Criada por uma família de viticultores com origens no lugar
da Torre, freguesia do Loureiro, concelho de Peso da Régua, em 1751, a “Casa Ferreira”, uma empresa familiar, possui uma tradição riquíssima e um
papel proeminente na história do Vinho do Porto.
Papel de carta da “Companhia Agrícola e Comercial dos Vinhos
do Porto”/ “Antiga Casa Ferreirinha” (fundada em 1751) – Cortesia de Francisco
dos Santos (“fringosa.blogspot.com/”)
Em 1756, o Marquês
de Pombal ameaçou prender e expropriar os agricultores do Douro que não
cuidassem das suas terras.
Como resultado do
ultimato, acabam por romper muitas e belas vinhas, pelo Douro.
Nas adegas de
Covinhas, em Godim, da qual era proprietário ou no Romezal, José Ferreira registava
a posse de tonéis de vinho, ainda no século XVIII.
Este proprietário e
viticultor acaba por ver a sua vida ceifada, aquando das invasões francesas,
junto da fonte de Covelinhas, no Peso da régua.
José Ferreira tombou
fuzilado por soldados de Napoleão, ao responder-lhes a uma interpelação, num
francês impecável e que eles julgaram tratar-se, por isso, de um desertor. É
assim, que reza a lenda, mas o mais certo é ter sido, como tantos outros, um
opositor aos ocupantes.
Teve onze filhos,
entre eles, o José (1782-1853) que virá a ser o pai de D. Antónia Ferreira e o
António (1787-1835), que será o tio e futuro sogro daquela.
Desaparecido o patriarca,
serão aqueles dois filhos que irão gerir o negócio da família.
Em 1812, António
Bernardo Ferreira I (que passará a ser assim designado) abre, na Rua da
Ourivesaria (já desaparecida), o escritório da Casa Ferreira, no Porto, quando,
alguns anos antes, em 1804, já tinha de sociedade com o sócio Cristovão de
Oliveira, com o qual constituiu uma firma de comércio de produtos têxteis e
cutelarias.
Em 1826, é de facto,
segundo documentação do Arquivo Histórico Municipal do Porto, para aquela rua
que ele solicita umas obras para um prédio.
No Porto de início
do século XIX, quando António Bernardo I adquire o prédio na Rua da
Ourivesaria, as condições de habitabilidade das residências que se lhe
assemelhavam, tinham uma ocupação tradicional. Assim, o escritório dos Ferreira
situava-se no rés-do-chão, havendo também uma cave e um armazém.
O 1º e o 2º andar abrigavam
as residências reservadas a António Bernardo I e ao irmão, José Bernardo, o pai
de D. Antónia, quando este se deslocava à cidade.
O 3º e o 4º andar destinavam-se
ao administrador e demais serviçais dos dois irmãos e da firma.
Por sua vez, as
refeições principais, como nos dias de hoje, eram três, mas com outras
denominações.
O almoço
tinha lugar entre as 7 e as 9 horas da manhã e corresponderia, hoje, ao nosso
pequeno-almoço.
O jantar era
por volta das 12 horas, no que hoje é o nosso almoço.
A terceira refeição
era a ceia, actualmente, o nosso jantar, a partir do anoitecer até às
20horas, no Inverno e, no Verão, até às 21horas.
Em 1818, António
Bernardo Ferreira I, compra a quinta que era propriedade dos Taveira de
Magalhães, a Quinta do Vallado.
Entretanto, em 1819,
José Bernardo Ferreira, deu início a uma outra sociedade com o sogro, tendo
fundado a Sociedade Pedro Gil & Ferreira para negociar
diretamente com George Sandeman e começa a passar mais tempo na cidade do Porto
a tratar dos diversos negócios.
Por sua vez, António
Bernardo Ferreira I, em 1820, com ligações privilegiadas na Companhia Geral da
Agricultura das Vinhas do Alto Douro e com boas ligações políticas aos liberais
(cortes vintistas), toma o Hábito de Cristo e o título de Fidalgo da Casa Real.
Em 1823, António
Bernardo Ferreira I que tinha um faro comercial, digno de registo, adquire a
Quinta do Vesúvio, na freguesia de Numão, concelho de Vila Nova de Foz Côa, distrito
da Guarda.
Há menções da Quinta
do Vesúvio em registos históricos tão antigos, como os que datam de 1565,
embora com outra denominação.
“A Quinta do Vesúvio – cujo nome original era Quinta das Figueiras
– tem a sua história documentada até 1565, data em que Gaspar de Soveral
vincula parte dela a uma capela sua de Sernancelhe. Nesse mesmo ano, a outra
parte era adjudicada às três filhas de Martim de Távora, por falecimento deste,
tendo sido vendida a Pedro de Soveral em 1587. Em 1692, a quinta volta a surgir
no inventário realizado por morte de João de Soveral de Carvalho”.
Cortesia de Paula Montes Leal (Faculdade de Letras da
Universidade do Porto)
A Quinta das Figueiras foi então adquirida por António Bernardo Ferreira I, ao Conde
de Lapa, Manuel de Almeida e Vasconcelos, a título de emprazamento perpétuo, em 1823.
O nome da quinta terá sido alterado para Quinta do Vesúvio em 1830.
António Bernardo
Ferreira I abandona o cultivo de cereais, constrói socalcos, estradas,
edifícios agrícolas e planta vinha em toda a extensão da quinta. Em 1835, a
casa fica pronta e António Bernardo Ferreira morre.
Por morte de António
Bernardo Ferreira I, em 25 de Janeiro de 1835, a quinta é herdada pelo
seu filho, António Bernardo Ferreira II
(1812-1844), que havia casado com sua prima, D. Antónia Adelaide Ferreira, em
22 de Outubro de 1834.
Entretanto, a viúva, Josefa Gertrudes, contratará Joseph
James Forrester para a ajudar a resolver os assuntos de natureza financeira e a
gerir do melhor modo a herança.
Em 1847, a quinta ainda é foreira e sabe-se que, entre 1850
e 1856, António Mayer Júnior é o senhorio do foro do Vesúvio.
Em 1868, D. Maria Clementina de Lima Mayer compra o domínio directo ao Conde da Lapa.
A partir de então, o foro da Quinta do Vesúvio passa a ser
pago a Augusto de Lima Mayer.
D. Antónia Ferreira, na juventude
Sendo, naqueles tempos, o rio Douro a via mais acessível
para aceder à Quinta do Vesúvio e não estando o caudal do rio regularizado
(longe disso), há dois acidentes que se assinalam na demanda da propriedade.
Um deles ocorre, em 1824, tendo sido protagonista António Bernardo Ferreira I, que escapou
ileso e um outro, num passeio encetado, muitos anos mais tarde, até à Régua,
com outros protagonistas, e que teve um fim abrupto no Cachão da Valeira.
Neste, em 1861,
pareceram no naufrágio da embarcação, o barão de Forrester, a sua cozinheira
Gertrudes e outros criados, tendo-se salvo D. Antónia Ferreira e o seu segundo
marido, Francisco Silva Torres (1804-1880).
Cachão da Valeira no
fim do século XIX – Ed. Emílio Biel
D. Antónia acabou
por ser muito próxima do barão de Forrester, outra figura marcante no Douro,
responsável pelos primeiros mapas dos vinhedos desta região, também viticultor
e estudioso das soluções contra as pragas que atacavam as vinhas.
No que diz respeito
àquele acidente, Camilo Castelo Branco lamentaria, sobretudo, a morte daquela
cozinheira que tinha trabalhado no restaurante Estanislau, na Praça da Batalha
e, cujos cozinhados faziam as delícias do escritor.
Recuando uns anos e
voltando à actividade de António Bernardo Ferreira I, por volta do início da
década de 1830 confirmam-se, na narrativa seguinte, as qualidades comerciais da
personagem.
“ No Peso da Régua, por volta de 1830,
António Ferreira toma um rabelo rumo à foz do Douro. Desembarca em Vila Nova de
Gaia, na margem esquerda, e que fica em frente à cidade do Porto (margem
direita). Praticando preços bem inferiores aos do mercado, António Ferreira
vende facilmente os armazéns da sua família instalados em Gaia, também as
centenas e centenas de pipas de vinho generoso ali guardadas. Recorde-se que
era da foz do Douro que partiam para o Reino Unido (país dos grandes clientes)
navios e mais navios carregados com pipas do chamado vinho do Porto que afinal
era produzido nas encostas do Douro.
Quem muito protestou contra o negócio
realizado por António, foi José. Mas quando, passados poucos meses, por causa
da Guerra Civil, os armazéns de Gaia são assaltados, o vinho é derramado para o
Douro e a barra do Porto fica bloqueada, José dá o dito por não dito e acha que
foi genial a iniciativa do irmão. Com o dinheiro realizado os Ferreiras compram
o vinho de todos os vizinhos e, em sucessivas caravanas de carros de bois,
tratam de transportá-lo para a barra da Figueira da Foz (rio Mondego). Dali
exportam-no para o Reino Unido, como dantes tinham feito a partir da barra do
Porto. Excelente negócio! Mais rica e poderosa fica a família…”
Cortesia de Fernando
Correia da Silva (In “aviagemdosargonautas.net/”)
Naqueles tempos já se fazia, há anos, a ligação entre o
Porto e o Peso da Régua, em barcos, como se noticia abaixo.
“Barcos de Carreira
para a Régua todas as 4ªs às 10h e da Régua ao Porto às 2ªs.”
In “Periódico dos Pobres no Porto”, p. 348, de 11 de Abril
de 1839
É, no entanto, D. Antónia Adelaide Ferreira, conhecida
também como D. Antónia, “Ferreirinha” ou “Ferreirinha da Régua”, nascida em
1811, na Régua, quem vai dar o impulso para que a empresa se torne centenária e
de referência no sector dos vinhos.
Tendo D. Antónia, sido casada em 1834, com o seu primo
direito, António Bernardo Ferreira II, acaba por herdar, face à morte prematura
deste, uma fortuna que compreendia todo o património acumulado pelos dois ramos
dos Ferreira da Régua, desde 1750 até 1844.
Deste casamento, o casal tem dois filhos, a menina Maria
d'Assunção, mais tarde Condessa de Azambuja, e um rapaz a quem deram o nome do
avô e do pai – António Bernardo Ferreira III (1835-1907). Uma outra menina
morre, precocemente, com 5 anos de idade.
D. Adelaide Ferreira, viúva aos 33 anos de idade, faria um
segundo casamento, em 1856, em Londres, com Francisco da Silva Torres, o seu
secretário, falecido em 1880 e que trabalhava para a família, no escritório da
Régua, desde 1835.
Em 1844, Silva Torres era o guarda-livros, dos escritórios
do Porto, da Companhia do Tabaco, Sabão e Pólvora.
“D. Antónia herdou a
Quinta do Vesúvio tendo-lhe dedicado igual interesse e continuando a alargar a
propriedade, mesmo após o seu casamento com Francisco da Silva Torres como, por
exemplo, em 1858, quando D. Antónia e Silva Torres trocam montes no Vesúvio. Os
vinhos do Vesúvio – que não estavam incluídos nas demarcações de 1756 –
participam em 1873 na Exposição de Viena. D. Antónia também experimentou a
produção de azeite na Quinta do Vesúvio onde, em 1885, é construído novo lagar
de azeite (em 1849, D. Antónia manda plantar no Vesúvio e em Vargelas 1.000 pés
de oliveira), assim como a criação de bicho-da-seda também na mesma quinta que,
contudo, acabará por fracassar em 1868. Em 1883 haverá expropriação de terrenos
da Quinta do Vesúvio (assim como de Arnozelo e de Vargelas) para a construção
do caminho-de-ferro; em compensação, Vesúvio e Vargelas passam a ter estação
própria”.
Cortesia de Paula Montes Leal (Faculdade de Letras da
Universidade do Porto)
Seria a paixão de D. Antónia pelas vinhas e pelo Douro, o
enorme sentido de oportunidade comercial, que a levou a acumular vinhos antes
das grandes pragas das videiras do século XIX, o oídio e a filoxera, para
depois os vender com largas mais-valias, em períodos de carência ou, ainda, o
seu “faro empresarial”, que a tornaram uma das pessoas mais ricas de Portugal,
no século XIX.
A administração da Quinta do Vesúvio virá a centralizar,
também, as atinentes ao Casal de Arnozelo, Casal do Ourosinho, Quinta da
Coalheira, Quinta de Porrais e Quinta de Vargelas, propriedades integrantes da
organização da “Casa Ferreira”.
Algumas destas quintas acabarão, com a passagem dos anos,
por irem parar à mão de outras famílias.
De notar, que a Quinta de Porrais, localizada na freguesia
de Candedo, concelho de Murça, distrito de V. Real, acabará por ser herdada por
António Bernardo III (casado desde 1852, com Antónia Cândida Plácido Braga,
irmã de Ana Plácido e, entre 1859 e 1867, presidente da então Associação
Industrial Portuense, que hoje se denomina de Associação Empresarial de
Portugal) e, depois, pelo neto de D. Antónia, o capitão António Bernardo IV.
Quinta do Vesúvio no
final do século XIX – Ed. Emílio Biel
Quinta do Vesúvio
Segundo a biografia de D. Antónia, escrita pelo historiador
Gaspar Martins Pereira e Maria Luísa Olazabal, quando morreu, aos 84 anos, em
1896, na sua Quinta das Nogueiras, na Régua, D. Antónia deixou aos seus dois
filhos e 18 netos, uma fortuna colossal, avaliada em 5.907.323 mil réis.
Neste acervo constavam 24 quintas, capazes de produzir 1500
pipas de vinho de alta qualidade por ano, 13 mil pipas armazenadas,
"centenas de pipas de aguardente e uma preciosa frasqueira com milhares de
garrafas das mais consagradas colheitas, como as de 1815, 1820, 1834 ou 1847.
Organigrama da “Casa Ferreira” entre 1856 e 1880
(Continua)
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