quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

25.106 Residências no Porto dos familiares dos Barões de Mogofores e de Sanhoane, no século XIX

 
Nota: O texto que se segue teve como fonte principal, entre outras, o “4º Congresso Internacional Casa Nobre – Um património para o futuro (2017)”.
Com a cortesia de Jorge Ricardo Pinto e outros
 
A Rua Mártires da Liberdade, antiga Rua da Sovela e, antes, Rua de Santo Ovídio, era uma via importante de saída da cidade e de ligação a Braga.
No início do século XIX, a zona a ela envolvente, começava a ser alvo de urbanização e de crescimento urbanístico.
Na parte da rua, mais a norte, próxima já da Praça da República, surgem, então, prédios com um certo porte e afectos a uma burguesia em expansão.
O correr de quatro prédios de 3 pisos, entre os números de polícia 300 e 320, pertenceu, em tempos, aos senhores da Casa da Fábrica, da Rua da Fábrica.
 
 
 
Prédios na Rua Mártires da Liberdade que foram dos senhores da “Casa da Fábrica” – Fonte: Google maps
 
 
 
Construídos, possivelmente, a partir de 1847, um deles foi ocupado intermitentemente pela família e, os restantes três, sucessivamente arrendados.
Foi o caso, em 1848, pois a senhora da Casa da Fábrica, Maria Vitória de Meneses e Vasconcelos, já aí habitava.
Entre 1857 e 1863, uma destas moradas, a que tem o nº 304, foi ocupada pelo Barão de Mogofores.
O Barão de Mogofores (1786-1872), conselheiro Manuel Ferreira de Seabra da Motta e Silva, foi um dos que acompanhando D. Pedro IV, desembarcaram na praia da Memória, em 1832.
Foi casado com Ana Felícia de Seabra e Sousa.
Alguns desses bravos, muitos deles oriundos de outras localidades, terminado o cerco, acabaram por fixar residência, com a sua família, no Porto.
 
 
 
Barão de Mogofores e a sua prole masculina – Fonte: Reis, J. M. (1998) – Genealogia da Família Seabra de Mogofores
 
 
 
 
Barão de Mogofores, as suas noras e a filha Júlia, estando ausente a filha mais velha, Dulce – Fonte: Reis, J. M. (1998) – Genealogia da Família Seabra de Mogofores
 
 
 
 
 
 
Do outro lado da rua, um outro edifício com algum realce, mais antigo, pois já estava edificado em 1833, pertencia a Nicolau Clamouse Browne, casado com Emília Cristina Ribeiro Braga, com filhos, o primogénito, Nicolau e ainda, um outro, de nome Roberto e, cujos descendentes, por lá se mantiveram, até que, em 1900, o último morreu sem descendentes.
O filho mais novo casaria com Joana Guedes da Silva e morreu sem descendência em 1868. O mais velho, Nicolau, nunca casou e sem descendentes deixou a herança que tinha recebido por morte de sua mãe, a Olívia Correia Gonçalves Telles, que no testamento era descrita como se fosse sua filha e por si criada desde tenra idade, que era casada com António Ribeiro Telles.
O patriarca deste ramo dos Clamouse Browne, Nicolau, era irmão de Manuel Clamouse Browne, sócio fundador da Associação Comercial do Porto, casado com Maria da Felicidade do Couto, conhecida como Soror Dolores, poetisa, e de quem se diz que teve um envolvimento amoroso com Camilo Castelo Branco e, por isso, os filhos da senhora se terão batido em duelo com o escritor.
Emília Cristina, acima referenciada, pertencia à família dos Ribeiro Braga que eram proprietários de todos os terrenos anexos ao Largo do Mirante (Praça Coronel Pacheco), integrando a Quinta dos Carvalhos do Monte ou Quinta do Mirante, de que fazia parte a área ocupada pela Faculdade de Engenharia hoje, a Faculdade de Direito.

 
 
Casa dos Clamouse Browne – Fonte: Google maps
 
 
 
O conjunto habitacional da Rua Mártires da Liberdade, nº 144-150, constituía, inicialmente, um único conjunto.
Em 1833, nele, era dado como morador, um tal Smith, negociante e, em 1837, Alípio Antero da Silveira Pinto, juiz do Tribunal da Relação do Porto, que foi também um dos resistentes do Cerco do Porto e, cuja família, era dona do Palacete de São Paio, na Afurada, em V. N. de Gaia.
Na última metade do século XIX, pertenceu ao segundo filho do Barão de Mogofores, Acácio Alfredo de Seabra, que nele habitou entre 1866 e 1874 e que aqui viveu com a sua mulher Emília Ermelinda de Sousa Pimentel.
Então, retirou-se para Mogofores, para a Quinta do Caneiro, que herdou do seu pai.
O lote mais a sul, com o nº 146, encontrava-se dividido em quatro partes, tendo três delas transitado para Domingos Gonçalves de Araújo, residente no Largo de São Domingos e, uma quarta parte sido, por si, também comprada, a Júlia Guedes de Sousa Pimentel, viúva de Carlos Pimentel, residente em Lisboa e familiar de Emília Ermelinda de Sousa Pimentel.
O lote com o nº 148 é o que mais se destaca, constituindo o núcleo central do conjunto, ladeado pelos outros dois anexos.
À morte dos seus proprietários ficou na posse de Ana Augusta de Sousa Pimentel, também familiar de Emília Ermelinda de Sousa Pimentel.
A casa foi comprada, em 1919, pelo Dr. Joaquim da Costa Carvalho Júnior, comerciante e residente na Rua de Entre-Quintas.


 
 
Rua Mártires da Liberdade, 144-150. Em primeiro plano o lote principal
 
 
 
 
O edifício que tinha o nº 152, mais a norte, já não existe. Pertencia também a Acácio Alfredo e Emília Ermelinda de Sousa Pimentel, e à morte de ambos, foi herdado por uma sobrinha, Hermínia Augusta Seabra, que morreria solteira. Em 1953, passou para as mãos da Santa Casa da Misericórdia do Porto.
 
 
 
O edifício, mais a norte, na Rua Mártires da Liberdade, nº 150 e que foi demolido



 
Edifício que substituiu o anterior, construído na década de 1960
 
 
 
 
 
Quinta do Pinheiro
 

O palacete da Quinta do Pinheiro é aquele que muitos dos portuenses reconhecem, ainda, como o prédio onde funcionou a Escola Académica, a partir de 1882, até ao último quartel do século XX.
Antes da abertura da Rua do Pinheiro e de outras, envolvendo o Bairro do Laranjal, a Quinta do Pinheiro era muito mais extensa, tendo sido retalhada, em meados do século XVIII, para urbanização.
 
 
“Em 1508, João Rodrigues de Avelar e sua mulher Grácia Luís, venderam o seu campo no Casal do Pinheiro «junto aos Carvalhos do Monte, prez da cidade» e um par da estrada pública. Em 1533, nova venda do «Lugar ou Casal do Pinheiro, situado entre a estrada que vem de Guimarães (actual Rua Mártires da Liberdade) para a Porta do Olival (actual Cordoaria) e o caminho de Liceiras (ainda existe a Rua de Liceiras, junto à Trindade, cerca de duas centenas de metros abaixo). Tinha, então, esta propriedade, um pombal e várias árvores de fruto, entre as quais se mencionam laranjeiras que, mais tarde, com outras por ali existentes, dariam ao Casal do Pinheiro o nome de Quinta do Laranjal de Cima, que já tinha em 1661. A Quinta do Pinheiro foi alienada há poucos anos pelos últimos sucessores dos Monteiros, na posse desta bela propriedade desde princípios do século XVIII.”
Fonte: Toponímia Portuense de Andrea da Cunha e Freitas
 
 
Desde o início do século XVIII, a quinta do Pinheiro esteve na posse da família Monteiro.
Em 1789, teria sido João António Monteiro de Azevedo que, segundo o padre Agostinho Rebelo da Costa, na Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto, teria mandado construir o edifício no meio da quinta e que, hoje, está com entrada localizada próximo das Escadas do Pinheiro.

 
 
Aqui funcionou a Escola Académica
 
 
 
Aqui, iria viver a filha mais velha do Barão de Mogofores, Dulce Augusta de Ferreira Seabra e Sousa, casada com Albino Raimundo de Sousa Pimentel, irmão de Emília Ermelinda de Sousa Pimentel, ambos filhos do Barão de Sanhoane e, de cujo casamento, houve uma filha, Maria Joana Gramaxo.
O Barão de Sanhoane, José de Sousa Pimentel de Faria, foi também um lutador, desde 1820, da causa liberal, tendo sido ainda, deputado, Marechal de Campo e portador de várias condecorações. Era casado com Joana Perpétua de Sousa, senhora da Quinta do Pinheiro e Baronesa de Sanhoane.
Por morte do Barão de Sanhoane, foi concedido por despacho régio, em Diário do Governo, de 9 de Agosto de 1848, um soldo por inteiro correspondente à patente de Marechal de Campo, metade à viúva e a outra metade a dividir pelas três filhas, Teresa Ludovina de Sousa Pimentel, Joana Carolina de Sousa Pimentel e Emília Ermelinda de Sousa Pimentel, sem supervivência de umas para outras.
Albino Raimundo (1805-1866) foi, assim, senhor da Quinta do Pinheiro e conhecido, por ter sido um dos que participaram na compra do Museu Allen, em representação da Câmara Municipal e por ser um amigo de Camilo que, por isso, frequentava de vez em quando a quinta.
Maria Joana Gramaxo casaria, em 1885, com Cristovão Almeida Azevedo de Vasconcelos Gramaxo, cujo pai era, também, proprietário de vários terrenos, na Rua dos Mártires da Liberdade.
A família Gramaxo, da qual se destacou o lente da Escola Médico- Cirúrgica do Porto, José Andrade Gramaxo, tinha residência na Rua Mártires da Liberdade, nº 122.
Diz-se que a Quinta do Pinheiro estava ligada com uma casa localizada na Rua dos Mártires da Liberdade, e que seria aquela onde viveu Acácio Alfredo Seabra, filho do Barão de Mogofores.
 
 
 
 
Palacete do Largo Moinho de Vento
 
 
Desconhecendo-se a data do lançamento dos seus alicerces e de quem o ordenou, sabe-se que, durante o Cerco do Porto, ali vivia um ramo da família Morais Sarmento e que, mais tarde, em 1837, ali residiam Miguel Joaquim Gomes Cardoso e o seu filho Miguel Joaquim Gomes Cardoso Júnior, ambos advogados, tendo este, sido Presidente da Câmara do Porto, em 1839.
Depois, a casa foi habitada pelo Presidente da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, o segundo visconde da Várzea, João da Silveira Pinto da Fonseca.
Em 1843, o foro da casa apalaçada, pertencia a António Barbosa de Albuquerque, casado com Maria Augusta Soares Barbosa, já falecida naquela data, de cujo casamento houve uma filha, única herdeira, Amélia Augusta.
A Casa do Moinho de Vento constaria da herança de Amélia Augusta, bem como, a determinação de que o seu tutor e administrador dos bens, seria Francisco Diogo de Sousa Cyrne, senhor da Casa do Poço das Patas, e irmão de Maria Isabel de Sousa Cyrne, casada com o senhor da Casa da Fábrica, Diogo Francisco.
Destinada por seu pai, para casar quando atingisse a idade conveniente com o seu tio, Amélia Augusta não cumpriria esta vontade do progenitor e acabou por casar, sim, com Armando Artur Ferreira de Seabra da Motta e Silva, filho mais novo do Barão de Mogofores.
Deste casamento resultaram três filhos, uma menina que morreu na infância, Artur Augusto Albuquerque e Seabra, que foi escritor e jornalista e Laura Augusta de Albuquerque Seabra.
Na década de 1880, a casa do Moinho de Vento foi dada como garantia de uma dívida, entretanto resgatada por Laura Augusta, filha de Amélia.
Por morte de Laura Augusta herda a propriedade o seu marido, o General Francisco Leite Arriscado.
Por ausência de descendência, herdam então a propriedade, os filhos naturais do seu já falecido cunhado, mantendo-se nesta família, a propriedade, até 1998.


Palacete no Largo Moinho de Vento


 
 
Rua Miguel Bombarda - Conclusão
 
Sobre as várias residências de parentes das famílias referenciadas, poder-se-ia ainda, apontar, entre muitos outras situações, a do quarto filho do Barão de Mogofores, Aloísio Augusto Seabra, que foi administrador do Bairro de Cedofeita e casado com Maria da Graça Barros Lima, filha de José Pedro Barros Lima, senhor da Quinta da Ramada Alta.
Aloísio foi amigo de Camilo Castelo Branco e aquela personagem envolvida com o escritor numa cena de pancadaria, muito conhecida, de homenagem à cantora Dabedeille, acontecida na Estalagem da Ponte da Pedra.
Aloísio Augusto teve o seu escritório de advogado num prédio de dois pisos, que adquiriu na Rua do Príncipe (Rua Miguel Bombarda), a um dos seus irmãos e cunhada, em 1850, ficando, ainda, proprietário de uma área anexa de terrenos sem edificado, que passaria, mais tarde, a comportar com aquele prédio inicial, um conjunto de três, instalados em quatro lotes.
Em 1850, ano também do seu casamento, Aloísio Seabra requereu à Câmara o acréscimo de um terceiro piso ao prédio adquirido.
O prazo do terreno, constituído por dois lotes, onde nasceria o prédio, mais a poente, seria adquirido, em 1857, pelo negociante de vinhos do Porto, António de Ferreira Menères, casado com Emília dos Santos Menères.
O negócio subjacente teve lugar no Palácio das Sereias, dos Portocarrero, em Miragaia, já que eram o senhorio do terreno referido.
Antes o prazo tinha pertencido a domingos Rosário do Nascimento Almeida, tio de Almeida Garrett, que foi quem emprestou o nome à Rua do Rosário.
O lote do meio em 1880 ainda estava vago, o prazo pertencia a Maria da Glória Pizarro da Cunha Portcarrero e quem pagava foro era Aloísio Augusto e a sua mulher.
Em 1876, André Michon adquiriu o prédio de escritórios e respectivo terreno anexo a Maria da Graça Barros Lima Seabra e ao seu filho e nora, Aloísio Augusto Seabra e Almira Silva de Seabra, tendo, em 1880, solicitado uma autorização de construção à Câmara, do prédio ainda hoje no local.
Esse edifício central, com o nº de polícia (actual), 208, está identificado na foto abaixo, bem como, o situado mais a nascente (escritório).
 
 
Em primeiro plano, o prédio do conjunto localizado ao centro e, em segundo plano, o situado a nascente, já desaparecido e que teria sido o escritório de Aloísio Seabra – Fonte: Google maps (2009)
 
 
 
Em primeiro plano o prédio do conjunto situado mais a poente – Fonte: Google maps

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