Visita em 1882 - uma
ementa sem a alma portuense
Em pleno Verão de 1882, o reino, na pessoa do rei Luiz I,
procede à inauguração da linha ferroviária da Beira Alta.
O evento merece a presença da família real, de membros do
governo e de algumas individualidades da sociedade portuguesa da época.
A ocasião, é aproveitada pelo rei para visitar os seus
súbditos do Norte.
Ao longo de quase duas semanas, Luiz I e sua família
percorrem a Beira Alta, visitam o Porto, sobem ao Minho, dão um salto ao Douro
e tentam reforçar a imagem da monarquia e, principalmente, de um governo que
tinha alguma oposição.
O séquito real chefiado pelo casal Luiz I e Maria Pia,
depois de cumprir o programa na Beira Alta, parte da Pampilhosa no dia 8 de
Agosto de 1882, em trem real, às 2 horas e 13 minutos.
O rei permaneceria na cidade do Porto até ao dia 13, ao meio
dia.
Estação da Pampilhosa – Fonte: “Um estrangeiro na
inauguração da Linha da Beira Alta (1882)” de Hugo Silveira Pereira – Revista
de História da Sociedade e da Cultura
Nessa mesma tarde, chega Luís I ao Porto, à Estação do
Pinheiro de Campanhã.
Numa época em que os cabeçalhos das notícias corriam à
velocidade do telégrafo e as crónicas tomavam os trens ou a mala-posta, o Diário
Illustrado dá-nos conta do que se passou durante a visita de suas majestades à
cidade do Porto.
Começava com um resumo do programa vivido pela comitiva real,
em telegramas, emitidos a 9 de Agosto, mas publicados, apenas, no dia seguinte.
Diário Illustrado de 10 de Agosto de 1882
Nos telegramas transcritos anteriormente, o correspondente
do Diário Illustrado refere a recepção que o rei deu no Paço, cerca das duas
horas, no dia 9 de Agosto.
Durante a cerimónia, seria agraciado com uma medalha por
“mérito, filantropia e generosidade” o Cego de Maio, vindo propositadamente da
Póvoa de Varzim e que, desde Dezembro de 1881, já era possuidor da condecoração
de Torre e Espada e, nesse ano, tinha sido nomeado patrão do salva-vidas da
Póvoa
O poveiro desloca-se ao Paço (Palácio dos Carrancas e actual
Museu Nacional Soares dos Reis) e, em troca do galardão, diz-se que entregou ao
monarca umas conchas (entre eles os minúsculos e muito apreciados beijinhos) do
mar da Póvoa e terá dito, segundo
alguns autores: Uma prenda para os
"cachopos".
O Cego de Maio, cujo nome de baptismo era José Rodrigues
Maio que, na verdade, não era cego e, apenas, tinha uma belida num olho, foi um
pescador interveniente em muitos salvamentos de pescadores em dificuldades, na
Póvoa de Varzim.
Em continuação da reportagem da visita real ao Porto, em 11
de Agosto, o Diário Illustrado pormenorizava, em crónica, um pouco mais
detalhada, o que se tinha passado desde o desembarque em Campanhã, até à entrada
no Paço, na Rua do Triunfo.
Diário Illustrado de 11 de Agosto de 1882, dando conta de
telegramas recebidos no dia anterior
Praça D. Pedro, c. 1890
No dia 12 de Agosto, o Diário Illustrado completava, numa
crónica do seu correspondente, assinada em 10 de Agosto, o noticiário dos
acontecimentos da estadia real relativos, ainda, ao primeiro dia (9 de Agosto).
Diário Illustrado de 12 de Agosto de 1882
Teatro do Príncipe Real (actual Teatro Sá da Bandeira), à
esquerda, em 1888
Diário Illustrado de 13 de Agosto de 1882
Mas, de facto, aquela ementa do almoço oferecido pela Câmara
Municipal, no dia 12 de Agosto, foi o acontecimento ideal para que a oposição
ao governo zurzisse os governantes parolos, que administravam a Câmara.
O periódico de Lisboa “A Nação” (Jornal Religioso e
Político), pela pena do seu colunista J. M. M. de Seabra, referindo-se à ementa
do referido almoço, escrevia, em 15 de Agosto de 1882:
O Rei Luís I e a rainha Maria Pia visitando o Porto – Obra de
Leonel Marques Pereira (Lisboa, 1828 — Lisboa, 30 de Junho de 1892) exposta no
Palácio Nacional da Ajuda
No Diário Illustrado, numa secção intitulada “Correio da
Noite”, de publicitação de cartas dirigidas à redacção, a propósito da visita
real ao Porto, podia-se observar um panorama muito diferente do evidenciado
pela realidade oficial.
Diário Illustrado de 14 de Agosto de 1882
Visita em 1887 -
registo em gravação na pedra, em Matosinhos
Dir-se-á que quem viu uma visita real à cidade do Porto, as
viu todas.
Não será bem assim, mas quase.
Deste modo, a partir de 25 de Setembro de 1887, e durante
algumas semanas, o casal real, formado por Luiz I e Maria Pia, visitou a cidade
do Porto e o Norte do País.
Aquele foi o ano em que entrou em funcionamento o tabuleiro
inferior da ponte que tem o nome daquele monarca, quando o tabuleiro superior
já tinha sido inaugurado a 31 de Outubro do ano anterior.
Luiz I
Como noutras visitas, após a chegada à Estação de Campanhã,
em 25 de Setembro, às 5 horas da tarde, seguiu-se o habitual cortejo até ao Paço
da Torre da Marca, à Rua do Triunfo.
Durante a estadia real, as praças e ruas da baixa portuense
estavam, como de costume, profusamente iluminadas (a gás).
Na 2ª Feira, 26 de Setembro, o programa começaria a ser
cumprido com uma visita à Exposição Industrial, instalada no Palácio de
Cristal, durante a qual a rainha Maria Pia e a princesa Amélia apreciaram,
sobretudo, os trabalhos de ourivesaria em filigrana, executados por artistas
originários dos arredores da cidade do Porto.
Ao visitar a secção de Belas-Artes, o visconde da Trindade
ofereceu ao rei um quadro da autoria de Ricardo Hogan (1843 – 1890) intitulado
“Sahida a noute do teatro D. Maria” que custou 120000 réis.
O programa prosseguiria pelo vizinho Museu Industrial e
Comercial a funcionar ali, bem perto, no chamado Circo Olímpico, onde foram
anfitriões Oliveira Martins e Joaquim Vasconcelos, o conservador do museu.
O Circo Olímpico, também referido muitas vezes como o Circo
do Palácio, situava-se entre o Quartel (ao Palácio) e a Rua da
Restauração, tendo sido utilizado como um complemento ao Palácio de
Cristal, durante a Exposição Internacional de 1865.
Durante muitos anos, a ligação entre esses terrenos e o
Palácio de Cristal era feita por uma ponte, visível na foto abaixo.
Circo Olímpico
À noite, no teatro S. João, a companhia do actor Taveira
interpretou a comédia “Clara Soleil”, tendo os soberanos abandonado e recolhido
ao Paço, ao fim do 2º acto.
Nesta viagem, seria atropelado um vendedor de jornais na Rua
de Santo António.
Durante esta visita real, teve foros de novidade a ida a
Matosinhos, no dia seguinte, para observação das obras a decorrer na construção
do Porto de Abrigo de Leixões.
De facto, o que é hoje um grandioso porto comercial, começou
por ser um singelo porto de abrigo.
Partindo da estação da Boavista, o comboio real seguiu até à
Senhora da Hora, deu um salto às pedreiras de S. Gens e seguiu pelo Ramal de
Leixões até ao molhe sul do porto de abrigo, em construção, em Matosinhos,
desde 1884.
Projectado pelo engenheiro Afonso Nogueira Soares, foi
adjudicada a grandiosa obra à firma “Dauderni et Duparchy”, pela fabulosa
quantia de 4 milhões e 489 mil réis, sendo inaugurada em 1895.
Para a construção dos dois molhes que formariam a enseada
(95 hectares) de abrigo, foi pela empresa construtora encomendados às oficinas
de uma empresa francesa sedeada em Fives, arredores de Lille, a “Fives-Lille Company”, dois gigantescos
guindastes, cada um deles com 69 metros de comprimento, pesando 420 toneladas e
erguendo-se a uma altura de 17 metros, accionados por uma máquina a vapor de 50
cavalos, alimentada por duas caldeiras que usavam o carvão como combustível e
que, pela sua envergadura, ficaram conhecidos por Titãs ou Titans.
Movimentando toneladas de pedra obtidas, primeiro nas
pedreiras de Aguiar, em Santa Cruz do Bispo (na margem direita do rio Leça) e,
depois, por extinção daquelas, nas pedreiras de S. Gens, em Custóias (na margem
esquerda do rio Leça), foram por aquelas bestas mecânicas construídos, metro a
metro, pelo mar adentro, os molhes do porto de abrigo, sendo que o do lado
norte viria a ter 1579 metros e, o do lado sul, 1147 metros.
Para além dos molhes do Porto de Leixões haveria de ser
construído, alguns anos (década de 1940) mais tarde, um quebra-mar que,
elevando-se apenas um metro acima do zero hidrográfico, prolongava em mais
algumas centenas de metros o Molhe Norte. Terminava este esporão numa
plataforma onde emergia um farolim – o Farolim
do Esporão.
Farolim do Esporão
Titan (após recuperação) ou Titã, no molhe sul de Matosinhos, em 09
de Outubro de 2021 – Ed. Graça Correia
Memória evocativa da visita real, que ainda pode ser
observada no molhe Sul
“Às 2 horas e 40
minutos dava o comboio entrada naquela ridente povoação da beira-mar. Outro
espectáculo soberbo. A população piscatória e a outra que não se emprega nos
trabalhos arriscados do mar, os banhistas e os forasteiros, apertavam-se,
comprimiam-se em longas filas, por cima dos muros, nos terrenos elevados, nas
janelas das casas próximas, que ostentavam colchas de damasco.
Os morteiros e os
foguetes faziam um estrondo de ensurdecer, não deixando ouvir nada e pondo medo
às crianças, que se achegavam dos pais, timoratas, medrosas. E no entanto, nada
mais belo do que aquele entusiasmo febril pelos ilustres personagens que o
Porto acolhe.
O comboio real recebeu
aí o sr. conselheiro e ministro de Estado honorário Barjona de Freitas, que foi
cumprimentar a família real, acompanhando-a no resto da viagem. Sendo
necessário fazer uma manobra, o comboio teve ali uma pequena demora e em
seguida avançou para o muro de abrigo do sul.
O comboio percorreu-o
em quase toda a sua extensão, cerca de 700 metros pelo mar dentro. O grande
Titã, esse engenho possante de invenção maravilhosa, engalanava-se de
bandeiras; uma filarmónica tocava o hino de el-rei, queimando-se muitos
foguetes. A família real, saindo da carruagem, assistiu, bem como todos os
convidados, à colocação, por meio de um pequeno guindaste, de uma pedra no muro
de abrigo, pedra que em letras abertas e douradas tinha a seguinte inscrição:
«27 DE SEPTEMBRO DE 1887 – VISITA DE S.M. EL-REI D. LUIZ Iº». Por cima tinha as
armas nacionais muito bem lavradas. A pedra foi colocada rápida e perfeitamente.
A Família real
dirigiu-se para a extremidade do muro, onde o sr. Bartissol, para satisfazer o
natural desejo de el-rei, o informou amiudamente dos trabalhos realizados e a
realizar, dos processos usados na construção daquela monumental obra de arte,
etc.
Em seguida o Titã
mostrou os seus prodígios, levando uma vagonete com grandes calhaus do peso de
10 toneladas métricas, pouco mais ou menos, e arremessou-os ao fundo do mar,
espadanando a água a grande altura. São estes os trabalhos do enrocamento,
realmente admiráveis. Aqui foi apresentado a el-rei pelo sr. Bartissol o hábil
engenheiro director técnico daquelas obras, o sr. Wiriot, com quem el-rei se
demorou conversando durante algum tempo.
Retirando-se, o
comboio recuou pelo mesmo caminho, assistindo a família real aos interessantes
trabalhos da grua, vendo-a mover, levantar facilmente um enorme bloco de pedra
e cimento e colocá-lo em cima de uma zorra.
Os trabalhos aqui não
foram menos importantes. O comboio percorreu-o também na extensão de uns 700
metros. Eram 3 horas e 25 minutos. A família real, desembarcando, assistiu
também à colocação no muro de abrigo de outra pedra em tudo idêntica à que
anteriormente fora colocada no molhe sul, isto é, com as mesmas armas e a mesma
inscrição. Ao findar este trabalho, um dos empregados da empresa, que tinha no
braço esquerdo um laço de fita azul e branca, levantou vivas a el-rei, à
rainha, príncipes, incluindo o da Beira, e finalmente a toda a família real.
A banda do Regimento
de Infantaria 10 executou o hino real, sendo queimados muitos foguetes. Na
extremidade do muro o engenheiro sr. Afonso Joaquim Nogueira Soares esteve
explicando a el-rei a forma como eram colocados os blocos, dando-lhe outras
informações que S.M. ouvia com vivo interesse.
Uma zorra conduziu
para junto do grande Titã deste molhe um bloco que tinha a seguinte inscrição
gravada: «BLOCO COLOCADO NA PRESENÇA DE EL-REI D. LUIZ E DE SUA AUGUSTA FAMÍLIA
NO DIA 27 DE SEPTEMBRO DE 1887». O prodigioso aparelho levantou-o da zorra por
meio de correntes de ferro, ergueu-o ao ar e desceu-o até ao mar, colocando-o
em cima dos outros. Mas não se julgue que todo este trabalho, que o braço
humano decerto não poderia desempenhar, leva muito tempo.
Nada disso: 10
minutos, se tanto, são suficientes para esta operação.
S.M. el-rei ficou tão
satisfeito com o que viu, observou tanta ordem e método em todos os trabalhos,
que, chamando o sr. Bartissol, comunicou-lhe que o agraciava com o título de
visconde de Bartissol.
Por essa ocasião
correu o boato de que S.M. dispensaria outras mercês honoríficas a vários
cavalheiros do pessoal superior das obras do porto de Leixões. Achamos justas
estas distinções ao mérito.
No Leixão grande, que
ainda fica a bastante distância dos muros de abrigo, achava-se hasteada a bandeira
nacional. Outros rochedos, que demoram perto, conhecidos pelos nomes de
«Lajedo», «Salgueiro» e «Galinheiro», destacavam-se pela sua isolação.
Passava das 4 horas da
tarde quando a família real se retirou no comboio com os convidados até ao
pavilhão levantado fora do muro de abrigo, onde ia ser servido o lanche.
Manifestação marítima
Além das manifestações
que em terra se deram, por ocasião da visita da família real ao porto de
Leixões, uma outra se realizou, fervorosa e entusiástica. Esta manifestação foi
de uma originalidade e de uma espontaneidade características.
Eram perto das 2
horas, quando o possante rebocador “Galgo”, embandeirado em arco, levantou
ferro do cais da Estiva e se dirigiu, com vertiginosa velocidade, para a boca
da barra.
A bordo do rebocador
reuniu-se um grupo distinto da colónia inglesa, alguns alemães, russos e
portugueses. Os seguintes nomes darão uma ideia das pessoas que se achavam no
vapor: srs. Carlos Coverley, Roger Coverley, Hermann
Burmester. A.J. Shore, George Mason, Otto Burmester, Franz Burmester, C.J.
Schneider. J.D. Smith, Edouard Rumsey, Carlos Wengorovius, Alberto
Kendall, J.S. Johnson, o engenheiro do Lloyd, Ennor; o vice-cônsul da
Grã-Bretanha, Honorius Grant; o vice-cônsul da Rússia, Álvaro Smith de
Vasconcelos; Ernesto José de Carvalho, Isaac Newton, Ellicot, John Teage,
Henrique Delaforce, o engenheiro-civil W.P. Routh, Irineu Pais, Albino Pereira
Soares, José Vicente Domingues, o capitão do vapor inglês “Mallard”, sr. Hayes;
o capitão do “Minerva”, sr. Burrel; o capitão do “Lisbon”, sr. Mac-Nab; os
capitães russos srs. J. Skuja e Noacki, José Luiz Gomes Sá e Carlos Lourenço da
Cruz.
O “Galgo” atravessou
rapidamente toda a distância que medeia entre o cais da Estiva e a barra. O mar
mostrava-se um pouco picado, como se diz em linguagem marítima, mas o possante
rebocador sulcava indiferente as ondas mais alterosas, espadanando em volta
flocos de espuma que a proa e o hélice faziam surgir constantemente.
Bem depressa a
povoação da Foz ficou à ré do vapor, distinguindo-se em seguida as casas de
Matosinhos e Leça, assim como os dois molhes do porto de Leixões, em cujas
extremidades se viam, na sua imobilidade, os grandes Titãs, semelhantes a dois
enormes canhões Krupp. Momentos depois, o “Galgo” fundeava na espécie de
enseada formada pelas pedras de Leixões e os dois paredões em construção, junto
do molhe sul.
A família real ainda
não havia chegado, mas por toda a extensão da praia via-se a multidão
movendo-se e girando em todos os sentidos. O aspecto do porto, visto do ponto
em que o “Galgo” se encontrava fundeado, era realmente belo e cativante.
Uma multidão de
pequenas embarcações, canoas, caíques, botes, guigas, etc., singrava por
aquelas águas em todas as direções, com bandeiras multicolores, tremulando
agitadas ao impulso do vento. No meio destas embarcações destacava-se, pela
real beleza das suas formas, pelo airoso do seu porte, a chalupa pertencente ao
sr. Alão Pacheco, a bordo da qual se achava este cavalheiro com sua esposa. A
chalupa embandeirava em arco. Além desta chalupa ainda cruzavam o porto dois
pequenos vapores, o “Rápido” e o “Ligeiro”, tendo num deles sido visto a bordo
o engenheiro sr. Guedes Infante e o lente da Escola Médico-cirúrgica sr.
Cândido Augusto Correia de Pinho.
Entretanto, a bordo do
“Galgo”, os srs. Roger e Carlos Coverley mandavam servir amavelmente um
abundante e bem servido lanche. A brisa marítima, a pequena excursão através
daquele limitadíssimo espaço do Atlântico, tornavam altamente amena aquela
refeição em que todos mais ou menos fizeram honra às iguarias, ao vinho do
Porto e ao Champanhe.
Pouco antes de
terminar o “lunch”, o sr. Carlos Coverley brindou pelo rei de Portugal e sua
real família, sendo este brinde entusiasticamente correspondido por entre
vivas, hurrahs e aclamações. Neste comenos ouviu-se o silvo de uma locomotiva.
Era o comboio real que se aproximava e que foi parar perto do Titã do molhe
sul. Quando el-rei, a rainha e os príncipes se apearam da carruagem, e se
dirigiram para mais próximo do enorme guindaste, todos os que se achavam a
bordo do “Galgo”, empunhando taças cheias de Champanhe, irromperam em repetidos
vivas e hurrahs, silvando nessa ocasião por três vezes a sirene do vapor. A
mesma demonstração deu-se quando SS. MM. E AA., depois de verem trabalhar o gigantesco
Titã, se retiraram, tomando o comboio a direcção do molhe norte.
O “Galgo” também se
foi postar galhardamente em frente aquele molhe, repetindo as anteriores
demonstrações, quando a família real chegou ali.
Por essa ocasião
assistiu-se ao desfilar de uma esquadrilha de barcos de pesca que, içando as
largas velas latinas que o vento entumecia com gracioso donaire, foi passando
por diante da extremidade do molhe sul, fazendo uma longa e pitoresca curva,
que maravilhosamente se ia prolongando e tinha todos os encantos de uma
verdadeira e original surpresa.
Todos os olhos se
haviam fixado naquele pitoresco quadro, formado por grande número de barcos,
cujos nomes eram também tão pitorescos como os homens que os tripulavam. Eis
alguns desses nomes recolhidos na rápida carreira com que passavam à vista,
deixando-lhes a sua textual ortografia: “Aqui estou em Casa de Deus”, “Sra. Da
Gonia”, Sra. da Juda”, “Sr. do Alivo”, “Paraiso Rial”, “D. Luiz”, “Erodes de S.
João”, Sr. do Soreato”, ”Sra. do Bomsucesso”, etc.
E lá foram todos estes
barcos para a sua faina da pesca, e decorridos alguns momentos, na amplidão do
Oceano apenas eram uns pontos que se destacavam na nublada faixa do horizonte.
No porto, entretanto,
a animação era cada vez maior; a família real passara ao pavilhão onde lhe fora
servido o lanche; as pequenas embarcações pululavam e cortavam em todos os
sentidos a ampla enseada; um outro vapor, o “Victória”, viera também juntar-se
à festiva manifestação marítima; os foguetes estouravam nos ares, as músicas
faziam ouvir o hino real; por toda a parte uma enorme expansão de alegria, de
fervoroso entusiasmo, de festival júbilo.
Algumas das pequenas
embarcações estavam cheias de senhoras, que não receavam arrostar as ondas do
mar. E que variedade de formas e tamanhos tinham os barcos que animavam a ampla
baía! Ali foi vista a pequena canoa tripulada por um homem só e movida por uma
pequena pá; os caíques com dois remadores; um outro movido a rodas; os botes,
as chalupas e as guigas, a quatro, seis e mais remos. Uma variedade difícil de
descrever. E todos estes barcos se haviam reunido ao longo do molhe norte, e
quando a família real deixou o pavilhão para se retirar, era maravilhoso
contemplar o aspecto produzido por aquela esquadrilha de pequenas embarcações,
donde irrompiam entusiásticos vivas, e donde se viam milhares de lenços brancos
acenando, ao mesmo tempo que o silvo do “Galgo” parecia querer superar todos os
ruídos com o seu som ronco, sonoro e penetrante.
A família real, no
entanto, deixava o porto de Leixões, e a debandada era geral. Na praia via-se
um movimento e um fervilhar continuo, de quem queria ainda uma vez ver os
régios personagens. Estava finda a grande festa do trabalho, e os barcos que
não temiam o embate do mar, preparavam-se para ir em demanda da barra”.
In jornal “Comércio do Porto”, de 28 de Setembro de 1887
Rebocador “Galgo” (col. de Francisco Cabral)- Fonte: “naviosenavegadores.blogspot.com”
Finda a visita ao porto de abrigo de Leixões, a comitiva
regressou, em trens, ao Porto, passando pela Foz e pelo Passeio Alegre.
O semanário “O Occidente”, nº 308, de 21 de Outubro de 1887,
dá-nos também uma ideia dos acontecimentos ocorridos no dia que se seguiu à
visita a Leixões.
Após a recepção no Paço teve lugar, à noite, um jantar de
gala.
No dia 29 de Setembro, o rei, acompanhado por uma comitiva
de 300 pessoas, expressamente convidadas pela Companhia Nacional de Caminhos de
Ferro e que seguiram em comboio com horário mais madrugador, dá um salto a
Mirandela para a inauguração da linha férrea de Foz Tua a Mirandela.
Em Paredes, Penafiel, Mosteirô, Ermida, Rede, Régua, Pinhão,
Covelinhos e Foz Tua, as manifestações de regozijo das populações foi uma
constante.
O “lunch”, de 250 talheres, seria servido na estação de
Mirandela, devidamente preparada para o efeito, e servido pela casa “Ferrari”
de Lisboa.
Após as cerimónias e respectivas festividades deu-se, já
noite, o regresso a casa.
O dia 30 de Setembro, seria dedicado a uma visita a Vila do
Conde para a inauguração de alguns melhoramentos ligados à actividade da pesca.
O dia 1 de Outubro, foi dedicado a visitas ao Hospital do
Conde de Ferreira de que era director o Dr. António Maria de Senna, coadjuvado
pelo Dr. Júlio de Matos e ao Hospital de Crianças Maria Pia.
À tarde, seria lançada a primeira pedra, ao Campo 24 de
Agosto, junto dos lavadouros, da Escola Industrial “Faria Guimarães”.
Houve também uma visita à Fábrica de Fiação de Salgueiros e,
à noite, baile na Assembleia Portuense, com a ceia servida à meia-noite.
O Domingo, 2 de Outubro, começou com a distribuição de
prémios no Palácio de Cristal, aos alunos que se destacaram no ano lectivo,
tendo ainda sido alvo de visita a Oficina S. José e sendo ainda visitada a
Associação dos Bombeiros Voluntários.
À noite, no Teatro Gil Vicente do Palácio de Cristal,
realizou-se uma sessão interpretada por amadores, em benefício da Creche de S.
Vicente Paulo.
No dia 3, depois de uma parada no Campo da Regeneração e do
consequente desfile militar, seguir-se-ia uma sessão fotográfica na “Fotografia
União”, dos proprietários António Correia da Fonseca e Miguel Fernandes Ferrer.
À tarde, foram lançadas as obras do molhe norte do porto da
Póvoa de Varzim, e o almoço que aí foi servido teve a presença do conhecido
abade de Priscos.
À noite, já no Porto, ocorreu o habitual baile do Club
Portuense, com a formação das habituais quadrilhas.
No dia seguinte, 4 de Outubro, foi a partida para Braga.
Antes, houve missa na Capela de Carlos Alberto, ao Palácio
de Cristal e visita às recentes instalações da Escola Normal (inaugurada em
1883), na Rua da Alegria e à Fábrica de Fiação Portuense.
Gravura da Capela de Carlos Alberto, em 1888, elaborada a
partir de fotografia publicada na revista “O Occidente” – Fonte: GISA
Com a comitiva real a cumprir o calendário inerente à visita
programada, no dia 7, o rei e os príncipes sairiam de Braga para Lisboa, para
tratarem de assuntos da corte.
Retornando, a 10 de Outubro, à casa de partida, onde tinha
permanecido a rainha, desdobrando-se e ocupando-se, naquele período, em
programa próprio, seguir-se-ia uma passagem pelo Gerês, palco de uma caçada em
Leonte, com a participação de centenas de caçadores.
“Criados, a nível
nacional, os Serviços Florestais em 1886, à criação do Perímetro Florestal do
Gerês, em 1888, não deve estar alheia a visita que, de 12 a 15 de Outubro de
1887, a família real efectuou à nossa terra, dela fazendo palie os monarcas D.
Luís I e D. Maria Pia, assim como o príncipe D. Carlos e sua esposa D. Amélia,
tal como o infante D. Afonso, além de numerosa comitiva. O objectivo primordial
dessa visita foi o de uma grandiosa caçada aos corços, nessa altura abundantes
na serra geresiana, a qual, parte da comitiva aproveitaria para conhecer de
perto os seus encantos durante a estadia entre nós, tendo como guarida o Hotel
Ribeiro”.
Fonte: “terrasbouro.blogspot.com/”
Hotel Ribeiro, em Vilar de Veiga, no Gerês, c. 1900 – Ed.
Emílio Biel; Fonte: AHMP
O Hotel Ribeiro (na foto acima), o primeiro a ser construído
no Gerês, cujo fundador foi António Joaquim Martins Ribeiro, deu pensão à
comitiva real, com excepção do casal de soberanos que se alojou no chalet Tait,
de Alfredo Tait, botânico e proprietário da Casa Tait, ao Palácio de Cristal.
Alguns anos mais tarde, Alfredo Tait receberia o título de Barão de Soutelinho.
Chalet Tait, no Gerês – Fonte: “QualiSá, Imobiliária”
Um outro hotel, o “Grande Hotel Universal” seria fundado,
também, tal como o Hotel Ribeiro, por António Joaquim Martins Ribeiro,
mencionando em publicidade de Maio de 1890, que tinha luz eléctrica e chegou a
anunciar, já no início do século XX, ser detentor de 100 quartos.
Pertencia, nessa data, à Companhia das Caldas do Gerês, com
a gerência a ser feita pelo casal Mattos e, tendo como accionista principal, o
Dr. Ricardo Jorge.
A Companhia das Caldas do Gerês abriria falência e, em 1892,
o Grande Hotel Universal já estava na posse da “Companhia Carris e Ascensor do
Bom Jesus”.
Actualmente, o antigo Grande Hotel Universal passou a Hotel
Universal, com a propriedade a ser da Empresa Hoteleira do Gerês, uma empresa a
operar, também, na área dos transportes e a única companhia que faz a ligação
Braga-Gerês.
Voltando à visita real, diga-se que tendo ela sempre como
“quartel-general” a cidade de Braga, também Viana do Castelo e Barcelos tiveram
honras de visita real.
Um dos pontos altos da programação compreenderia uma visita,
no dia 20 de Outubro, a Guimarães, onde seria inaugurada a estátua do fundador
da nacionalidade, D. Afonso Henriques, da autoria de Soares dos Reis.
No fim do dia foi o regresso definitivo a Braga.
Até à partida para Lisboa, no dia 28 de Outubro, o tempo seria
ocupado com alguns passeios pelo Bom Jesus.
Estátua de D. Afonso Henriques (em Guimarães) - Revista “Occidente”, nº 324, em 21 de Dezembro de 1887
Também o Porto tem uma estátua do fundador da nacionalidade,
da autoria do escultor Gustavo Bastos (1928-2014).
Foi inaugurada, em 6 de Dezembro de 1984, na Praça da
República, colocada junto do Quartel-General do Porto, mas, em 27 de Outubro de
1988, seria transferida para o Museu Militar.
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