Desde há anos que permanece uma dúvida entre aqueles que
dedicam algum do seu tempo ao estudo da cidade do Porto e às memórias que ela
nos vai deixando ao longo dos anos.
No caso presente, isso prende-se com a identificação duma
fotografia de Aurélio da Paz dos Reis, do início da década de 1900, na qual
muitos dizem ver a Vila Delfina, sita na Avenida da Boavista, o que não é
verdade.
No troço entre a Boavista e Cadouços a Máquina passava, de
facto, junto à Vila Delfina, mas isso era lá para os lados da Fonte da Moura.
“Chalet” de José Augusto Dias
Na foto anterior, segundo o arquitecto Luís Bourbon Aguiar
Branco, podemos ver a Máquina com o nº 2 e o “Chalet” de José Augusto Dias. Aquele “chalet” ficava situado já
próximo do Castelo do Queijo.
Na altura em que a foto foi obtida vê-se que o “chalet” está
acabado de construir, pois, ainda não apresenta os seus jardins.
O pedido de licença à Câmara Municipal do Porto ocorreu em
28/11/1900, e obteve o nº 86.
Aquela Máquina (nº2) saída da Boavista, passou por Cadouços
(Foz Velha), meteu pela Rua do Túnel, depois pela Rua de Gondarém e, já na
proximidade do Castelo do Queijo, flectiu um pouco em direcção ao mar, à
Estrada de Carreiros e, na parte final desta, que foi Rua do Castelo e agora é
Avenida de Montevideu, passa em frente do “Chalet” de José Augusto Dias,
praticamente pelo seu quintal e vai no seu trajecto continuar até à margem
esquerda do rio Leça, em Matosinhos.
Aquele bonito “chalet”, que o Professor Domingos Tavares
identifica como o “Palacete Coutinho”,
esteve no local abaixo identificado, dando origem ao prédio actual, em 1977.
Local actual onde antes esteve o “Chalet” de José Augusto
Dias – Fonte: Google maps
Desenho do arquitecto Luís Bourbon Aguiar Branco da fachada
principal do “Chalet” de José Augusto Dias, In “O Tripeiro” 7ª Série, ano
XXVII, Nº 11, de Novembro de 2018
A arquitectura que no fim do século XIX as classes
endinheiradas buscavam para os seus lares, foi de certo modo importada e
assentava no conceito e nas formas dos “chalets” europeus e de que o
engenheiro-arquitecto António Silva é o expoente máximo na concepção e
projecto.
Em 1897, António Silva já tinha projectado o Palacete
Andresen, na Avenida de Montevideu e que ficaria também conhecido como Palacete
dos Moreira e em cujas imediações (pelas suas traseiras na Rua de Gondarém)
passava a Máquina.
Palacete Andresen em 1900
Palacete Andresen ou Moreira
Na foto anterior é possível observar com 1, o “Chalet” de
José Augusto Dias, com o 2, o Palacete dos Andresen, com 3, o Castelo do
Queijo e com 4 e 5, respectivamente, a Rua de Gondarém e a Avenida de Montevideu.
Com o nº 6 temos o palacete do engenheiro António Silva.
Com o nº 6 temos o palacete do engenheiro António Silva.
A Máquina que aparece junto do Palacete Coutinho, no troço
do seu percurso entre Cadouços e Matosinhos, passava à porta de outros
“chalets”, de que é exemplo o “chalet” do próprio engenheiro-arquitecto António
da Silva (situado na Rua de Gondarém, nas traseiras do Palacete Andresen) que
foi o projectista, por excelência, dos “chalets” que encontramos ainda pela
cidade, e também conhecido por ser o autor do projecto da Real Vinícola, em
Matosinhos.
O professor Domingos Tavares, sobre o António da Silva (1853-1909),
faz-nos um retrato do engenheiro-arquitecto no que à sua obra diz respeito, no
livro, “Transformações na Arquitectura Portuense”.
Capa de livro de Domingos Tavares, “Transformações na
Arquitectura Portuense” – Ed. Dafne Editora/F. A. U. P. (2017)
“António da Silva foi
engenheiro da transição para o século XX que projectou as casas de um dos
grupos mais dinâmicos da estrutura comercial do Porto. A sua obra reflecte a
ânsia de representação pública de uma nova burguesia culta, liberal e
progressista que procurava na moda europeia a imagem da afirmação e da mudança.
Ao associar o palacete romântico ao chalé importado, fixou pormenores da
linguagem clássica numa renovada sintaxe arquitectónica, transformando também a
cidade.”
Fonte: Domingos Tavares, “Transformações na Arquitectura
Portuense” – Ed. Dafne Editora/F. A. U. P. (2017)
A capa do livro acima mostra (…) “uma vista da Rua de Gondarém, em que um pequeno comboio a vapor
“suburbano” passa rente à porta de um desses palacetes — no caso o da
residência do protagonista principal deste livro, o engenheiro António da Silva
(1853-1909), professor universitário de Desenho, “arquitecto por iniciativa
própria” (p. 81) e “personagem escondida no quadro da cultura burguesa
portuense” (p. 77), que “saiu realmente do discurso da arquitectura portuguesa,
se alguma vez lhe pertenceu, por antipatia ou desconfiança dos principais
protagonistas. Ficaram por aí algumas das suas obras feitas ruína, por vezes à
venda, transformadas em mitos do lugar” (p. 83), ou já perdidas “nas
inevitáveis práticas do demolir que caracteriza o progresso material das
cidades” (p. 82).
Fonte: “observador.pt” (06/03/2018) e livro de Domingos
Tavares, “Transformações na Arquitectura Portuense” – Ed. Dafne Editora/F. A.
U. P. (2017)
“Chalet” do engenheiro António Silva - Imagem extraída do
livro cuja capa é exibida acima
Na foto acima a Máquina nº 5 desliza na Rua de Gondarém
vinda de Matosinhos.
“Chalet” do engenheiro António Silva em meados do século XX
antes da sua demolição - Imagem extraída do livro de Domingos Tavares,
“Transformações na Arquitectura Portuense”
À direita situava-se o “chalet” de António da Silva na Rua
de Gondarém, nº 996 – Fonte: Google maps
Outra perspectiva (mais a Norte) do local onde esteve o
Palacete de António Silva na Rua de Gondarém
Por comparação das fotos de várias épocas parece-nos que a
construção a meio da foto anterior, será um pouco do que terá sobrado do
palacete de António da Silva, primitivo. Será?
Também não interessa. Em Março de 2019, já nada restava, como se vê na foto seguinte.
Também não interessa. Em Março de 2019, já nada restava, como se vê na foto seguinte.
Ed. Graça Correia
A Máquina nº 5 no viaduto de Cadouços junto a “chalet” (que
já não existe) cujo projecto é também de António da Silva
Localização do “chalet” da foto anterior
A linha azul da planta acima representa o trajecto da
Máquina nas imediações de Cadouços.
Os pontos A e B delimitam um viaduto para o trajecto da
Máquina entre a então Rua Nova do Túnel (Rua Cândida Sá de Albergaria) e o
Largo de Cadouços (actual Rua Monsenhor Manuel Marinho), lançado por cima da
Rua Fonte da Luz.
O círculo delimitado a preto situa-nos o “chalet” da foto
que se situava entre a Rua Nova do Túnel e a Rua do Teatro.
Viaduto de Cadouços com a Rua do Teatro subindo para o farol
da Luz
Post Scriptum
O lançamento vertente é uma singela homenagem à memória do engº Jorge
Figueiredo que foi um bom amigo e um seguidor deste blogue.
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