quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

12. Costumes - Actualização em 23/06/2018 e 19/06/2020


A cidade do Porto está intimamente ligada à figura de S. João, mas o santo não é o padroeiro da cidade.
"Desde o início da nacionalidade e desde o início da cidade enquanto couto do Porto e enquanto burgo, a padroeira é Nossa Senhora. Aliás, nos mais antigos brasões da cidade aparece “civitas virginis”, “cidade da virgem".
A mais indesmentível prova dessa devoção está nas invocações constantes.
Assim, Nossa Senhora da Vandoma estava na porta com este nome, que existia onde está a calçada com o mesmo nome; Nossa Senhora das Verdades, junto das escadas que ainda ostentam esse nome; Nossa Senhora do Ó na Porta da Ribeira; Nossa Senhora do Socorro na Porta Nobre em Miragaia; Nossa Senhora das Virtudes na porta desta invocação; Nossa Senhora da Batalha na porta a que correspondia este topónimo. Nossa Senhora aparece-nos ainda como padroeira de muitas capelas públicas ou particulares: Senhora da Piedade do Terreiro no Largo do Terreiro; Nossa Senhora da Consolação no convento dos Lóios; Nossa Senhora de Agosto da confraria dos alfaiates, à entrada da Rua do Sol.
Nos mosteiros o culto da Senhora, mais importante, era o da Senhora da Conceição em S. Francisco.
Nossa Senhora não foi, contudo, a única padroeira do Porto. Num período entre 1025 e 1453, foi São Vicente (é o Santo Padroeiro de Lisboa) e a partir daí, o título foi dado a S. Pantaleão.
A partir de 1954 é a Nossa Senhora da Vandoma.
S. Pantaleão tinha sido médico em Nicomedia, na Arménia, converteu-se ao cristianismo e foi martirizado na sua cidade natal no ano 320 no tempo dos Imperadores Diocliciano e Maximiniano. O seu corpo seria então levado para Constantinopla e aí venerado, até que, Constantinopla foi conquistada pelos turcos em Maio de 1453 e alguns cristãos rumaram com as relíquias do santo e em fuga ao ocidente da Europa, tendo entrado na barra do Rio Douro, por aqui se estabeleceram.
"A população atribuiu o facto de a cidade ter sido salva da peste em 1453, à presença da relíquia de S. Pantaleão", que começou por ficar na Igreja de S. Pedro de Miragaia, sendo transferida em 1499 para a Sé catedral.




Imagem de S. Pantaleão na Sé




Nas comemorações do Ano Jubilar de Nossa Senhora da Conceição, em 1954, Nossa Senhora de Vandoma seria instituída por D. António Ferreira Gomes como padroeira da cidade, até hoje.
Deve então, notar-se que, apesar da predilecção portuense pelo S. João, ele nunca foi o padroeiro do Porto.

"O S. João nunca assumiu a função de padroeiro por uma razão muito simples: é que a festa de S. João é uma festa pagã mascarada…e o facto de 24 de Junho ser o feriado municipal do Porto, é uma questão pacífica precisamente por a festa de S. João não ser religiosa”.
Com a devida vénia a Hélder Pacheco

A Igreja Católica, de uma forma muito hábil e sensível, colocou a celebração de S. João, o Baptista, no dia do nascimento, e não da morte, porque é o dia mais próximo do solstício de Verão, notando que a Igreja habitualmente celebra a data da morte dos santos e não do nascimento.
Há ainda hoje, alguma controvérsia entre os historiadores sobre que S. João é celebrado nas festas do Porto: S. João Baptista, o que batizou Jesus Cristo, ou S. João de Terzónio, um eremita que viveu no século nove em Tui, onde era conhecido por S. João do Porto, em alusão à cidade onde nasceu?
Alguns historiadores admitem mesmo que o S. João do Porto seja a "fusão" dos dois santos: o “Baptista”, que nasceu em 24 de Junho, e o “Eremita”, que morreu também em 24 de Junho.
Está descartada a hipótese de o santo da cidade ser um outro João, o “Evangelista” que foi apóstolo de Jesus.

"Não deixa de ser significativo (e fascinante) atender ao facto de os santos Joões -- o Evangelista e o Baptista -- serem consagrados por alturas dos solstícios de inverno e de verão…
S. João nunca teve na cidade o prestígio de Nossa Senhora, ou até do S. Pantaleão…
Não é nada de espantar que o S. João nunca tenha sido o padroeiro, porque de facto ele nunca foi assumido nessa função. Ele foi assumido na função de ser uma espécie de manto protector de uma celebração pagã".
Com a devida vénia a Hélder Pacheco





Entre todas as festas populares, não há dúvidas que aquela que tem a primazia no coração dos tripeiros é o S. João.
O S. João do Porto é uma festa popular que tem lugar de 23 para 24 de Junho. Oficialmente trata-se de uma festividade católica em que se celebra o nascimento de S. João Baptista, que se centra na missa e procissão de S. João no dia 24 de Junho.
As pessoas antes deste modo de celebrar este dia, festejavam a fertilidade, associada à alegria das colheitas e à abundância.
É naturalmente aceite, que as festividades sanjoaninas se perdem na memória do tempo. É a celebração do solstício de Verão, culto  pagão e de adoração ao Deus Sol.
Os romanos festejavam já o solstício de Verão.
Mais tarde a Igreja cristianizou essa festa pagã, e atribuiu o S. João como padroeiro do solstício de Verão.
Não se conhece com rigor quando teve início a festa do S. João do Porto, porém, por registos do Século XIV, sabe-se que, já Fernão Lopes por essa altura se terá deslocado ao Porto para preparar uma visita do Rei, e tendo chegado na véspera do S. João, deixou escrito na Crónica de D. João I, que no Porto era dia de "maior folgança da cidade", festas "cheias de animação e entusiasmo desabrido". 
É, no entanto possível, que essa festa fosse mais antiga, pois existia uma cantiga da época que dizia ”té os moiros da moirama” festejam o S. João. 
Era também no dia de S. João que a Câmara do Porto se reunia em Assembleia Magna, que corresponderia à actual Assembleia Municipal, reunião essa, realizada no Claustro do Mosteiro de S. Domingos, que pelo seu grande espaço, era onde se procedia à eleição dos “vereadores” e onde se tomavam as decisões mais importantes para a cidade”.
Festa cíclica, de raiz pagã, as festas assentam, fundamentalmente em “sortes” amorosas, encantamentos e divinações que se devem relacionar, por um lado, com o casamento, a saúde e a felicidade, mas que andam também estreitamente ligadas aos antigos cultos pagãos do Sol e do fogo e às virtudes das ervas bentas, ao orvalho, às fogueiras, à água dos rios, do mar e das fontes.
Muitas ervas têm virtudes na ma­drugada de S. João, mas, algumas exigem práticas pouco ortodoxas para que a virtu­de que lhes é atribuída surta efeito. Acon­tece, por exemplo, com a erva moliana ou valeriana, que deve ser roubada. Planta-se depois num vaso e espera-se que reverde­ça. Dá uma flor em forma de uma caneta, que dará sorte a tudo o que com ela se es­crever.
Quanto ao alho-porro, diz a lenda e alguns conhecedores, que a tradição do alho- porro na noite de S. João vem de tempos longínquos. Terá sido um símbolo fálico que os rapazes usavam para passar pelo nariz das raparigas que lhes agradavam. Há 50 anos já os dois sexos os compravam e batiam com a flor, por vezes mesmo com a cebola, na cabeça do próximo. Outros afirmam que se tratava de uma erva aromática com virtudes mágicas e terapêuticas e que se pretendia desejar boa saúde e amizade aos outros brincalhões.


Venda de alhos-porro, na Rua das Carmelitas



Ainda hoje há quem os compre para dependurar atrás da porta de casa para afastar a má sorte, e só na noite de S. João do ano seguinte, o substituem.
De qualquer forma, é um elemento indispensável para o divertimento na noite de 23 para 24 de Junho.
Ao lado de Santo António e de S. Gonçalo, S. João também é considerado um santo casa­menteiro. As moças pedem-lhe que as aju­dem a encontrar noivo. Um desses pedi­dos, que tem de ser feito na noite de S. João, obedece ao seguinte ritual. A moça colhe três folhas de uma oliveira e em cada uma delas, escreve o nome de um homem. À meia-noite, deita as folhas na fogueira de S. João enquanto recita esta quadra: "Ó meu rico S. João, / ouvi-me que eu sou sol­teira; /destinais o meu marido / nestas fo­lhas de oliveira". O nome escrito na folha que arder primeiro será o do futuro mari­do da jovem. 
As orvalhadas têm a ver com a fecundidade. Uma mulher que se rebole de madrugada sobre a erva húmida dos campos fica apta para conceber. Segundo um conceito antigo as orvalhadas eram entendidas como o suor ou a saliva dos deuses da fertilidade e possuíam poderes mági­cos. Uma outra velha tradição assegura que os namoros arranjados pelo S. João são muito mais duradouros do que os que se formam pelo Carnaval “que não vêm chegar o Natal”.

“Cedofeita, no Porto, era um dos sítios mais procurados pelos romeiros de S. João, por causa das orvalhadas. O bairro, por meados do século XIX, ainda não estava totalmente urbanizado. Ao redor da bela quinta do Priorado, onde vivia o senhor prior da Colegiada, havia pinhais, campos de cultivo e pomares. Era ali que se iam to­mar as orvalhadas: "Na noite de S. João / é bem tolo quem se deita;/ sem tomar as orvalhadas, / nos campos de Cedofeita ". Ranchos de raparigas dirigiam-se para os campos de Cedofeita a partir da meia-noite. Acendiam fogueiras e esperavam pelas orvalhadas que, segundo crença an­tiga, começavam a cair pelas quatro horas da madrugada, já com os primeiros alvores do dia. Como se sabe, a noite de S. João é a mais pequena do ano. As orvalhadas de­viam ser tomadas antes do nascer do sol, do seguinte modo: molhar as mãos na erva orvalhada e com elas lavar a cara. Acreditava-se que o orvalho tirava as sardas e re­juvenescia os rostos. 
Quem saltar a fogueira na noite de S. João, em número ímpar de saltos e no mínimo três vezes, fica por todo o ano protegido de todos os males.
O ritual do fogo é importante ele­mento das festas de S. João. A origem das fogueiras no ritual são-joanino anda liga­da à descrição bíblica da visita de Maria, mãe de Jesus, a sua prima Isabel, mãe de João Baptista. Embora vivessem relativa­mente perto uma da outra, Isabel prome­teu a Maria que, mal desse à luz, a avisaria do acontecimento, acendendo uma fo­gueira que Maria veria facilmente. No Por­to, a mais célebre fogueira foi a que se fez durante anos e anos a fio no recinto das Fontainhas. Esse ritual deu origem a mui­tas cantigas, uma das quais se cantava des­ta forma:
"Donde vindes S. João / com a capa de estrelinhas; / Venho de ver as fo­gueiras / do largo das Fontainhas”.
Diz a tradição que as cinzas de uma fogueira de S. João curam certas doenças de pele. Para certos males, são benéficos os banhos que se tomem na manhã do dia de S. João, mas antes do Sol nascer. No Porto,  os que se tomavam nas praias do rio Douro ou nos areais da Foz, valiam por nove...
A noite de S. João é considerada mágica desde a Idade Média. Diz-se que as "mouras encantadas" deixam a forma de cobras, com que vivem todo o ano, e vêm à tona da água com figura humana.
Em 1834, o Porto vivia com intenso júbilo a sua vitória no cerco. Nesse ano, o S. João foi festejado na cidade com enorme euforia. Houve arraiais na Lapa, Campo de Santo Ovídio (hoje Praça da República), na Rua Nova do Almada e dos Caldeireiros diante do velho Hospital de S. João instalado na Confraria de Nossa Senhora da Silva.
Por esse tempo festejavam-se três S. Joões no Porto: o de Cedofeita, que era miguelista; o da Lapa, constitucional, e o do Bonfim, republicano. Cantava-se então:

Fui ao S. João à Lapa
Da Lapa fui ao Bonfim.
Estava tudo embandeirado
Com bandeiras de cetim…

O despique político era a tónica dominante dos festejos sanjoaninos, logo após a vitória dos liberais. Os miguelistas não se davam ainda por vencidos.
E aproveitavam a festa para mandar recados:

O S. João da Lapa
Escreveu ao do Bonfim.
Visse bem o que fazia
Que a coisa não ia assim…

O S. João das Fontainhas ainda não existia. Só começaria a despontar 35 anos depois, quando um morador do sítio resolveu montar na alameda uma monumental cascata, ao redor da qual se vendia cabrito assado com arroz de forno, arroz-doce e aletria, e café quente acompanhado de pão com manteiga. Os ranchos que cirandavam pela cidade, deslocaram-se ao célebre miradouro para apreciar a novidade e a curiosidade transformou-se em rotina. Os romeiros cantavam:

Abaixai-vos carvalheiras
Com a rama para o chão;
Deixai passar as romeiras
Que vão ver o S. João.



Cabrito assado com batatas e arroz de forno


Na Lapa, o arraial fazia-se na alameda, onde agora está o hospital. Em 1844, dez anos depois da vitória dos liberais, escrevia-se nos jornais que o S. João da Lapa levou a palma a todos os outros… Entre danças e descantes, vendiam-se espetadas, peixe frito, tripas à moda do Porto, regueifas de Valongo, pão de Paranhos, doce da Teixeira. Nesse ano, houve uma novidade: o vinho era de Amarante…
A Irmandade da Lapa levava para a alameda os bancos da sacristia, que alugava a quem quisesse assistir comodamente ao fogo-de-artifício. Rezam as crónicas que o fogueteiro desse ano foi muito aplaudido.
Em 1845, o despique é entre os S. Joões de Cedofeita e do Bonfim. Moços e moças passavam em ranchos a cantar:

Não diga que tem saúde
Quem nesta noite se deita;
Sem tomar as orvalhadas
Nos campos de Cedofeita.

A velha igreja românica era, a esse tempo, um monumento isolado rodeado de quintas e pinhais onde os festeiros da cidade acampavam com as suas merendas.
O senhor D. Prior de Cedofeita franqueava a sua quinta aos romeiros que por ela se espalhavam a cantar:

Que é aquilo,
Que é aquilo,
Que é aquilo?
É S. João a caçar um grilo…

Em 1849 começaram a organizar-se comissões de moradores em certas ruas e locais. Faziam-se subscrições cujo produto revertia a favor das festas. No Bonfim iluminavam-se as ruas, como nunca antes acontecera em parte alguma. O S. João é festejado sobretudo nos quintais com luminárias, foguetes, fogo de ar e preso. Dançava-se por entre as bichas de rabiar, os buscas-pés, as bombas. Nas ruas o povo suava e acotovelava-se… O S. João era nas ruas. Ainda estava muito longe o S. João do Palácio de Cristal. Pela simples razão de que o Palácio ainda não existia.
Também o Conde de Rezende abria a sua bela Quinta de Santo Ovídio para os festeiros aí passearem, descansarem e comerem nessa noite.
Já em 1851 em vários pontos da cidade estalejou foguetório na véspera de S. João. A Rua de Trás, de Santo António, das Hortas, agora do Almada e outras estavam iluminadas, embandeiradas, e foi lançado fogo preso etc.
Na madrugada de S. João vão as mouras estender os seus tesouros à orvalha do campo. Esses tesouros ficam aí encantados sob a forma de figos. Se alguém passa, apanha e não os come, transformam-se em verdadeiros tesouros.
Se, porém, a pessoa que os apanha os come, reduzem-se logo a carvão”.
Com a devida vénia a Germano Silva


“O S. João era a oportunidade dos poetas fazerem quadras, ligadas, em grande parte, ao amor e ao casamento. São conhecidas as quadras, cantadas, que referem as festas nos locais acima, tais como:

Orvalhadas, orvalhadas, orvalhadas…
E viva o rancho das mulheres casadas.

Orvalhudas, orvalhudas, orvalhudas…
E viva o rancho das mulheres viúvas”.
In portoarc.blogspot.pt/


A partir da Idade Média, começou a substituir-se a festa de cariz pagã, a comemoração do solstício de Verão, pela do nascimento de S. João Baptista, que se festeja na noite de 23 para 24 de Junho. 
Santo Elói, já no século VII, proclamava do seu púlpito aos fiéis que o ouviam: “Eu vos peço...que na festa de S. João e em outras solenidades dos santos, se não faça uso do solstício; que não se entreguem a danças, a jogos, a corridas, a coros diabólicos…”.
Aliás, os frades Lóios viriam a fundar no Porto o Convento de S. Elói em 6 de Novembro de 1491, no que foram muito apoiados pelos portuenses, até  à extinção daquela ordem religiosa em 1834, após a revolução liberal.
Conta-se que aqueles Padres Lóios do convento de Santo Elói tiveram um papel primordial na divulgação desta festividade, pois, diziam possuir uma lasca do crânio de S. João (S. João do Porto ou de Terzon), relíquia do foro da Igreja do lugar de Cabeça Santa, Concelho de Penafiel, igreja, essa, que esteve sob a alçada da congregação dos padres Lóios, a partir de determinada altura.
A igreja de Cabeça Santa, no concelho de Penafiel, foi fundada pela filha de D. Sancho I, a rainha Santa Mafalda. Segundo a tradição, ainda em tenra idade, a infanta, durante uma das suas peregrinações que todos os anos a levavam a alguns dos mais conhecidos santuários do Porto e arredores, resolveu fundar em honra de “Jesus –Salvador dos Homens –“ aquela igreja.
Aquele S. João de Cabeça Santa era,

“O S. João do Porto, um eremita do séc. IX que nasceu no Porto e viveu vida eremítica junto da cidade de Tui e aqui sepultado. São quase inexistentes as notícias deste Santo, de cognome Terzon, Teizon ou Izon, nascido no Porto.
Em 1282, os Dominicanos ergueram em Tui um convento (hoje desaparecido), sobre o lugar duma Igreja Paroquial, onde estava sepultado João. As suas Relíquias encontravam-se ainda no Séc. XVII na dita Igreja Conventual e era invocado pelos Tudenses contra as febres. Muitos duvidaram que a chamada Cabeça Santa de um João não melhor identificado fosse uma Relíquia insigne deste João, Relíquia venerada na Igreja de S. Salvador da Gândara erigida por Mafalda, mulher de Afonso Henriques. Da mesma relíquia foi retirado um pedaço, colocado depois na Capela (da Cabeça Santa), da Igreja da Senhora da Consolação (dos Lóios), no Porto. Ambas as Relíquias, às quais se atribuem muitos milagres, eram veneradas a 24 de Junho, com uma evidente referência a S. João Baptista. Parece-me que estes elementos são suficientemente esclarecedores dum facto que muito deve de interessar a todos os Portuenses, por lhes ter dado do privilégio de poderem contar entre outros factos que os tornam orgulhosos na sua História na própria História de Portugal, com o terem o seu próprio Santo, aqui nascido. Sendo o S. João do Porto o Santo protector contra as febres e sendo, na Idade Média, uma das terapêuticas para a cura das mesmas, o Alho, não será que o povo, ao festejar o seu Santo, quisesse, com o alho na mão, prestar-lhe homenagem significativa, empunhando aquilo que simbolizava a cura das mesmas febres?”
Fernando Moreira da Silva, In revista “O Tripeiro”




No texto anterior é referido erradamente, que Mafalda se referia à mulher de D. Afonso Henriques, mas trata-se, de facto, da filha de D. Sancho I, que também se chamava Mafalda.
Assim, nos séculos XVI e XVII no dia de S. João muita gente da cidade rumava em peregrinação a uma terra do concelho de Penafiel, lugar de Cabeça Santa, na Idade Média conhecida como São Salvador de Gândara, onde existia uma relíquia, autenticada por bula do papa Leão X em 1519. A dita relíquia era o crânio de S. João, em igreja românica datada do século XIII.
Aliás, sabe-se que em Tui em 1666, a 24 de Junho, ainda se realizava uma grande festa, junto dum convento de dominicanos, que o teriam construído sobre uma pequena ermida onde esteve sepultado o S. João do Porto.
Entretanto, no fim do século XVI os padres Lóios do convento dos Lóios no Porto que nessa altura tinham o padroado e administravam a igreja em Penafiel, tinham adquirido uma lasca desse crânio, relíquia que será venerada a partir desse momento na cidade do Porto, e que desapareceu misteriosamente após a extinção das ordens religiosas.
Por isso, no dia de S. João, em 24 de Junho se realizava no convento dos Lóios uma cerimónia, em que o pedaço da alegada relíquia de S. João de Terzon, era alvo de todas as atenções dos crentes. Há quem diga, que a tradição das festas sanjoaninas se intensifica e se enraíza com estes acontecimentos, em que a Relíquia de S. João de Terzon, era venerada no mesmo dia da veneração de S. João Baptista, a 24 de Junho.
No entanto, já está documentado que muito antes de tal facto ocorrer, era usual as grandes decisões para a urbe serem tomadas no dia de S. João, no alpendre do Mosteiro de S. Domingos.
Hoje existe em Lordelo do Ouro uma rua com o topónimo de Rua de São João do Porto.

“Junto ao convento de Santo Elói existiria, um padrão- o Padrão de Santo Elói.
Por padrão devemos entender um cruzeiro, ou seja, uma cruz com a imagem de Jesus crucificado. Mas não tinha esta simbologia, embora fosse de cariz religioso, o padrão de Santo Elói. Era dedicado a S. João Evangelista, padroeiro dos cóne­gos seculares da congregação de S. João Evangelista, vulgarmente chamados Lóios. 
Santo Elói designava o sítio em que o pa­drão fora erguido. Sendo essa memória da invocação de S. João Evangelista, pelas ra­zões acima apontadas, era, todavia, em honra de S. João Baptista que, junto dela, a população local fazia, todos os anos, uma animada festa. 
Dessa festividade nos fala o beneditino Manuel Pereira Novais, historiador do sé­culo XVII. Diz o seguinte: "Apesar de o pa­drão de Santo Elói ser dedicado a S. João Evangelista, a festa que todos os anos se faz, junto ao cruzeiro, é no dia 24 de junho em honra de S. João Baptista e o arraial estende-se até à portaria do hospital". Trata-se, como é bom de ver, do hospital de Ro­que Amador, que ficava à entrada da Rua dos Caldeireiros. Não confundir com o hos­pital de S. João, situado mais acima, tam­bém na Rua dos Caldeireiros, mas na con­fraria da Senhora da Silva, onde também o S. João era rijamente festejado. O sítio onde estava o cruzeiro, digamos assim, muito alterado, claro, ainda existe, mas com outra denominação: é o Largo dos Lóios. 
Ora, o tal padrão de Santo Elói ficava já na parte baixa da Rua de Mendo Afonso, numa espécie de largo que se abria perto da anti­ga Rua do Souto, hoje Rua dos Caldeireiros, em frente à entrada do Hospital de Roque Amador, de que ainda existem vestígios no interior de um pátio com entrada pela Rua dos Caldeireiros, e da Casa da Roda, onde eram abandonadas as crianças recém-nascidas, por não poderem ser criadas pelas próprias mães. 
E de Santo Elói, porquê? Por causa do mosteiro de Santo Elói, que soa Lóios, também conhecido por mosteiro novo de Santa Maria da Consolação, aí fun­dado, no século XV, a partir de umas casas e de uma capela, da invocação daquela pa­droeira, que uma benemérita, Violante Afonso, "mulher rica e viúva", doara aos có­negos azuis de S. João Evangelista, vul­garmente conhecidos pelos frades Lóios”. 
Com a devida vénia a Germano Silva



Resumindo, no que diz respeito aos padres Lóios: Junto do cruzeiro de S. João Evangelista (patrono dos padres Lóios) comemorava-se o S. João Baptista (ou seja o solstício pagão) e o S. João do Porto (o eremita nascido nesta cidade).
Nos dias de hoje existe no Museu da Santa Casa da Misericórdia em exposição, uma “Cabeça Relicário”, que, há quem diga, estar relacionada com a dos padres Lóios. 
Existe uma outra versão da história da relíquia da igreja de Cabeça Santa.
Nas Inquirições de 1258 a Igreja é referida sob a designação de igreja de São Salvador da Gândara, denominação que irá manter-se até ao século XVII, quando começa a ser também intitulada de igreja de Cabeça Santa, em referência a um crânio guardado em relicário de prata e exposto em altar próprio, situado na nave da Igreja. Vem já dos tempos após a sua fundação, a sua associação ao tal crânio, origem de muitos milagres.
São Salvador de Gândara tornou-se assim, local de peregrinação, um sítio de passagem dos romeiros que iam até Santiago de Compostela.
A Cabeça Santa é, de facto, um crânio de uma criança. Ninguém sabe como apareceu, mas terá chegado há vários séculos à localidade de Gândara.
Naquela versão da história, narra-se também a actividade já descrita dos padres Lóios relacionada com essa relíquia, que acabaria por ser roubada, no Verão de 1981, não tendo aparecido até hoje.




Fachada lateral da igreja de Cabeça Santa – Fonte: “rotadoromanico.com”




O Crânio desaparecido – Ed. Leonel de Castro/Global Imagens




Rua Mouzinho da Silveira



Na foto acima, a Rua Mouzinho da Silveira, em 1886, engalanada para os festejos desse ano.
Na foto abaixo vê-se, em 1908, a Rua D. Pedro engalanada durante as festas de S. João que, nessa data, se chamavam “Festas de Verão”.
Noutras ocasiões, os festejos sanjoaninos seriam integrados nas chamadas “Festas da Cidade”.




Rua D. Pedro ornamentada para as “Festas de Verão”, em 1908. Esta rua desapareceria com a abertura da Avenida dos Aliados, a partir de 1916




Rua das Carmelitas engalanada para as “Festas de Verão”, em 1908



"Festas de Verão", na Rua do Almada, em 1908



Entrada da Rua do Almada engalanada para as “Festas de Verão”, em 1908

 
 

"Festas de Verão", na Rua de Santa Catarina, em 1908




Rua de Sá da Bandeira preparada para as “Festas de Verão”, em 1908



Fogo-de-artifício lançado no rio Douro, na Ribeira, durante as “Festas de Verão”, em 1908 – Ed. “Illustração Portugueza”



Em 1910, as “Festas de Verão” tiveram a organização do Clube Fenianos.



Rua D. Pedro nas “Festas de Verão” de 1910 – Ed. Illustração Portugueza, de 18 de Julho de 1910



Participantes numa prova de tiro durante as “Festas de Verão” da cidade, em 1910, que integrava também os festejos sanjoaninos, com organização, nesse ano, do Clube dos Fenianos - Ed. Illustração Portugueza, de 18 de Julho de 1910



Para além da prova de tiro, a que alude a foto acima, as festas de Verão apresentaram, ainda, um concurso hípico e uma tourada, tendo esta sido realizada na praça de touros da Rua da Alegria.



Artigo de fundo sobre “Festas de Verão” organizadas pelos Fenianos, em 1910 - Ed. Illustração Portugueza, de 18 de Julho de 1910







Um santo austero



Pelas ruas do Porto não vemos muitas manifestações de devoção a este santo. Na iconografia portuense vemos mais o Santo António, o S. José e a  Nossa Senhora.
Ninguém, numa hora de aflição,  pede ajuda a um santo que está ligado a uma atitude lúdica e hedonista da vida.
Mas aqui nasce uma incongruência. É que o S. João era tudo menos um homem dado às coisas alegres, cinzento, austero, místico. S. João Baptista retirava-se para o deserto para períodos de recolhimento e alimentava-se de gafanhotos…
Como é que alguém assim se transformou num símbolo rapioqueiro?
Ninguém sabe.




Feriado desde 1911


Nos primeiros anos do século XX as Festas de S. João tinham uma designação mais laica, sendo conhecidas, como as “Festas de Verão”.
Apesar de o S. João ser festejado desde há séculos, só é feriado municipal desde 1911. Com o advento da República, as câmaras municipais são convidadas a escolherem um dia para o seu feriado local.
No Porto, o “Jornal de Notícias” toma a iniciativa de fazer um referendo à população para auscultar o sentimento das pessoas. O resultado não podia ser mais conclusivo. O S. João ganhou por maioria absoluta, vindo atrás dele o dia 1 de Maio e, a seguir, o dia 8 de Dezembro.
Estava consagrado em feriado o sentir e a predilecção do povo portuense por este dia.
Foi também no dia de S. João que foi lançada a primeira pedra da construção do edifício da câmara municipal e também foi neste dia que ela foi inaugurada, em 1957.

“Em 1854, constituiu-se, na então cha­mada Rua das Hortas, uma comissão de moradores encarregada de organizar os festejos daquele ano em honra de S. João. E saiu-se muito bem, a comissão, porque, segundo os relatos jornalísticos da época, "as festas da Rua das Hortas levaram a pal­ma a todos as outras". Houve uma origi­nalidade no S. João da Rua das Hortas. Os da comissão mandaram alcatifar a rua com ervas aromáticas como a cidreira, o rosmaninho e o alecrim e com cravos-rubros, criando «um gracioso tapete».
O ano de 1869 é o começo da romaria às Fontainhas.
Alguns mo­radores do sítio tomaram a iniciativa de montar uma cascata. Junto dela serviam "por preços módicos" anho assado no for­no, café quente e pão com manteiga. Foi um sucesso. Quem naquele ano foi às Fon­tainhas por curiosidade voltou nos anos se­guintes por devoção ao santo da cascata. E as Fontainhas, com o rodar dos anos, transformaram-se na Meca do S. João do Porto. Ainda hoje não há rusga nem tocata que não passe pelas Fontainhas”.
Fonte: Germano Silva



Das noitadas de S. João nos iam dando conta os diversos jornais que se publicavam na cidade.











"Jornal do Porto" 24 de Junho de 1869



"Jornal do Porto" 24 de Junho de 1875



"Jornal do Porto" 24 de Junho de 1891



Embora um pouco longo, o texto do eminente médico portuense Ricardo Jorge, então com 61 anos de idade, escrito em Paris no dia 23 de Junho de 1919, tem o maior interesse em ser dado a conhecer.

“…No meu tempo o S. João de Cedofeita andava já a tocar ao viático, prestes a desaparecer. 
O da minha infância era o da Real Capela onde jaz o coração do dador, como se dizia em estilo do tempo; tão ardente fora o seu culto que os negociantes das Hortas, mercadores de ferro e linho, projectaram erguer-lhe ao norte da alameda templo próprio de que se viam ainda então os primeiros panos gretados e musgosos, onde se espetavam as varas dos silvados e faziam tocas as osgas e sardaniscas, que nós, os rapazes do colégio da Lapa, fisgávamos á pedrada. 
A novena de S. João cantava-se ao sol fora com singular e pitoresco acompanhamento: em vez do organista, dois matulões da Ribeira, trajando a rigor á moda de Redondela rufavam no tamboril e sopravam na gaita de fole.
O arraial armava-se na alameda da Lapa, donde a vista se espraia até á orla luzente do mar, alameda hoje atravancada por um hospital merencório que bem podia ter ido pousar-se noutro sítio, sem empecer um dos mais saudosos logradoiros panorâmicos da cidade— coisas do Porto. Doces de Paranhos, negros e duros de rilhar — barracas de lona onde se fregem com fragor e fumarada as espetadas e as postas de pescada tão amada do tripeiro e se empipa no carro de bois o verde de Amarante e o preto da Companhia, bebidos em tigelas vermelhas de Aveiro, — as regueifas de Valongo sobre as canastras, a filarmónica do Pau-Teso, e um burburinho de ensurdecer onde estridulam as gaitas de chumbo sopradas pelos rapazes. Na clareira as raparigas da Maia de pé descalço e saia arregaçada, dançam ao som da chula a Cana-verde e o Regadinho. Noite de patuscada, até que para essa meia-noite, aos gritos de “”ó careca””, a isca incendeia as dobadoiras pirotécnicas do Devezas, saudadas de palmas quando se exala a centelha do último caniço da árvore de fogo consumida e morta. 
Os madrugadores desandavam então para o Campo de Santo Ovídio; os ranchos de viola, requinta, violão e flauta, enfiavam pelo portão amplo da quinta do Pamplona — o solar dos condes de Resende, sempre aberto fidalgamente ao povo. Ao romper da aurora colhiam-se as plantas míticas, a que o orvalho da manhã do santo servia de água benta — o alecrim, o louro, o azevinho, o alho-porro. Uma rua, não sei de quê, atravessa e sepulta hoje esta que foi uma estância paradisíaca, derrubando os balaústres do palacete, os tanques onde boiavam os velhos barbos, as magnólias negras de flores de neve, as sebes das japoneiras, os álamos frondentes, as murtas arbóreas, os loureiros estroncados, que bracejavam as rancas idosas pelos caminhos e maciços do parque, donde se soltavam os silvos aflautados dos melros.

 ladrão do negro melro
Onde foi fazer seu ninho…

Há vinte e cinco anos, antes do meu exílio, assisti com a emoção bucólica do herbanário de Júlio Diniz a este arboricídio que me levava as sombras viridentes onde se esbateu a minha desinquieta meninice.
Iam-se os olhos nas cascatas onde o santo precursor e o carneiro branco troneiam, debaixo duma arcada de ramalhoça e sobre um monte de escórias e areia, povoado de monos de barro pintado, adquiridos nas lojas de traz dos Clérigos — imaginária popular tão curiosa, a reproduzir as cenas triviais da vida rústica, fabril e doméstica. Espécie de presépios, mais variados e movimentados, pois que os anima a minúscula catarata dum veio de água: gira a roda do moleiro da azenha, bate o malho do ferreiro na bigorna, sai do túnel o comboio, volteja o burrinho da nora, faz vaivém a serra do madeireiro... Que pequenas maravilhas de cenário e de hidráulica se não engenhavam para o engodo e alegria dum dia! 
Há hoje justamente quarenta anos que fiz a ultima noitada de S. João com um grupo de rapazes divertidos, meus camaradas da Escola Médica.
Não sei se alguns deles, ainda a rememorará, porque aqueles que me lembram, só nas loisas tomarão as orvalhadas. 
Havia festa rija e fogo preso na Rotunda da Boavista, e de lá vamos cear aos Caldos de galinha do Carmo.
Nova estação no mercado do Anjo, todo iluminado, empavesado e enramado, onde as colarejas á roda da fogueira, foliam danças e descantes abrejeirados. Ao Santo que pagava com a cabeça as suas austeras imprecações contra a dança lúbrica da Salomé, tocam os restos do culto fálico e fescenino, de mescla com o S. Hilário e o S. Gonçalo de procazes alusões populares:


Repenica, repenica, repenica,
S. João a m… em bica.
Repenica, e tornar a repenicar,
S. João sempre a m…
O último passo era nas Fontainhas, onde de madrugada convergiam de toda a parte os bandos e as ranchadas, na frente o harmónio ou a banza e os pares em fila, de cravo ao peito e de grandes chapéus de palha feitos na Cadeia, entrapados em lenços de chita berrante: 

Orvalheiras, orvalheiras, orvalheiras, 
Viva o rancho das mulheres solteiras. 

E os compassos esfusiantes do hino popular do S. João a retinir sempre, até ao lusque-fusque da manhã a palhetar de rosicler as agulhas da rotunda fronteira do Pilar e as arestas dos penhascos que se empinam sobre o fosso onde escorre fundo e lobrego o veio do Douro - a paisagem severa e solene que Herculano dizia ter sido lavrada por Miguel Ângelo. 
Sol fora enfim, sol alegre a bailar, como é de tradição neste dia solsticial, em que o homem e a natureza se abraçam panteisticamente numa convulsão de alegria: 

Se S. João bem soubera 
Quando era o seu dia, 
Descera do céu á terra 
Para dançar de alegria

Ricardo Jorge 





Mole humana, Ornamentações, Cascatas, Manjericos, Balões e Carrosséis


As festividades do S. João sempre estiveram ligadas ao mais forte sentir popular e, por isso, é que nas ilhas e nos bairros mais tradicionais a festança sempre foi mais intensa.
Desde as Fontainhas às Eirinhas, do Bairro do Herculano a S. Vítor, era uma imensa mole humana que com os alhos-porros, os manjericos, as cascatas, fizeram da festa uma celebração única à escala mundial.



Notícia de 23 de Junho de 1865



Barracas de louças na Alameda das Fontainhas, no S. João de 1940



Divertimentos na Alameda das Fontainhas, no S. João de 1940



Nas Fontainhas, em 1940




Fogo-de-artifício em 1948, durante a noite de S. João


Sobre o S. João em 1950, integrado nas chamadas “Festas da cidade” dizia, em editorial, o jornal “Comércio do Porto”:






Em 24 de Junho de 1950, era inaugurada a 1ª Feira Popular do Palácio de Cristal, iniciativa integrada nas “Festas da Cidade”, de que faziam parte também, os festejos S. Joaninos
Sobre o assunto dizia o jornal “O Comércio do Porto”:






Rua de Sá da Bandeira ornamentada para as festas de S. João, em 1947


 

Rua de Sá da Bandeira enfeitada para as festas de S. João, em 1947

 
 

Rua de Fernandes Tomás ornamentada para as festas de S. João, em 1947

 
 

Praça da Liberdade, em 1947, ornamentada para os festejos de S. João




Noitada de S. João, em 1960


Mole humana, em 1963, ao cimo da Rua 31 de Janeiro, em noite de S. João



Rua dos Clérigos ornamentada para as festas de S. João, em 1964




Fontainhas, S. João, 1996




No início da segunda metade do século XX, o manjerico e a sua quadra popular, acompanhado pela cidreira e o alho-porro eram os adereços mais simbólicos nas festas de S. João. 



Gravura no jornal “O Comércio do Porto”, em 24 de Junho de 1950. Viviam-se tempos após a 2ª Grande Guerra


Foi antes dos "martelinhos barulhentos "substituírem o alho-porro.
A quadra agora é mais política e menos brejeira. O manjerico continua algumas semanas a perfumar as janelas ou as varandas. 


Manjericos e quadras populares


A água, pelo S. João, seja de fontes, lagos ou rios, também tem virtudes especiais. Por exemplo: pode-se saber se a nossa vida vai ser longa ou breve. Para isso, há que co­lher, da fonte mais próxima, logo ao cair da noite de S. João, água numa bacia, que será colocada toda a noite ao ar livre. Na­quele espaço de tempo compreendido en­tre a meia-noite e o nascer do sol, a pessoa que foi à fonte vai tentar ver o seu rosto refletido na água com que encheu a bacia. Se isso acontecer, é sinal de que vai ter uma longa existência; se, pelo contrário, não vir o seu rosto no fundo da bacia, é mau agoi­ro e não terá mais do que um ano de vida. 
Uma outra tradição centenária eram as cascatas.
Em 20 de Junho de 1946, ocorre o 1.º Concurso de Cascatas de S. João, no Porto.


A cascata (…) nas ruas e nas casas ou seus quintais era obrigatório haver uma. Infelizmente é uma das mais belas tradições que se está perdendo. Os nossos filhos e netos já não as fazem.
Em nossa casa, desde muito pequenos, guardávamos, de ano para ano, algumas figuras imprescindíveis e quando íamos à feira do Senhor de Matosinhos comprávamos as que eram novidade ou se tinham partido.
Encostado a um muro ou parede construíamos um monte de terra e cobríamo-lo com musgo. 
No cimo estava o S. João com o seu cordeiro e pela rampa abaixo figuras como carneiros, pastores, uma banda de música, uma procissão aproveitada do presépio, lavadeiras, vendedeiras e muitas outras figuras típicas em barro. Também não faltava um pequeno lago com uma figura de um pescador. Por vezes era um espelho redondo muito usado nesse tempo, como publicidade de casas comerciais. O que divertido era a forma tão entusiasmada com que eram construídas estas cascatas.
Assim que ficava noite nosso pai e tios traziam algum fogo-de-artifício tal como bichas de rabiar, pirilampos, estrelinhas e outros pouco perigosos. Mas os momentos mais emocionantes eram o fogo preso, os vulcões e pequenos foguetes que faziam muito barulho e eram muito lindos no ar.
Só nos deitávamos depois da meia-noite, depois de lançados para o ar os coloridos balões de ar quente”.
Descrição de anónimo. 


“Cascata, segundo os dicionários, significa "queda de água, cachoeira". E não há cascata de S. João que não tenha um rio a correr por entre rochas. Constituem um dos mais expressivos símbolos das festas são-joaninas do Porto.
Aparecem geral­mente cobertas de ramos de carvalheiras, com caminhos feitos de saibro, a igreja em destaque, a procissão e o povo representado em figuras singelas de barro nas suas mais variadas ocupações. Em regra, são feitas por rapazes que junto delas, com o santo na mão, vão pedindo uma moeda para o padroeiro. O produto do pedi­tório destina-se a melhorar a cascata”. 
Fonte: Germano Silva



Cascata de S. João



Cascata de rua


Cascata do Museu de Etnografia e História em 1961 – Cliché de Teófilo Rego


Cascata em 1965, na Rua Luz Soriano - AHMP



Cascata da Associação dos moradores da Lomba; 1º prémio em 2016


Nas festas de S. João, os balões sulcando os céus, os carrosséis de cavalinhos, carrinhos de choque, cestas voadoras e aviões, eram e continuam a ser uma atracção.



Carrossel das cestas voadoras



Pista de carrinhos de choque - Ed. MAC


Balões decorativos de S. João



Balão de S. João, de ar quente – Ed. Site: porto24.pt




As sardinhas e os martelos


Como curiosidade só a partir de 1947, no Palácio de Cristal, é que começaram a aparecer as sardinhas assadas associadas às festas de S. João e, a partir de 1963, surgiram os martelos que, rapidamente, ganharam milhares de adeptos.
As quadras, outra tradição tão ligada à festividade, começaram a ter concurso próprio a partir de 1929.
Hoje o S. João é diferente. O centro histórico despovoou-se e muita da alma da cidade transmutou-se para a periferia.
E, como diz o investigador Hélder Pacheco, sem gente não há tradições, usos e costumes e “…por isso é que, em nome do futuro, temos que defender este passado”.


A bela sardinha assada




História dos martelinhos


“O martelo de S. João foi inventado em 1963 por Manuel António Boaventura, industrial de Plásticos do Porto, que tirou a ideia num saleiro/pimenteiro que viu numa das suas viagens ao estrangeiro. O conjunto de sal e pimenta tinha o aspecto de um fole ao qual adicionou um apito e um cabo vindo a incorporar tudo no mesmo conjunto e dando-lhe a forma de um martelo. 
O objectivo inicial era criar mais um brinquedo a adicionar à gama de que dispunha. Nesse mesmo ano os estudantes abordaram o Sr. Boaventura com o intuito de lhes ser oferecido para a queima das fitas um “brinquedo ruidoso”, ao que o Sr. Boaventura acedeu oferecendo o que de mais ruidoso tinha...os martelinhos. A queima das fitas foi um sucesso com os estudantes a dar “marteladas” o dia todo uns nos outros e logo os comerciantes do Porto quiseram martelinhos para a festa de S. João. Esse ano o stock era pouco mas no ano seguinte os martelos foram vendidos em força para esta festa e ao mesmo tempo oferecidos pelo Sr. Boaventura a crianças do Porto. 
Assim o martelinho entrou nas festas do S. João sendo aceite incondicionalmente pelo povo nos seus festejos. 
A venda fez-se normalmente durante 5 ou 6 anos até que um dia o Vereador da cultura da Câmara do Porto, Dr. Paulo Pombo e o Presidente da Câmara do Porto Engº Valadas chegaram á conclusão de que este brinquedo ia contra a tradição e decidiram fazer uma queixa ao Governador Civil do Porto Engº Vasconcelos Porto, queixa esta que foi aceite tendo mesmo o Governador Civil notificado o Sr. Boaventura de que no ano seguinte estava proibido de vender martelos para a festa de S. João, mandando avisar que quem fosse apanhado com martelos na noite de S. João seria multado em 70$00 (na época ganhava-se cerca de 30$00), e mandando retirar os martelos das lojas comerciais onde estavam á venda. O que é certo, é que o povo não acatou esta decisão e continuou a usar o martelo nos seus festejos. O Sr. Boaventura ao ver-se lesado e injustiçado nesta decisão do Governo Civil levou então a questão a tribunal, perdendo em 1ª e 2ª instância. (estava-se no tempo de Américo Tomás e Marcelo Caetano e consequentemente da PIDE). 
No entanto no ano de 73 recorreu para o Supremo Tribunal e ganhou a questão, podendo assim continuar a fazer os martelinhos que se tornaram tradição popular não só no S. João do Porto, como no S. João de Braga, Vila do Conde, Carnaval de Torres Vedras, Passagens de ano, campanhas de partidos políticos, etc.
Os martelos sofreram inúmeras alterações ao longo dos anos mas a tradição ficou e a sua história perdeu-se com o tempo”.
Fonte: martelodesjoao.blogspot.pt



Martelinhos de S. João




Concursos de Quadras de S. João, de Montras e de Rusgas



Quem inventou o Concurso de Quadras foi um antigo chefe de redacção do Jornal de Notícias, de seu nome Álvaro Machado que, para além de jornalista era poeta e escrevia, ainda, peças de teatro. Enganou-se, quando prevendo uma pequena adesão à iniciativa e uma pequena longevidade, o passar dos anos, vieram desmenti-lo, ao serem ultrapassadas todas as expectativas.
O primeiro concurso teve lugar em 1929 e, manteve-se, até hoje, ininterruptamente. Hoje, é o mais antigo concurso organizado pela imprensa e nele participam alguns milhares de concorrentes.
Grandes poetas e gente das letras têm passado pelos sucessivos júris dos concursos, que obedecem a um regulamento próprio.


Quadra vencedora em 2018



O Concurso de Montras alusivas ao S. João é uma organização do município portuense, normalmente com a colaboração da Associação de Comerciantes do Porto, que “tem como objectivos principais impulsionar o envolvimento do comércio local na tradição cultural da cidade, dinamizar o sector através da promoção de manifestações artísticas e estimular o espírito criativo”.
Normalmente, os três primeiros classificados recebem prémios pecuniários, sendo ainda, distribuídas menções honrosas.
“O concurso destina-se à participação exclusiva de lojas com actividade no Porto, abertas ao público e com montras visíveis. Cada estabelecimento pode candidatar-se a mais do que uma montra, desde que respeite os seguintes critérios: utilização de elementos decorativos diferenciados para cada montra a concurso; e formalização de uma candidatura por cada montra”.


Quanto às rusgas, foram sempre uma das manifestações de cariz mais populares de cariz, na maior parte das vezes, espontâneas.
Alguns elementos com uma determinada afinidade (familiar, de vizinhança ou outra), em grupo e munidos de instrumentos rudimentares de percussão ou de sopro (testos, panelas, bombos, gaitas, etc) partiam, em cantorias, de quadras improvisadas, percorrendo as ruas da cidade.
Aliás, foi numa tentativa de não serem perdidas essas quadras que foi lançado o Concurso de Quadras de S. João pelo Jornal de Notícias.
A partir de determinada altura, essas manifestações populares foram institucionalizadas com a promoção de concursos, sujeitos a uma regulamentação. A exibição que percorre algumas ruas da baixa da cidade, tem o seu expoente máximo quando, na Avenida dos Aliados, os participantes desfilam perante um júri presente numa tribuna, em frente à Câmara, a organizadora do certame.




Desfile das rusgas de S. João, em 1947






Rusga de S. João, em 1957


Pescadores de Matosinhos nas rusgas de S. João, em 1968





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