domingo, 6 de março de 2022

25.152 Um epílogo sangrento escrito em várias etapas

O julgamento do poeta
 
A sentença tão esperada era, finalmente, conhecida. O poeta Guerra Junqueiro acabava de ser condenado, em 10 de Abril de 1907, por um tribunal do Porto.
Tudo começaria pela publicação de um artigo no jornal portuense “A Voz Pública”, alguns meses antes.
 
 
 

Cabeçalho do jornal “A Voz Pública”, em 2 de Dezembro de 1906
 
 

Transcrição da mensagem de Guerra Junqueiro inserta na gravura anterior
 
 
Para o mesmo dia 2 de Dezembro, em que a afronta ao rei, pela pena de Guerra Junqueiro, veio a público, era anunciado um grande comício republicano na cidade do Porto para junto da residência do poeta.

 
 

Convite para comício publicado no jornal “A Voz Pública”, em 2 de Dezembro de 1906
 
 
 
Finalmente, em 10 de Abril de 1907, após alguns meses sobre o insulto dirigido à pessoa do rei, subiria o caso à barra do tribunal.
Guerra Junqueiro, que se apresentaria ao tribunal com a profissão de poeta, teve como advogado de defesa o Dr. Afonso Costa.


 

Sinopse sobre o julgamento de Guerra Junqueiro publicada no jornal “A Lucta”

 
 

Edifício do Tribunal de S. João Novo quando eram passados cerca de 30 anos sobre o julgamento de Guerra Junqueiro
 
 
 

In jornal “A Lucta”, em 11 de Abril de 1907
 
 
 
 
A alegação final de Guerra Junqueiro, perante o tribunal, ficaria famosa sendo, em traços gerais, do teor que se segue.
 
 
 




Excerto da defesa de Guerra Junqueiro, In jornal “A Voz Pública”, em 11 de Abril de 1907
 
 
 
 

A sentença, In jornal “A Lucta”, em 11 de Abril de 1907
 
 
 
A animosidade de Guerra Junqueiro para com o rei D. Carlos vinha de há alguns anos antes.
Em 8 de Abril de 1890, Guerra Junqueiro já tinha escrito contra o Rei D. Carlos o poema “O Caçador Simão” (dedicado a Fialho de Almeida), que era uma clara incitação ao Regicídio.
Em 11 de Janeiro desse ano, a Inglaterra tinha entregado um memorando, no que ficou conhecido como o “Ultimato”, cujos termos foram considerados, por muitos, como uma afronta à soberania do nosso país.
Inicia-se, então, um profundo movimento de descontentamento social, implicando directamente a família reinante, vista como demasiado próxima dos interesses britânicos.
Ora, naquele poema (Simão era o último dos nomes próprios do Rei D. Carlos), o rei era apresentado como um líder que desprezava o seu povo e que apenas lhe interessava a caça, concluindo que, um dia, ainda o caçador seria caçado. De facto, tal viria a acontecer, dezoito anos depois, em 1 de Fevereiro de 1908.

 
 


“O Caçador Simão” – Guerra Junqueiro
 
 
 
A Academia Coimbrã em polvorosa
 
 
Enquanto decorriam os trâmites para o julgamento de Guerra Junqueiro, a sociedade civil vivia em alvoroço como consequência de uma crise estudantil que teria por palco principal a cidade de Coimbra.
Tudo começou com uma prestação de provas de doutoramento, em 27 e 28 de Fevereiro de 1907, na famosa “Sala do Capelo”, de José Eugénio Dias Ferreira, que tinha aderido ao Partido Republicano Português, em Janeiro desse ano, e era filho do ex-Presidente do Conselho e ex-Ministro da Fazenda José Dias Ferreira. Aquela filiação teria sido patrocinada por Teófilo Braga, à data, um proscrito da Universidade de Coimbra.
 
 

Universidade de Coimbra - Sala dos Capelos
 
 
 
O candidato a doutor viria a ser reprovado, uma decisão que aparentava já estar previamente acordada entre os lentes.
Logo que foi conhecido o chumbo, por unanimidade, do candidato, a Academia rompeu em protesto e, imediatamente, as primeiras reacções de contestação contra a Faculdade de Direito, que se fizeram ouvir partiram, curiosamente, de Frederico Franco (filho de João Franco, o Presidente do Conselho) e Luís Baldaque Guimarães.
Nunca se chegaria a qualquer conclusão para a explicação e resposta a este facto: o filho do presidente do Conselho metido nestas andanças?
No dia seguinte, os alunos de todas as faculdades boicotaram as aulas, ocupando os Gerais e a Via Latina, bloqueando as entradas das salas de aula aos professores.
 Os chamados “Gerais” (antigas instalações do paço da rainha) corresponderão a uma área das antigas salas de aula, dispostas em torno de um claustro de dois pisos. 


 
 

Vista aérea dos “Gerais” anexa à Torre da Universidade (conhecida entre os estudantes como “CABRA”)
 
 
 
A Torre da Universidade de Coimbra, acima observada, situada no terreiro do Paço das Escolas, teve como projectista o arquitecto italiano Antonio Canevari e foi construída entre 1728 e 1733, substituindo uma outra mais baixa, que ocupava sensivelmente o mesmo espaço projectada por João de Ruão.
 
 
 

Via Latina (colunata neoclássica do século XVIII), à esquerda, e Porta-Férrea (1634), à direita, ao fundo, como a entrada no Pátio das Escolas
 
 
 

O Pátio das Escolas, da Universidade de Coimbra, em 1907
 
 
Os dias seguintes foram decisivos para a definição do protesto estudantil, os alunos, a 3 de Março, deliberam manter-se em greve, declarando que não existia uma conspiração político-partidária contra o Governo. Os estudantes decidiram, igualmente, constituir comissões em Lisboa, Porto e Coimbra, com o intuito de manterem os contactos académicos activos e enviar a Lisboa uma representação para entregar ao Parlamento e ao Governo as razões da greve.
A luta dos estudantes extravasa para o ensino secundário, e o apoio aos estudantes de Coimbra tem a sua expressão mais visível, de solidariedade, na Escola Médico-Cirúrgica do Porto.
No dia da leitura da sentença do julgamento de Guerra Junqueiro, em 11 de Abril de 1907, o jornal republicano “A Voz Pública” fazia cabeçalho com o conflito estudantil coimbrão.





Escola Médico-Cirúrgica do Porto, junto ao quartel do Carmo, em 1907
 
 
Entretanto, na fase de apuramento de responsabilidades, após os desmandos estudantis cometidos,

 
“17 alunos foram considerados agentes criminosos, acusados de gritos subversivos e insultos contra a Universidade, assim como do apedrejamento de casas de alguns lentes, dez deles são considerados inocentes por falta de provas e sete são condenados a penas de expulsão de um e dois anos da Universidade. Relativamente aos alunos que foram expulsos, o Governo queria as suas expulsões como forma de se manter o princípio de autoridade e justificar os termos imprudentes do Decreto de 2 de Março que encerrou a Universidade, como refere António Granjo, estudante do 5º ano de direito”.
Fonte: pt.wikipedia.org/
 
 
 
Com a agudização do conflito,
 
“A perda do ano lectivo, ou por faltas injustificadas ou pela impossibilidade de realização dos exames, cuja época se aproximava, é desde logo um cenário explorado pelo governo e pelas autoridades académicas para demover os grevistas e conquistar o apoio das respectivas famílias, as quais se chegam a organizar em comissões de pais dos alunos grevistas que ofereceram os seus préstimos como mediadores ao Reitor, desenvolvendo contactos diversos, inclusive com o próprio rei D. Carlos.
A 18 de Abril, é nomeado D. João de Alarcão para reitor da Universidade, em reunião com a Academia este disponibilizou-se para interceder junto do governo a favor de uma amnistia geral para os alunos, extensível aos que tinham sido expulsos. A 23 de Maio o Diário do Governo publicava um decreto reabrindo a Universidade para efeitos de exame sobre as matérias leccionadas, havendo alunos que cederam ao medo em perder o ano lectivo. Os decretos indultando os estudantes das suas penas de expulsão foram publicados pelo governo em finais de Agosto desse ano, assim os três estudantes expulsos por dois anos viram a sua comutada em repreensão e os quatro que tinham sido expulsos por um ano receberam uma censura, além de que estes sete podiam requerer encerramento de matrículas relativas ao ano de 1906-1907 e a admissão nas disciplinas que haviam frequentado até 28 de Fevereiro, assim desta forma o governo encerrou a questão universitária, significando para alguns a capitulação final do movimento estudantil.”
Fonte: pt.wikipedia.org/
 
 
 
“José Eugénio Dias Ferreira, o protagonista da greve académica, passados alguns anos após os acontecimentos de 1907 apresentou-se novamente para prestar provas de doutorado em Coimbra e foi aprovado, ingressou no corpo docente do Instituto Superior de Comércio e mais tarde passou para a categoria de professor catedrático do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, onde foi regente das cadeiras de Direito Internacional Privado e de Ciência das Finanças, tendo falecido a 16 de Janeiro de 1953.”
Fonte: pt.wikipedia.org/
 
 
A luta estudantil, em 1907, decorreu num tempo em que se verifica a transição para a fase ditatorial do governo de João Franco (Alcaide, Fundão, 14 de Fevereiro de 1855 — Lisboa, 4 de Abril de 1929).
Sucedendo a um 3º governo de Hintze Ribeiro, que somente tinha durado 56 dias, em Maio de 1906, João Franco vai suceder-lhe chefiando um governo de regeneradores – liberais.
O processo então iniciado avançaria, a 11 de Abril de 1907, quando João Franco pediu ao rei o encerramento do Parlamento (que se verificou a 10 de Maio) e, no dia 30 desse mês, o rei D. Carlos oferecia a Franco a ditadura.
Pelo caminho, numa sessão parlamentar, de 20 de Novembro de 1906, ocorreria a expulsão violenta do parlamento dos deputados republicanos Afonso Costa e Alexandre Braga.
A crise estudantil, entretanto, surgida, iria precipitar os acontecimentos políticos.
Perante a hipótese de demitir João Franco (o governo de João Franco estava em minoria, pois os Progressistas haviam recusado participar no seu governo e, assim, a queda de Franco era iminente), o rei preferiu dar-lhe os meios para governar em ditadura.
Longe iam os tempos em que João Franco tendo entrado em dissidência com Hintze Ribeiro, abandonava o Partido Regenerador e formado o Partido Regenerador Liberal.
Em digressão pelo Norte do País, durante o dia 17 de Junho de 1907, João Franco chegaria à Estação de Campanhã e, depois, à Estação de S. Bento (em construção) e percorreria as ruas do Porto em carruagem puxada por cavalos.
João Franco pretendia mostrar, na cidade do Porto, a força do seu governo de ditadura.
Com muitos milhares de portuenses nas ruas, a imprensa afecta ao governo dava ênfase às manifestações de apoio.
Por outro lado, a imprensa afecta aos opositores, sobretudo, os republicanos, justificava a presença do povo, mas com o intuito de apupar o chefe do governo.
Prosseguia a contagem decrescente para o regicídio.
 
 
 

Junto de Estação de S. Bento (em construção) a carruagem que transportaria João Franco, em 17 de Junho de 1907
 
 
 
 

Populares esperando por João Franco, na esquina do palacete das Cardosas, em frente da Estação de S. Bento, em 17 de Junho de 1907
 
 
 
 

Populares junto da Escola Médica, ao Carmo, esperando pela visita de João Franco, em 17 de Junho de 1907

 
 

Faculdade de Medicina, ao Carmo, ocupando o chão onde tinha estado a Escola Médica
 
 
 
 

Populares aguardando João Franco, junto da igreja de Santo Ildefonso, em 17 de Junho de 1907

 
 

Confrontos entre apoiantes e opositores de João Franco, na esquina das ruas Formosa e Santa Catarina, durante uma visita do ditador em 17 de Junho de 1907



 
O Regicídio
 

A agitação social era crescente e é denunciada uma conspiração promovida por republicanos e dissidentes progressistas, em 28 de Janeiro de 1908, na qual o papel preponderante estaria a cargo do visconde da Ribeira Brava.
A 1 de Fevereiro de 1908, dá-se o regicídio, durante o qual o rei D. Carlos I e seu herdeiro Luís Filipe, Príncipe Real de Portugal, vindos de Vila Viçosa, são assassinados à chegada a Lisboa.
No final da tarde, a carruagem real, descoberta, foi alvejada quando saía do Terreiro do Paço em direcção à Rua do Arsenal.
Alfredo Luís da Costa matou o rei e Manuel dos Reis da Silva Buíça assassinou o príncipe D. Luís Filipe. Os dois regicidas foram, de imediato, mortos pelas forças policiais.
 
 
 

O regicídio
 
 
 
João Franco é responsabilizado pelo extremar de posições e pela falta de segurança pública e demite-se, sendo substituído, a 4 de Fevereiro, por um governo presidido por Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.
Após a ocorrência do regicídio e ainda a propósito de Guerra Junqueiro e do seu poema o "Caçador Simão", no qual sugeria a morte do rei (o caçador que foi caçado), embora o poeta tenha sido acusado da sua autoria moral, materialmente, nada lhe podia ser atribuído, pois, no dia fatal, tinha um bom alibi: estava em Salamanca com o seu amigo D. Miguel de Unamuno e já lá iam alguns anos sobre a edição de tal poema.
Já implantada a República, Guerra Junqueiro meter-se-ia em mais uma pugna, ao bater-se pelo aspecto da bandeira da República.
Para ele, a bandeira devia ter mantido as cores, azul e branca, com o escudo e a esfera armilar (sem coroa) e, em volta, umas estrelinhas verdes e vermelhas.

 
 

Proposta de bandeira de Guerra Junqueiro para a República Portuguesa

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