No Monte da Senhora da Luz, na Foz do Douro, estiveram
instaladas a Ermida da Senhora da Luz, o Farol da Senhora da Luz e diversas Estações
Telegráficas.
A Ermida da Senhora da Luz, à qual começaram por se dirigir
os romeiros para reclamar a benção daquela padroeira, era de construção muito
antiga e muito anterior a todas as outras estruturas levantadas naquele local.
Um farol primitivo já existiria no dealbar do século XVII,
mantido pela confraria da Senhora da Luz que administrava a referida ermida.
Em 1 de Fevereiro de 1758, por alvará do Marquês de Pombal,
é ordenada a construção de um farol, devido às dificuldades da entrada da Barra
do Douro. Em 1761, estava já construído e dotado de estruturas para ser
considerado um farol.
No que à transmissão de mensagens à distância diz respeito,
naquele monte, com observação ampla e privilegiada, começou por existir uma estação semafórica de persianas que,
desde sempre, assim como o farol aí existente, tinha um funcionamento
resultante de uma colaboração entre os mercadores do Porto e a confraria aí
estabelecida.
Por algumas, poucas, gravuras existentes da primeira metade
do século XIX, a estação telegráfica seria do tipo óptico e, possivelmente, de
concepção baseada nos projectos de Francisco António Ciera (1763-1814),
pioneiro da telegrafia portuguesa e grande impulsionador da cartografia do
território nacional.
O seu modelo, de 1809, ficou conhecido por “telégrafo de 3 postigos” ou “telégrafo de 3 persianas” e, ainda, por
“telégrafo de palhetas” ou “telégrafo de
Ciera”
A par da estação telegráfica do Monte da Luz, uma outra do
mesmo tipo existiu no Monte da Lapa, parecendo ter desempenhado um importante
papel durante as invasões francesas e, também, durante o cerco do Porto.
Estação Telégráfica (torre cilíndrica). Antigo moinho de vento, no Monte da Lapa
As mesmas instalações da foto anterior – Desenho de Gouvêa Portuense
Maquete de “Telégrafo de Ciera” ou “Telégrafo de Palhetas”
A estação telegráfica do Monte da Lapa teria encerrado em Março de 1859, passando as comunicações telegráficas a ser praticadas pelo sistema eléctrico.
Nos anos que se seguiram este sistema foi gradualmente estendido a todo o território.
No caso das que ligavam a Chaves, passaram a ter origem na Casa Pia, à Praça da Batalha e, daí, para Valongo, continuando pelos "cabos aéreos".
A comunicação entre as embarcações que ao Porto vinham
comercializar e que sulcavam o rio Douro, e algumas estações situadas nas
margens, tinha exemplificação, desde o século XVIII, na Rua da Bandeirinha que,
assim se chamava, por ostentar, por vezes, num mastro colocado junto do chamado
Palácio das Sereias, uma bandeira – a Bandeirinha da Saúde.
Assim, quando um barco entrava no rio Douro e via, no tal mastro,
ser içada uma bandeira, teria que estacionar no meio do rio, em frente a esse
local, e esperar a visita efectuada pelos guardas-mores da saúde, para fazerem
uma inspecção sanitária – eram tempos de peste.
Antes, em pleno século XVII, os guardas-mores estacionavam
na Casa de Degredo de Vale de Amores,
sob a égide dos frades capuchos do convento de Santo António de Vale da Piedade
e, posteriormente, no Lazareto, situado mais a poente, no local que hoje fica,
entre a igreja nova da Afurada e a Casa dos Pescadores.
Naqueles tempos, era também de primordial importância a
comunicação entre terra e os barcos, para o rápido conhecimento pelos
negociantes, cujas casas comerciais se localizavam na Rua dos Ingleses (actual
Rua do Infante D. Henrique) e nas suas imediações, da chegada das embarcações
que lhes eram destinadas.
Assim, a Associação Comercial do Porto, com existência desde
1834, em Assembleia Geral de 14 de Janeiro de 1835, decide instalar um
telégrafo óptico, utilizando bandeiras e com recurso também, a monóculos.
Até aí, a informação chegava por intermédio dos “alviçareiros”, que calcorreando ruas e
ruelas, levavam as informações aos seus destinatários.
O telégrafo óptico foi instalado em Março, daquele ano, no
Castelo da Foz, sendo, depois, transferido em 1836, para o Monte da Luz, para junto
do farol, aí existente, quase há dois séculos.
Castelo da Foz com a sua Ermida de São João da Foz (visível
a cúpula) e, em primeiro plano, o Farol-capela de S. Miguel-o-Anjo – Fonte: Gravura
(1790), a água-forte, de Manoel Marques de Aguilar
Durante o processo de instalação do telégrafo óptico, no Monte da Luz, a obra seria embargada pela
Câmara Municipal da Foz (S. João da Foz teve uma efémera passagem a concelho
entre 1834 e 1837) em virtude de, a mesma, poder vir a colidir com a reconstrução
futura, da antiga ermida que se encontrava em ruínas, muito por acção dos
bombardeamentos do exército miguelista, durante o cerco de 1833.
Na verdade, este ponto estratégico, durante o conflito, foi
um ponto importante de apoio ao exército liberal, pelo controlo que a partir
dele podia ser exercido sobre a baía natural que se formava, a poucos metros
dali, na chamada praia de Carreiros que, hoje, tem uma existência artificial,
após a construção do molhe de Carreiros.
Resolvido o diferendo, a instalação do telégrafo avançou. No
entanto, a ermida nunca mais veria a luz do dia, sendo completamente demolida.
O serviço telegráfico, em si, era baseado num código de
sinais envolvendo umas bandeiras colocadas estrategicamente num poste, no Monte
da Luz. Por sua vez, os armadores fundeados ao largo da costa, esperando as
ordens vindas de terra, correspondiam-se com a Estação do Monte da Luz através
de bandeiras içadas em locais específicos, dos respectivos mastros, obedecendo
aos códigos em uso naquelas épocas.
A retransmissão era assegurada e tinha continuidade num
mastro colocado numa torre da Catedral da Sé, a que se seguia o
reencaminhamento da comunicação da informação para a sede da Associação
Comercial do Porto, junto da Rua dos Ingleses.
Note-se que, em 1835, ainda não existia o Palácio da Bolsa,
sede da Associação Comercial do Porto que, provisoriamente, ocupava umas
instalações precárias, nas ruínas do convento, anexas à Igreja de S. Francisco,
onde viria a ser construído o Palácio da Bolsa ou Praça do Comércio.
Farol do Monte da Luz e, junto, a habitação dos faroleiros,
em 1833 – Ed. J. Villanova
Na gravura acima, de J. Villanova, observa-se um telégrafo
óptico de persianas, cuja posição relativa delas determinava, com base num
código pré-estabelecido, o teor da mensagem a enviar e, na prova fotográfica,
abaixo, observa-se o mesmo telégrafo, coexistindo com aquele que passou a estar
sob a alçada da Associação Comercial do Porto, em mastro, à direita.
Neste, as bandeiras colocadas em posições estratégicas
determinavam a mensagem.
Monte da Senhora da Luz, observando-se em 1858, à esquerda,
uma estação semafórica de persianas e, à direita, aquela que era afecta à Associação
Comercial do Porto – Prova em papel salgado a partir de um calótipo de Frederick
William Flower
Sobre o primitivo telegrafo óptico existente no Monte da Luz,
presente nas duas gravuras (de épocas diferentes) anteriores, se deve ter
referido Ramalho Ortigão, no texto seguinte, identificando-o por “aparelho de taboinhas”.
“Tinham [os banhistas]
os seus passeios favoritos: ao farol da Senhora da Luz, onde o faroleiro
deixava olhar pelo oculo para os velhos telegraphos, cujo apparelho de
taboinhas, armado no viso dos montes, parecia espreguiçar-se e bocejar as
noticias no azul do espaço.”
Ramalho Ortigão - In “As praias de Portugal: guia
do banhista e do viajante”, 1876, p. 24
“Em 1839, devido à
oposição do Cabido da Sé, o mastro instalado na Catedral seria transferido para
o local do antigo castelo de Gaia, por este ser «o ponto mais culminante entre
a Luz e o Edifício d’esta Associação», segundo o relatório de 1839.
Em 1852, inicia-se a
construção de um novo posto semafórico, na Cantareira, adossado à capela de S.
Miguel-o-Anjo, e é adquirido um telescópio para a estação da Luz”.
Cortesia de Carolina Furtado, mestre em História da Arte
pela FLUP
Gravura (1849) do Morro do
Castelo de Gaia ou Morro do Candal, em 1849 – Gravura de Cesário Augusto
Pinto (1825-1896), In “As margens do Douro”
(collecção de doze vistas)
Em V. N. de Gaia, na Afurada de Cima, a partir de 1845,
viria a ser instalada uma outra estação semafórica, na margem esquerda do rio
Douro.
“A Associação
Comercial do Porto adquiriu em Outubro de 1845 por 700$000 (setecentos mil
reis) um terreno na Afurada de Cima para construir em Gaia um edifício com
torre, uma moderna e prestável Estação Semafórica.
O Padre Manuel Romero
Vila, que dedicou muita atenção ao estudo desta Estação, cujo edifício ainda
existe, por se ter conseguido evitar o seu desaparecimento por ocasião das
obras de urbanização e rodoviárias relacionadas e próximas da ponte da
Arrábida. A construção é constituída por uma habitação onde vivia a família,
cujo chefe desempenhava as funções de vigia e sinaleiro. Anexo à casa
encontra-se uma torre oitavada, em cujo topo o sinaleiro expunha os sinais
transmitidos da estação da Foz do Douro, com as cores da bandeira da
nacionalidade dos navios que chegavam à vista de terra.
As cores eram
dispostas como gomos de laranja em disco de ferro colocado no topo da torre.
Pessoas colocadas no largo da Sé, cais dos Banhos ou muro da Reboleira
conseguiam ver com o auxílio de óculo a imagem e apressavam-se a informar os
negociantes das cargas e os agentes consignatários dos navios, que acabavam de
chegar à barra.
O padre Romero
recordava a forma incorrecta como o povo local se referia ao Telégrafo.
Popularmente designado por “Taléfe”.”
Fonte: Rui Amaro (“naviosavista.blogspot.com/”)
Estação semafórica do Alto da Afurada, em 2000 – Ed. F.
Cabral, In “naviosavista.blogspot.com/”
Estação Semafórica e Telegráfica (torre) da Cantareira, com 3 pisos, em
1900, cuja construção começou em 1852, no chamado Cais do Marégrafo
No postal acima, observa-se a Estação Semafórica e Telegráfica da
Cantareira (torre) e adossada a esta, a Estação
de Pilotos e Casa da Alfândega começada a construir em 1847 e, ainda, a Ermida/farol de S. Miguel-o-Anjo
(abóbada branca), cuja construção é de 1527. À esquerda do edificado vê-se um obelisco branco.
A abóbada da ermida e o obelisco serviam de marcas do
enfiamento da barra do Douro.
Cais do Marégrafo, actualmente, sendo visível, em primeiro
plano, o farolim da Cantareira (desactivado) e que prestou serviço, a partir de
1915
Em 1856, seria decidido abandonar o telégrafo óptico e a
Associação Comercial do Porto passaria a usar o telégrafo eléctrico com o sistema Breguet, ligando a sua sede com
os postos da Senhora da Luz e da Cantareira.
Telégrafo Eléctrico (sistema Breguet)
Ficavam, assim, ultrapassadas as dificuldades de comunicação
após o pôr-do-sol, e em situações de nevoeiro ou neblina.
A partir da década de 1870, passariam a coexistir dois
telégrafos eléctricos, no Monte da Luz: um, pertencente à Associação Comercial
do Porto e, outro, propriedade do Estado.
Em 1880, a Associação Comercial do Porto abandona o sistema
Breguet e substitui-o pelo sistema Morse, já então em vigor no país e adoptado
internacionalmente.
O sistema Morse que teria como sucessor, em 1885, o sistema
telefónico, manteve-se, contudo, em funcionamento, até ao início da década de
1960, na dependência da Associação Comercial do Porto (edifício da Bolsa).
Telégrafo Morse
No processo de conhecimento antecipado da informação de
chegada dos navios aos cais do rio Douro e do interesse em generalizar a dita
informação, nos dá conta o texto seguinte:
“Não havia mercador do Porto que não tivesse negócios com
a Inglaterra. O vapor da Mala Real Inglesa, que trazia as encomendas e as
letras de câmbio para pagamentos de anteriores fornecimentos, vinha ao Douro
uma vez por mês. A fim de estarem preparados para receber atempadamente as
letras e despacharem novas encomendas, os comerciantes arranjaram maneira de
saber, de véspera, da chegada do barco. Pelo telégrafo, ainda do alto mar, os
do vapor comunicavam à Associação Comercial o dia previsto para a entrada na
barra. A Associação fazia chegar a mensagem à Irmandade dos Clérigos que
mandava içar na torre uma vara com duas bandeiras nas pontas. Era o sinal da
aproximação do barco. Tempo de tratar dos negócios”.
Cortesia de Germano
Silva
Em 1887, começa um processo de renovação das instalações no
Monte da Luz, para o qual foi reclamada a colaboração do Estado, na cedência de
parte das suas instalações, mormente, do mastro de comunicações que lhe era
afecto.
Aliás, desde há mais de 10 anos, que o Estado pretendia
apoderar-se do telégrafo da Associação Comercial do Porto e, assim, das
respectivas instalações, o que não viria a conseguir.
“De planta
quadrangular e três pisos, o edifício apresenta algumas caraterísticas da
habitação portuense oitocentista, nomeadamente quanto à organização da fachada
principal. Esta possui três vãos por piso, com molduras simples em cantaria.
O edifício termina num
terraço, que tinha a função de observatório da costa.
Em 1891, a rede
telegráfica da Associação Comercial do Porto é prolongada até Leixões, cujo
porto artificial, em construção desde 1884, era já frequentado por um número
elevado de embarcações.
Também aqui a
Associação irá construir um posto semafórico para comunicar com os navios, à
semelhança do que, há largos anos, era prática no Monte da Luz.”
Cortesia de Carolina Furtado, mestre em História da Arte
pela FLUP
À direita, parcialmente visível, o edifício construído em
1887, pela Associação Comercial do Porto para instalação do telégrafo – Ed.
JPortojo
Posto semafórico (1908), construído em 1891, em Leça da
Palmeira, pela Associação Comercial do Porto
As estações atrás referidas comunicavam, então, a chegada
dos navios às autoridades marítimo-portuárias, particularmente aos pilotos da
barra, aos agentes de navegação, à Associação Comercial do Porto, etc.
Em 22 de Abril de 1862, o edifício do Palácio da Bolsa da Associação
Comercial seria sujeito a obras para instalação da Estação Telegráfica (“Jornal
do Porto”, p. 3).
Telégrafo do Palácio da Bolsa, em exposição
Durante grande parte do século XX, a Estação do Monte da Luz
continuou a ser usada para perscrutar o horizonte, apesar de todas das novas
tecnologias que iam surgindo, colaborando com outros postos de vigia
existentes.
Torre de vigia da Estação Telegráfica do Monte da Luz – Ed. JPortojo
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