O julgamento do poeta
A sentença tão esperada era, finalmente, conhecida. O poeta
Guerra Junqueiro acabava de ser condenado, em 10 de Abril de 1907, por um
tribunal do Porto.
Tudo começaria pela publicação de um artigo no jornal
portuense “A Voz Pública”, alguns meses antes.
Para o mesmo dia 2 de Dezembro, em que a afronta ao rei,
pela pena de Guerra Junqueiro, veio a público, era anunciado um grande comício
republicano na cidade do Porto para junto da residência do poeta.
Finalmente, em 10 de Abril de 1907, após alguns meses sobre
o insulto dirigido à pessoa do rei, subiria o caso à barra do tribunal.
Guerra Junqueiro, que se apresentaria ao tribunal com a
profissão de poeta, teve como advogado de defesa o Dr. Afonso Costa.
Edifício do Tribunal de S. João Novo quando eram passados
cerca de 30 anos sobre o julgamento de Guerra Junqueiro
A alegação final de Guerra Junqueiro, perante o tribunal,
ficaria famosa sendo, em traços gerais, do teor que se segue.
A animosidade de Guerra Junqueiro para com o rei D. Carlos
vinha de há alguns anos antes.
Em 8 de Abril de 1890, Guerra Junqueiro já tinha escrito
contra o Rei D. Carlos o poema “O Caçador Simão” (dedicado a Fialho de
Almeida), que era uma clara incitação ao Regicídio.
Em 11 de Janeiro desse ano, a Inglaterra tinha entregado um
memorando, no que ficou conhecido como o “Ultimato”, cujos termos foram considerados,
por muitos, como uma afronta à soberania do nosso país.
Inicia-se, então, um profundo movimento de descontentamento
social, implicando directamente a família reinante, vista como demasiado
próxima dos interesses britânicos.
Ora, naquele poema (Simão era o último dos nomes próprios do
Rei D. Carlos), o rei era apresentado como um líder que desprezava o seu povo e
que apenas lhe interessava a caça, concluindo que, um dia, ainda o caçador
seria caçado. De facto, tal viria a acontecer, dezoito anos depois, em 1 de
Fevereiro de 1908.
A Academia Coimbrã em
polvorosa
Enquanto decorriam os trâmites para o julgamento de Guerra
Junqueiro, a sociedade civil vivia em alvoroço como consequência de uma crise
estudantil que teria por palco principal a cidade de Coimbra.
Tudo começou com uma prestação de provas de doutoramento, em
27 e 28 de Fevereiro de 1907, na famosa “Sala do Capelo”, de José Eugénio Dias
Ferreira, que tinha aderido ao Partido Republicano Português, em Janeiro desse
ano, e era filho do ex-Presidente do Conselho e ex-Ministro da Fazenda José
Dias Ferreira. Aquela filiação teria sido patrocinada por Teófilo Braga, à
data, um proscrito da Universidade de Coimbra.
O candidato a doutor viria a ser reprovado, uma decisão que aparentava
já estar previamente acordada entre os lentes.
Logo que foi conhecido o chumbo, por unanimidade, do
candidato, a Academia rompeu em protesto e, imediatamente, as primeiras
reacções de contestação contra a Faculdade de Direito, que se fizeram ouvir
partiram, curiosamente, de Frederico Franco (filho de João Franco, o Presidente
do Conselho) e Luís Baldaque Guimarães.
Nunca se chegaria a qualquer conclusão para a explicação e
resposta a este facto: o filho do presidente do Conselho metido nestas
andanças?
No dia seguinte, os alunos de todas as faculdades boicotaram
as aulas, ocupando os Gerais e a Via Latina, bloqueando as entradas das salas
de aula aos professores.
Os chamados “Gerais” (antigas
instalações do paço da rainha) corresponderão a uma área das antigas salas de aula, dispostas
em torno de um claustro de dois pisos.
A Torre da Universidade de Coimbra, acima observada, situada
no terreiro do Paço das Escolas, teve como projectista o arquitecto italiano
Antonio Canevari e foi construída entre 1728 e 1733, substituindo uma outra
mais baixa, que ocupava sensivelmente o mesmo espaço projectada por João de
Ruão.
Via Latina (colunata neoclássica do século XVIII), à
esquerda, e Porta-Férrea (1634), à direita, ao fundo, como a entrada no Pátio
das Escolas
Os dias seguintes foram decisivos para a definição do
protesto estudantil, os alunos, a 3 de Março, deliberam manter-se em greve,
declarando que não existia uma conspiração político-partidária contra o
Governo. Os estudantes decidiram, igualmente, constituir comissões em Lisboa,
Porto e Coimbra, com o intuito de manterem os contactos académicos activos e
enviar a Lisboa uma representação para entregar ao Parlamento e ao Governo as
razões da greve.
A luta dos estudantes extravasa para o ensino secundário, e
o apoio aos estudantes de Coimbra tem a sua expressão mais visível, de
solidariedade, na Escola Médico-Cirúrgica do Porto.
No dia da leitura da sentença do julgamento de Guerra
Junqueiro, em 11 de Abril de 1907, o jornal republicano “A Voz Pública” fazia
cabeçalho com o conflito estudantil coimbrão.
Entretanto, na fase de apuramento de responsabilidades, após
os desmandos estudantis cometidos,
“17 alunos foram
considerados agentes criminosos, acusados de gritos subversivos e insultos
contra a Universidade, assim como do apedrejamento de casas de alguns lentes,
dez deles são considerados inocentes por falta de provas e sete são condenados
a penas de expulsão de um e dois anos da Universidade. Relativamente aos alunos
que foram expulsos, o Governo queria as suas expulsões como forma de se manter
o princípio de autoridade e justificar os termos imprudentes do Decreto de 2 de
Março que encerrou a Universidade, como refere António Granjo, estudante do 5º
ano de direito”.
Fonte: pt.wikipedia.org/
Com a agudização do conflito,
“A perda do ano
lectivo, ou por faltas injustificadas ou pela impossibilidade de realização dos
exames, cuja época se aproximava, é desde logo um cenário explorado pelo
governo e pelas autoridades académicas para demover os grevistas e conquistar o
apoio das respectivas famílias, as quais se chegam a organizar em comissões de
pais dos alunos grevistas que ofereceram os seus préstimos como mediadores ao
Reitor, desenvolvendo contactos diversos, inclusive com o próprio rei D.
Carlos.
A 18 de Abril, é
nomeado D. João de Alarcão para reitor da Universidade, em reunião com a
Academia este disponibilizou-se para interceder junto do governo a favor de uma
amnistia geral para os alunos, extensível aos que tinham sido expulsos. A 23 de
Maio o Diário do Governo publicava um decreto reabrindo a Universidade para
efeitos de exame sobre as matérias leccionadas, havendo alunos que cederam ao
medo em perder o ano lectivo. Os decretos indultando os estudantes das suas
penas de expulsão foram publicados pelo governo em finais de Agosto desse ano,
assim os três estudantes expulsos por dois anos viram a sua comutada em
repreensão e os quatro que tinham sido expulsos por um ano receberam uma
censura, além de que estes sete podiam requerer encerramento de matrículas
relativas ao ano de 1906-1907 e a admissão nas disciplinas que haviam
frequentado até 28 de Fevereiro, assim desta forma o governo encerrou a questão
universitária, significando para alguns a capitulação final do movimento
estudantil.”
Fonte: pt.wikipedia.org/
“José Eugénio Dias
Ferreira, o protagonista da greve académica, passados alguns anos após os
acontecimentos de 1907 apresentou-se novamente para prestar provas de doutorado
em Coimbra e foi aprovado, ingressou no corpo docente do Instituto Superior de
Comércio e mais tarde passou para a categoria de professor catedrático do
Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, onde foi regente das
cadeiras de Direito Internacional Privado e de Ciência das Finanças, tendo
falecido a 16 de Janeiro de 1953.”
Fonte: pt.wikipedia.org/
A luta estudantil, em 1907, decorreu num tempo em que se
verifica a transição para a fase ditatorial do governo de João Franco (Alcaide,
Fundão, 14 de Fevereiro de 1855 — Lisboa, 4 de Abril de 1929).
Sucedendo a um 3º governo de Hintze Ribeiro, que somente
tinha durado 56 dias, em Maio de 1906, João Franco vai suceder-lhe chefiando um
governo de regeneradores – liberais.
O processo então iniciado avançaria, a 11 de Abril de 1907,
quando João Franco pediu ao rei o encerramento do Parlamento (que se verificou
a 10 de Maio) e, no dia 30 desse mês, o rei D. Carlos oferecia a Franco a
ditadura.
Pelo caminho, numa sessão parlamentar, de 20 de Novembro de
1906, ocorreria a expulsão violenta do parlamento dos deputados republicanos
Afonso Costa e Alexandre Braga.
A crise estudantil, entretanto, surgida, iria precipitar os
acontecimentos políticos.
Perante a hipótese de demitir João Franco (o governo de João
Franco estava em minoria, pois os Progressistas haviam recusado participar no
seu governo e, assim, a queda de Franco era iminente), o rei preferiu dar-lhe
os meios para governar em ditadura.
Longe iam os tempos em que João Franco tendo entrado em dissidência
com Hintze Ribeiro, abandonava o Partido Regenerador e formado o Partido
Regenerador Liberal.
Em digressão pelo Norte do País, durante o dia 17 de Junho
de 1907, João Franco chegaria à Estação de Campanhã e, depois, à Estação de S.
Bento (em construção) e percorreria as ruas do Porto em carruagem puxada por
cavalos.
João Franco pretendia mostrar, na cidade do Porto, a força
do seu governo de ditadura.
Com muitos milhares de portuenses nas ruas, a imprensa
afecta ao governo dava ênfase às manifestações de apoio.
Por outro lado, a imprensa afecta aos opositores, sobretudo,
os republicanos, justificava a presença do povo, mas com o intuito de apupar o
chefe do governo.
Prosseguia a contagem decrescente para o regicídio.
Junto de Estação de S. Bento (em construção) a carruagem que
transportaria João Franco, em 17 de Junho de 1907
Populares esperando por João Franco, na esquina do palacete
das Cardosas, em frente da Estação de S. Bento, em 17 de Junho de 1907
Populares junto da Escola Médica, ao Carmo, esperando pela
visita de João Franco, em 17 de Junho de 1907
Confrontos entre apoiantes e opositores de João Franco, na
esquina das ruas Formosa e Santa Catarina, durante uma visita do ditador em 17
de Junho de 1907
O Regicídio
A agitação social era crescente e é denunciada uma
conspiração promovida por republicanos e dissidentes progressistas, em 28 de
Janeiro de 1908, na qual o papel preponderante estaria a cargo do visconde da
Ribeira Brava.
A 1 de Fevereiro de 1908, dá-se o regicídio, durante o qual
o rei D. Carlos I e seu herdeiro Luís Filipe, Príncipe Real de Portugal, vindos
de Vila Viçosa, são assassinados à chegada a Lisboa.
No final da tarde, a carruagem real, descoberta, foi
alvejada quando saía do Terreiro do Paço em direcção à Rua do Arsenal.
Alfredo Luís da Costa matou o rei e Manuel dos Reis da Silva
Buíça assassinou o príncipe D. Luís Filipe. Os dois regicidas foram, de
imediato, mortos pelas forças policiais.
João Franco é responsabilizado pelo extremar de posições e
pela falta de segurança pública e demite-se, sendo substituído, a 4 de
Fevereiro, por um governo presidido por Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.
Após a ocorrência do regicídio e ainda a propósito de Guerra
Junqueiro e do seu poema o "Caçador Simão", no qual sugeria a morte
do rei (o caçador que foi caçado), embora
o poeta tenha sido acusado da sua autoria moral, materialmente, nada lhe podia
ser atribuído, pois, no dia fatal, tinha um bom alibi: estava em Salamanca com
o seu amigo D. Miguel de Unamuno e já lá iam alguns anos sobre a edição de tal
poema.
Já implantada a República, Guerra Junqueiro meter-se-ia em
mais uma pugna, ao bater-se pelo aspecto da bandeira da República.
Para ele, a bandeira devia ter mantido as cores, azul e
branca, com o escudo e a esfera armilar (sem coroa) e, em volta, umas
estrelinhas verdes e vermelhas.
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