Origem
“Foi o papa Júlio I
quem, no séc. IV, estabeleceu a data do nascimento de Jesus (Natal) a 25 de
Dezembro. Até essa data o anúncio do nascimento era feito a 6 de Janeiro, na
Epifania.
O Natal é a
cristianização das festividades pagãs dos Romanos por ocasião do Solstício de
Inverno. Eram várias as festas e rituais que nessa altura do ano os Romanos
faziam.
Destacam-se as Saturnais, ou "Saturnália"
entre 17 e 24 de Dezembro, tipicamente romanas (com trocas de prendas e festas
alegres), e também as de Mitra, deus persa e "Sol da Virtude"
("nascido" a 25 de Dezembro), estas festas são uma importação dos
cultos solares do Médio Oriente, que se difundiram no Império à custa das
legiões, que desenvolviam sincretismos religiosos com grande facilidade.
No final do mês,
ocorriam ainda as festas das Sigilárias -
de Sigillaria, as festas das imagens, em que se ofereciam estatuetas como
presente e se decoravam as casas com verdes, para além de se darem prendas às
crianças e aos pobres. Correspondiam ao fim do ano romano.
Todas estas
festividades eram envoltas de um ambiente diferente, pois, por exemplo, nas
Saturnais (Saturno, deus dos cereais e da agricultura, da prosperidade, enfim,
o Cronos dos gregos) os escravos eram alforriados por um dia, transformando-se
em senhores e sendo servidos por aqueles que os possuíam. Também se faziam as Consoadas durante as quais se sorteava
o rei por um dia, que era eleito por meio de um sorteio com uma fava, tradição
que deu origem ao bolo – rei e à fava da nossa tradição natalícia.
O culto oriental de
Mitra, solar, que se expandiu no Mediterrâneo Oriental principalmente nos
séculos III e IV a. C. atraiu imenso os romanos devido aos sacrifícios rituais
de animais (um touro, simbolizando a energia e força do Sol), assumindo
semelhanças com o futuro Natal cristão pois acreditava-se que um pequeno sol
nascia sobre a forma de uma criança recém-nascida. Também os povos germânicos e
os celtas influenciaram o Natal cristão, introduzindo elementos novos na futura
festividade de Natal, que se tornou uma realidade mais frequente a partir,
aproximadamente, dos últimos tempos do Império Romano do Ocidente, apesar de
institucionalizado na segunda metade do século IV, embora sem prática
generalizada”.
Fonte: “ultreiacoruche.blogs.sapo.pt/934.html”
O Natal Cristão
“Apesar de todas estas
festividades pagãs em torno do solstício de inverno, os cristãos dos primeiros
séculos não festejavam ou sequer conheciam o Natal, pois davam maior
importância à Páscoa da Ressurreição de Cristo, numa reminiscência do Judaísmo
de onde derivava o Cristianismo. A Páscoa representava um momento capital na
tradição judaico-cristã e dos textos bíblicos, com uma carga simbólica de
sacrifício que tocava mais aos cristãos do que o nascimento de Cristo, envolto
em dúvidas e imprecisões, tanto que o culto a Maria só quatro séculos d. C. se
começou a praticar e o de São José ainda mais tempo demorou a aparecer. Em 245,
Orígenes, por exemplo, recusava a ideia de festejar o nascimento de Cristo,
" como se fosse Ele um faraó ".
Orígenes foi um prolífico
escritor cristão, de grande erudição, ligado à Escola Catequética de
Alexandria, foi um teólogo, filósofo e é um dos Padres gregos.
Assim, em pleno século
IV, já depois da viragem de Constantino (313), em que o Cristianismo deixou de
ser perseguido e se impôs como religião maioritária no Império, os cristãos,
sem o temor da intolerância ou da morte na arena, começaram a cristianizar as
festas pagãs no Ocidente, entre os quais as de dezembro. Num almanaque romano
de 336, há já uma alusão a um festejo do nascimento de Cristo por alturas do
solstício de inverno.
Em 354, o papa Libério (17
de maio de 352 - 24 de setembro de 366)
instituiu a Natividade a 25 de dezembro e assim o Natal e a sua celebração
oficial foi decretada de forma a assimilar as festas pagãs e a cristianizá-las.
Esta data apareceu primeiro nas igrejas do Império Oriental (de tradição
grega), que também marcaram o dia 6 como o dia da Epifania
("manifestação"), que no Ocidente corresponde à visita dos Reis
Magos. A verdadeira data de nascimento de Cristo era uma incógnita total.
Apesar da sua cristianização, as festas pagãs nunca desapareceram completamente
do imaginário e do quotidiano das populações. Ainda que a celebração da
Natividade a 25 de dezembro fosse o momento mais importante, não se abandonaram
as tradições antigas, que passaram a ter um carácter de fé. As prendas das
Sigilárias foram substituídas pelas oferendas dos reis Magos, em termos
simbólicos, a luz do Sol era a nova "Luz do Mundo" trazida pelo
nascimento do Redentor. Na Bíblia existiam também alusões ao simbolismo de
Cristo como "sol de justiça e "luz do mundo o que tornou mais fácil a
cristianização das festas pagãs, para além de que foi na colina do Vaticano que
se fizeram as primeiras festas do Natal: era nesse local também que tinham
lugar os rituais e oferendas às divindades orientais (Mitra, outros cultos
solares...). Cristo era também oriental, visto ter nascido na Palestina, o que
facilitava a assimilação ordenada por Constantino”.
Fonte: “ultreiacoruche.blogs.sapo.pt/934.html”
As Tradições do Natal
“Com o tempo surgiram
as tradições natalícias que foram suplantando o valor religioso do Natal e
abriram a festa a manifestações mais profanas, ainda que outras tenham surgido
como forma de homenagem e louvor ao Cristo Menino. Neste último caso, assume importância
especial o Presépio,
"inventado" por São Francisco de Assis em 1224, em Greccio, numa
representação ao vivo e plena de fé e recordação vivencial da Natividade de
Cristo.
Muitos conventos
franciscanos começaram a repetir a iniciativa do Santo de Assis e depois outras
casas monásticas e da Igreja, por vezes da nobreza. Mas só no século XIX é que
conheceu uma popularização exponencial, chegando desta feita ao povo.
O peru faz parte das
tradições profanas, trazido pelos espanhóis no século XVI e que gradualmente
substituiu na mesa dos nobres as aves mais caras e de difícil obtenção, como o
faisão ou o cisne. Americanizado novamente, reconquistou a Europa e chegou a
Portugal na segunda metade do século XX, mais como imitação do que como
tradição.
Outros elementos, como
o Pai Natal, o pinheiro (difundido no século XIX) e sua iluminação (o fogo e as
luzes simbolizam uma longa vida e a alegria) ou as prendas assumem também um
carácter mais profano em relação ao sentido cristão do Natal, ainda que
relativamente ao "velhinho de barbas" haja uma reminiscência de S.
Nicolau de Bari, um santo italiano que distribuía prendas entre as crianças
pobres (em alemão, o diminutivo carinhoso era Klaus, de Niklaus, daí o nome por
que o santo é conhecido no mundo germano-anglo-saxónico), sendo depois conotado
com o Polo Norte (1885 e 1927) e mais tarde, imortalizado na publicidade de
inverno da Coca-Cola, que lhe deu o “formato comercial” característico.
É verdade que a marca
de refrigerantes começou a usar a imagem do Pai Natal nos seus anúncios
natalícios a partir de 1931 e que ajudou a mediatizar a sua imagem. Contudo, as
imagens do Pai Natal vestido de vermelho começaram a surgir logo no fim do
século XIX, como se pode apreciar a seguir”.
Fonte: “ultreiacoruche.blogs.sapo.pt/934.html”
Postal alemão c. 1880 – Ed. Transcendental Graphics
“Father Christmas” em Postal inglês de 1890 – Ed. Heritage
Images
“Por cá, foi D.
Fernando II nascido em Viena, quem, nostálgico das tradições da sua infância,
resolveu um dia fazer no palácio uma árvore de Natal para os sete filhos que
tinha com a rainha D. Maria II e distribuir presentes, vestido de São Nicolau.
Em Inglaterra, a
rainha Vitória encantava-se com a mesma tradição, trazida pelo seu marido,
Alberto, primo de D. Fernando. Pela mão dos dois primos germânicos nascia a
festa de Natal como a conhecemos hoje.
Com a árvore, chegou
também a figura de S. Nicolau - que Fernando II encarnava para distribuir os
presentes pelos filhos.
D. Fernando era
alemão. Com o seu primo Alberto, tinha passado a infância comemorando o Natal
segundo a velha tradição germânica de decorar um pinheiro com velas, bolas e
frutos.
Na Alemanha, onde
havia grandes florestas, era costume montar-se, nessa época, uma árvore,
enfeitada com flores, bonecos e bolas. Em Portugal, o uso era antes o presépio,
com o Menino Jesus nas palhinhas. Em 1844, D. Fernando resolveu fazer uma
surpresa à família. Colocou em cima da mesa um pinheirinho, pondo ao lado os
presentes. O Natal deixava de ser apenas uma festa religiosa e passava a ser
uma festa das crianças.
Ao longo do século
XIX, outras tradições natalícias foram surgindo. Em 1843, Henry Cole pediu ao
artista J. Calcott Horsley que desenhasse um postal de Natal - o desenho
mostrava um grupo de pessoas a comer e a beber em volta da mesa de Natal e
tinha escritos votos de Feliz Natal e Bom Ano Novo.
Nesse primeiro ano,
imprimiram-se apenas mil, mas, nas décadas seguintes, generalizou-se o envio de
cartões de Natal e desenvolveu-se uma indústria de decorações cada vez mais
elaboradas. Terá sido um editor de Nova Iorque, William Gilley, quem, em 1821,
publicou um poema anónimo num livro infantil que falava em Santa Claus (o nome
virá do holandês Sinterklaas) e no seu trenó puxado por renas. A imagem do Pai
Natal como um velhote bonacheirão de barbas brancas carregando sacos de
brinquedos surgiu também no século XIX pela mão do cartoonista americano Thomas
Nast.
Mas quem melhor terá
descrito o espírito do Natal vitoriano foi Charles Dickens - não é por acaso
que ficou conhecido como "o homem que inventou o Natal". Foi ele
quem, em 1843, escreveu Conto de Natal, a história do velho e avarento Scrooge,
e são os livros de Dickens que instalam definitivamente no nosso imaginário a
imagem da véspera de Natal como uma noite fria, com o nevoeiro a invadir as
ruas, e as casas acolhedoras e aquecidas, com a família reunida à volta de um
peru e da árvore de Natal - a tal inovação que tanto entusiasmava toda a Europa
e que, num texto publicado em 1850, o escritor descreve como "aquele
bonito brinquedo alemão".
Com a devida vénia a
Alexandra Prado Coelho; In “Jornal Público”
O Natal na cidade do
Porto
De várias leituras
referentes às tradições do Natal de fins do séc. XIX resumimos o seguinte:
“As comemorações natalícias começavam no
Porto muitos dias antes da chegada do dia 24 de dezembro. Era, sobretudo, nos
mercados e através das montras das doçarias, que era como antigamente se
designavam as confeitarias, que o Natal começava a dar sinal da sua
proximidade no calendário.
Os primeiros pregões alusivos à quadra que se
ouviam aí pelas ruas do Porto eram os dos vendedores de mel: "mel quem compra
o mel!"... Havia, para os vendedores de mel, uma legislação especial. Por
exemplo: o mel tinha que ser vendido a peso e a venda só podia ser feita pelos
próprios apicultores. No pregão, o vendedor tinha que declarar o preço por
que vendia, sob pena de pagar dez mil réis de multa.
Nos dois dias que antecediam o dia de Natal,
os donos das colmeias juntavam-se nas imediações do Mercado do Anjo, no terreno
hoje ocupado pela Rua do Doutor Ferreira da Silva, e montavam aí um mercado,
exclusivamente para a venda do mel que era apresentado em potes, púcaros ou
panelos, como diziam os vendedores, tudo de barro vidrado.
Outros mercados havia que só se faziam por
alturas do Natal. Um deles, talvez o de maior concorrência de fregueses,
realizava-se no recinto da antiga Praça Nova das Hortas, a atual Praça da
Liberdade. Vendiam-se nele, além de frutos secos, doces confecionados,
exclusivamente, para a ceia natalícia.
E havia os mercados tradicionais: o do Anjo e
do Bolhão. Nos dias que antecediam a noite da consoada, as bancas destes dois
mercados, segundo o relato de um jornal dos meados do século XIX,
"abarrotavam de frutas; aves, com relevo para os perus e os galos sem
crista; e montanhas de tronchudas, imprescindíveis a acompanhar as postas de
bacalhau na grande ceia da Família".
Ao redor e, por vezes, também destes dois
mercados, ouviam-se, nos dias que antecediam o Natal, as cantilenas dos cegos
(os ceguinhos da nossa infância), sempre acompanhados por violas desafinadas a
relatar, à moda dos antigos jograis, um qualquer acontecimento célebre, que
fora notícia nos jornais.
Ao lado do recinto do Mercado do Anjo, ficava
a Rua da Assunção, como ainda fica, célebre, em tempos idos, por ser nela que
ficavam as lojas, ou boticas, como também se dizia, das louceiras. Por alturas
do Natal, era ali muito procurada aquela louça de barro vermelho com desenhos
feitos com riscos de tinta amarela. Este tipo de louça era muito procurada
porque era em grandes travessas que se serviam as rabanadas e a aletria.
Na Feira do Pão, que se fazia na Praça de
Santa Teresa, hoje Praça de Guilherme Gomes Fernandes, compravam-se aqueles
pães compridos, com cerca de um metro, a que o povo nortenho dá o nome de
cacete e que é utilizado para a confeção das loiras e das rabanadas.
Quando se chegava ao dia que antecedia a
ceia, o Natal era anunciado a toda a cidade pelo repicar da garrida (um sino
pequeno) da torre do Mosteiro de S. Bento da Ave Maria, das monjas
beneditinas. Ficava onde agora está a Estação de S. Bento. As freiras tangiam a
garrida logo a seguir ao bater das Trindades. Nas ruas, as pessoas saudavam-se:
"Natal, Natal, boas-festas, boas-festas".
Naqueles tempos, a cidade ficava completamente
deserta durante a noite. Não havia espetáculos e o comércio fechava quase logo
a seguir ao toque da garrida. O Natal era essencialmente uma festa cristã que
se vivia intensamente no recato da família. Por isso é que toda a celebração
se centrava no próprio dia de Natal, a data do nascimento de Jesus Cristo, e
era por isso, também, que as cerimónias litúrgicas começavam à meia-noite, com
a celebração da missa do galo.
Uma antiga
tradição que envolvia o sector militar era esta: o dia de Natal era considerado
de grande gala. Os militares dos vários regimentos da cidade envergavam, nesse
dia, a farda dos dias mais solenes. Além disso, o regimento da Serra do Pilar e
os militares aboletados no Forte de S. João Baptista da Foz do Douro, no dia de
Natal, ao meio dia, salvavam em louvor do Deus Menino atroando os ares com os
disparos das respetivas artilharias. Entretanto os tempos mudaram e com essa
mudança foram desaparecendo os antigos costumes portuenses, incluindo as
velhas tradições natalícias que os nossos avós cumpriam religiosamente”.
Com a devida vénia a
Germano Silva
Na Calçada da Natividade, actual Rua dos Clérigos, cujo
nome ficou a dever-se à Fonte da Natividade situada nas proximidades, fazia-se
uma feira onde se vendia doçaria própria da época. A Senhora da Natividade era
a padroeira dos logistas e uma imagem sua estava junto da aludida fonte.
Por alturas da época natalícia os pregões andavam no ar, principalmente
os que anunciavam a venda de mel: ” Mel, quem compra o mel…?”, ou “Merca louça
branca ou amarela merca”.
O vendedor transportava à cabeça um açafate rústico tendo dentro um
pote de barro com a boca tapada por um pano branco.
Pela época de Natal
chegavam ao Porto grupos de gaiteiros que animavam as ruas com as suas gaitas
de foles engalanadas com franjas vermelhas. Eram seguidas da rapaziada aos
saltos e brincadeiras e o povo parava a apreciar. Um facto que caracterizava
este tempo eram as Boas-Festas, dadas por diversos rapazes, que em grupo
visitavam os cafés e os estabelecimentos pedindo a consoada, e cantando versos
muito engraçadas que faziam rir as pessoas.
Na noite de Natal
não havia espectáculos nos teatros e os cafés e outros estabelecimentos
começavam a fechar por volta das seis da tarde.
Na noite da Consoada as Janeiras cantavam-se, de porta em porta e o
rapazio fazia um barulho ensurdecedor com os seus múltiplos instrumentos, esperando uma moeda de cobre, em troca de
quadras como:
“Viva a senhora Dona fulana
Raminho de salsa crua
Quando aparece à janela
Ilumina toda a rua”
Caso a moeda não
caísse a cantilena era outra:
“Esta casa cheira a bréu
Aqui Mora algum judeu
Esta casa cheira a unto
Mora aqui algum defunto”
Texto de Camilo sobre os grupos de gaiteiros
“Os mercados eram muito movimentados e
regurgitavam de flores, aves e verdadeiras montanhas de couves.
As mercearias e doçarias têm enormes
quantidades de bolos e pastéis sobressaindo os enormes pães–de-ló de Margaride,
feitos no Porto. Estes estabelecimentos presenteavam os seus fregueses de todo
o ano com a consoada que consistia num queijo de dois quilos ou uma garrafa de
vinho fino.
As padarias fabricavam para este dia uns pães
compridos, de cerca de um metro, a que vulgarmente se chamam cacetes. Estes
pães destinavam-se ao fabrico das rabanadas, que se adoçavam com mel que as
mulheres apregoavam pelas ruas.
Às 6 horas da tarde da véspera de Natal
começavam a fechar as portas dos estabelecimentos de modo que às 8 horas o
Porto tinha o aspecto mais triste que é possível imaginar-se, com as ruas
completamente desertas e com as portas e janelas hermeticamente fechadas. Só os
desprotegidos da sorte, os que viviam isolados ou os estranhos à terra é que se
atreviam a sair.
Por aquele tempo, as horas das refeições eram
diferentes. O almoço era servido às oito horas da manhã; jantava-se pelo
meio-dia e das nove para as dez da noite servia-se a ceia. Na véspera de Natal
as pessoas não jantavam. Almoçavam, tomavam depois um lanche ligeiro e às oito
começavam a ceia da Consoada. Esta era só composta por pessoas de família e
exclusivamente obrigada a peixe, não faltando nunca o tradicional prato de
bacalhau cozido com as couves.
“Manda-se de
presente um costal de bacalhau como quem manda um casal de perus”, escreve
Sousa Viterbo em 1895.
E diz ainda que, “hoje o bacalhau vale uma fortuna. A culinária transforma-o nos mais
variados acepipes. Os mais pobres contentam-se com bacalhau cozido, ladeado de
belos olhos de couve-galega e cebolas. Dias antes da festa todas as famílias se
preocupavam em lançar de molho o saboroso peixe da Terra Nova”.
Os tradicionais doces eram as rabanadas,
mexidos, o bolo-rei, bolos de abóbora bolina, pão-de-ló em forma de coração e
orelhas-de-abade. Após 1910 houve quem passasse a chamar ao bolo-rei, bolo de
Ano Novo, bolo do Presidente ou bolo do Arriaga. A ceia era abundantíssima bem
regada com os preciosos vinhos do Alto Douro.
Após a ceia a família divertia-se com jogos
em que predominavam o quino e o rapa, jogado a pinhões ou feijões”.
Fonte:
portoarc.blogspot.pt
Ceia de Natal - Fonte:
portoarc.blogspot.pt
O Bolo-Rei - Fonte:
portoarc.blogspot.pt
Publicidade ao
bolo-rei da Confeitaria Andrades Villares em 1900 – Fonte: Arquivo Histórico
Municipal da CMP
“O bolo-rei atual terá
surgido na corte de Luís XIV, em França, para as festas do Ano Novo e do Dia de
Reis. Vários escritores da época escreveram sobre esta iguaria, até mesmo
Greuze a celebrou num famoso quadro com o nome de Gâteau des Rois. Com a
Revolução Francesa em 1789 o bolo-rei foi proibido, só que os pasteleiros, que
não quiseram perder o negócio, em vez de o eliminarem decidiram continuar a
confeccioná-lo mudando-lhe o nome para Gâteau des Sans-cullotes.
O bolo-rei
popularizado em Portugal no século XIX segue uma receita originária do sul de
Loire, um bolo em forma de coroa feito de massa lêveda. Tanto quanto se sabe, a
primeira casa onde se vendeu bolo- rei em Portugal foi a Confeitaria Nacional (empresa
fundada em 1829, por Balthazar Roiz Castanheiro), em Lisboa, por volta de 1870.
O responsável foi o afamado confeiteiro Gregório, que se baseou numa receita
que Baltazar Castanheiro Júnior trouxera de Paris. Aos poucos, outras
confeitarias da cidade passaram também a fabricar o bolo-rei, originando assim
várias versões diferentes. No Porto, o bolo-rei foi introduzido em 1890, por
iniciativa da Confeitaria Cascais”.
Fonte: pt.wikipedia.org
Na cidade do Porto, o bolo-rei terá aparecido, então, pela
primeira vez, com a confecção idêntica à actual, no dia de Reis de 1888, na
"Confeitaria Portugueza", de Júlio Cascaes, por isso, também,
conhecida por "Confeitaria Cascais", que ficava ao cimo do lado
esquerdo, sentido ascendente, da Rua de Santo António, 231-235 (pegada à
Ourivesaria Reis).
Era uma sucursal da confeitaria Rosa Araújo, inaugurada em
18 de Abril de 1886, na Avenida da Liberdade, em Lisboa.
A Confeitaria Portuguesa, no Porto, foi inaugurada em 12 de
Março de 1887, na morada referida.
“Amanhã, às 2 horas da
tarde, abertura da Confeitaria Portuguesa (sucursal da Confeitaria Rosa Araújo,
de Lisboa).
Grande exposição de
«lampreias de ovos»”.
In jornal “O Primeiro de Janeiro” de 11 de Março de 1887
No fim do ano de 1891, a Confeitaria Portuguesa mudou-se
para a Rua de Santa Catarina, como mostra o anúncio da sua inauguração, na nova
morada.
Na data da revolução de 31 de Janeiro de 1891, ainda estava,
portanto, na rua onde se desenrolaram os acontecimentos.
Anos mais tarde, a confeitaria mudou-se para a Praça Nova,
actual Praça da Liberdade, para junto da tabacaria Amadeu Soares, no local onde,
mais tarde, se construiu o Banco Nacional Ultramarino.
O bolo-rei terá, então, sido vulgarizado pela Confeitaria
Portugueza, mas, já antes, em 1872, a imprensa se referia a um “Bolo” chamado “Rei”.
“Numa confeitaria de Lisboa estão agora à
venda uns bolos, chamados “bolos do rei”, que têm dentro um objecto, que obriga
a pessoa, a quem couber a sorte, a pagar uma prenda, que pode ser um camarote
ou outra qualquer coisa combinada. Mau bocado!”
In jornal “Diário da Tarde” de 9 de Janeiro de 1872
O bolo-rei era vendido, apenas, no Dia de Reis.
Assim, a 6 de Janeiro de 1881, a Confeitaria Luso-Americana,
sedeada na Praça de Carlos Alberto, durante aquela festividade, dava-o a
conhecer, por certo, com confecção ainda diferente da que seria apresentada,
mais tarde, pela Confeitaria Portugueza, mas já o chamava de Bolo-Rei.
“Este excelente bolo,
muito usado e apreciado em Lisboa e Paris, pela ocasião da Festa dos Reis,
torna-se recomendável pela sua superior qualidade, assim como pelo segredo que
contem dentro, pois a pessoa a quem tocar ficará rei para o ano seguinte.
Fabrica-se e vende-se
de hoje em diante na Confeitaria Luso-Americana, Praça de Carlos Alberto, 95 e
96.”
In jornal “O Primeiro de Janeiro” de 4 de Janeiro de 1881
Mas, no Natal, o pão-de-ló era, no Porto, desde há décadas,
o verdadeiro REI.
Venda de pão-de-ló em 1908, junto às obras de construção da
Estação de S. Bento – Ed. Ilustração Portuguesa; Fonte: portoarc.blogspot.pt
Pão-de-ló – Fonte: portoarc.blogspot.pt
As Rabanadas - Fonte:
portoarc.blogspot.pt
Nos finais do século
XVIII, era famoso no Porto o escultor João José Braga, que moldava
primorosamente o barro e que foi mestre do barrista Jerónimo Gomes.
A ambos se ficou a
dever alguns dos mais belos presépios do Porto, nomeadamente os do extinto
convento de S. Bento da Ave – Maria, que era o centro dos festejos neste
convento. Foram duas monjas francesas Maria Pain e Domingas Irrigoyen, chegadas
por meados do século XVIII ao mosteiro, que trouxeram o costume de celebrar o
Natal com cânticos ao Menino do Presépio que era exposto no coro de cima, e a
cujas cerimónias presidia a abadessa, soror D. Vitória Corte Real.
À meia-noite não
podia faltar a Missa do Galo. Houve, no entanto, um período entre 1862 e 1868,
em que o Bispo de então, D. João da França Castro e Moura, proibiu aquela
prática religiosa, com o argumento de que, durante as celebrações, ocorriam
factos indignos e pagãos, que comprometiam a pureza daquele acto religioso. Mas
enquanto durou a proibição a Missa do Galo continuou a ser celebrada nas
capelas das residências particulares.
Neste dia, 24 de
Dezembro, os padres Congregados davam um abundante jantar a todos os pobres de
cidade. Aos mendigos junto da Porta de Carros, aos envergonhados na sala das
aulas e no claustro, e à meia-noite seguiam para a missa do galo, vestidos
sobriamente e bem agasalhados. No fim era dado o Menino Jesus a beijar. O órgão
imitava a gaita-de-foles.
No fim da missa era
colocado no presépio a imagem do Menino Jesus.
Nas igrejas da
cidade, no dia de Natal o Menino era deitado numas palhas, no de Ano Novo numa
caminha e no dia de Reis já estava a pé.
Presépio de Machado
Castro – Fonte: portoarc.blogspot.pt
A árvore de Natal só chegou aos costumes portuenses com a inauguração
do Palácio de Cristal, onde se montava uma gigante.
Ramalho Ortigão
conta-nos que no Natal de 1865, ano da abertura do Palácio de Cristal, se
realizou um concerto dado por crianças na nave central.
“Actuou o Sr. Artur Ferreira de Sousa, professor de 7 anos, é uma formiguinha
com catarro, mas com o mais forte e profundo catarro com que se pode expectorar
o talento. Este sujeito, com 4 palmos de alto, é um artista colossal. Sentou-se
ao piano, ou antes sentaram-no… O rabequista Moreira de Sá cujo talento por
diferentes vezes, tem sido justamente apreciado pelo público. Artisticamente
falando é um violinista de excelente escola. (Bernardo Moreira de Sá tinha 12
anos). Terminada a festa musical, recitou o menino Rebelo Valente algumas
estrofes da suave poesia do Sr. António Feliciano de Castilho “O Natal do
Pobre”. Apesar do seu artístico "aplomb" e do seu olhar perspicaz e
firme, este menino sentiu ao entrar no tabelado que as pernas lhe não obedeciam
à vontade sustentando-lhe erecta a dignidade da sua posição vertical. Foi então
que o actor Taborda lhe bateu no ombro exclamando: “Avante, colega, e sem medo!
Eu também tremo assim; nestas ocasiões todos os valentes tremem!”.
Ramalho Ortigão
Árvore de Natal no palácio de Cristal, em 1865
Acima está a primeira árvore de Natal apresentada no Porto, em Dezembro
de 1865, o ano de inauguração do Palácio de Cristal.
De notar a palavra "Progredior" (i.e., Progresso) no vaso da
árvore, a mesma inscrição que existia na fachada principal do palácio de
Cristal. Na época, a árvore de Natal foi vista como algo inovador, uma novidade
vinda do Norte da Europa, que veio complementar o tradicional presépio
português.
“Na Rua do
Laranjal, junto à antiga Câmara Municipal existia a Capela dos Reis Magos cuja
festa tinha muita tradição.
(O evangelho de
Mateus é o único que menciona a história daqueles magos. Nos 12 versículos em
que trata do assunto, o evangelho de Mateus não especifica o número deles.
Sabe-se apenas que eram mais de um, porque a citação está no plural – e não há
nenhuma menção de que eram reis).
O costume é
antigo e evoca os três reis do oriente que, segundo uma antiquíssima tradição,
mais ou menos fantasiosa, se chamavam Baltasar, Gaspar e Belchior. Estes Magos
aparecem tratados como santos, pela primeira vez em 1133, nas obras do
arcebispo Hildeberto, do Tours, em França. A palavra Mago é de origem indo -
europeia e não hebraica, como às vezes se tem escrito, e significa “grande,
ilustre”.
Os Magos da lenda
eram originários da Pérsia. Logo nos começos da era cristã uma tradição
conferiu – lhes o título de “reis”. A lenda diz que eram três. Mas os cristãos
orientais contaram doze e, nas pinturas e nos mosaicos primitivos, aparecem
dois, três, quatro ou mais. A Igreja fixou-lhe o número de três.
A festa aos três
reis do Oriente (Belchior, Baltasar e Gaspar) no Porto, tem tradições muito
antigas.
Há um documento
do século XV, no arquivo municipal em que os moradores da Cruz do Souto (aquele
sítio onde convergem as ruas Escura, dos Pelames, do Souto e da Bainharia),
pedem à Câmara autorização para montar naquele espaço um tablado (um palco)
para nele encenarem uma pantomima em louvor dos três reis magos.
Já no século XX,
desde os finais dos anos vinte até meados dos anos trinta que os Reis eram
celebrados no Porto por grupos chamados "trupes" que se formavam por
ruas, "Os Fontinenses", em que se agrupavam os moradores da Fontinha;
por ofícios ou profissões, "grupo dos trabalhadores da fábrica de tabaco
Lealdade"; ou por coletividades, caso dos "columbófilos de
Campanhã".
Na noite da
véspera dos Reis, estas "trupes" percorriam as ruas da cidade dando
as boas-festas e cantando ao som dos mais variados instrumentos entoando
cantilenas que eram críticas aos costumes da época. As figuras que compunham os
agrupamentos representavam aspetos da sociedade portuenses da época, como
"a vida cara", "o desemprego", ou as "casas
insalubres"; tipos populares das ruas do Porto, como o "zé
povo", o "vigarista" ou o "futebolista";
representantes de ofícios, como o "varredor", o "polícia"
ou a "leiteira".
Os grupos
começavam invariavelmente por uma visita de cortesia ao "Jornal de
Notícias" e logo a seguir iam atuar nos locais mais incríveis. Das
páginas da edição do dia 28 de dezembro de 1930, respigamos isto;
"Tivemos ontem a visita do grupo dos Reis 'Unidos de Santos Pousada' que
à noite foram atuar na Adega Ramos, na Corujeira". No mesmo jornal, mas em
31 de dezembro de 1931, informa-se que "Os Atrasadinhos da Sé" iam
estar, à noite, no Salão Maxime, para disputar, com os " Unidinhos da
Vitória", uma taça de prata".
Com a devida vénia a Germano Silva
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