porto.
Por deliberação da Câmara Municipal do Porto, em 1835, passou este local a designar-se por Praça do Exército Libertador, em homenagem às tropas liberais, chefiadas por D. Pedro IV.
Esta artéria provém do antigo troço da velha Estrada dos Nove Irmãos (séc. XVI) que partia de Cedofeita pela actual Rua do Barão de Forrester e de Oliveira Monteiro, levando os viajantes até à mata do Carvalhido, depois pelo Monte dos Burgos para Vila do Conde, seguindo até Valença e, daí, para a Galiza.
A pouca distância do cruzeiro encontramos aquela que foi a primeira igreja paroquial do Carvalhido até à criação da Paróquia do Coração de Jesus do Carvalhido, por provisão do bispo do Porto, D. António Augusto de Castro Meireles, de 24 de Dezembro de 1940.
A referida igreja, localizada no extremo Norte da Praça do Exército Libertador, é um edifício do século XVIII, referenciada pela primeira vez, em 1760, num registo paroquial de Santo Ildefonso. O edifício encontra-se no cruzamento das ruas da Natária, do Carvalhido e da Prelada com a Praça do Exército Libertador e pertencia, desde 1886, à Confraria de Nossa Senhora da Conceição.


“No dia 10 do corrente mês terá lugar, na capela de Nossa Senhora da Conceição, sita na Praça do Exército Libertador, antes do Carvalhido, a grande festividade ao milagroso mártir S. Paio.
Na véspera à noite haverá um brilhante fogo-de-artifício.
Durante a tarde e à noite, até acabar o fogo, uma das melhores bandas de música executará lindas e escolhidas composições musicais.
Pelas 5 horas da tarde sairá uma majestosa procissão, levando 5 andores com as imagens: Senhora do Parto, Senhora da Conceição, Senhor dos Aflictos, Santo António e S. Paio, bem como muitos anjinhos.
On trânsito da referida procissão será Praça do Exército Libertador,rua Nova do Carvalhido, rua das Valas, antigo largo da Ramada Alta, dá a volta à capela situada no referido largo, segue pela rua 9 de Julho e recolhe à capela.”
In jornal “O Primeiro de Janeiro”, 1 de Setembro de 1871 – 6ª Feira



Igreja do Carvalhido c. 1950 – Ed. Teófilo Rego


“Posteriormente à sua construção, a fachada granítica da igreja foi valorizada com uma integração harmoniosa dos azulejos, cujos painéis são da autoria do pintor cerâmico F. L. Pereira, conforme se pode confirmar pelas marcas manuais, com indicação das iniciais e o último nome do pintor, por extenso. Francisco Luís Pereira (1891-1961) foi um artista que trabalhou na Fábrica da Vista Alegre e, mais tarde, na Fábrica do Outeiro (Águeda), onde foram produzidas, em 1944, estas belíssimas peças de valor artístico considerável.”
Cortesia de Maximina Girão Ribeiro


O espaço ocupado actualmente por aquele cruzeiro, deo Senhor do Padrão, foi alvo de alguns melhoramentos como consequência da abertura da Rua da Constituição entre a Rua de Serpa Pinto e a Rua de Oliveira Monteiro, ocorrida já nos anos 70 do século passado, intervenção que descontinuou a Rua 9 de Julho.
Muitos de nós ainda se lembrarão que a área entre estas duas ruas era uma imensidão de barracas, uma gigantesca “ilha”.
Voltando à Ramada Alta na área que lhe é afecta destaca-se no seu meio a capela do Senhor do Calvário ou capela de Nossa Senhora das Dores, em cujo retábulo-mor, nos mostra uma pintura que representa o Santíssimo Sacramento no ostensório, adorado por anjos e foi executada por Maria Margarida Costa e, na sala das sessões, conserva-se a pintura de Nossa Senhora da Conceição, de Henrique José da Silva, de 1809.
Entre a capela-mor e a nave, na fachada Sul, destaca-se um oratório de reduzidas dimensões invocando a Virgem do Carmo, com tecto abobadado.


“Na capela da Ramada Alta festeja-se no Domingo, 31 de Maio, o Senhor do Calvário.
Haverá arraial e muita gente costuma concorrer a ele, como é costume, para ver passar os romeiros que vão e voltam pela estrada de cima de Matosinhos.
Hoje à noite há fogo-de-artifício.”
In “Gazeta Portuense”, 30 de Maio de 1868 - Sábado

Como se apercebe pela notícia anterior, o Senhor do Calvário, na Ramada Alta, era festejado em plena romagem dos devotos ao Senhor de Matosinhos, cujo dia máximo dos festejos, naquele ano, foi a 2 de Junho.


“Verifica-se amanhã, na capela da Ramada Alta, a festa da Senhora das Dores.
De tarde sairá em procissão a imagem, percorrendo as ruas 9 de Julho, largo do Carvalhido, Estrada Nova, Boavista e Ribeirinho.”
In “Jornal do Porto”, 9 de Agosto de 1873 - Sábado


Em 1903 a igreja cedeu parte dos seus terrenos à Câmara, para que esta pudesse proceder ao alargamento da Rua de Serpa Pinto.



Planta usada na abertura da Rua de Serpa Pinto de meados do século XIX – Fonte: gisaweb


Na planta acima (porção da original), a Rua de Serpa Pinto, de ligação ao matadouro municipal, ainda não existe, bem como as ruas de Brito Capelo e Egas Moniz.
Vê-se que o caminho identificado com o número 5 sofre uma bifurcação que segue em direcção ao Monte Pedral atravessando terrenos que serão de implantação do futuro quartel.
A Rua de Serpa Pinto, naquele troço da planta, seria traçada no rastro colorido identificado com o número 2, com trajecto ABCDEFG (visível) e HIKLMNO na restante porção de planta (não publicada) acabando na letra P, que identificava o matadouro.
Identificada com o nº 5 era o “Caminho para o Matadouro”, hoje apenas um troço, que corresponde à Rua de Marracuene.



Planta actual correspondente à área anterior aí observável (1850) – Fonte: Google maps


Nas duas plantas anteriores tenta fazer-se a respectiva correspondência de arruamentos.

Legenda:

1. Ramada Alta
2. Rua de Serpa Pinto
3. Rua dos Burgães
4. Rua de Marques Marinho (Travessa da Bouça)
5. Rua de Marracuene
6. Rua da Bouça


Planta de Telles Ferreira de 1892 da Ramada Alta (mantêm-se as identificações comparativas anteriores) – Fonte: gisaweb


Aspecto da Rua de Serpa Pinto em 1939




Ramada Alta nos anos 70


Mesma perspectiva actual da foto anterior


Pela esquerda das fotos segue a Rua Nossa Senhora de Fátima e, em frente, a Rua 9 de Julho.



Casa do Barão de Forrester na Ramada Alta


Pela direita da foto anterior segue a Rua do Barão de Forrester.


Mesma perspectiva actual da foto anterior – Fonte: Google maps



Capela do Senhor do Calvário e as 2 tílias de sentinela - Fonte: gisaweb



Capela do Senhor do Calvário com as suas duas novas sentinelas – Fonte: Google maps


“Sempre que passo à Ramada Alta, nas minhas idas ao Porto, fico encantado com aquele recanto de província, miraculosamente conciliado com a passagem de tanto automóvel. Digo entre mim: qualquer dia, desaparecem a capela e aquelas duas árvores, aquelas duas tílias que lhe fazem sentinela. O largo, que ainda se chama largo e que até se chama da Ramada Alta, nome antigo, de arredor de cidade, morrerá ou se crismará em praceta, sem capela e sem árvores ou só com dois palitos, floridos de cimento, como homenagem à natureza extinta. É preciso que a Ramada Alta mude de nome, que não cante ali nenhum pássaro, nem ali se fabrique, em folha natural, o velho oxigénio, um anacronismo, e que o ar se polua e engrosse com as emanações de tanto automóvel. Só assim o larguinho, com o nome de praceta, merecerá o bilhete oficial, que o acredite como coisa citadina. (...)”
Fonte: João de Araújo Correia (Canelas, Peso da Régua, 1 de Jan. de 1899 - Peso da Régua, 31 de Dez. de 1985) em Pó Levantado (1974)


O Carro Eléctrico nº 361 (Brill/STCP 28 - Pipis) da série de 350 a 373


De notar o abrigo com o seu quiosque anexo, característico daqueles tempos, e um eléctrico conhecido devido à sua elegância, por “pipi”, que tem por destino a Rotunda da Boavista.

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