sábado, 26 de outubro de 2024

25.257 Um pequeno largo que desapareceu há pouco mais de 100 anos

 
Ed. Domingos Alvão (1872-1946)
 
 
 
Sobre as fotos acima, c. 1918, socorrendo-nos do testemunho de Guilherme Faria, exarado na revista “O Tripeiro”, nº 4, Agosto de 1954, a poucos metros da esquina da Rua de Santa Catarina e da Rua de Passos Manuel, formava-se um pequeno largo fruto do recuo de alguns prédios.
Um pouco mais ao longe, já no alinhamento da rua, nasceu o escritor Arnaldo Gama.
Naquele largo, os artistas de feira montavam os seus espectáculos de rua e, por vezes, no mesmo espaço, eram montados palcos e coretos onde tocavam algumas bandas. Aí, se encontravam as costureiras dos ateliers da zona e as operárias da Camisaria Confiança.

 
 

Guilherme Faria – Fonte: revista “O Tripeiro”, nº 4, Agosto de 1954
 
 
 
 
Na esquina, em primeiro plano, em tempos, houve um marco fontenário da Companhia das Águas.
Partindo dessa esquina, a casa com uma pedra de armas na fachada era a habitação e o consultório de dentista, do Dr. Alfredo Nazaret e, no rés-do-chão, existiu um armazém de gelo e águas de mesa, da Fábrica de Sulfureto da Serra do Pilar, situada junto à Ponte Maria Pia, a montante.
Esta fábrica, que esteve em actividade até à década de 1990,  pertenceu, a partir de 1948, à Companhia União Fabril (CUF). No dia 15 de Agosto de 1916, um violento incêndio ocorrido na área da sua fábrica em V. N. de Gaia, reduziria a escombros um armazém de enxofre e carvão.
À data do sinistro, a fábrica era propriedade da firma Guimarães Pestana & Cia. Lda.


Com o n.º 2 se identifica a localização da Fábrica de Sulfureto e Gelo da Serra do Pilar - Planta editada; cortesia de Gonçalves Guimarães



Retomando o périplo pela Rua de Santa Catarina, seguia-se uma casa (onde antes, teria estado um café) de malas, que seria transferida para a Rua de Cedofeita – Artigos de Viagem de José Álvares. Mais tarde, foi transferida para a Rua Miguel Bombarda.
Depois, encontrava-se a Fotografia Alvão, que  Domingos Alvão aí instalou no dia 2 de Janeiro de 1902 na Rua de Santa Catarina n.º 120, entre o tal estabelecimento de Artigos de Viagem de José Alvares e a casa da Viúva Cunha, sócia de uma casa de câmbios na feira de S. Bento (Praça Almeida Garrett).
 
 
 

Fotografia Alvão, entre a casa de “Artigos de Viagem de José Alvares” e a casa da Viúva Cunha
 
 
 
 
Por fim, duas casas de andar da família Queirós, com os baixos da última, ocupados por uma fábrica de cartonagem.
A casa que fecha o largo estando já no alinhamento, à época, albergava a família Ventura e, no seu rés-do-chão, a casa de panos “Vilaça”.
Passado alguns anos, o prédio recebeu os sócios do Sport Clube do Porto (o que ainda perdura) e, nos baixos, a “Casa das Gabardines”.
Defronte deste último prédio, desde 1865 até 1939, aí existiu a Padaria Faria e, a partir desta data, uma sucursal da Papelaria Araújo & Sobrinho.
Aquela conhecida padaria foi alvo de obras de beneficiação importantes e, após as mesmas, reabriria em 4 de Abril de 1903.
Os fundadores desta padaria foram, Maria Ferreira, cuja família tinha uma loja de venda de cereais (um “farinheiro”) na Rua de Sá da Bandeira, na esquina com a actual Rua Dr. António Emílio de Magalhães, à data, a Travessa de Sá da Bandeira, e Joaquim Pedro de Faria.
A Padaria Faria estava no nº 103, onde nasceria, fruto do casamento do casal mencionado no parágrafo anterior, Alfredo Ferreira Faria, o fundador da revista “O Tripeiro”.
No início da década de 1920, já tinha sido executado o alinhamento dos prédios até então desalinhados, e o pequeno largo desapareceu.
Surgem novos inquilinos para as novas construções, mas a Foto Alvão mantem-se, tendo agora como vizinho, a partir de 1922, o Café Majestic.
Vai ser, em 15 de Agosto de 1921, que a firma Royal Café L.da situada na Rua de Santa Catarina, nº 114 apresentou à CMP um projecto no sentido de reformar a frente do seu estabelecimento.
A nova e elegante fachada do que virá a ser o Café Majestic foi aprovada em Setembro de 1921.
O estabelecimento de cafetaria estava destinado a ser denominado por Café Elite, mas acabaria a partir de 2 de Dezembro de 1922, dia da sua inauguração, por ser até hoje o Café Majestic.
 
 
 
 

A Foto Alvão, entre o Stand da Fiat (à esquerda) e o Café Majestic



No prédio onde se observa, na foto anterior, o Stand da Fiat está, hoje, uma loja “Bruxelas” e imediatamente, a montante (à esquerda), esteve o prédio que albergou a sede do Sport Clube do Porto e a Casa das Gabardines e que desde sempre esteve no alinhamento do edificado.
 
 
 
 

Bruxelas - Fonte: A Vida em Fotos


 
 

Casa das Gabardines, c. 1930


 
 

Alfaiate Pinheiro da Rocha no prédio da Foto Alvão
 


“No 2.º piso do edifício da Casa Alvão estava instalado o estabelecimento Pinheiro da Rocha, fundado em 1920, e que pertencia a Manuel Pinheiro da Rocha (1893-1973), um conhecido e procurado alfaiate, também ele um competente fotógrafo”.
Cortesia do Arquitecto Ricardo Figueiredo

 
 
 

Café Majestic e a sua esplanada, na Rua de Santa Catarina
 
 
 
 

Esquina das ruas de Passos Manuel e Santa Catarina, c, 1940 – Ed. José Mesquita




Escrutínio da publicidade observada na empena do prédio da foto seguinte
 
 
 

Cortesia do Arquitecto Ricardo Figueiredo
 
 
 
Legenda:
 
1. Café “A Brasileira”
2. Jardim Passos Manuel
3. Máquinas de Costura Singer
4. Vinho Verde Gatão (Sociedade dos Vinhos Borges fundada em 1884)
5. “O Senhor Roubado” (peça de teatro de Vitório Trindade Chagas Roquette (1875-1940)
6. Porto Ramos Pinto
7. Borotalco Ausonia
8. Cartaz parcialmente ilegível mostrando mulher segurando numa garrafa
9. PRECIOSA (água de mesa da Companhia de Pedras Salgadas)

 
 
 

Na década de 1970, o interior do Café “A Brasileira” inaugurado em 1903


 
 

Em 1912, a Esplanada do Jardim Passos Manuel inaugurado em 1908
 
 
 
 

“Edifício Singer” situado na esquina das ruas Formosa e Sá da Bandeira, nos primeiros anos do século XX, onde estava a delegação, no Porto, daquela conhecida marca norte-americana e o novo "Edifício Singer", actualmente





Vinho Verde Gatão
 
 
 

Cartaz da peça “O Senhor Roubado”


 
“A peça em 3 actos “O Senhor Roubado” estreou em 19 de Fevereiro de 1916 no “Theatro do Gymnasio” de Lisboa.pela Companhia Maria Mattos (1886-1952) / Francisco Mendonça de Carvalho (1882-1953) e com o popular actor José d’Almeida e Cardoso (1861-1917)”.
Cortesia do arquitecto Ricardo Figueiredo
 
 

Ramos Pinto, em V. N. de Gaia, c. 1910 e actualmente – Cortesia de Gaia à la Carte
 
 
 
 
 

Borotalco Ausonia


 
 

Preciosa – Água de Mesa
 
 
 
Prédio que substituiu, até aos dias de hoje, aquele outro alvo da atenção dispensada à publicidade inserta na sua empena



O prédio, que se destaca na foto acima, teve licença de obra n.º 406/1916 e foi solicitada na qualidade de proprietária, por Emília Leopoldina Pereira de Morais, casada, mas separada judicialmente, que irá falecer em 4 de Outubro de 1919.

sábado, 19 de outubro de 2024

25.256 “Casa Forte” e “Lã Maria”

 
O antigo e denominado "quarteirão da Casa Forte" situava-se próximo do Mercado do Bolhão, sendo delimitado pelas ruas de Sá da Bandeira, Formosa e Bonjardim e Travessa do Bonjardim, e atravessado pela Travessa da Rua Formosa, compreendendo uma área com 28.500 metros quadrados, tendo sido previsto para ele um parque habitacional para 100 famílias e, ainda, a criação de áreas comerciais, com lojas nos pisos térreos, construção de um parque de estacionamento e de um hotel, num investimento de 27 milhões de euros.
O projecto em execução, durante alguns anos, está praticamente concluído.
Todo o conjunto edificado manteve o traço das fachadas voltadas para a Rua de Sá da Bandeira.
 
 
 

Fachada do novo edificado que fez parte da antiga Casa Forte – Fonte: Google maps
 
 
 
 

Jardim interior do novo quarteirão da antiga Casa Forte – Cortesia de Maria Manuela Gomes
 
 
 
Naquele quarteirão, na Rua de Sá da Bandeira, 261-281, ficava a Casa Forte, praticamente, fronteiro aos bazares Paris e Londres (agora uma loja de telemóveis).
 
 
 
 

Confluência da Rua de Sá da Bandeira e Rua Formosa, junto do Mercado do Bolhão, observando-se a primitiva Casa Forte
 
 
 
 
A Casa Forte haveria de expandir a sua primitiva loja e a sua actividade para outros espaços contíguos, a montante e a jusante da Rua de Sá da Bandeira.

 
 

Casa Forte observando-se, a meio da foto, a entrada (por um arco) pela Rua de Sá da Bandeira para a Travessa da Rua Formosa

 
 
 

Publicidade à “Casa Forte”, In semanário “Maria Rita” em 30/04/1932

 
 
 
Pelo anúncio anterior, podemos observar que a “Casa Forte” tinha, à data, uma filial na Rua de Santa Catarina.
A velha Casa Forte fechou em 2004. É uma memória de um Porto de outros tempos mais, propriamente, desde a década de 20 do século XX, dedicando-se ao comércio de confecções e vestuário, e de malas e carteiras.
A Casa Forte, "forte nos sortidos, fraca nos preços" (era o slogan), chegou a abrir uma outra loja, mas de artigos de desporto e campismo, na Travessa da Rua Formosa (ligava a Rua de Sá da Bandeira à Rua Formosa), próxima da loja mãe, praticamente nas suas traseiras, que era o único troço restante da antiga Viela da Neta.


 
 

Casa Forte e, na esquina, a Ourivesaria do Bolhão, em 2004
 
 
 
Um outro estabelecimento, de nome “Lã Maria”, era uma espécie de “tem tudo para o lar” e, ainda, apresentava um grande sortido de lãs, numa altura em que os centros comerciais e as grandes superfícies eram uma miragem. Acabaria por ficar no imaginário de muitos portuenses, tendo pertencido a uma família conhecida da cidade – Os Aires Pereira.
Antes, no local onde esteve a “Lã Maria”, tinha estado o alugador de trens ou alquilador Raimundo dos Santos Natividade.
De comum, tanto a Casa Forte como a “Lã Maria”, tinham traseiras para a Travessa da Rua Formosa, como foi dito, já extinta.
 
 
 

“Casa Forte” - secção de campismo, à esquerda na Travessa da Rua Formosa – Ed. “carlaeangelo.blogspot.pt/”

 
 
 

Travessa da Rua Formosa com a sua entrada pela Rua de Sá da Bandeira, já entaipada – Ed. J Portojo

 
 
Na foto acima, observa-se a entrada da Travessa da Rua Formosa, já entaipada e, à direita, já encerradas, as instalações da Casa Forte que iam, para montante, até à Ourivesaria do Bolhão situada na esquina das ruas de Sá da Bandeira e Formosa.


 

Na esquina era a Ourivesaria do Bolhão, a que se seguiam, no sentido descendente, as diversas lojas da “Casa Forte”, na Rua de Sá da Bandeira - Ed. “portosombrio.blogspot.pt”
 
 
 
 

Fachada do prédio, onde esteve a “Lã Maria”, voltada para a Rua Formosa
 
 
 
 

À esquerda, a entrada na Travessa da Rua Formosa pela Rua Formosa, junto da Lã Maria - Fonte Google Maps
 
 
 
 
À direita, na área delimitada pelo taipal, era o prédio da “Lã Maria”



A fachada, voltada para a Rua Formosa, do prédio dos Armazéns Lã Maria abandonado desde do fim da década de 70 do século XX,  seria alvo de uma derrocada, em 5 de Outubro de 2009, pelas 23 horas.

 
 

Derrocada do prédio, à direita, que tinha albergado a “Lã Maria” – Ed. Álvaro Vieira; Jornal Público
 
 
 
“Ali mesmo, junto a Sá da Bandeira, em frente ao palacete do Conde do Bolhão, o que resta há uns largos meses do que já foi uma das lojas que atraía muita gente à rua Formosa.
No primeiro andar existiam, nos anos sessenta consultórios médicos, entre os quais o do Doutor Celestino Maia. 
Ah! o nome diz-vos qualquer coisa, bem me parecia. Talvez o nunca tenham visto mas era o autor do livro de Geologia que se usava no ensino liceal a partir do terceiro ano, se não me engano. Também era o médico das Caldas do Gerez. 
Como ainda tenho algumas recordações deste médico e professor, aqui hei-de deixar mais algumas linhas mais tarde.
Sobre a "Lã Maria" tenho a impressão que nunca lá entrei, mas há sete ou oito anos encontrei um antigo empregado desta casa comercial que me contou que nas caves do dito edifício existiam longas passagens subterrâneas que levavam a um rio subterrâneo. Será verdade? Será aquele ribeiro que descia ali pela rua do Bonjardim, que passava perto da Cancela Velha?”
Com a devida vénia a Teo Dias, administrador de “ruasdoporto.blogspot.pt” (4 Novembro de 2012)
 
 
Muitos portuenses que eram jovens, em meados do século XX, ainda se lembram de apreciar a cascata de S. João da loja Lã Maria, que ocupava duas ou três montras e tinha um comboio eléctrico a circular.
Sobre a “Lã Maria” e, também, sobre a sua cascata Sanjoanina, é o texto que se segue.
 
 
“Atravessando a Rua Sá da Bandeira em direcção ao Bonjardim temos a popular lojas de miudezas, tecidos e artigos de borracha a “Lã Maria”.
Estabelecimento que toda a população do Porto e arredores conhece. Como devoção, na quadra das festividades Sanjoaninas, numa das montras, já por anos, era armada uma cascata, com figuras, em movimento onde além do S. João estão os diversos motivos da vida, quotidiana do Porto e dos concelhos limítrofes.
Na decoração não faltavam aquelas figuras, típicas do dia-a-dia da cidade do Porto: os carros puxados por bois; o aguadeiro; a figura do Zé Povinho, imortalizada pelo Bordalo Pinheiro; as noras de retirar água dos poços circundada pelo piso circular que o boi ou a vaca “pachorrentamente”, através da força bruta, do poço, fazia trazer os baldes, amarradas a correntes, transbordando a água cristalina do fundo do poço até ao tabuleiro que ligado a um rego riscado no meio do milheiral ou batatal.
Essa bênção da água fazia dos campos jardins verdes nos arrabaldes do Porto. Magotes de pessoas, todos os dias, admiravam a montra decorada da “Lã Maria” e, tradicionalmente, já nas orvalhadas da madrugada da noite do alho-porro, manjerico e da cidreira, antes de o tripeiro recompor as energias despendidas durante a noite de folia, muitos destes, depois da tigela de caldo verde, com a tora de chouriço, nas barracas de comes e bebes das Fontainhas ou numa outra tasca encontrada no caminho, antes de se acomodar, ainda passava pela Rua Formosa e, já de olhos piscos, olhava a montra da “Lã Maria”.
Cortesia: José Martins in “lusosucessos.blogspot.com”

sábado, 12 de outubro de 2024

25.255 A Francesinha

 
Foi no Restaurante "REGALEIRA", aberto em 1934, que começaram a ser confeccionadas as célebres "Francesinhas".

 
 

Rua do Bonjardim, em 1939, em trabalhos de pavimentação – Fonte: AHMP

 
 
Sobre a foto anterior, diga-se que o restaurante “Regaleira” se situava, à esquerda, a seguir ao reclame da empresa representante das máquinas de escrever "Underwood" de Carlos Dunker.
De notar, que a Praça D. João I ainda não existia, pois começava a ser rasgada.
 
 
 

À esquerda, em primeiro plano, o restaurante Regaleira, na Rua do Bonjardim, nº 87

 
 
Foi Abrantes Jorge, um industrial da hotelaria, proprietário do Grande Hotel da Batalha que, na década de 1930, vai incentivar o seu genro António Passos a comprar o restaurante situado na baixa do Porto, mais precisamente, na Rua do Bonjardim, aberto em 1934 por Heitor Pereira Pinto e Arnaldo Ruivo da Fonseca e que, em 1935, seria alvo de obras de remodelação.  O restaurante “A Regaleira” passa a servir os portuenses e, para além do seu serviço de restaurante, vai ficar na memória de muitos pela presença diária, na sua entrada, de um africano que desempenhou a função de porteiro e que granjeou a simpatia de todos os clientes – era o Tony.
Em 1952, “A Regaleira” vai lançar a já célebre “Francesinha”.
Confeccionada com um molho muito picante, com semelhanças a uma tosta francesa, identificada como croque-monsieur. A malícia dos portuenses fez o resto e deu-lhe nome - francesinha
 
 
 
 

O Tony da Regaleira

 
 
“A Regaleira é um restaurante na Rua do Bonjardim conhecido por ter sido o local onde foi criada a francesinha. Fundada em 1933, foi na Regaleira, na década de 1950,  que Daniel David Silva, emigrante regressado da França e da Bélgica, criou a francesinha com base na tosta francesa, ou croque-monsieur, acrescentando-lhe um molho de cobertura, o "segredo" do petisco. É constituída por linguiça, salsicha fresca, fiambre, carnes frias e bife de carne de vaca ou, em alternativa, lombo de porco assado e fatiado, coberta com queijo (posteriormente derretido). É normalmente guarnecida com um molho à base de tomate, cerveja e piripiri. A sanduíche, criada por Daniel David Silva, foi considerada, em 2011, uma das melhores sanduíches do Mundo”.
Fonte: “portoarc.blogspot.pt”

 
 
A partir de 1952, pela mão de Daniel David da Silva, a francesinha passa a ser servida na Regaleira, mas será na década de 1960, que o petisco vai começar a ser conhecido, em parte, pela frequência do Restaurante Regaleira dos espectadores das matinés dos cinemas da Rua de Passos Manuel, da Praça da Batalha e do Rivoli e, ainda, dos que tiveram o ensejo de assistir aos shows realizados, à data, nas salas de espectáculos das imediações.
Matinés de perfeita loucura da juventude de então com os shows de Francoise Hardy, Sylvie Vartan ou "Vítor Gomes e os Gatos Negros", este último agrupamento subindo ao palco no Teatro Sá da Bandeira. 
 
 
 

Entrada do antigo Restaurante Regaleira - Fonte: "guiadosrestaurantes.pt"


 
 

Interior do Restaurante Regaleira - Fonte: "guiadosrestaurantes.pt
 
 
 
 
Entretanto, Daniel, o criador da francesinha, passa o segredo do molho do petisco a um empregado, José Silva, natural de Castelo de Paiva que, irá, a partir de 1962, exercer a sua profissão no Café Mucaba, em V. N. de Gaia, à saída do tabuleiro superior da ponte Luís I, à direita, um pouco à frente do Jardim do Morro.
A francesinha começa a estender o seu sabor por outras paragens.
Em 1970, José da Silva abre o seu próprio negócio e, agora, é na Marisqueira Majára, em Matosinhos, que a francesinha sai, como nunca, até aos nossos dias.


 
 
Café Mucaba, à esquerda da foto, com a entrada protegida pelos toldos

 
 
 

José da Silva na Marisqueira Majára
 
 
 

Francesinha
 
 
 
Voltando ao Restaurante Regaleira, o icónico estabelecimento acabaria por fechar no início do mês de Junho de 2018, apesar de ter entrado para a lista de estabelecimentos classificados como “Porto de Tradição”, criada pela Câmara Municipal do Porto para fazer face e proteger os negócios mais antigos da pressão imobiliária.
Em 2021, a Regaleira reabriria, uns metros abaixo do local original, na Rua do Bonjardim, nº 83.
 
 
 

Restaurante Regaleira nas suas novas instalações

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

25.254 Festas de antigamente da burguesia portuense

 
A burguesia portuense, na segunda metade do século XIX e no dealbar do século XX, tinha as suas festas privativas que aconteciam, normalmente, no recato das suas casas ou dos seus palacetes, com procedimentos muito próprios.
Pode apontar-se, organizados pela burguesia, os bailes, os bailes de máscaras, as soirées dançantes, as récitas, os "garden party " e as festas de Verão.
 
 
 

Reunião burguesa
 
 
 
Em 1849, Camilo Castelo Branco, um frequentador assíduo dos salões de baile, escrevia, sob o nome de Saragoçano:
 
 
« (…) O Ex.mo conde de Casal deu ontem um baile de ‘costumes’. Foi brilhante a concorrência, e tudo esteve lindo, e digno de ser tratado na crónica com a seriedade de escritor judicioso como tenho a glória de ser. Reputo por mo haverem dito, como soberanas em delicadeza, as senhoras condessas; e se elas o não forem, que carácter distintivo poderão aparentar que as torne excêntricas à plebe!? O sangue ‘azul’ é líquido que flui a ocultas lá no maquinismo vascular, por consequência mister é que hajam actos externos, que tenham o valor daquele “in hoc signo vinces” dos cruzados novos.
Esta ideia está um pouco metafísica, mas é que eu mesmo estou em grandes operações psicológicas, a ponto de recear uma metempsicose.»
Saragoçano (Camilo Castelo Branco), In Eco Popular, de 17 de Fevereiro de 1849
 
 
 
Passados três dias, Camilo Castelo Branco já estava a escrever no “Nacional", não voltando, mais, ao Eco Popular.
Dizem alguns que tal se teria ficado a dever a questões de política e, outros, a altercações entre o escritor e um pretendente à mão de Ana Plácido, D. António Frutuoso Ayres de Gouveia Osório (1828-1916).
Camilo terá conhecido Ana Plácido, precisamente no dia 13 de Fevereiro de 1849, durante um baile, dos muitos que se realizavam pelos salões dos palacetes da burguesia da cidade e, dos quais, o escritor era um assíduo frequentador.
Sobre essa época, ou seja, o fim da década de 1840, no Porto, o mesmo Camilo Castelo Branco na sua obra “Coração, Cabeça e Estômago”, (1862), traça o perfil da portuense burguesa:
 
 
“A mulher do Porto, como ela era há quinze anos, estava por adelgaçar, gozava-se de cores ricas de bom sangue; era redonda e brunida em todas as suas formas; o ofegar do seu peito comprimido pelas barbas do colete era como a oscilação duma cratera que vai romper à superfície; dardejava com os olhos; ria francamente com os lábios inteiros; deixava ver o esmalte dos dentes e o rosado das gengivas; meneava os braços com toda a pujança dos seus músculos reforçados; pisava com gentil desenvoltura; dizia com toda a lisura as suas primeiras impressões; ria-se com os chistes dos galãs que tinham graça; ouvia sentimentalmente as tristezas dos cépticos; doidejava nas vertigens da valsa; bebia o seu cálice de Porto; comia com angélico despejo uma dezena de sanduíches; tornava para as danças com redobrado ardor; e, ao repontar da manhã, quando as flores da cabeça lhe caiam murchas e as trancinhas da madeixa se empastavam com o suor da testa, a mulher do Porto era ainda formosa, mais formosa ainda pelo cansaço, a disputar lindeza à aurora, que nascera para lhe disputar a beleza”.
 
 
Aproveita também o escritor para comparar o comportamento feminino e masculino durante as sessões dançantes:
 
 
“As damas portuenses são muito mais iluminadas que os homens portuenses.
Entra-se num salão e admira-se o desembaraço das senhoras e o encolhimento canhestro dos galãs. O mais audaz encosta-se ao batente da porta e não ousa transpor o limiar sem que a rebecada do coro, núncia da primeira contradança, autorize a entrada em gorgolões, como a dos rapazes pela escola dentro.
Este acanhamento, porém, é de bom agouro.
Homens de talento e espírito são os que mais se acovardam diante de senhoras. No Porto há muito talento e espírito por força.
Os patetas, os lorpas, os atiradiços, são por via de regra os mais festeiros e festejados na sociedade, umas vezes com a cristã virtude da indulgência, outras com o riso zombeteiro da ironia.
Há por cá de tudo. Deus louvado!
E bom é que haja para que os tédios da uniformidade não volvam o mundo elegante às fórmulas dorminhocas da sociedade velha, em que o casquilho tomava a quinta chávena de chá, a pedido da dona da casa, e torcia um tendão a dançar o minuete, enquanto a menina fazia tossir ao cravo notas roufenhas, com grande aplauso e grandes abrimentos de boca, de seis velhas entendidas em cravo”.
 
 
 
Mas, em 1862, para Camilo Castelo Branco a imagem da portuense tinha-se degradado como atestam os parágrafos que se seguem, ainda insertos na obra literária atrás referida:
 
 
“Estas meninas de quinze anos, que eu hoje conheço no Porto, são as filhas das robustas donzelas, que me enchiam de satisfação os olhos na minha mocidade. Que degeneração! Vê-las numa sala é ver as virgens lagrimosas e lívidas, que se pintam nas criptas dos mosteiros góticos. Que tristeza de olhar e que dengoso fastio no falar! Quando se reclinam nas almofadas dum sofá parece que desmaiam narcotizadas; quando polcam, e se deixam ir arrebatadas nos braços dos parceiros, afigura-se-me que de sua parte não há mais acção nem movimento que o das asas, do ar que lhe agita a orla do vestido, volátil e vaporoso como éter. Que degeneração!
Ó mulheres do Porto, ó virgens saudosas da minha mocidade, ó santas da natureza como Deus as fizera, que é feito de vós, que fizeram de vós os romances, e o vinagre, e a Lua, e o pó de telha, e as barbas do colete, e os jejuns, e a ausência completa do boi cozido, que vossas mães antepuseram às mais legítimas e respeitáveis inclinações do coração?!”
 
 
 
Célebres ficariam, entre muitas outras, as festas realizadas nos palacetes do visconde Pereira Machado e do conde do Bolhão, à Rua Formosa, ou as levadas a cabo por Barroso Pereira, na Praça de Santa Teresa ou pelo visconde de Pinhel, à Carvalhosa.
 
 
 

Palacete do visconde Pereira Machado, na Rua Formosa

 
 
Palácio do conde do Bolhão, à Rua Formosa – Cortesia: viva-porto.pt




Palacete (desaparecido) Barroso Pereira, na Praça Guilherme Gomes Fernandes
 


 

Palacete do visconde de Pinhel, à Carvalhosa – Fonte: Google maps
 
 
 
Todas essas casas eram frequentadas e participava nas festas nelas levadas a cabo o escritor Camilo Castelo Branco, que nos deixaria, a propósito, bons nacos de prosa.
Numa das suas muitas referências mencionava os bailes realizados na casa do inexistente barão de Bouças, como malevolamente o escritor se referia ao político Passos José, com morada na Quinta da Torre, para os lados da Viela da Neta, mas que viria a erguer seu palacete, na Rua Formosa, a poucos metros da Cancela Velha.
 
 
“Vi no baile do barão de Bouças as três herdeiras mais ricas da sociedade portuense. Das três, a mais velha e rica era viúva e regularmente feia. A mais nova tinha uns longes sedutores: mas, examinada ao pé, era uma cara sem vida, coisa muito parecida com a alvura de leite, encarnada nas maçãs do rosto, como as bonecas de olhos de vidro, e beiços purpurinos de malagueta. A terceira era uma verdadeira mulher, trigueira como as predilectas de toda a gente”.
Camilo Castelo Branco, In “Coração, Cabeça e Estômago”


 
No romance “Um Homem de Brios” (1862), Camilo Castelo Branco dá conta de todas as peripécias ocorridas num baile em casa do barão de Bouças, durante o qual dois comendadores devoraram, irmãmente, um pastelão de ostras, acompanhando cada um deles com três pães.
Nessa obra, numa breve passagem o escritor referia que o barão de Bouças nem seria um dos piores representantes da classe dos barões, como se pode ler a seguir:
 
 
 

“Um homem de brios” de Camilo Castelo Branco

 
 
 
Em termos de clubes e associações recreativas a burguesia portuense frequentava, na segunda metade do século XIX, a Assembleia Portuense, o Clube Portuense e o Ateneu Comercial de acordo com os diversos estatutos sociais.
Aqueles foram tempos em que as danças predilectas da mocidade eram a Polca, a Mazurca, a Valsa e as Quadrilhas (Francesa, Lanceiros, Príncipe e Princesa), mas um baile tinha de ter, obrigatoriamente, quadrilhas e iniciavam-se, sempre, com uma quadrilha de honra na qual tomavam parte as pessoas de maior prestígio presentes nessa festa.
As quadrilhas tinham quatro pares dançantes que se movimentavam à voz de um marcador.
Mas, de facto, o verdadeiro rei era o “Cotilhão” ou “Cotillion” que, muito usado nos salões da aristocracia francesa, de movimentos complicados e variados, tinha muitos adeptos entre a burguesia portuense e, normalmente, encerrava as sessões dançantes.
 
 
“Nas festas da alta sociedade do séc. XIX e até anos 20 do século passado, as meninas levavam um “carnet de bal” no qual iam anotando o nome dos cavalheiros que as convidavam para dançar e que elas aceitavam.
Alguns eram muito luxuosos e mostravam a riqueza da família a que pertenciam. Por vezes causava dissabores ou revolta entre os candidatos, ou porque pretendiam antecipar a sua vez ou mesmo porque lhes era negada a dança pelos pais ou pela pretendida. Não era raro uma menina aceitar sucessivamente a inscrição do mesmo cavalheiro, o que era logo notado e comentado pela assistência. Estamos persuadidos que em casos extremos terá levado a algum duelo.”
Cortesia de Rui Cunha 
 

 

“Carnet de Bal” ou “Dance Card”


 
 

“Carnet de Bal” – Cortesia de Rui Cunha

 
 
Mas havia outro tipo de carnet. Em certos bailes era distribuído um, à entrada, com a sequência das obras que iam ser executadas, seguidas de uma linha onde era anotado o respectivo convidado.
Por outro lado, convém lembrar que os hábitos da época eram em tudo diferentes dos actuais e as regras da etiqueta cumpridas escrupulosamente.
Assim, como ninguém apareceria em festas e reuniões onde se dançasse, mesmo que se tratasse de um casino ou club, sem usar luvas, também nenhum rapaz seria capaz de convidar uma jovem para dançar consigo, sem que antes fosse apresentado aos pais ou pessoas de família que a acompanhavam.
 
 
“Eram presenças habituais dessas reuniões dançantes Xisto Lopes, e nelas se faziam ouvir periodicamente alguns conhecidos amadores da cidade como, por exemplo, o tenor Franck de Castro, o barítono Henrique Carlos de Meireles Kendall, o baixo Heitor Guichard, Marques Pinto, D. Sílvia Owen Pinto, D. Berta Arroyo, D. Alexandrina Castagnoli, D. Leonor Chelmiky.
(…) No dia 3 de Fevereiro de 1901, um Domingo, pela 1 hora da tarde, as senhoras D. Maria Guilhermina e D. Maria Adelaide Barbosa de Sousa Faria ofereceram, na sua residência situada na Rua de Santo António, por cima da Joalharia Reis & Filhos, uma festa de dia, a que se deu o nome de "matinée", com o programa seguinte:
Primeira Parte:
1 - Minuette em bemol- Dreyschok, para piano, por Xisto Lopes.
2 - Preghiera de Florenzo - para duas harpas, por D. Henriqueta Pauli e Paulo Navone.
3 - Romania - do 1º acto da ópera "A Tosca" de Pucini, pelo sr. Peireni.
4 - Canção espanhola - pela srª Galan.
Segunda Parte:
1 - Castagnette - Ketten - para piano, por Xisto Lopes.
2 - Antonine - de John Thomas, para harpa, por Paulo Navone.
3 - Duetto da ópera "Cavalaria Rusticana" - de Mascagni, pela srª Galan e pelo sr. Peirani.
4 - Romanzado último acto da ópera "Tosca" de Pucini, pelo sr. Peirani.
 
 
Em casa destas duas ilustres senhoras, muitos foram os bailes e outras reuniões que fizeram história na cidade, que no Verão residiam na Foz, à Rua Senhora da Luz.
D. Maria Guilhermina faleceu em 1913, enquanto sua irmã, D. Maria Adelaide veio a falecer nesta cidade, em 1919.
A Foz tornara-se, com o tempo, num dos pontos mais frequentes de reuniões da sociedade e algumas das mais atractivas recepções foram dadas por D. Emília Champalimaud, residente na Rua do Passeio Alegre, por D. Júlia de Lima Barreto, na actual Avenida de Montevideu, pela condessa de Aris, na esplanada do Castelo, por D. Maria Joaquina Pestana da Silva, na Rua da Senhora da Luz, e por D. Carlota Barreiros de Champalimaud Pacheco, na Rua do Gama.
Um outro local, também situado na Foz, e que durante anos foi considerado como um verdadeiro centro de elegância e distinção e na memória de muitos ficaram as festas e os bailes que aí se realizaram, foi o Club da Foz (depois chamado Assembleia).
Ao lado do Club da Foz, encontrámos o Casino Internacional, cujas festas aí organizadas ficaram marcadas pela presença assídua de muitos portuenses ilustres. A matinée de caridade de Maio de 1910, e o baile organizado em Fevereiro de 1911, foram considerados na época como dois eventos elegantíssimos muito concorridos, que contaram com as presenças entre de elementos da nobreza e da burguesia da cidade, como a viscondessa da Ermida e sua filha D. Lucrécia e a viscondessa de Godim e suas filhas, D. Maria Sofia e Guilherme Wandschneider, D. Fernanda e Fernando Van Zeller, entre muitos outros.”.
Cortesia de Maria José de Sousa Ferraria, In “Percursos Burgueses na cidade do Porto (1910 – 1926)”
 
 
Pela Foz do Douro, começaram a proliferar os pequenos clubes, que surgem com o intuito de animar as quentes noites de Verão da burguesia trazendo algum bulício e promovendo o encontro de amigos.
 
"Dava sobre a praia dos banhos o terraço da Assembleia, cuja principal entrada abria para a rua dos Banhos Quentes. Foi n´essa Assembleia que nasceu a primeira rolêta da Foz.
Alberto Pimentel, In “O Porto há 30 anos” (1893)
 

 
Naqueles bailes e reuniões era frequente surgir a oportunidade de se fazerem ouvir alguns talentos que, de outro modo, teriam ficado no segredo das famílias.
No Restaurante/Casino de Cadouços, ao fundo do Largo de Cadouços, no antigo edifício da Companhia Carris de Ferro, foi dado a conhecer aos presentes a belíssima voz de D. Cândida da Nova Monteiro que, mais tarde, viria a casar com o eng° Alfredo de Carvalho Kendall.


 
 

Restaurante/Casino de Cadouços onde se realizavam espectáculos musicais e de teatro e onde deve ter cantado Cândida da Nova Monteiro



Publicidade ao Casino de Cadouços, no jornal “A Voz Pública”, em 12 de Agosto de 1909


 
A seguir, a crónica jornalística que o jornal “A Voz Pública” fez no dia seguinte à festa acima publicitada.






“Partiu para o Rio de Janeiro, onde conta fixar-se por algum tempo, a notável amadora de canto e de piano, a sr. D. Cândida da Nova Monteiro Kendall. Acompanhou-a seu esposo e nosso amigo, o sr. engenheiro Alfredo Kendall”.
In revista, “Arte Musical” 15 de Agosto de 1910

 

Alguns anos depois, o engenheiro Alfredo Kendall voltaria, precisamente no Brasil, onde se tinha radicado, a ser notícia.
Aconteceu quando, em 1956, o Futebol clube do Porto se deslocou numa digressão ao Brasil e Venezuela, após a vitória no campeonato, sob o comando do treinador Yustrich, depois de um longo jejum.
Alfredo Kendall, já com 81 anos, abordou a comitiva portista e apresentando-se, disse que tinha sido fundador do clube no ano de 1893.



«Cristiano Van Zeller deu inúmeros bailes na sua residência, conhecida como Quinta de Vilar, enquanto Arnaldo Ribeiro de Faria, ofereceu na sua casa, na antiga Quinta de Barros Lima, à Rua de Barros Lima, esplêndidos bailes.
Outro notável do Porto, cujos bailes ficaram nos anais da história desta cidade, foi Manuel Pinto da Fonseca, residente na Avenida da Boavista. O mais célebre dos bailes oferecidos por Manuel Pinto da Fonseca foi o baile pela "Micarême" de 1903, no qual se dançou o cotillion, marcando presença a sra D. Elisa de Lima e Barros e o sr. Fernando Nicolau de Almeida. Nesse baile distribuíram-se valiosas lembranças pelos convidados.
António Júlio Machado, um famoso negociante da Invicta Cidade, apaixonado pela música, e que teve a oportunidade de estudar com Carlos Dubini e Vicenzo Sabbatini, inaugurou numa dependência de sua casa, situada em Belos Ares (Avenida da Boavista), onde se realizaram algumas récitas memoráveis, nas quais participaram alguns talentosos amadores, conseguindo levar à cena a ópera O Barbeiro de Sevilha.
 (…) No palácio de Cristal, a 26 de Janeiro de 1913, uma comissão de rapazes organizou um bal costumé, a que assistiram cerca de quatrocentas pessoas, grande parte das quais envergava fatos alegóricos, reproduzindo, muitos deles variados trajos de épocas históricas passadas. Os carnets deste baile tinham inscritos vinte números de dança, divididos em nove valsas, três quadrilhas, três two-step, três mélanges e dois lanceiros. Na assistência encontrámos alguns dos nomes mencionados anteriormente, todos eles, senhoras e cavalheiros, vestidos a rigor, com trajes de época. As senhoras vestiram-se com fantasias à "Marie Antoinette", à "1846", à "grega" , à "japonesa" , à "travesti de pomba" ou à "ciganas" , não faltando quem envergasse os tradicionais trajes à " espanhola". Entre os cavalheiros, destacaram-se os trajes mais usados foram à "fidalgo veneziano do séc. XVI", à "marechal do Império", à "Lourenço de Médicis" e à “Luís XV".
(…) comissão organizada por rapazes, e que funda, em 1913, uma espécie de Club, cujo número de sócios estava limitado a cinquenta rapazes solteiros e a cinquenta chefes de família, e que às quintas-feiras à noite organizava no Salão de Festas do antigo Jardim de Passos Manuel, animadas sessões de patinagem e várias sessões dançantes, todas elas muito concorridas.»
Cortesia de Maria José de Sousa Ferraria, In “Percursos Burgueses na cidade do Porto (1910 – 1926)”

 
 
Arnaldo Ribeiro de Faria, citado no texto acima, era descendente de uma filha de Francisco José de Barros Lima (membro do Sinédrio e da Junta Suprema do Governo do Reino em 1820, e depois da Junta Provisional Preparatória das Cortes de 1820 e deputado da nação às Cortes de 1820), de seu nome, Rosa Margarida de Lima, casada com Francisco Ribeiro de Faria e que tinham por residência a casa da Rua de Cedofeita, nº 395, que foi quartel-general de D. Pedro IV durante as lutas liberais e do cerco do Porto.
Por essa razão é que, à rua onde morou, foi dado o nome de Barros Lima. Habitou, precisamente, o edifício que, mais tarde, seria arrendado à Secção do Liceu Carolina Michaëla, que se tornaria no Liceu Rainha Santa Isabel, depois de se autonomizar daquele.
Era, aí, que se localizava a Quinta de Barros Lima, onde tinham lugar as festas que ficaram célebres, na altura.
Aquele troço da rua chama-se, hoje, Rua António Carneiro.
António Júlio Machado, também referido no texto acima, foi quem mandou construir, na esquina, a poente, da Rua de Belos Ares e da Avenida da Boavista, um elegante ''chalet'' de veraneio em cujo interior fez um teatro onde se realizaram várias récitas.
O ''chalet'' viria, mais tarde, a ser comprado por Lino Henriques Bento de Sousa (Brasileiro de torna-viagem) e conde de Santiago de Lobão, que ali chegou a residir, tendo a condessa, já viúva (desde 13 de Abril de 1921), legado a propriedade ao Estado.
Presentemente, o “chalet” ainda existe, encontrando-se desocupado, sendo hoje a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, representando o Estado, o proprietário do palacete e anexos.


 
 

Palacete de António Júlio Machado. Fachada voltada para a Avenida da Boavista – Fonte: DGPC



A partir da mudança de séculos, começou a ser presença assídua no panorama musical portuense a soprano Alexandrina Castagnoli de Brito (1876-1957), nascida em Lisboa, aluna do Conservatório Nacional onde se diplomou em piano, tendo sido estudante de canto em Milão.
Em virtude da morte de seu pai, retorna com a sua mãe a Portugal, e fixa-se no Porto, em 1901, onde num 2.º andar, na Rua Formosa, n.º 247, vai abrir uma escola de música.
Casará, em 1906, com um dos seus discípulos, José Alves de Brito e verá a sua filha Julieta Castagnoli de Brito seguir-lhe as pisadas no mundo da música, como soprano-lírico.
Bem integrada na sociedade portuense, Alexandrina Castagnoli passou a ser figura assídua nas festas da burguesia e nas de carácter religioso, quer como cantora quer como maestrina.

 
 


Cortesia de Ana Maria Liberal, In revista “O Tripeiro”, 7.ª série, Dezembro 2013