A cidade do Porto, naqueles tempos, tinha a sua baixa em
reboliço.
Desde 1916, que se abria a Avenida dos Aliados e o troço
inicial da Rua de Sá da Bandeira que levava aos Congregados.
A Câmara Municipal estava instalada no Paço Episcopal
(alugado, entre 13/11/1915 e 24/6/1957, quando passou para a Avenida dos
Aliados) e o bispo tinha as suas instalações no Palácio dos Terenas, ao Palácio
de Cristal, desde 1919.
Entre 1914 e 1919, o bispado tinha estado na Quinta de
Sacais, ao Bonfim.
Entrada do Paço Episcopal, à Sé, a funcionar como Câmara
Municipal. A estátua do Porto (conhecido também pelo povo, como o “Malhão”)
esteve, por aqui, entre 1916 e 1935. Actualmente, está junto da delegação do
Banco de Portugal, à Praça da Liberdade, depois de ter peregrinado por vários
locais
Palacete dos Terenas, c. 1922, depois, Palacete da Mitra. A
Rua de Júlio Dinis aberta, aquando da Exposição Colonial de 1934,
desenvolver-se-ia pela esquerda da foto
A cidade do Porto iria, então, ser o palco, naquele dia 2 de
Dezembro, de dois acontecimentos dignos de registo: a inauguração do seu café
Majestic e a chegada dos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral, para que
fossem alvo do reconhecimento dos portuenses pelo feito por eles protagonizado,
uns meses antes.
O café que se inaugurava, naquele Sábado, tinha as suas
origens a partir do momento em que alguns comerciantes do Porto se associaram
na sociedade por quotas denominada “Café Elite, Lda.”, a 17 de Dezembro de 1921
e, nesse mesmo dia, assinavam um contrato de arrendamento, com início a 1 de
Junho de 1922, do rés-do-chão do prédio sito na Rua de Santa Catarina nºs 110
ao 116, “destinado à montagem de um café,
cervejaria”.
O estabelecimento abriria, apenas, em 2 de Dezembro de 1922.
Mantendo, desde a sua abertura, o seu nome, Majestic Café, a
4 de Dezembro de 1924, a sociedade “Café Elite Lda”, sua proprietária, seria substituída
pela sociedade “Majestic Café, Lda”.
À inauguração do Majestic se referia o jornal “O Primeiro de
Janeiro” nos seguintes termos:
“O nome condiz
plenamente com a propriedade! É, de facto, um estabelecimento majestoso, esse
que logo se inaugura aqui perto, na Rua de Santa Catarina.
Há conforto, elegância,
arte. Nenhum outro o excede em harmonia de tons, em colorido, em luz. Casam-se
admiravelmente os mármores e os cristais facetados. E o ouro dos ornamentos e o
damasco das paredes e o branco marfim do tecto.
A começar na
arquitectura, que é de artista de requintado gosto, tudo ali é belo,
elegantíssimo.
Cá fora, à entrada,
duas colunas dóricas, de mármore, bem lançadas. Por sobre as portas de cristal,
duas figuras alegóricas, bronzeadas, seguram pelos extremos um festão em curva.
Ele é, de facto, o
Café mais lindo do país, talvez da península.
O arquitecto foi o sr.
José Pinto de Oliveira. Quanto às decorações, pertencem a outro artista muito
distinto, o sr. José Baganha.
Ontem, os estimados
societários do “Majestic” ofereceram aos seus amigos uma taça de champagne e um
fino serviço de pastelaria, serviço primoroso da Confeitaria do Bolhão”.
In jornal “O Primeiro de Janeiro” de 2 Dezembro de 1922
Inaugurado o café, entretanto, os famosos aviadores,
erigidos à categoria de heróis, continuavam sem chegar à cidade.
Acontece que, já cedo, algumas personalidades se tinham
posto a caminho de Lisboa, para resolver uma contrariedade surgida de última
hora.
O Diário de Lisboa dá-nos conta de que se passava, em texto que
se transcreve.
Assim, desfeito o mal-entendido, acima narrado, embarcaram
os aviadores, no rápido para o Porto, no Domingo, dia 3 de Dezembro de 1922,
tendo chegado à estação ferroviária de Campanhã, onde foram recebidos pelas
autoridades civis e pelo bispo do Porto, D. António Barbosa Leão.
Cerca de um mês antes, a 26 de Outubro, já o F. C. Porto tinha homenageado os aviadores quando, em Assembleia Geral, a mesma que aprovou o último emblema do clube, os proclamou como sócios honorários da instituição.
Começava, então, o périplo pela cidade, cujos habitantes
testemunhariam as homenagens e manifestações vibrantes de que foram alvo os
aviadores.
Apoteose dos aviadores junto do Jardim de S. Lázaro, onde
foram aclamados pelas crianças das escolas, em 3 de Dezembro de 1922; Cliché de
Álvaro Martins - Fonte: “Illustração Portugueza” de 9 de Dezembro de 1922
O texto seguinte, do Diário de Lisboa, dá-nos uma ideia dos
acontecimentos.
Cortesia da Fundação Mário Soares, In “Diário de Lisboa” de
4 de Dezembro de 1922
Os aviadores, durante a sua estadia, ficaram alojados no
Grande Hotel do Porto, na Rua de Santa Catarina, onde foram os destinatários de
uma manifestação popular, findo um desfile que percorreu as ruas da cidade e os
obrigou, por momentos, a deslocarem-se á varanda da unidade hoteleira, para as
saudações da praxe.
Na manhã, desse dia, na Estação de S. Bento, seria
descerrada uma placa alusiva à visita à cidade dos aviadores.
Placa comemorativa da travessia aérea do Atlântico Sul,
descerrada em homenagem aos aviadores, oferecida pelos ferroviários do Minho e
Douro e que, ainda, podemos observar no átrio da Estação de S. Bento
Placa comemorativa da travessia do Atlântico Sul, hoje no
pedestal da estátua do Infante D. Henrique – Fonte: Illustração Portugueza de 9
de Dezembro de 1922
Gago Coutinho não deixaria de fazer uma visita ao Café Majestic
e sempre o visitava, quando estava de passagem pela cidade.
Manifestação popular de apoio aos aviadores, em 4 de
Dezembro de 1922, junto ao Grande Hotel do Porto
Às homenagens na cidade do Porto, seguir-se-iam as de V. N.
de Gaia, das quias o texto seguinte nos dá uma ideia.
“Os aviadores foram
aguardados por uma multidão compacta e pelas pessoas mais gradas da Vila, entre
as quais se destacava o Presidente do Município acompanhado pela vereação,
sendo formado um luzido cortejo que os acompanhou até ao largo onde estava o
monumento a inaugurar, largo esse que, em nome dos homenageados, tomou o nome
de Largo dos Aviadores. O cortejo desfilou pela Avenida da República (então
ainda com poucos prédios), Rua Álvares Cabral e pela rua hoje chamada Francisco
Sá Carneiro. No acto da inauguração ouviram-se os acordes de uma banda de
música, subiram foguetes ao ar e a multidão não se cansou de vitoriar os
aviadores. Nas ruas do percurso, apinhadas de gente, as varandas e janelas dos
prédios ostentavam vistosas decorações. Também ignoro se os aviadores chegaram
a ser recebidos na Câmara, mas creio que não, pois a Câmara não tinha
instalações dignas. Estava instalada (mal) num antigo prédio da Rua Cândido dos
Reis, só depois sendo construído o actual edifício. Nessa memorável noite
voltei a ver os aviadores de casa dos meus tios, Arminda e Miguel da Silva
Leal, na Rua Álvares Cabral, casa já demolida e cuja fachada era coberta de
heras. Ficava mesmo pegada à farmácia que ainda hoje existe. Ainda haverá quem
se lembre?”
Cortesia de Carlos Gomes de Oliveira
O prédio, à esquerda, nas fotos anteriores, ainda existe.
O feito de que foram protagonistas Gago Coutinho e Sacadura
Cabral e que os atirou para a ribalta, tinha começado em 30 de Março de 1922.
Num hidroavião, Gago Coutinho e Sacadura Cabral levantaram
de Lisboa para a primeira travessia do Atlântico Sul.
“No Porto realizou-se
uma subscrição pública, para a compra do aparelho, que rendeu a elevadíssima
quantia de 400.000$00. Saídos em 30/3/1922 só chegaram ao Rio em 17/6/1922.
Tiveram grandes problemas técnicos e o primeiro avião afundou-se numa amaragem.
Tendo o navio Carvalho Araújo levado um segundo avião, os aviadores conseguiram
concluir a viagem. A chegada dos aviadores ao Rio de Janeiro foi festejada, no
Porto, com o ribombar da artilharia, com o repique dos sinos e ruidosos silvos
das sirenes das fábricas e dos vapores surtos no Douro e pelo estalejar de
milhares de foguetes”.
Cortesia de Rui Cunha
A travessia entre Lisboa e o Rio de Janeiro foi efectuada
por várias etapas com as escalas respectivas.
Gago Coutinho era um cartógrafo e Sacadura Cabral um piloto
experiente. Conheceram-se em África.
A viagem começaria a 30 de Março, a bordo do hidroavião
monomotor Fairey F III-D MkII, baptizado de Lusitânia.
A 18 de Abril, apesar de algumas reparações da aeronave, ela
é dada como incapaz.
A 11 de Maio, já estava no ar, a partir de Noronha, outra
máquina enviada de Portugal, baptizada como Pátria, que acabaria por amarar, salvando-se os aviadores que foram
recolhidos por um cargueiro inglês - o Paris City, que os devolveu a Noronha.
A 5 de Junho, seria enviado para conclusão da aventura, um
novo Fairey F III-D, n.° 17, baptizado pela esposa do então Presidente do Brasil,
Epitácio Pessoa, como Santa Cruz.
Depois de escalas em Salvador, Porto Seguro e Vitória, o
hidro-avião chegaria ao Rio de Janeiro.
A façanha tinha sido de aplaudir, mas exauriu os cofres da
nação.
O Comandante Sacadura Cabral acabaria por sofrer um acidente
e desapareceu quando sobrevoava o Mar do Norte, pilotando um avião que tinha
ido buscar a Amesterdão. O seu desaparecimento causou uma enorme mágoa e o seu
corpo nunca viria a ser resgatado.
Já o Almirante Carlos Viegas Gago Coutinho, que era de
pequena estatura física, foi mais feliz, pois viria a falecer já de avançada
idade, tendo sido uma figura popular e muito querida.
Simpático, via-se com frequência nas ruas de Lisboa, sempre
com a sua inseparável boina azul. Foi ele o inventor do “sextante”, que muito
viria a facilitar a navegação aérea”.
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