sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

(Continuação 1)



Origem

“Foi o papa Júlio I quem, no séc. IV, estabeleceu a data do nascimento de Jesus (Natal) a 25 de Dezembro. Até essa data o anúncio do nascimento era feito a 6 de Janeiro, na Epifania.
O Natal é a cristianização das festividades pagãs dos Romanos por ocasião do Solstício de Inverno. Eram várias as festas e rituais que nessa altura do ano os Romanos faziam.
Destacam-se as Saturnais, ou "Saturnália" entre 17 e 24 de Dezembro, tipicamente romanas (com trocas de prendas e festas alegres), e também as de Mitra, deus persa e "Sol da Virtude" ("nascido" a 25 de Dezembro), estas festas são uma importação dos cultos solares do Médio Oriente, que se difundiram no Império à custa das legiões, que desenvolviam sincretismos religiosos com grande facilidade.
No final do mês, ocorriam ainda as festas das Sigilárias - de Sigillaria, as festas das imagens, em que se ofereciam estatuetas como presente e se decoravam as casas com verdes, para além de se darem prendas às crianças e aos pobres. Correspondiam ao fim do ano romano.
Todas estas festividades eram envoltas de um ambiente diferente, pois, por exemplo, nas Saturnais (Saturno, deus dos cereais e da agricultura, da prosperidade, enfim, o Cronos dos gregos) os escravos eram alforriados por um dia, transformando-se em senhores e sendo servidos por aqueles que os possuíam. Também se faziam as Consoadas durante as quais se sorteava o rei por um dia, que era eleito por meio de um sorteio com uma fava, tradição que deu origem ao bolo – rei e à fava da nossa tradição natalícia.
O culto oriental de Mitra, solar, que se expandiu no Mediterrâneo Oriental principalmente nos séculos III e IV a. C. atraiu imenso os romanos devido aos sacrifícios rituais de animais (um touro, simbolizando a energia e força do Sol), assumindo semelhanças com o futuro Natal cristão pois acreditava-se que um pequeno sol nascia sobre a forma de uma criança recém-nascida. Também os povos germânicos e os celtas influenciaram o Natal cristão, introduzindo elementos novos na futura festividade de Natal, que se tornou uma realidade mais frequente a partir, aproximadamente, dos últimos tempos do Império Romano do Ocidente, apesar de institucionalizado na segunda metade do século IV, embora sem prática generalizada”.
Fonte: “ultreiacoruche.blogs.sapo.pt/934.html”




O Natal Cristão


“Apesar de todas estas festividades pagãs em torno do solstício de inverno, os cristãos dos primeiros séculos não festejavam ou sequer conheciam o Natal, pois davam maior importância à Páscoa da Ressurreição de Cristo, numa reminiscência do Judaísmo de onde derivava o Cristianismo. A Páscoa representava um momento capital na tradição judaico-cristã e dos textos bíblicos, com uma carga simbólica de sacrifício que tocava mais aos cristãos do que o nascimento de Cristo, envolto em dúvidas e imprecisões, tanto que o culto a Maria só quatro séculos d. C. se começou a praticar e o de São José ainda mais tempo demorou a aparecer. Em 245, Orígenes, por exemplo, recusava a ideia de festejar o nascimento de Cristo, " como se fosse Ele um faraó ".
Orígenes foi um prolífico escritor cristão, de grande erudição, ligado à Escola Catequética de Alexandria, foi um teólogo, filósofo e é um dos Padres gregos.
Assim, em pleno século IV, já depois da viragem de Constantino (313), em que o Cristianismo deixou de ser perseguido e se impôs como religião maioritária no Império, os cristãos, sem o temor da intolerância ou da morte na arena, começaram a cristianizar as festas pagãs no Ocidente, entre os quais as de dezembro. Num almanaque romano de 336, há já uma alusão a um festejo do nascimento de Cristo por alturas do solstício de inverno.
Em 354, o papa Libério (17 de maio de 352 - 24 de setembro de 366) instituiu a Natividade a 25 de dezembro e assim o Natal e a sua celebração oficial foi decretada de forma a assimilar as festas pagãs e a cristianizá-las. Esta data apareceu primeiro nas igrejas do Império Oriental (de tradição grega), que também marcaram o dia 6 como o dia da Epifania ("manifestação"), que no Ocidente corresponde à visita dos Reis Magos. A verdadeira data de nascimento de Cristo era uma incógnita total. Apesar da sua cristianização, as festas pagãs nunca desapareceram completamente do imaginário e do quotidiano das populações. Ainda que a celebração da Natividade a 25 de dezembro fosse o momento mais importante, não se abandonaram as tradições antigas, que passaram a ter um carácter de fé. As prendas das Sigilárias foram substituídas pelas oferendas dos reis Magos, em termos simbólicos, a luz do Sol era a nova "Luz do Mundo" trazida pelo nascimento do Redentor. Na Bíblia existiam também alusões ao simbolismo de Cristo como "sol de justiça e "luz do mundo o que tornou mais fácil a cristianização das festas pagãs, para além de que foi na colina do Vaticano que se fizeram as primeiras festas do Natal: era nesse local também que tinham lugar os rituais e oferendas às divindades orientais (Mitra, outros cultos solares...). Cristo era também oriental, visto ter nascido na Palestina, o que facilitava a assimilação ordenada por Constantino”.
Fonte: “ultreiacoruche.blogs.sapo.pt/934.html”



As Tradições do Natal


“Com o tempo surgiram as tradições natalícias que foram suplantando o valor religioso do Natal e abriram a festa a manifestações mais profanas, ainda que outras tenham surgido como forma de homenagem e louvor ao Cristo Menino. Neste último caso, assume importância especial o Presépio, "inventado" por São Francisco de Assis em 1224, em Greccio, numa representação ao vivo e plena de fé e recordação vivencial da Natividade de Cristo.
Muitos conventos franciscanos começaram a repetir a iniciativa do Santo de Assis e depois outras casas monásticas e da Igreja, por vezes da nobreza. Mas só no século XIX é que conheceu uma popularização exponencial, chegando desta feita ao povo.
O peru faz parte das tradições profanas, trazido pelos espanhóis no século XVI e que gradualmente substituiu na mesa dos nobres as aves mais caras e de difícil obtenção, como o faisão ou o cisne. Americanizado novamente, reconquistou a Europa e chegou a Portugal na segunda metade do século XX, mais como imitação do que como tradição.
Outros elementos, como o Pai Natal, o pinheiro (difundido no século XIX) e sua iluminação (o fogo e as luzes simbolizam uma longa vida e a alegria) ou as prendas assumem também um carácter mais profano em relação ao sentido cristão do Natal, ainda que relativamente ao "velhinho de barbas" haja uma reminiscência de S. Nicolau de Bari, um santo italiano que distribuía prendas entre as crianças pobres (em alemão, o diminutivo carinhoso era Klaus, de Niklaus, daí o nome por que o santo é conhecido no mundo germano-anglo-saxónico), sendo depois conotado com o Polo Norte (1885 e 1927) e mais tarde, imortalizado na publicidade de inverno da Coca-Cola, que lhe deu o “formato comercial” característico.
É verdade que a marca de refrigerantes começou a usar a imagem do Pai Natal nos seus anúncios natalícios a partir de 1931 e que ajudou a mediatizar a sua imagem. Contudo, as imagens do Pai Natal vestido de vermelho começaram a surgir logo no fim do século XIX, como se pode apreciar a seguir”.
Fonte: “ultreiacoruche.blogs.sapo.pt/934.html”




Postal alemão c. 1880 – Ed. Transcendental Graphics




“Father Christmas” em Postal inglês de 1890 – Ed. Heritage Images



“Por cá, foi D. Fernando II nascido em Viena, quem, nostálgico das tradições da sua infância, resolveu um dia fazer no palácio uma árvore de Natal para os sete filhos que tinha com a rainha D. Maria II e distribuir presentes, vestido de São Nicolau.
Em Inglaterra, a rainha Vitória encantava-se com a mesma tradição, trazida pelo seu marido, Alberto, primo de D. Fernando. Pela mão dos dois primos germânicos nascia a festa de Natal como a conhecemos hoje.
Com a árvore, chegou também a figura de S. Nicolau - que Fernando II encarnava para distribuir os presentes pelos filhos.
D. Fernando era alemão. Com o seu primo Alberto, tinha passado a infância comemorando o Natal segundo a velha tradição germânica de decorar um pinheiro com velas, bolas e frutos.
Na Alemanha, onde havia grandes florestas, era costume montar-se, nessa época, uma árvore, enfeitada com flores, bonecos e bolas. Em Portugal, o uso era antes o presépio, com o Menino Jesus nas palhinhas. Em 1844, D. Fernando resolveu fazer uma surpresa à família. Colocou em cima da mesa um pinheirinho, pondo ao lado os presentes. O Natal deixava de ser apenas uma festa religiosa e passava a ser uma festa das crianças.
Ao longo do século XIX, outras tradições natalícias foram surgindo. Em 1843, Henry Cole pediu ao artista J. Calcott Horsley que desenhasse um postal de Natal - o desenho mostrava um grupo de pessoas a comer e a beber em volta da mesa de Natal e tinha escritos votos de Feliz Natal e Bom Ano Novo.
Nesse primeiro ano, imprimiram-se apenas mil, mas, nas décadas seguintes, generalizou-se o envio de cartões de Natal e desenvolveu-se uma indústria de decorações cada vez mais elaboradas. Terá sido um editor de Nova Iorque, William Gilley, quem, em 1821, publicou um poema anónimo num livro infantil que falava em Santa Claus (o nome virá do holandês Sinterklaas) e no seu trenó puxado por renas. A imagem do Pai Natal como um velhote bonacheirão de barbas brancas carregando sacos de brinquedos surgiu também no século XIX pela mão do cartoonista americano Thomas Nast.
Mas quem melhor terá descrito o espírito do Natal vitoriano foi Charles Dickens - não é por acaso que ficou conhecido como "o homem que inventou o Natal". Foi ele quem, em 1843, escreveu Conto de Natal, a história do velho e avarento Scrooge, e são os livros de Dickens que instalam definitivamente no nosso imaginário a imagem da véspera de Natal como uma noite fria, com o nevoeiro a invadir as ruas, e as casas acolhedoras e aquecidas, com a família reunida à volta de um peru e da árvore de Natal - a tal inovação que tanto entusiasmava toda a Europa e que, num texto publicado em 1850, o escritor descreve como "aquele bonito brinquedo alemão".
Com a devida vénia a  Alexandra Prado Coelho; In “Jornal Público”




O Natal na cidade do Porto


De várias leituras referentes às tradições do Natal de fins do séc. XIX resumimos o seguinte:

“As comemorações natalícias começa­vam no Porto muitos dias antes da chegada do dia 24 de dezembro. Era, sobretudo, nos mercados e através das montras das doça­rias, que era como antigamente se designa­vam as confeitarias, que o Natal começava a dar sinal da sua proximidade no calendá­rio. 
Os primeiros pregões alusivos à quadra que se ouviam aí pelas ruas do Porto eram os dos vendedores de mel: "mel quem com­pra o mel!"... Havia, para os vendedores de mel, uma legislação especial. Por exemplo: o mel tinha que ser vendido a peso e a ven­da só podia ser feita pelos próprios apicul­tores. No pregão, o vendedor tinha que de­clarar o preço por que vendia, sob pena de pagar dez mil réis de multa. 
Nos dois dias que antecediam o dia de Na­tal, os donos das colmeias juntavam-se nas imediações do Mercado do Anjo, no terreno hoje ocupado pela Rua do Doutor Ferreira da Silva, e montavam aí um mercado, exclu­sivamente para a venda do mel que era apresentado em potes, púcaros ou panelos, como diziam os vendedores, tudo de barro vidrado. 
Outros mercados havia que só se faziam por alturas do Natal. Um deles, talvez o de maior concorrência de fregueses, realizava-se no recinto da antiga Praça Nova das Hor­tas, a atual Praça da Liberdade. Vendiam-se nele, além de frutos secos, doces confecionados, exclusivamente, para a ceia natalícia. 
E havia os mercados tradicionais: o do Anjo e do Bolhão. Nos dias que antecediam a noite da consoada, as bancas destes dois mercados, segundo o relato de um jornal dos meados do século XIX, "abarrotavam de frutas; aves, com relevo para os perus e os galos sem crista; e montanhas de tronchudas, imprescindíveis a acompa­nhar as postas de bacalhau na grande ceia da Família". 
Ao redor e, por vezes, também destes dois mercados, ouviam-se, nos dias que antecediam o Natal, as cantilenas dos ce­gos (os ceguinhos da nossa infância), sempre acompanhados por violas desa­finadas a relatar, à moda dos antigos jo­grais, um qualquer acontecimento céle­bre, que fora notícia nos jornais. 
Ao lado do recinto do Mercado do Anjo, ficava a Rua da Assunção, como ainda fica, célebre, em tempos idos, por ser nela que ficavam as lojas, ou boticas, como também se dizia, das louceiras. Por alturas do Natal, era ali muito procurada aquela louça de barro vermelho com de­senhos feitos com riscos de tinta amare­la. Este tipo de louça era muito procura­da porque era em grandes travessas que se serviam as rabanadas e a aletria. 
Na Feira do Pão, que se fazia na Praça de Santa Teresa, hoje Praça de Guilher­me Gomes Fernandes, compravam-se aqueles pães compridos, com cerca de um metro, a que o povo nortenho dá o nome de cacete e que é utilizado para a confeção das loiras e das rabanadas. 
Quando se chegava ao dia que antece­dia a ceia, o Natal era anunciado a toda a cidade pelo repicar da garrida (um sino pequeno) da torre do Mosteiro de S. Ben­to da Ave Maria, das monjas beneditinas. Ficava onde agora está a Estação de S. Bento. As freiras tangiam a garrida logo a seguir ao bater das Trindades. Nas ruas, as pessoas saudavam-se: "Natal, Natal, boas-festas, boas-festas". 
Naqueles tempos, a cidade ficava com­pletamente deserta durante a noite. Não havia espetáculos e o comércio fechava quase logo a seguir ao toque da garrida. O Natal era essencialmente uma festa cristã que se vivia intensamente no reca­to da família. Por isso é que toda a cele­bração se centrava no próprio dia de Na­tal, a data do nascimento de Jesus Cristo, e era por isso, também, que as cerimó­nias litúrgicas começavam à meia-noite, com a celebração da missa do galo.
Uma antiga tradição que envolvia o sector militar era esta: o dia de Natal era consi­derado de grande gala. Os militares dos vários regimentos da cidade envergavam, nesse dia, a farda dos dias mais solenes. Além disso, o regimento da Serra do Pilar e os militares aboletados no Forte de S. João Baptista da Foz do Douro, no dia de Natal, ao meio dia, salvavam em louvor do Deus Menino atroando os ares com os disparos das respetivas artilharias. Entretanto os tempos mudaram e com essa mudança fo­ram desaparecendo os antigos costumes portuenses, incluindo as velhas tradições natalícias que os nossos avós cumpriam re­ligiosamente”.
Com a devida vénia a Germano Silva



Na Calçada da Natividade, actual Rua dos Clérigos, cujo nome ficou a dever-se à Fonte da Natividade situada nas proximidades, fazia-se uma feira onde se vendia doçaria própria da época. A Senhora da Natividade era a padroeira dos logistas e uma imagem sua estava junto da aludida fonte.
Por alturas da época natalícia os pregões andavam no ar, principalmente os que anunciavam a venda de mel: ” Mel, quem compra o mel…?”, ou “Merca louça branca ou amarela merca”.
O vendedor transportava à cabeça um açafate rústico tendo dentro um pote de barro com a boca tapada por um pano branco.
Pela época de Natal chegavam ao Porto grupos de gaiteiros que animavam as ruas com as suas gaitas de foles engalanadas com franjas vermelhas. Eram seguidas da rapaziada aos saltos e brincadeiras e o povo parava a apreciar. Um facto que caracterizava este tempo eram as Boas-Festas, dadas por diversos rapazes, que em grupo visitavam os cafés e os estabelecimentos pedindo a consoada, e cantando versos muito engraçadas que faziam rir as pessoas.
Na noite de Natal não havia espectáculos nos teatros e os cafés e outros estabelecimentos começavam a fechar por volta das seis da tarde.
Na noite da Consoada as Janeiras cantavam-se, de porta em porta e o rapazio fazia um barulho ensurdecedor com os seus múltiplos instrumentos, esperando uma moeda de cobre, em troca de quadras como:

“Viva a senhora Dona fulana
Raminho de salsa crua
Quando aparece à janela
Ilumina toda a rua”

Caso a moeda não caísse a cantilena era outra:

“Esta casa cheira a bréu
Aqui Mora algum judeu
Esta casa cheira a unto
Mora aqui algum defunto”




Texto de Camilo sobre os grupos de gaiteiros




Os mercados eram muito movimentados e regurgitavam de flores, aves e verdadeiras montanhas de couves.
As mercearias e doçarias têm enormes quantidades de bolos e pastéis sobressaindo os enormes pães–de-ló de Margaride, feitos no Porto. Estes estabelecimentos presenteavam os seus fregueses de todo o ano com a consoada que consistia num queijo de dois quilos ou uma garrafa de vinho fino.
As padarias fabricavam para este dia uns pães compridos, de cerca de um metro, a que vulgarmente se chamam cacetes. Estes pães destinavam-se ao fabrico das rabanadas, que se adoçavam com mel que as mulheres apregoavam pelas ruas.
Às 6 horas da tarde da véspera de Natal começavam a fechar as portas dos estabelecimentos de modo que às 8 horas o Porto tinha o aspecto mais triste que é possível imaginar-se, com as ruas completamente desertas e com as portas e janelas hermeticamente fechadas. Só os desprotegidos da sorte, os que viviam isolados ou os estranhos à terra é que se atreviam a sair.
Por aquele tempo, as horas das refeições eram diferentes. O almoço era servido às oito horas da manhã; jantava-se pelo meio-dia e das nove para as dez da noite servia-se a ceia. Na véspera de Natal as pessoas não jantavam. Almoçavam, tomavam depois um lanche ligeiro e às oito começavam a ceia da Consoada. Esta era só composta por pessoas de família e exclusivamente obrigada a peixe, não faltando nunca o tradicional prato de bacalhau cozido com as couves. 
“Manda-se de presente um costal de bacalhau como quem manda um casal de perus”, escreve Sousa Viterbo em 1895.
E diz ainda que, “hoje o bacalhau vale uma fortuna. A culinária transforma-o nos mais variados acepipes. Os mais pobres contentam-se com bacalhau cozido, ladeado de belos olhos de couve-galega e cebolas. Dias antes da festa todas as famílias se preocupavam em lançar de molho o saboroso peixe da Terra Nova”. 
Os tradicionais doces eram as rabanadas, mexidos, o bolo-rei, bolos de abóbora bolina, pão-de-ló em forma de coração e orelhas-de-abade. Após 1910 houve quem passasse a chamar ao bolo-rei, bolo de Ano Novo, bolo do Presidente ou bolo do Arriaga. A ceia era abundantíssima bem regada com os preciosos vinhos do Alto Douro.
Após a ceia a família divertia-se com jogos em que predominavam o quino e o rapa, jogado a pinhões ou feijões”.
Fonte: portoarc.blogspot.pt




Ceia de Natal - Fonte: portoarc.blogspot.pt



O Bolo-Rei - Fonte: portoarc.blogspot.pt



Publicidade ao bolo-rei da Confeitaria Andrades Villares em 1900 – Fonte: Arquivo Histórico Municipal da CMP




“O bolo-rei atual terá surgido na corte de Luís XIV, em França, para as festas do Ano Novo e do Dia de Reis. Vários escritores da época escreveram sobre esta iguaria, até mesmo Greuze a celebrou num famoso quadro com o nome de Gâteau des Rois. Com a Revolução Francesa em 1789 o bolo-rei foi proibido, só que os pasteleiros, que não quiseram perder o negócio, em vez de o eliminarem decidiram continuar a confeccioná-lo mudando-lhe o nome para Gâteau des Sans-cullotes.
O bolo-rei popularizado em Portugal no século XIX segue uma receita originária do sul de Loire, um bolo em forma de coroa feito de massa lêveda. Tanto quanto se sabe, a primeira casa onde se vendeu bolo- rei em Portugal foi a Confeitaria Nacional (empresa fundada em 1829, por Balthazar Roiz Castanheiro), em Lisboa, por volta de 1870. O responsável foi o afamado confeiteiro Gregório, que se baseou numa receita que Baltazar Castanheiro Júnior trouxera de Paris. Aos poucos, outras confeitarias da cidade passaram também a fabricar o bolo-rei, originando assim várias versões diferentes. No Porto, o bolo-rei foi introduzido em 1890, por iniciativa da Confeitaria Cascais”.
Fonte: pt.wikipedia.org



Na cidade do Porto, o bolo-rei terá aparecido, então, pela primeira vez, com a confecção idêntica à actual, no dia de Reis de 1888, na "Confeitaria Portugueza", de Júlio Cascaes, por isso, também, conhecida por "Confeitaria Cascais", que ficava ao cimo do lado esquerdo, sentido ascendente, da Rua de Santo António, 231-235 (pegada à Ourivesaria Reis). 
Era uma sucursal da confeitaria Rosa Araújo, inaugurada em 18 de Abril de 1886, na Avenida da Liberdade, em Lisboa.
A Confeitaria Portuguesa, no Porto, foi inaugurada em 12 de Março de 1887, na morada referida.

 
“Amanhã, às 2 horas da tarde, abertura da Confeitaria Portuguesa (sucursal da Confeitaria Rosa Araújo, de Lisboa).
Grande exposição de «lampreias de ovos»”.
In jornal “O Primeiro de Janeiro” de 11 de Março de 1887
 
 
No fim do ano de 1891, a Confeitaria Portuguesa mudou-se para a Rua de Santa Catarina, como mostra o anúncio da sua inauguração, na nova morada.
Na data da revolução de 31 de Janeiro de 1891, ainda estava, portanto, na rua onde se desenrolaram os acontecimentos.


 

In Jornal do Porto, em 6 de Dezembro de 1891
 
 
Anos mais tarde, a confeitaria mudou-se para a Praça Nova, actual Praça da Liberdade, para junto da tabacaria Amadeu Soares, no local onde, mais tarde, se construiu o Banco Nacional Ultramarino.
O bolo-rei terá, então, sido vulgarizado pela Confeitaria Portugueza, mas, já antes, em 1872, a imprensa se referia a um “Bolo” chamado “Rei”.
 
 
“Numa confeitaria de Lisboa estão agora à venda uns bolos, chamados “bolos do rei”, que têm dentro um objecto, que obriga a pessoa, a quem couber a sorte, a pagar uma prenda, que pode ser um camarote ou outra qualquer coisa combinada. Mau bocado!”
In jornal “Diário da Tarde” de 9 de Janeiro de 1872
 
 
O bolo-rei era vendido, apenas, no Dia de Reis.
Assim, a 6 de Janeiro de 1881, a Confeitaria Luso-Americana, sedeada na Praça de Carlos Alberto, durante aquela festividade, dava-o a conhecer, por certo, com confecção ainda diferente da que seria apresentada, mais tarde, pela Confeitaria Portugueza, mas já o chamava de Bolo-Rei.
 
 
“Este excelente bolo, muito usado e apreciado em Lisboa e Paris, pela ocasião da Festa dos Reis, torna-se recomendável pela sua superior qualidade, assim como pelo segredo que contem dentro, pois a pessoa a quem tocar ficará rei para o ano seguinte.
Fabrica-se e vende-se de hoje em diante na Confeitaria Luso-Americana, Praça de Carlos Alberto, 95 e 96.”
In jornal “O Primeiro de Janeiro” de 4 de Janeiro de 1881
 
 
Mas, no Natal, o pão-de-ló era, no Porto, desde há décadas, o verdadeiro REI.



Venda de pão-de-ló em 1908, junto às obras de construção da Estação de S. Bento – Ed. Ilustração Portuguesa; Fonte: portoarc.blogspot.pt





Pão-de-ló – Fonte: portoarc.blogspot.pt



As Rabanadas - Fonte: portoarc.blogspot.pt




Nos finais do século XVIII, era famoso no Porto o escultor João José Braga, que moldava primorosamente o barro e que foi mestre do barrista Jerónimo Gomes.
A ambos se ficou a dever alguns dos mais belos presépios do Porto, nomeadamente os do extinto convento de S. Bento da Ave – Maria, que era o centro dos festejos neste convento. Foram duas monjas francesas Maria Pain e Domingas Irrigoyen, chegadas por meados do século XVIII ao mosteiro, que trouxeram o costume de celebrar o Natal com cânticos ao Menino do Presépio que era exposto no coro de cima, e a cujas cerimónias presidia a abadessa, soror D. Vitória Corte Real.
À meia-noite não podia faltar a Missa do Galo. Houve, no entanto, um período entre 1862 e 1868, em que o Bispo de então, D. João da França Castro e Moura, proibiu aquela prática religiosa, com o argumento de que, durante as celebrações, ocorriam factos indignos e pagãos, que comprometiam a pureza daquele acto religioso. Mas enquanto durou a proibição a Missa do Galo continuou a ser celebrada nas capelas das residências particulares.
Neste dia, 24 de Dezembro, os padres Congregados davam um abundante jantar a todos os pobres de cidade. Aos mendigos junto da Porta de Carros, aos envergonhados na sala das aulas e no claustro, e à meia-noite seguiam para a missa do galo, vestidos sobriamente e bem agasalhados. No fim era dado o Menino Jesus a beijar. O órgão imitava a gaita-de-foles.
No fim da missa era colocado no presépio a imagem do Menino Jesus. 
Nas igrejas da cidade, no dia de Natal o Menino era deitado numas palhas, no de Ano Novo numa caminha e no dia de Reis já estava a pé.




Presépio de Machado Castro – Fonte: portoarc.blogspot.pt




A árvore de Natal só chegou aos costumes portuenses com a inauguração do Palácio de Cristal, onde se montava uma gigante.
Ramalho Ortigão conta-nos que no Natal de 1865, ano da abertura do Palácio de Cristal, se realizou um concerto dado por crianças na nave central.



“Actuou o Sr. Artur Ferreira de Sousa, professor de 7 anos, é uma formiguinha com catarro, mas com o mais forte e profundo catarro com que se pode expectorar o talento. Este sujeito, com 4 palmos de alto, é um artista colossal. Sentou-se ao piano, ou antes sentaram-no… O rabequista Moreira de Sá cujo talento por diferentes vezes, tem sido justamente apreciado pelo público. Artisticamente falando é um violinista de excelente escola. (Bernardo Moreira de Sá tinha 12 anos). Terminada a festa musical, recitou o menino Rebelo Valente algumas estrofes da suave poesia do Sr. António Feliciano de Castilho “O Natal do Pobre”. Apesar do seu artístico "aplomb" e do seu olhar perspicaz e firme, este menino sentiu ao entrar no tabelado que as pernas lhe não obedeciam à vontade sustentando-lhe erecta a dignidade da sua posição vertical. Foi então que o actor Taborda lhe bateu no ombro exclamando: “Avante, colega, e sem medo! Eu também tremo assim; nestas ocasiões todos os valentes tremem!”.
Ramalho Ortigão




Árvore de Natal no palácio de Cristal, em 1865



Acima está a primeira árvore de Natal apresentada no Porto, em Dezembro de 1865, o ano de inauguração do Palácio de Cristal.
De notar a palavra "Progredior" (i.e., Progresso) no vaso da árvore, a mesma inscrição que existia na fachada principal do palácio de Cristal. Na época, a árvore de Natal foi vista como algo inovador, uma novidade vinda do Norte da Europa, que veio complementar o tradicional presépio português.

“Na Rua do Laranjal, junto à antiga Câmara Municipal existia a Capela dos Reis Magos cuja festa tinha muita tradição.
(O evangelho de Mateus é o único que menciona a história daqueles magos. Nos 12 versículos em que trata do assunto, o evangelho de Mateus não especifica o número deles. Sabe-se apenas que eram mais de um, porque a citação está no plural – e não há nenhuma menção de que eram reis).
O costume é antigo e evoca os três reis do oriente que, segundo uma antiquíssima tradição, mais ou menos fantasiosa, se chamavam Baltasar, Gaspar e Belchior. Estes Magos aparecem tratados como santos, pela primeira vez em 1133, nas obras do arcebispo Hildeberto, do Tours, em França. A palavra Mago é de origem indo - europeia e não hebraica, como às vezes se tem escrito, e significa “grande, ilustre”.
Os Magos da lenda eram originários da Pérsia. Logo nos começos da era cristã uma tradição conferiu – lhes o título de “reis”. A lenda diz que eram três. Mas os cristãos orientais contaram doze e, nas pinturas e nos mosaicos primitivos, aparecem dois, três, quatro ou mais. A Igreja fixou-lhe o número de três.
A festa aos três reis do Oriente (Belchior, Baltasar e Gaspar) no Porto, tem tradições muito antigas.
Há um documento do século XV, no arquivo municipal em que os moradores da Cruz do Souto (aquele sítio onde convergem as ruas Escura, dos Pelames, do Souto e da Bainharia), pedem à Câmara autorização para montar naquele espaço um tablado (um palco) para nele encenarem uma pan­tomima em louvor dos três reis magos. 
Já no século XX, desde os finais dos anos vinte até meados dos anos trinta que os Reis eram celebrados no Por­to por grupos chamados "trupes" que se formavam por ruas, "Os Fontinenses", em que se agrupavam os moradores da Fontinha; por ofícios ou profissões, "grupo dos trabalhadores da fábrica de tabaco Lealda­de"; ou por coletividades, caso dos "columbófilos de Campanhã". 
Na noite da véspera dos Reis, estas "trupes" percorriam as ruas da cidade dando as boas-festas e cantando ao som dos mais variados instrumentos entoando cantilenas que eram críticas aos costumes da época. As figuras que compunham os agrupamentos representavam aspetos da sociedade portuenses da época, como "a vida cara", "o desemprego", ou as "casas insalubres"; tipos populares das ruas do Porto, como o "zé povo", o "vigarista" ou o "futebolista"; representantes de ofícios, como o "varredor", o "polícia" ou a "lei­teira". 
Os grupos começavam invariavelmen­te por uma visita de cortesia ao "Jornal de Notícias" e logo a seguir iam atuar nos lo­cais mais incríveis. Das páginas da edição do dia 28 de dezembro de 1930, respiga­mos isto; "Tivemos ontem a visita do gru­po dos Reis 'Unidos de Santos Pousada' que à noite foram atuar na Adega Ramos, na Corujeira". No mesmo jornal, mas em 31 de dezembro de 1931, informa-se que "Os Atrasadinhos da Sé" iam estar, à noi­te, no Salão Maxime, para disputar, com os " Unidinhos da Vitória", uma taça de prata".
Com a devida vénia a Germano Silva

Sem comentários:

Enviar um comentário