segunda-feira, 1 de novembro de 2021

25.139 Os Armazéns do Anjo

Tudo começou quando, em 1890, um caixeiro-viajante de uma fábrica da Covilhã, João M. Fonseca de Castro propõe a Manuel dos Santos, um sócio da Camisaria Aliança, a constituição de uma sociedade para tomarem de passagem aquele estabelecimento.
A sociedade acaba por se concretizar com a participação de um terceiro sócio, A. Henrique Simões.
A firma Simões Santos & Castro reduz-se, no ano seguinte, a Simões & Castro, por óbito do sócio Santos e, nessa altura, surge o registo como Armazéns do Anjo, dado o estabelecimento estar situado na zona da Praça do Anjo.
 
 

À direita da foto, c. 1900, é possível observar os “Armazéns do Anjo”, de Simões & Castro, com estabelecimento voltado para Praça dos Voluntários da Rainha
 
 
Passado pouco tempo, a sociedade atrás referida, desfaz-se e fica Fonseca de Castro como único proprietário, em instalações ao cimo da Rua das Carmelitas, na esquina com a Praça dos Voluntários da Rainha.
 
 

Armazéns do Anjo nas suas instalações primitivas, na Rua das Carmelitas
 
 
“Aos Banhistas: fatos de banho, para senhoras, a 3$500 réis; gravatas de foulard. Armazéns do Anjo, rua das Carmelitas 1-6, antiga Casa Agostinho”.
In, jornal “A Voz Pública”, de 7 de Agosto de 1901, pág. 3
 
 
Entretanto, dado o processo de urbanização do Bairro das Carmelitas, Fonseca de Castro está perante a necessidade de ter de abandonar as instalações que ocupava.
Perante esta situação, decide convencer o capitalista José António Lopes Coelho a adquirir o prédio que até aí ocupava, construir um outro de acordo com as directivas camarárias para o novo bairro e a arrendar, posteriormente, o espaço de lojas do novo edifício.
Assim, em 1905, o capitalista José António Lopes Coelho solicita, em 17 de Abril de 1905, à Câmara do Porto, a respectiva licença de construção de um prédio, em terreno que possuía na Rua das Carmelitas, cujo projecto tinha a particularidade de possuir duas lojas, à face da rua.
Aquela personalidade tinha sido em 1892, presidente da Associação Comercial do Porto.

 
 

Requerimento de licença que obteve o nº 61/1905 - Fonte: AHMP
 
 
De acordo com o plano inicial, concluído o novo edifício, José António Lopes Coelho arrenda-o a J. M. Fonseca de Castro, que vai desenvolver numa das lojas, um negócio de tecidos finos virada para a burguesia e, na outra, um negócio de feição mais popularucha.
Enquanto decorreram os trabalhos, a firma atende os seus clientes instalada nas traseiras da Praça do Anjo, num barracão construído para o efeito.
Inauguradas as novas instalações em 1908, acontece a entrada, nesta data, para servir a firma, do marçano Arnaldo José Rodrigues, natural de Castro Vicente, Concelho de Mogadouro, que impõe ao negócio uma feição popular.


 

Publicidade, em 1908, aos Armazéns do Anjo, em novas instalações

 
 

Armazéns do Anjo, à esquerda, junto da Livraria Lello & Irmão, em 1910 – Fonte: Guia do Porto Illustrado, Carlos de Magalhães


Armazéns do Anjo durante um desfile pela Rua das Carmelitas



Em 1916, face ao dinamismo de Arnaldo, acaba por acontecer a formação de nova sociedade sob a firma Castro & Arnaldo Rodrigues.
Por esta altura, já Arnaldo casara com Aurélia Mariani, da conhecida família de industriais de V. N. de Gaia, filha de Aníbal Mariani Pinto que passaria a ser o continuador do negócio começado pelo seu pai, em 1880.
A “Fábrica de Fiação e Tecidos de José Mariani & Filhos” conhecida, também, por Companhia das Devesas, foi fundada em 1880, na Rua do Barão Corvo, «à beira da estrada de Coimbrões, um pouco ao sul da estação do caminho-de-ferro».
Em 1881, tinha 76 operários e, em 1911, 80 funcionários.
Segundo o sindicalista, também esporadicamente deputado, Vítor Ranita, na sua obra Movimento Operário Portuense: nascimento e evolução (1850-1914), a Fábrica de Fiação e Tecidos de José Mariani & Filhos destacava-se das suas congéneres pela ausência de greves:
 
…na Fábrica José Mariani quase nunca houve greve, facto que terá levado o patrão a deixar por herança aos seus trabalhadores 1 a 4 semanas de salário, segundo a sua antiguidade na empresa.”
 
 
Por outro lado, Aníbal Mariani Pinto, nos primeiros anos do século XX, chegou a assumir a gestão da Fábrica Cerâmica das Devesas da qual se tornou accionista, em 1906.


 
 

Fábrica de Fiação e Tecidos de José Mariani & Filhos, em gravura de 1918

Voltando à narrativa sobre os Armazéns do Anjo, o seu negócio seria apanhado numa conjuntura de guerra, acabando por enveredar por uma vertente mais popular. Assim, são arrematados lotes de tecidos a bons preços, provenientes da liquidação dos Armazéns Hermínios e os Armazéns do Anjo, numa tentativa de sobreviver à crise.
É, então, aberta uma sucursal na Rua dos Clérigos e outra em Fernandes Tomás.
 

 

Armazéns do Anjo instalados nas lojas exteriores do mercado do Bolhão, na Rua de Fernandes Tomás, c. 1930

 
 

Publicidade aos Armazéns do Anjo, em 1934
 
 
 

Os Armazéns do Anjo estiveram nesta esquina na Rua Alexandre Braga – Fonte: Google maps
 
 
Em 1923, Arnaldo Rodrigues fica com todo o activo e passivo da firma, até aí existente, que é dissolvida.
Fonseca de Castro passa a dedicar-se à indústria como sócio da Fábrica de Tecidos de Vilarinho, em Vizela.
Em 1925, ultrapassada, em parte, a crise, é aberta uma loja na esquina das ruas Formosa e Alexandre Braga, dirigida a uma clientela mais seleccionada.
Em 1926, os Armazéns do Anjo passam a sociedade anónima, na qual Arnaldo Rodrigues é o accionista principal e dá-se, então, a entrada de novos capitais.

 

Publicidade aos Armazéns do Anjo
 
 
Em 8 de Julho de 1928, Arnaldo Rodrigues que, entretanto, face a uma abastada situação económica, se tinha tornado um entusiasta dos automóveis de alta cilindrada, numa viagem de volta da Foz, pelas 23 horas, acompanhado por um amigo e do seu criado de nome Ambrósio, sofre um acidente, no Bicalho, em Massarelos, devido à velocidade excessiva do seu Packard…e cai ao rio. Salva-se o empregado, mas ele não resiste aos ferimentos e morre. O amigo sucumbirá no dia seguinte.
 
 
 

Arnaldo Rodrigues ao volante do seu automóvel



Após o falecimento de Arnaldo Rodrigues, com o decorrer dos anos, as diversas sucursais dos Armazéns do Anjo autonomizaram-se e passaram a ser administradas por vários dos seus descendentes, continuando a ser, porém, uma referência no comércio da cidade.
Devido à estruturação da firma na forma de sociedade anónima foi possível subsistir por acção da gerência de José Júlio Mariani e por um familiar por afinidade, Fernando Agrelos.
As sucursais dos Armazéns do Anjo, com os processos de divisão familiar acontecidos ao longo do tempo acabaram por se autonomizar e sobreviveram, com excepção da casa das lãs da Rua dos Clérigos.
Segundo as informações do professor da Faculdade de Letras-U.P., Jorge Fernandes Alves, na revista “O Tripeiro” (7ª série, Nov 1995), em 1995, a casa mãe da Rua das Carmelitas já tinha sido alienada, continuando na mão de descendentes de Arnaldo Rodrigues, a de Fernandes Tomás, que passou pela gestão de duas netas de Arnaldo e a da Rua Formosa, de uma das suas filhas, de seu nome Maria José Mariani Rodrigues, neta de Aníbal Mariani Pinto e bisneta do patriarca da família Mariani, José Mariani que, oriundo de Itália, adoptou o José em vez de Giuseppe.
Aníbal Mariani foi proprietário da Villa Alice, morada de Fanny Owen.

 
 
 
O patriarca da família Mariani com os seus filhos



Maria José Mariani Rodrigues - foto cedida por cortesia de Paulo Almeida Amaral



 Hoje, os Armazéns do Anjo são só memória.
 



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