O Fajardo
Quem é que já não ouviu alguém proferir a palavra fajardo ou
uma sua derivação, fajardice?
Pois, essa personagem, “O Fajardo”, existiu mesmo na cidade
do Porto e passou a ser essa a designação para todos aqueles que, por certas
artes que desenvolveram e praticaram, ligadas ao engano, providos de uma falsa ostentação,
vivem à custa dos incautos.
Em 1908, Alberto Pimentel traçou-lhe o perfil de troca-tintas
engenhoso, esperto e finório, na obra “O Porto há Trinta Anos”.
João da Costa Fajardo,
tal era a sua graça, viveu da fraude e de enganar tudo e todos, tendo acabado
por viver estendendo a mão à caridade, deambulando pelas ruas da cidade.
Seu pai foi um homem honrado, um dos muitos que
desembarcaram na praia de Pampolido, para devolver a liberdade aos portugueses.
Em 1837, seu filho, João Fajardo, nascido em 1825, embarcou
para o Brasil, tentando uma carreira comercial, num armazém de café no Rio de
Janeiro. Esta decisão não teve qualquer efeito prático.
Despediu-se ao fim de um ano, em virtude do fastio que o
trabalho lhe provocava.
Peregrinou pelo Estado do Rio de Janeiro e na pequena cidade
de Mangarativa, no quarto de um hotel, perspectivou o seu futuro – viver
enganando o próximo.
Naquela pequena urbe fez os primeiros ensaios, mas logo
voltou para a capital do estado, onde vigarizou sempre que a oportunidade se
lhe deparou.
João Fajardo estava, então, com 16 anos, homem alto e bem-parecido
esteve quase a casar com a filha de uma baronesa, viúva, mas o negócio de altar
esfumou-se à última da hora, devido a um rebate de consciência, contou Fajardo,
mais tarde.
Em 1847, depois de explorado o filão brasileiro voltaria
para a terra mãe, apresentando-se, algumas vezes, como um negociante do outro
lado do mundo.
Numa das suas “fajardices” saca quatro libras a um abastado
burguês.
Durante a visita a um brasileiro de torna-viagem, à data, à
frente de uma Ordem Terceira da cidade, da qual o seu falecido pai tinha sido
membro da irmandade, mostra-se interessado em prestar uma homenagem póstuma ao
seu progenitor. Tratados que foram alguns pormenores e estando já de saída,
apresenta-se à porta da casa do burguês, uma pedinte, que se diz fugitiva de
Espanha, devido a um caso de momentânea loucura amorosa e que estava sem
possibilidades de se recolher a casa dos seus pais.
João Fajardo vai ao seu porta-moedas, mas declara só ter
notas de banco.
Pede então, ao seu anfitrião, quatro libras, que devolverá
ao criado que o acompanhar ao hotel e entrega-as à rapariga.
O criado foi despistado no caminho e, mais tarde, a rapariga
espanhola recebeu 4$500 réis de recompensa.
Vestindo bem, sempre de cartola ou chapéu de coco, luvas,
gravata e bengala de castão de prata lavrada, vestia de preto, falava diversas
línguas e sabia seduzir com toda a facilidade as vítimas de quem se abeirava.
Numa outra ocasião, João Fajardo compra um par de botas.
Ao sapateiro dá uma entrada e o restante propõe-se a pagar
em três prestações, o que não cumprirá.
Um dia, ao passar na rua, pelo sapateiro, este exigiu-lhe a
devolução do artigo.
João Fajardo ficou descalço, em meias, mas estendendo o
chapéu à caridade e dizendo estar a cumprir uma promessa, angariou, logo ali,
grossa maquia. Dizia, Fajardo:
«Por favor: fiz voto
de pedir, descalço, esmola para uma missa de acção de graças…»
Em 1892, já andava pelo Porto uma versão do Fajardo, de
acordo com a notícia de “O Comércio do Porto” de 26 de Maio.
Alves dos Reis
Passar de João Fajardo para Alves dos Reis é um salto enorme
no abismo.
A cidade do Porto capitalista e burguesa desempenhou papel
importante, em 5 de dezembro de 1925, quando foi descoberta toda a trama
montada pelo falsário, num caso de âmbito nacional.
Artur Virgílio Alves Reis (Lisboa, 8 de Setembro de 1896 – 9
de Junho de 1955) ficou conhecido pela maior falsificação de notas da história,
efígie Vasco da Gama, em 1925. Antes, já tinha falsificado também documentos e respectivas
assinaturas constantes dos mesmos, comprou acções de forma ilegal, além de
também ter passado cheques sem cobertura.
Filho de uma família modesta (o pai era cangalheiro, tinha
problemas financeiros e acabou por ser declarado insolvente).
Alves Reis chegou a estudar engenharia.
Inscreveu-se no primeiro ano do curso, mas abandonou-o para
casar com Maria Luísa Jacobetty de Azevedo, no mesmo ano em que o negócio do
pai faliu.
Para tentar fazer fortuna e, assim, escapar às humilhações
que lhe eram impostas pela abastada família da mulher, devido à diferença de
condição social, em 1916, emigrou para Angola, fazendo-se passar por
engenheiro, depois de ter falsificado diploma de Oxford, aliás de uma escola
politécnica de engenharia que nem sequer existia: a Polytechnic School of
Engineering.
Começou como funcionário público nas obras públicas de
esgotos e com um cheque sem cobertura, comprou a maioria das acções da Companhia
dos Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola.
“Tornou-se rico e
ganhou prestígio
De volta a Lisboa em
1922, comprou uma empresa de revenda de automóveis americanos. Depois tentou
apoderar-se da Companhia Ambaca. Para o conseguir, passou cheques sem cobertura
e usou depois o dinheiro da própria Ambaca para cobrir os cheques sobre a sua
conta pessoal. No total, apropriou-se ilegitimamente de 100 mil dólares
americanos. Com esse dinheiro comprou também a Companhia Mineira do Sul de
Angola. No entanto, antes de controlar toda a Ambaca, foi descoberto e preso no
Porto, em Julho de 1924, por desfalque. Foi acusado também de tráfico de
armas”.
Fonte: “pt.wikipedia.org/”
A Companhia dos Caminhos de Ferro Transafricanos de Angola,
conhecida por Companhia de Ambaca (Angola, Cuanza Norte), acima referida,
explorava o caminho-de-ferro entre Luanda e Ambaca.
Tendo estado preso apenas 56 dias, por razões processuais,
foi Alves dos Reis libertado em Agosto de 1924 e, será por esta altura que é
gizado o grande golpe.
A ideia era falsificar um contrato em nome do Banco de
Portugal, o banco central emissor de moeda, e que na altura era uma instituição
parcialmente privada, que lhe permitiria obter notas ilegítimas mas impressas,
numa empresa legítima e com a mesma qualidade das verdadeiras.
Apoiado por vários cúmplices, as 200 mil notas de valor
nominal 500 escudos (1% do PIB português de então), efígie Vasco da Gama, chapa
2, com a data de 17 de Novembro de 1922, começam a ser distribuídas em
Fevereiro de 1925.
Nota de 500 escudos, efígie Vasco da Gama
Em Junho de 1925, Alves dos Reis fundava o “Banco de Angola e Metrópole”, com os
25% das notas que lhe eram destinadas do bolo total.
Para abertura do banco recorreu também à falsificação do
respectivo alvará, entre outros documentos.
Ainda nesse ano, investiu na bolsa de valores e no mercado
de câmbios. Comprou o Palácio do Menino de Ouro (actual edifício do British
Council, em Lisboa), adquiriu quintas e uma frota de táxis. Tentou ainda
comprar o Diário de Notícias.
Delegação no Porto do Banco de Angola e Metrópole – Fonte: revista Ilustração de 1 de Janeiro de
1926
A delegação do Banco de Angola e Metrópole, no Porto, em
foto acima, situava-se no que hoje é a entrada principal do Hotel
Intercontinental, na Praça da Liberdade (Palacete das Cardosas)
Entrada do Hotel Intercontinental
A 23 de Novembro, devido a uma investigação jornalística do
jornal “O Século”, que desconfia dos juros baixos praticados por aquele banco,
começa-se a levantar uma ponta da tramoia.
“No Porto, os artigos
desse jornal saídos em novembro são muito comentados nos cafés, e é certamente
de uma dessas conversas que nasce a 'pulga atrás da orelha' ao tesoureiro da
casa de câmbio José Pinto da Cunha,
Sobrinho, fornecedor de moeda estrangeira ao banco de AR; pois ele sabia
que as transações não eram escrituradas. Convencendo-se da falsidade das notas
e comentando tal apreensão a colegas do Banco Espírito Santo, a notícia acaba
por chegar ao BdP.
É então que o
governador envia ao Porto inspetores bancários, acompanhados de agentes da
polícia criminal, para investigar a casa José Pinto da Cunha, onde descobrem
uma grande quantidade de notas de 500 escudos. Não obstante estas serem dadas
como verdadeiras, a casa de câmbios é encerrada uma vez que o seu valor não
estava lançado nos livros de caixa (são presos o gerente e guarda-livros). De
seguida os inspetores visitam a caixa filial do Angola e Metrópole: mesmo sem
provas, o banco é encerrado e apreendido todo o montante encontrado nos cofres,
com a prisão do seu gerente. Desnorteados, um dos inspetores propõem levar as
notas de 500 que estavam no banco para a caixa filial do BdP, ao largo de S.
Domingos, e aí compará-las exaustivamente com as que lá existiam. O trabalho
prolonga-se madrugada dentro, e é já no dia 5 de dezembro que finalmente surgem
duas notas com o mesmo número de série”.
Cortesia de Nuno Cruz, admin. do Blogue “A Porta Nobre”
Casa de câmbios “José Pinto da Cunha, Sobrinho” – Fonte: revista Ilustração de 1 de Janeiro de
1926
Perspectiva idêntica e actual, à da foto anterior, junto da
igreja dos Congregados – Fonte: Google maps
“A burla é
publicamente revelada em 5 de Dezembro de 1925 nas páginas de O Século. No dia
anterior, o Banco de Portugal enviara para o Porto o inspector do Conselho do
Comércio Bancário João Teixeira Direito para investigar os vultosos depósitos
pelo Banco de Angola e Metrópole em notas de 500$ novas na firma cambista Pinto
da Cunha. Só a altas horas conseguem detectar uma nota duplicada, com o mesmo
número de série, nos cofres da delegação do Porto do Banco Angola e Metrópole.
Depois, como são dadas instruções para que as agências bancárias ponham as
notas em cofre por ordem de número, para controlar duplicações, muitas mais
notas com números repetidos apareceram.
O património do Banco
de Angola e Metrópole foi confiscado e obtidas provas junto da Waterlow &
Sons Limited. Alves Reis é preso a 6 de Dezembro, quando se encontrava a bordo
do "Adolph Woerman" ao regressar de Angola. Tinha 27 anos no momento
da prisão. Adolph Hennies, que estava consigo, fugiu. A maior parte dos seus
associados foram também identificados e presos”.
Fonte: “pt.wikipedia.org/”
Entre os cúmplices de Alves dos Reis, contavam-se o
financeiro holandês Karel Marang van Ijsselveere; Adolph Hennies, um espião
alemão; Adriano Silva; Moura Coutinho; Manuel Roquette e José Bandeira, irmão
de António Bandeira, o embaixador português em Haia e uma peça fundamental do
esquema gizado.
As notas seriam retiradas imediatamente de circulação, tanto
as legítimas como as maradas. Ficaram popularmente conhecidas por “VASCOS”.
Delegação do Banco de Portugal, no Porto, no Largo de S.
Domingos – Fonte: revista Ilustração de
1 de Janeiro de 1926
Na foto anterior, observam-se as imensas filas que se
formaram para a troca das notas de 500 escudos, os “Vascos”.
O escudo, a moeda portuguesa, teve perturbações cambiais e
perdeu muito da sua credibilidade e muitos historiadores afirmam, que este
acontecimento foi a causa principal que facilitou a revolução de 28 de Maio de
1926, que derrubou o presidente da República Bernardino Machado e deu origem à
ditadura e, mais tarde, ao Estado Novo.
O Banco de Portugal processou a Waterlow & Sons nos
tribunais londrinos, a empresa que de boa-fé tinha sido vigarizada e que
trabalhava habitualmente na impressão de moeda para o Banco de Portugal.
O caso só seria definitivamente resolvido, em 28 de Abril de
1932.
A empresa britânica pagaria uma indemnização ao Banco de
Portugal e faliu.
“Alves dos Reis foi
finalmente julgado, aos 32 anos de idade, em Lisboa no Tribunal de St.ª Clara
em Maio de 1930, e condenado a 20 anos: 8 de prisão e 12 de degredo ou, em
alternativa, 25 anos de degredo. Durante o julgamento, alegou que o seu
objectivo era simplesmente desenvolver Angola. Foi preso três anos antes do
começo da era do Estado Novo. Na prisão, converteu-se ao protestantismo. Foi
libertado em Maio de 1945, já durante a era do Estado Novo. Depois da sua
saída, procurou a sua mulher, que infelizmente já tinha falecido quando saiu.
Foi-lhe oferecido um
emprego de empregado bancário; recusou. E ainda veio a ser condenado por uma
burla de venda de café de Angola. Mas já não cumpre pena. Morreu de ataque
cardíaco a 9 de Junho de 1955, sem fortuna”.
Fonte: “pt.wikipedia.org/”
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