Nota: O texto que se segue teve como fonte principal, entre outras, o
“4º Congresso Internacional Casa Nobre – Um património para o futuro (2017)”.
Com a cortesia de Jorge Ricardo Pinto e outros
A Rua Mártires da Liberdade, antiga Rua da Sovela e, antes,
Rua de Santo Ovídio, era uma via importante de saída da cidade e de ligação a
Braga.
No início do século XIX, a zona a ela envolvente, começava a
ser alvo de urbanização e de crescimento urbanístico.
Na parte da rua, mais a norte, próxima já da Praça da
República, surgem, então, prédios com um certo porte e afectos a uma burguesia
em expansão.
O correr de quatro prédios de 3 pisos, entre os números de
polícia 300 e 320, pertenceu, em tempos, aos senhores da Casa da Fábrica, da
Rua da Fábrica.
Prédios na Rua Mártires da Liberdade que foram dos senhores
da “Casa da Fábrica” – Fonte: Google maps
Construídos, possivelmente, a partir de 1847, um deles foi
ocupado intermitentemente pela família e, os restantes três, sucessivamente
arrendados.
Foi o caso, em 1848, pois a senhora da Casa da Fábrica,
Maria Vitória de Meneses e Vasconcelos, já aí habitava.
Entre 1857 e 1863, uma destas moradas, a que tem o nº 304,
foi ocupada pelo Barão de Mogofores.
O Barão de Mogofores (1786-1872), conselheiro Manuel
Ferreira de Seabra da Motta e Silva, foi um dos que acompanhando D. Pedro IV,
desembarcaram na praia da Memória, em 1832.
Foi casado com Ana Felícia de Seabra e Sousa.
Alguns desses bravos, muitos deles oriundos de outras
localidades, terminado o cerco, acabaram por fixar residência, com a sua
família, no Porto.
Barão de Mogofores e a sua prole masculina – Fonte: Reis, J.
M. (1998) – Genealogia da Família Seabra de Mogofores
Barão de Mogofores, as suas noras e a filha Júlia, estando
ausente a filha mais velha, Dulce – Fonte: Reis, J. M. (1998) – Genealogia da
Família Seabra de Mogofores
Do outro lado da rua, um outro edifício com algum realce, mais
antigo, pois já estava edificado em 1833, pertencia a Nicolau Clamouse Browne,
casado com Emília Cristina Ribeiro Braga, com filhos, o primogénito, Nicolau e
ainda, um outro, de nome Roberto e, cujos descendentes, por lá se mantiveram,
até que, em 1900, o último morreu sem descendentes.
O filho mais novo casaria com Joana Guedes da Silva e morreu
sem descendência em 1868. O mais velho, Nicolau, nunca casou e sem descendentes
deixou a herança que tinha recebido por morte de sua mãe, a Olívia Correia Gonçalves
Telles, que no testamento era descrita como se fosse sua filha e por si criada
desde tenra idade, que era casada com António Ribeiro Telles.
O patriarca deste ramo dos Clamouse Browne, Nicolau, era
irmão de Manuel Clamouse Browne, sócio fundador da Associação Comercial do
Porto, casado com Maria da Felicidade do Couto, conhecida como Soror Dolores,
poetisa, e de quem se diz que teve um envolvimento amoroso com Camilo Castelo
Branco e, por isso, os filhos da senhora se terão batido em duelo com o escritor.
Emília Cristina, acima referenciada, pertencia à família dos
Ribeiro Braga que eram proprietários de todos os terrenos anexos ao Largo do
Mirante (Praça Coronel Pacheco), integrando a Quinta dos Carvalhos do Monte ou
Quinta do Mirante, de que fazia parte a área ocupada pela Faculdade de
Engenharia hoje, a Faculdade de Direito.
Casa dos Clamouse Browne – Fonte: Google maps
O conjunto habitacional da Rua Mártires da Liberdade, nº
144-150, constituía, inicialmente, um único conjunto.
Em 1833, nele, era dado como morador, um tal Smith,
negociante e, em 1837, Alípio Antero da Silveira Pinto, juiz do Tribunal da
Relação do Porto, que foi também um dos resistentes do Cerco do Porto e, cuja
família, era dona do Palacete de São Paio, na Afurada, em V. N. de Gaia.
Na última metade do século XIX, pertenceu ao segundo filho
do Barão de Mogofores, Acácio Alfredo de Seabra, que nele habitou entre 1866 e
1874 e que aqui viveu com a sua mulher Emília Ermelinda de Sousa Pimentel.
Então, retirou-se para Mogofores, para a Quinta do Caneiro,
que herdou do seu pai.
O lote mais a sul, com o nº 146, encontrava-se dividido em
quatro partes, tendo três delas transitado para Domingos Gonçalves de Araújo,
residente no Largo de São Domingos e, uma quarta parte sido, por si, também
comprada, a Júlia Guedes de Sousa Pimentel, viúva de Carlos Pimentel, residente
em Lisboa e familiar de Emília Ermelinda de Sousa Pimentel.
O lote com o nº 148 é o que mais se destaca, constituindo o
núcleo central do conjunto, ladeado pelos outros dois anexos.
À morte dos seus proprietários ficou na posse de Ana Augusta
de Sousa Pimentel, também familiar de Emília Ermelinda de Sousa Pimentel.
A casa foi comprada, em 1919, pelo Dr. Joaquim da Costa
Carvalho Júnior, comerciante e residente na Rua de Entre-Quintas.
Rua Mártires da Liberdade, 144-150. Em primeiro plano o lote
principal
O edifício que tinha o nº 152, mais a norte, já não existe.
Pertencia também a Acácio Alfredo e Emília Ermelinda de Sousa Pimentel, e à
morte de ambos, foi herdado por uma sobrinha, Hermínia Augusta Seabra, que
morreria solteira. Em 1953, passou para as mãos da Santa Casa da Misericórdia
do Porto.
O edifício, mais a norte, na Rua Mártires da Liberdade, nº
150 e que foi demolido
Edifício que substituiu o anterior, construído na década de
1960
Quinta do Pinheiro
O palacete da Quinta do Pinheiro é aquele que muitos dos
portuenses reconhecem, ainda, como o prédio onde funcionou a Escola Académica,
a partir de 1882, até ao último quartel do século XX.
Antes da abertura da Rua do Pinheiro e de outras, envolvendo
o Bairro do Laranjal, a Quinta do Pinheiro era muito mais extensa, tendo sido
retalhada, em meados do século XVIII, para urbanização.
“Em 1508, João
Rodrigues de Avelar e sua mulher Grácia Luís, venderam o seu campo no Casal do
Pinheiro «junto aos Carvalhos do Monte, prez da cidade» e um par da estrada
pública. Em 1533, nova venda do «Lugar ou Casal do Pinheiro, situado entre a
estrada que vem de Guimarães (actual Rua Mártires da Liberdade) para a Porta do
Olival (actual Cordoaria) e o caminho de Liceiras (ainda existe a Rua de
Liceiras, junto à Trindade, cerca de duas centenas de metros abaixo). Tinha,
então, esta propriedade, um pombal e várias árvores de fruto, entre as quais se
mencionam laranjeiras que, mais tarde, com outras por ali existentes, dariam ao
Casal do Pinheiro o nome de Quinta do Laranjal de Cima, que já tinha em 1661. A
Quinta do Pinheiro foi alienada há poucos anos pelos últimos sucessores dos
Monteiros, na posse desta bela propriedade desde princípios do século XVIII.”
Fonte: Toponímia Portuense de Andrea da Cunha e Freitas
Desde o início do século XVIII, a quinta do Pinheiro esteve
na posse da família Monteiro.
Em 1789, teria sido João António Monteiro de Azevedo que,
segundo o padre Agostinho Rebelo da Costa, na
Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto, teria mandado
construir o edifício no meio da quinta e
que, hoje, está com entrada localizada próximo das Escadas do Pinheiro.
Aqui funcionou a Escola Académica
Aqui, iria viver a filha mais velha do Barão de Mogofores,
Dulce Augusta de Ferreira Seabra e Sousa, casada com Albino Raimundo de Sousa
Pimentel, irmão de Emília Ermelinda de Sousa Pimentel, ambos filhos do Barão de
Sanhoane e, de cujo casamento, houve uma filha, Maria Joana Gramaxo.
O Barão de Sanhoane, José de Sousa Pimentel de Faria, foi
também um lutador, desde 1820, da causa liberal, tendo sido ainda, deputado,
Marechal de Campo e portador de várias condecorações. Era casado com Joana
Perpétua de Sousa, senhora da Quinta do Pinheiro e Baronesa de Sanhoane.
Por morte do Barão de Sanhoane, foi concedido por despacho
régio, em Diário do Governo, de 9 de Agosto de 1848, um soldo por inteiro
correspondente à patente de Marechal de Campo, metade à viúva e a outra metade
a dividir pelas três filhas, Teresa Ludovina de Sousa Pimentel, Joana Carolina
de Sousa Pimentel e Emília Ermelinda de Sousa Pimentel, sem supervivência de
umas para outras.
Albino Raimundo (1805-1866) foi, assim, senhor da Quinta do
Pinheiro e conhecido, por ter sido um dos que participaram na compra do Museu
Allen, em representação da Câmara Municipal e por ser um amigo de Camilo que,
por isso, frequentava de vez em quando a quinta.
Maria Joana Gramaxo casaria, em 1885, com Cristovão Almeida
Azevedo de Vasconcelos Gramaxo, cujo pai era, também, proprietário de vários
terrenos, na Rua dos Mártires da Liberdade.
A família Gramaxo, da qual se destacou o lente da Escola Médico- Cirúrgica do Porto, José Andrade Gramaxo, tinha residência na Rua Mártires da Liberdade, nº 122.
Diz-se que a Quinta do Pinheiro estava ligada com uma casa
localizada na Rua dos Mártires da Liberdade, e que seria aquela onde viveu
Acácio Alfredo Seabra, filho do Barão de Mogofores.
Palacete do Largo
Moinho de Vento
Desconhecendo-se a data do lançamento dos seus alicerces e
de quem o ordenou, sabe-se que, durante o Cerco do Porto, ali vivia um ramo da
família Morais Sarmento e que, mais tarde, em 1837, ali residiam Miguel Joaquim
Gomes Cardoso e o seu filho Miguel Joaquim Gomes Cardoso Júnior, ambos
advogados, tendo este, sido Presidente da Câmara do Porto, em 1839.
Depois, a casa foi habitada pelo Presidente da Companhia
Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, o segundo visconde da Várzea,
João da Silveira Pinto da Fonseca.
Em 1843, o foro da casa apalaçada, pertencia a António
Barbosa de Albuquerque, casado com Maria Augusta Soares Barbosa, já falecida
naquela data, de cujo casamento houve uma filha, única herdeira, Amélia
Augusta.
A Casa do Moinho de Vento constaria da herança de Amélia
Augusta, bem como, a determinação de que o seu tutor e administrador dos bens,
seria Francisco Diogo de Sousa Cyrne, senhor da Casa do Poço das Patas, e irmão
de Maria Isabel de Sousa Cyrne, casada com o senhor da Casa da Fábrica, Diogo
Francisco.
Destinada por seu pai, para casar quando atingisse a idade
conveniente com o seu tio, Amélia Augusta não cumpriria esta vontade do progenitor
e acabou por casar, sim, com Armando Artur Ferreira de Seabra da Motta e Silva,
filho mais novo do Barão de Mogofores.
Deste casamento resultaram três filhos, uma menina que
morreu na infância, Artur Augusto Albuquerque e Seabra, que foi escritor e
jornalista e Laura Augusta de Albuquerque Seabra.
Na década de 1880, a casa do Moinho de Vento foi dada como
garantia de uma dívida, entretanto resgatada por Laura Augusta, filha de
Amélia.
Por morte de Laura Augusta herda a propriedade o seu marido,
o General Francisco Leite Arriscado.
Por ausência de descendência, herdam então a propriedade, os
filhos naturais do seu já falecido cunhado, mantendo-se nesta família, a
propriedade, até 1998.
Palacete no Largo Moinho de Vento
Rua Miguel Bombarda - Conclusão
Sobre as várias residências de parentes das famílias
referenciadas, poder-se-ia ainda, apontar, entre muitos outras situações, a do
quarto filho do Barão de Mogofores, Aloísio Augusto Seabra, que foi
administrador do Bairro de Cedofeita e casado com Maria da Graça Barros Lima,
filha de José Pedro Barros Lima, senhor da Quinta da Ramada Alta.
Aloísio foi amigo de Camilo Castelo Branco e aquela
personagem envolvida com o escritor numa cena de pancadaria, muito conhecida,
de homenagem à cantora Dabedeille, acontecida na Estalagem da Ponte da Pedra.
Aloísio Augusto teve o seu escritório de advogado num prédio
de dois pisos, que adquiriu na Rua do Príncipe (Rua Miguel Bombarda), a um dos
seus irmãos e cunhada, em 1850, ficando, ainda, proprietário de uma área anexa
de terrenos sem edificado, que passaria, mais tarde, a comportar com aquele
prédio inicial, um conjunto de três, instalados em quatro lotes.
Em 1850, ano também do seu casamento, Aloísio Seabra
requereu à Câmara o acréscimo de um terceiro piso ao prédio adquirido.
O prazo do terreno, constituído por dois lotes, onde
nasceria o prédio, mais a poente, seria adquirido, em 1857, pelo negociante de
vinhos do Porto, António de Ferreira Menères, casado com Emília dos Santos
Menères.
O negócio subjacente teve lugar no Palácio das Sereias, dos
Portocarrero, em Miragaia, já que eram o senhorio do terreno referido.
Antes o prazo tinha pertencido a domingos Rosário do
Nascimento Almeida, tio de Almeida Garrett, que foi quem emprestou o nome à Rua
do Rosário.
O lote do meio em 1880 ainda estava vago, o prazo pertencia
a Maria da Glória Pizarro da Cunha Portcarrero e quem pagava foro era Aloísio
Augusto e a sua mulher.
Em 1876, André Michon adquiriu o prédio de escritórios e
respectivo terreno anexo a Maria da Graça Barros Lima Seabra e ao seu filho e
nora, Aloísio Augusto Seabra e Almira Silva de Seabra, tendo, em 1880,
solicitado uma autorização de construção à Câmara, do prédio ainda hoje no
local.
Esse edifício central, com o nº de polícia (actual), 208,
está identificado na foto abaixo, bem como, o situado mais a nascente
(escritório).
Em primeiro plano, o prédio do conjunto localizado ao centro
e, em segundo plano, o situado a nascente, já desaparecido e que teria sido o
escritório de Aloísio Seabra – Fonte: Google maps (2009)
Em primeiro plano o prédio do conjunto situado mais a poente
– Fonte: Google maps
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