Na história dos transportes públicos, na cidade do Porto, a Companhia Carris de Ferro do Porto (CCFP)
teve um papel de primordial importância.
A primeira fase da sua longa existência, a da sua afirmação é, deveras, a mais fascinante.
A primeira fase da sua longa existência, a da sua afirmação é, deveras, a mais fascinante.
Texto extraído de “O Instituto” - Revista Científica e
Literária (Coimbra 1964)
Assim, em 21 de Agosto de 1873, a Câmara Municipal do Porto
entrega, em concessão, ao negociante António Manuel Lopes Vieira de Castro e ao
engenheiro Evaristo Nunes Pinto, a exploração pelas ruas da cidade de um meio
de transporte público, sobre carris de ferro, puxado por bestas.
António Manuel Lopes Vieira de Castro (Santo Ildefonso,
12/09/1839; Matosinhos-Leça da Palmeira, 11/12/1907) viria a ser, em 1897, o
11º presidente da Associação Industrial Portuense.
Ficaria conhecido por ser proprietário da marcenaria a vapor
“A Económica”, com instalações fabris na Rua do Freixo, nº 721.
“A Económica” dedicava-se ao fabrico de mobílias de luxo, decoração
de casas, artigos de colchoaria, estofos e de tapetes, tendo obtido um Diploma
de 1.ª Classe, na Exposição de 1887, e uma Medalha de Ouro, na Exposição de
1888 (Mercê Régia Especial).
Na década de 1920, “A Económica” seria comprada pela firma
"António do Nascimento e Filhos".
Edifício com projecto da autoria do arquitecto Marques da
Silva, onde se instalaram, em 1927, os Grandes Armazéns Nascimento, com fábrica
no Freixo
O edifício da foto anterior, seria ocupado, a partir de
1939, pelo Café Palladium, na sequência de uma venda do mesmo, em virtude da
ocorrência de um incêndio acontecido na fábrica do Freixo, em 1934, que colocou
em sérias dificuldades de sobrevivência os “Grandes Armazéns Nascimento”
Na foto acima destaca-se o porteiro do café Palladium impecavelmente fardado.
O edifício das fotos anteriores encontra-se hoje ocupado com
as lojas das firmas “FNAC” e “C&A”.
António Manuel Lopes Vieira de Castro, proprietário da
marcenaria mecânica a vapor “A Económica”, ficaria ainda conhecido por ter
presidido, no começo do ano de 1899, a uma comissão de avaliação das condições
de trabalho manual dos tecelões da cidade.
Embora, António Manuel Lopes Vieira de Castro fosse afecto a
outro sector de actividade, o seu prestígio levou-o a ser proposto para aquela
função, no âmbito da indústria têxtil.
Naquela época, os tecelões levariam a cabo uma luta pela
melhoria das condições de trabalho, concretamente, em meados de 1903, tendo as
suas acções de protesto ficado célebres.
Cerca de três anos antes sobre a entrega daquela concessão a
António Manuel Lopes Vieira de Castro e a Evaristo Nunes Pinto, tinha sido
permitido ao Barão da Trovisqueira fazer a exploração, também em concessão, de
um caminho-de-ferro pelo sistema americano entre a Porta Nobre e S. João da
Foz, com possibilidades de prolongamento até Matosinhos.
Atente-se no facto de que a concessão solicitada pelo Barão
da Trovisqueira viria a ser atribuída pelo Governo, por decreto, dado que ela
seria concretizada usando um chão de domínio marítimo, usando os cais
ribeirinhos que tinham sido levantados pela Real Companhia Velha, se bem que, a
municipalidade tenha sido ouvida e dado o seu parecer, como atesta a narrativa,
abaixo.
Entretanto, o Barão da Trovisqueira irá passar a concessão a
José Dionísio de Melo e Faro e ao capitalista António Tavares Basto que, em
Junho de 1872, solicitam à Câmara licença para estabelecer o
caminho-de-ferro-americano em algumas ruas da cidade, nomeadamente, um ramal
entre o Largo dos Mártires da Pátria e Massarelos, singrando a Rua da
Restauração, que obteve deferimento e entrado ao serviço em Agosto de 1873.
Este ramal irá, assim, ser autorizado ao peticionário, mas
os restantes percursos viriam a ter outros destinatários.
De igual modo, António Manuel Lopes Vieira de Castro e
Evaristo Nunes Pinto tinham, em devido tempo, requerido a exploração daquela
actividade de transporte pelas ruas do Porto.
Depois de escusa do governo em ser parte na atribuição da
concessão respectiva, pois o transporte em causa desenvolver-se-ia por solos do
domínio municipal, aquele acto administrativo passar a ser da responsabilidade apenas
da Câmara, tendo saído como contemplados, António Manuel Lopes Vieira de Castro
e Evaristo Nunes Pinto.
Na posse da concessão António Manuel Lopes Vieira de Castro
e Evaristo Nunes Pinto vão tratar de angariar o capital necessário o que, para
o efeito, conduz à formação de uma sociedade anónima de responsabilidade
limitada.
Não demorou muito que os respectivos estatutos vissem a luz
do dia, dos quais se transcrevem, a seguir, alguns artigos.
Pela sua leitura, se pode observar que os primeiros
concessionários cederam a concessão à denominada Companhia Carris de Ferro do Porto (CCFP), em troca de um
benefício, explicitado no artigo 3º.
Estatutos da Companhia Carris de Ferro do Porto - Texto
extraído da Revista Científica e Literária (Coimbra 1964)
A partir de então, no terreno, estavam duas companhias que
exploravam o transporte americano.
A primeira a instalar-se no terreno foi a “Companhia Carril Americano do Porto à Foz
e Matosinhos”, a “Companhia de
Baixo”, que explorava ainda um ramal de ligação que, começando a norte da
Cordoaria e seguindo pela Rua da Restauração, acabava em Massarelos. Quando se
estendeu para o concelho de Bouças (Matosinhos) percorria, aí, a Rua Juncal de
Cima (Rua Brito Capelo).
A outra transportadora era a “Companhia
Carris de Ferro do Porto”, a “Companhia
de Cima”, que explorava a ligação entre determinados locais da cidade e
que, mais tarde, haveria de solicitar autorização para a introdução, em
determinados percursos, da tracção a vapor em substituição da tracção animal.
Começaria por explorar uma linha partindo da Praça Carlos
Alberto, seguiria pela Rua do Rosário, Rua da Boavista, Rotunda da Boavista e
ligação a Cadouços (Foz Velha).
Este último troço, entre a Rotunda e Cadouços, acabaria por
ser feito, a partir de 1878, por tracção a vapor. Mais tarde, estender-se-ia a
Matosinhos, por onde entrava na Rua Real de Baixo (Rua Roberto Ivens).
A CCFP, por esta
altura, já era dirigida por José Vieira de Castro, pois nesse ano ele entra
para exercer a sua gerência.
Surgiria, então, em 1878, a ligação de uma linha servida por
uma máquina motriz, a vapor, fazendo a ligação entre a Praça da Boavista e
Cadouços e que, mais tarde (1882), seria estendida até Matosinhos. Ficou
conhecida como a “Máquina”.
Em 1890, quando ainda não se tinha dado a fusão da CCFP (Companhia de Cima) com a Companhia de Baixo, o que só ocorreria três anos depois, uma viagem de ida e volta a Matosinhos custava 80 réis, de acordo com publicidade divulgada.
Estação da linha a vapor, na Fonte da Moura. À esquerda, por onde seguia a “Máquina” segue, hoje, a Rua Correia de Sá; pela direita, em frente, a Avenida da Boavista
Seria, também, sob a égide de José Vieira de Castro que a CCFP iria abalançar-se à introdução da
tracção eléctrica na cidade do Porto.
Entretanto, em 1893, as duas companhias, que durante cerca
de duas décadas foram concorrentes, uniram-se, tendo restado dessa união a
denominação de uma delas - “Companhia
Carris de Ferro do Porto”.
Para o lançamento da tracção eléctrica foi montada uma
estação de produção de energia na Arrábida, depois do funcionamento de uma
pequena central, experimental, ao fundo da Rua da Restauração.
O primeiro percurso, em tracção eléctrica, seria efectuado
entre Massarelos e o Carmo e inaugurado em Setembro de 1895, a que seguiriam
alguns outros, cujos concursos eram sucessivamente ganhos pela CCFP.
Em 1897, a tracção eléctrica já tinha chegado a Matosinhos
e, em 1898, a Leça da Palmeira, atravessando o rio Leça por uma ponte
construída em 1887, para servir os americanos.
Eléctrico atravessando o rio Leça pela ponte construída,
antes, em 1887, para servir os carros americanos
O nome de José Vieira de Castro ficará para sempre ligado ao
sucesso da “Companhia Carris de Ferro do
Porto”.
José Ribeiro Vieira de Castro (4 de Março de 1843; 4 de
Julho de 1905) foi um empresário e homem de negócios; era filho de João José
Ribeiro, natural da freguesia de Rossas, concelho de Vieira do Minho e de
Francisca Lopes Vieira de Castro, natural de Antime, concelho de Fafe.
Desde cedo, José Ribeiro Vieira de Castro emigra para o
Brasil, onde faz fortuna.
Em 1870, depois de vários anos emigrado no Brasil, José
Ribeiro Vieira de Castro retorna a Portugal e toma nas suas mãos a Companhia
Industrial de Fafe, dedicada à moagem de cereais e instalada numa queda de água,
no rio Ferro, na freguesia de Fafe.
Em 1887, transforma aquela unidade industrial de moagem de
cereais numa fábrica têxtil, surgindo no mesmo local a Companhia de Fiação e
Tecidos de Fafe.
A Companhia de Fiação e Tecidos de Fafe acabará por ter a
sua sede na cidade do Porto e, a partir de 1930, num edifício com projecto do arquitecto
Júlio José de Brito 1896-1965), que ainda existe, na esquina da Avenida dos
Aliados e Rua Rodrigues Sampaio.
Na cidade do Porto, José Ribeiro Vieira de Castro vai ter a
sua vida profissional ligada à Companhia de Gás do Porto e, sobretudo, à
Companhia Carris de Ferro do Porto, onde exercerá as funções de Director e
Gerente. O percurso de sucesso da CCFP é
fruto, em grande medida, da sua dedicação que, nos seus últimos anos de
actividade à frente daquela companhia, teve o contributo do engenheiro Américo Augusto Vieira de Castro que, em 1917, haveria de adquirir a fábrica de sabonetes e perfumes "Claus & Schweder, sucessores", nacionalizada pelo governo português, na sequência da 1ª Grande Guerra, por ser detida por dois cidadãos alemães.
Este técnico teve sobre a sua alçada, no âmbito da CCFP, as oficinas centrais da
companhia, o serviço de tracção e via e as obras.
Em 1891, José Ribeiro Vieira de Castro foi vice-presidente
da Associação Industrial do Porto.
José Ribeiro Vieira de Castro (Director e Gerente da CCFP) – In Revista Brasil – Portugal, 16 de
Janeiro de 1903
O engenheiro
Francisco de Almeida e Sousa, no texto seguinte, resume a actividade de José
Ribeiro Vieira de Castro na CCFP.
Em 1904, por
sugestão da “Companhia Carris de
Ferro do Porto”, a Câmara do Porto
mostrava-se receptiva a atribuir-lhe uma concessão com o exclusivo para 99
anos.
Em 1906, face ao repúdio público pela situação de privilégio
que gozava a CCFP, a Câmara do Porto
ver-se-ia pressionada, então, ao lançamento de um concurso que pressupunha que
o vencedor passaria a prestar o serviço de transporte público por tracção
eléctrica em regime de monopólio.
A CCFP não
concorreu.
Escolhido o
vencedor do citado concurso, em sequência, seria adjudicada e atribuída a
concessão, a partir de 5 de Abril de 1906, a Paiva e Irmãos, de
Lisboa, e a Mathieu Lugan, do Porto.
Os concessionários
transferem, então, um ano depois, os seus direitos para uma nova empresa “Companhia
Viação Eléctrica do Porto”, que passa a ter o direito exclusivo da
exploração dos transportes colectivos urbanos eléctricos, continuando a
“Companhia Carris de Ferro do Porto” a explorar, apenas, transportes de viação
americana.
A “Companhia
Viação Eléctrica do Porto”, no
entanto, não chega a dar início a qualquer actividade e, em
1908, é absorvida pela "Companhia Carris de Ferro do Porto", que vem
a beneficiar da concessão.
Em poucos anos, uma nova fase se seguiria com a implantação
da viação eléctrica com o desaparecimento completo das ruas da cidade da
tracção animal, em 22 de Setembro de 1904 e a de vapor, em 1914.
Carro eléctrico passando, em 1907, junto ao palacete
Andresen, na Rua do Castelo do Queijo (Avenida de Montevideu, desde 1926)
Assim, em 1906, é decidido atribuir uma concessão para o
transporte citadino.
Um grupo de investidores ganha a concessão.
O vencedor tinha de direito o exclusivo da exploração dos transportes colectivos urbanos, continuando a “Companhia Carris de Ferro do Porto”, que não concorreu, a explorar os transportes de viação americana.
Aquele grupo de investidores viria a constituir, um ano depois (1907), a “Companhia Viação Eléctrica do Porto” que, tendo durado apenas 1 ano, não chega a dar início a qualquer actividade.
Em 1908, “A Viação Eléctrica do Porto”, é absorvida pela "Companhia Carris de Ferro do Porto", que vem a beneficiar da concessão.
A "Companhia Carris de Ferro do Porto" (CCFP) que durou com esta designação, 73 anos, pelo que ainda hoje, há muita gente que, seguindo o velho hábito, ao referir-se ao Serviço de Transportes Colectivos do Porto (S.T.C.P.) continua a chamar-lhe "Carris".
Em 1936, a CMP avisa a CCFP, com base no artigo 31º da escritura de concessão para a exploração da viação eléctrica, que o contrato seria rescindido em 1941.
Em virtude de determinados acontecimentos, entre eles, a deflagração da 2ª Guerra Mundial, aquela decisão seria adiada.
Então, em 1946 a CCFP, ao fim de 73 anos de laboração dá lugar ao STCP, liderado pela Câmara Municipal do Porto.
A designação do Serviço de Transportes Colectivos do Porto (STCP) surge, então, em 1946, com o resgate da concessão referida, feita pela Câmara Municipal do Porto a um grupo de empresários.
Um grupo de investidores ganha a concessão.
O vencedor tinha de direito o exclusivo da exploração dos transportes colectivos urbanos, continuando a “Companhia Carris de Ferro do Porto”, que não concorreu, a explorar os transportes de viação americana.
Aquele grupo de investidores viria a constituir, um ano depois (1907), a “Companhia Viação Eléctrica do Porto” que, tendo durado apenas 1 ano, não chega a dar início a qualquer actividade.
Em 1908, “A Viação Eléctrica do Porto”, é absorvida pela "Companhia Carris de Ferro do Porto", que vem a beneficiar da concessão.
A "Companhia Carris de Ferro do Porto" (CCFP) que durou com esta designação, 73 anos, pelo que ainda hoje, há muita gente que, seguindo o velho hábito, ao referir-se ao Serviço de Transportes Colectivos do Porto (S.T.C.P.) continua a chamar-lhe "Carris".
Em 1936, a CMP avisa a CCFP, com base no artigo 31º da escritura de concessão para a exploração da viação eléctrica, que o contrato seria rescindido em 1941.
Em virtude de determinados acontecimentos, entre eles, a deflagração da 2ª Guerra Mundial, aquela decisão seria adiada.
Então, em 1946 a CCFP, ao fim de 73 anos de laboração dá lugar ao STCP, liderado pela Câmara Municipal do Porto.
A designação do Serviço de Transportes Colectivos do Porto (STCP) surge, então, em 1946, com o resgate da concessão referida, feita pela Câmara Municipal do Porto a um grupo de empresários.
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