Capela do Senhor da Agonia, ou do Senhor do Calvário, ou Capela
de Nossa Senhora das Dores na Ramada Alta
O sítio da Ramada Alta tomou a denominação de uma quinta que
ali existia, pertencente, em meados do século passado, à família Barros Lima.
José Francisco de Barros Lima foi um negociante portuense e um
dos heróis do Movimento Vintista que eclodiu em 1820, no Porto, e se traduziu na
revolta contra a presença dos interesses britânicos em Portugal.
Este sítio, que também se chamou “Falperra”, fazia parte
integrante dos caminhos de Santiago e era também percorrido pelos romeiros que
tinham por destino as festas da Senhora da Hora e do Senhor de Matosinhos, com passagem pela Rua de 9 de
Julho (antiga Rua da Ramada Alta) e tendo por primeiro destino o Carvalhido.
Alguns metros antes, naquela estrada, paravam no cruzeiro
denominado o Senhor do Padrão, na esquina das ruas 9 de Julho e Nova dos Arcos (actual Rua Freire de Andradae), que ainda existe, mas transladado para a sua nova morada, na década de 1980.
Em destaque, a primitiva Capela de Passos do Caminho de Santiago, na planta de Telles Ferreira de 1892
Cruzeiro do Senhor do Padrão, na Praça do Exército Libertador, no seu novo local de instalação
Como se apercebe, na base envolvente ao cruzeiro existe uma
chapa com uma legenda, que pretende homenagear os caminhantes:
"Louvado seja os tempos de valores virtude lizura
ozeas. MDCCXXXVIII 1738".
Este cruzeiro, até ao ano de 1980, esteve implantado na Rua 9 de Julho, a cerca de 50 metros do actual local.
Este cruzeiro, até ao ano de 1980, esteve implantado na Rua 9 de Julho, a cerca de 50 metros do actual local.
“O Cruzeiro do Senhor
do Padrão foi erigido em 1738, assinalando a antiga estrutura viária desta zona
da cidade do Porto, por onde passava o caminho que se dirigia ao norte da
Península, nomeadamente a Santiago de Compostela. O cruzeiro testemunha,
também, um tipo característico de religiosidade de caminhos, uma vez que, na
sua aparente ingenuidade, simboliza um dos valores religiosos mais importantes
da vivência religiosa exterior da época barroca.
Quando o espaço
abrangente se urbanizou, com a construção de habitações e a abertura dos eixos
viários que confluem para a Praça do Exército Libertador, o cruzeiro foi
rodeado e protegido por uma estrutura quadrangular, com faces azulejadas e
portão de acesso ao recinto.
No ano de 1993 o Cruzeiro do Senhor do Padrão foi classificado como de
interesse municipal, e em 2000 a autarquia portuense restaurou a estrutura e
devolveu-lhe a feição primitiva, colocando na base da mesma uma placa
comemorativa que assinala a intervenção.”
Cortesia Catarina Oliveira (DGPC)
Rua de Oliveira Monteiro engalanada para os festejos do
Senhor do Padrão e dos Aflitos em 1996
Desde há longa data, no terceiro fim-de-semana de Julho,
realizam-se os tradicionais festejos em honra do senhor do Padrão e dos
Aflitos.
No século XIX, os romeiros que demandavam a festa da Senhora da Hora, tomavam o caminho que seguia pela Rua de Cedofeita,
passando pelo Ribeirinho (onde se juntavam os mirones a assistir à passagem,
sentados em cadeirinhas, algumas de aluguer) para chegarem ao Carvalhido, pela Rua 9 de Julho. Em seguida, tomavam a estrada que ligava a Francos e rumavam à ponte medieval que atravessava (e, continua a atravessar) a já formada Ribeira da Granja, em Ramalde do Meio. Seguia-se o Viso e chegavam às Sete Bicas.
Este caminho era também usado para os romeiros demandarem as festas do Senhor de Matosinhos, mas, neste caso, existia uma outra alternativa, pela qual, após ser alcançada a Rua de Serralves, próximo à igreja de Lordelo do Ouro, depois de percorrida toda ela, se chegava a Matosinhos pela Rua da Vilarinha.
Os arraiais duravam três dias e pelo
caminho os romeiros tinham outros dois, de ensaio, à passagem – Ramada Alta e Carvalhido
– tendo à disposição o vinho verde tirado das pipas, o pão-de-ló (roscas,
cavacas, “bolinhos de Penafiel”, “doces de gema”) e o afamado “doce de
Paranhos”. O peixe frito e as espetadas acompanhavam sempre o verdasco e as
vendedeiras apresentavam para venda, em cestos, a fruta da ocasião.
Os romeiros faziam o percurso para a festa da Senhora da
Hora (que ocorre nos nossos dias, 40 dias após a Páscoa) e para a festa do
Senhor de Matosinhos (que ocorre, hoje, 52 dias após a Páscoa), tendo à sua
disposição arraiais de passagem na Ramada Alta e nos largos do Carvalhido e da
Prelada.
“Foi ontem o primeiro
dia da romagem ao Senhor de Matosinhos, que o dia favoreceu. Em todo o caminho,
desde o princípio da Rua de Cedofeita, o povo era imenso. Nos três arraiais do
largo da Prelada, largo do Carvalhido e Ramada Alta era custoso fazer caminho
pelo meio de gente que se apinhava naqueles pontos, num tumultar incessante.
No sítio do Ribeirinho
estacionavam, segundo o costume, muitas famílias sentadas em fileiras de
cadeiras, colocadas nas duas orlas do caminho. Caleches, carros, carruagens,
etc, até os clássicos carroções, tudo andou em bolandas.”
In jornal “O Comércio do Porto”, 20 de Maio de 1861 – 2ª
Feira
“Ontem de tarde houve
arraial no Carvalhido e Ramada Alta aonde concorreu muita gente da cidade,
houve abundância de peixe frito, espetadas e doce de Paranhos, que tudo teve
muito consumo. A rua de Cedofeita esteve brilhante.”
In “Periódico dos Pobres do Porto”, 12 de Maio de 1856 – 2ª
Feira
“Ontem foi o arraial
da Hora no Carvalhido. Foi grande a concorrência. Porém, a meio da tarde,
principiou um diminuto orvalho, que fez com que todo o povo se retirasse,
ficando só no arraial as pipas com a zurrapa chamada vinho, as fritadeiras e
doceiras de Paranhos.
As cadeiras que se
costumam pôr na Ramada Alta e no Reguinho, aos proprietários não valeu a pena
retirá-las de casa porque o receio da chuva fez uma completa retirada.”
In Jornal “O Direito”, de 14 de Maio de 1858
“De tarde desde a rua
de Cedofeita ao Carvalhido, movia-se, num continuado fluxo e refluxo uma
multidão de gente.
Na fonte dos Ablativos
estacionavam, na forma do costume, numerosas famílias.
Na Ramada Alta e largo
do Carvalhido houve também os costumados arraiais subalternos.”
In jornal “O Comércio do Porto”, 15 de Maio de 1863 – 6ª
Feira
Sobre a festa da Senhora da Hora, de que nos fala os dois
artigos jornalísticos seguintes, ela realizava-se na capela da Senhora da Hora,
no sítio da Mãe d’Água, junto da fonte das Sete Bicas.
“Teve ontem lugar,
próximo do Padrão da Légua, a festa anual de Nossa Senhora da Hora.
Foi grande o número de
romeiros que ontem de tarde peregrinava pelas ruas que conduzem àquele
arrabalde.
Houve muita animação e
não pouco peixe frito.”
In “O Jornal do Porto, 15 de Maio de 1863 – 6ª Feira
“No passado domingo,
20 do corrente, realisou-se o ultimo dia da festa; foi grande a afluência de
forasteiros que excedeu a espectativa, em virtude do estado do tempo não ser
muito convidativo; á noitinha, desabou um forte aguaceiro que pôz tudo em
debandada, e talvez fôsse um bom calmante para os cacos esquentados pela divina
efervescencia bachante.
Durante o dia, tocou a
banda de Ramalde, que não desmereceu os bons créditos de que gosa, sob a
escrupulosa regência do sr. Amorim”.
In semanário “O Sino” de 27 de Maio de 1917
A actual Rua do Carvalhido faz fronteira entre as
freguesias de Ramalde e Paranhos e herdou este topónimo pelo
facto de, nesse lugar, ter existido uma grande concentração de soutos
de carvalheiras. O Carvalhido aparece já designado por “Sovereyros
munitos” (Sobreiros Resguardados), no documento de 1138, quando D. Afonso
Henriques procedeu à ampliação e confirmação do couto do Porto.
Por deliberação da Câmara Municipal do Porto, em 1835,
passou este local a designar-se por Praça do Exército Libertador, em homenagem
às tropas liberais, chefiadas por D. Pedro IV.
Esta artéria provém do antigo troço da velha Estrada dos
Nove Irmãos (séc. XVI) que partia de Cedofeita pela actual Rua do Barão de
Forrester e de Oliveira Monteiro, levando os viajantes até à mata do
Carvalhido, depois pelo Monte dos Burgos para Vila do Conde, seguindo até
Valença e, daí, para a Galiza.
A pouca distância do cruzeiro encontramos aquela que foi a
primeira igreja paroquial do Carvalhido até à criação da Paróquia do Coração de
Jesus do Carvalhido, por provisão do
bispo do Porto, D. António Augusto de Castro Meireles, de 24 de Dezembro de
1940.
A referida igreja, localizada no extremo Norte da Praça do
Exército Libertador, é um edifício do século XVIII, referenciada pela primeira
vez, em 1760, num registo paroquial de Santo Ildefonso. O edifício encontra-se
no cruzamento das ruas da Natária, do Carvalhido e da
Prelada com a Praça do Exército Libertador e pertencia,
desde 1886, à Confraria de Nossa Senhora da Conceição.
“No dia 10 do corrente
mês terá lugar, na capela de Nossa
Senhora da Conceição, sita na Praça do Exército Libertador, antes do
Carvalhido, a grande festividade ao milagroso mártir S. Paio.
Na véspera à noite
haverá um brilhante fogo-de-artifício.
Durante a tarde e à
noite, até acabar o fogo, uma das melhores bandas de música executará lindas e
escolhidas composições musicais.
Pelas 5 horas da tarde
sairá uma majestosa procissão, levando 5 andores com as imagens: Senhora do
Parto, Senhora da Conceição, Senhor dos Aflictos, Santo António e S. Paio, bem
como muitos anjinhos.
On trânsito da
referida procissão será Praça do Exército Libertador,rua Nova do Carvalhido,
rua das Valas, antigo largo da Ramada Alta, dá a volta à capela situada no
referido largo, segue pela rua 9 de Julho e recolhe à capela.”
In jornal “O Primeiro de Janeiro”, 1 de Setembro de 1871 –
6ª Feira
Igreja do Carvalhido c. 1950 – Ed. Teófilo Rego
“Posteriormente à sua
construção, a fachada granítica da igreja foi valorizada com uma integração
harmoniosa dos azulejos, cujos painéis são da autoria do pintor cerâmico F. L.
Pereira, conforme se pode confirmar pelas marcas manuais, com indicação das
iniciais e o último nome do pintor, por extenso. Francisco Luís Pereira
(1891-1961) foi um artista que trabalhou na Fábrica da Vista Alegre e, mais
tarde, na Fábrica do Outeiro (Águeda), onde foram produzidas, em 1944, estas
belíssimas peças de valor artístico considerável.”
Cortesia de Maximina Girão Ribeiro
O espaço ocupado actualmente por aquele cruzeiro, deo Senhor
do Padrão, foi alvo de alguns melhoramentos como consequência da abertura da
Rua da Constituição entre a Rua de Serpa Pinto e a Rua de Oliveira Monteiro,
ocorrida já nos anos 70 do século passado, intervenção que descontinuou a Rua 9
de Julho.
Muitos de nós ainda se lembrarão que a área entre estas duas
ruas era uma imensidão de barracas, uma gigantesca “ilha”.
Voltando à Ramada Alta na área que lhe é afecta destaca-se
no seu meio a capela do Senhor do Calvário ou capela de Nossa Senhora das
Dores, em cujo retábulo-mor, nos mostra uma pintura que representa o Santíssimo
Sacramento no ostensório, adorado por anjos e foi executada por Maria Margarida
Costa e, na sala das sessões, conserva-se a pintura de Nossa Senhora da
Conceição, de Henrique José da Silva, de 1809.
Entre a capela-mor e a nave, na fachada Sul, destaca-se um
oratório de reduzidas dimensões invocando a Virgem do Carmo, com tecto
abobadado.
“Na capela da Ramada
Alta festeja-se no Domingo, 31 de Maio, o Senhor do Calvário.
Haverá arraial e muita
gente costuma concorrer a ele, como é costume, para ver passar os romeiros que
vão e voltam pela estrada de cima de
Matosinhos.
Hoje à noite há
fogo-de-artifício.”
In “Gazeta Portuense”, 30 de Maio de 1868 - Sábado
Como se apercebe pela notícia anterior, o Senhor do Calvário,
na Ramada Alta, era festejado em plena romagem dos devotos ao Senhor de
Matosinhos, cujo dia máximo dos festejos, naquele ano, foi a 2 de Junho.
“Verifica-se amanhã,
na capela da Ramada Alta, a festa da Senhora das Dores.
De tarde sairá em
procissão a imagem, percorrendo as ruas 9 de Julho, largo do Carvalhido,
Estrada Nova, Boavista e Ribeirinho.”
In “Jornal do Porto”, 9 de Agosto de 1873 - Sábado
Em 1903 a igreja cedeu parte dos seus terrenos à Câmara,
para que esta pudesse proceder ao alargamento da Rua de Serpa Pinto.
Planta usada na abertura da Rua de Serpa Pinto de meados do
século XIX – Fonte: gisaweb
Na planta acima (porção da original), a Rua de Serpa Pinto,
de ligação ao matadouro municipal, ainda não existe, bem como as ruas de Brito
Capelo e Egas Moniz.
Vê-se que o caminho identificado com o número 5 sofre uma
bifurcação que segue em direcção ao Monte Pedral atravessando terrenos que
serão de implantação do futuro quartel.
A Rua de Serpa Pinto, naquele troço da planta, seria traçada
no rastro colorido identificado com o número 2, com trajecto ABCDEFG (visível)
e HIKLMNO na restante porção de planta (não publicada) acabando na letra P, que
identificava o matadouro.
Identificada com o nº 5 era o “Caminho para o Matadouro”,
hoje apenas um troço, que corresponde à Rua de Marracuene.
Planta actual correspondente à área anterior aí observável
(1850) – Fonte: Google maps
Nas duas plantas anteriores tenta fazer-se a respectiva
correspondência de arruamentos.
Legenda:
1. Ramada Alta
2. Rua de Serpa Pinto
3. Rua dos Burgães
4. Rua de Marques Marinho (Travessa da Bouça)
5. Rua de Marracuene
6. Rua da Bouça
Aspecto da Rua de Serpa Pinto em 1939
Ramada Alta nos anos 70
Mesma perspectiva actual da foto anterior
Pela esquerda das fotos segue a Rua Nossa Senhora de Fátima
e, em frente, a Rua 9 de Julho.
Casa do Barão de Forrester na Ramada Alta
Pela direita da foto anterior segue a Rua do Barão de
Forrester.
Mesma perspectiva actual da foto anterior – Fonte: Google
maps
Capela do Senhor do Calvário e as 2 tílias de sentinela -
Fonte: gisaweb
Capela do Senhor do Calvário com as suas duas novas
sentinelas – Fonte: Google maps
“Sempre que passo à Ramada Alta, nas minhas idas ao
Porto, fico encantado com aquele recanto de província, miraculosamente
conciliado com a passagem de tanto automóvel. Digo entre mim: qualquer dia,
desaparecem a capela e aquelas duas árvores, aquelas duas tílias que lhe fazem
sentinela. O largo, que ainda se chama largo e que até se chama da Ramada Alta,
nome antigo, de arredor de cidade, morrerá ou se crismará em praceta, sem
capela e sem árvores ou só com dois palitos, floridos de cimento, como homenagem
à natureza extinta. É preciso que a Ramada Alta mude de nome, que não cante ali
nenhum pássaro, nem ali se fabrique, em folha natural, o velho oxigénio, um
anacronismo, e que o ar se polua e engrosse com as emanações de tanto
automóvel. Só assim o larguinho, com o nome de praceta, merecerá o bilhete
oficial, que o acredite como coisa citadina. (...)”
Fonte: João de
Araújo Correia (Canelas, Peso da Régua, 1 de Jan. de 1899 - Peso da Régua, 31
de Dez. de 1985) em Pó Levantado (1974)
O Carro Eléctrico nº 361 (Brill/STCP 28 - Pipis) da série de
350 a 373
De notar o abrigo com o seu quiosque anexo, característico
daqueles tempos, e um eléctrico conhecido devido à sua elegância, por “pipi”,
que tem por destino a Rotunda da Boavista.
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