O Carnaval acontece 47 dias antes da Páscoa, entre 4 de
Fevereiro e 9 de Março.
A Páscoa é celebrada no primeiro domingo após a primeira lua
cheia que ocorre depois do equinócio da Primavera (no hemisfério norte, Outono
no hemisfério sul), e pode cair entre 22 de Março e 25 de Abril.
“Carnaval é uma
festa que se originou na Grécia em meados dos anos 600 a 520 a.C. Através dessa
festa os gregos realizavam seus cultos em agradecimento aos deuses pela
fertilidade do solo e pela produção agrícola.
Anos mais tarde e
com o avanço do cristianismo, a Igreja Católica começou a combater todas as
festas e manifestações pagãs, e com a impossibilidade de exterminar a sua
prática, acabou por incorporá-las às suas crenças como o Natal e o Dia de Todos
os Santos. No entanto, entre todas as festividades, o Carnaval foi uma das
poucas a manter suas origens profanas.
O Carnaval passou
a ser uma comemoração adoptada pela Igreja Católica em 590 d.C.
A etimologia da palavra Carnaval ainda é controversa. O
historiador Dr.Hiram Araújo no seu Livro "Carnaval – seis mil anos de história”,
afirma que em 590, o Papa Gregório I, O Grande, regulamentou as datas do
Carnaval, e criou a expressão - “dominica ad carne levandas” - que significava
(domingo não se come carne) que foi sucessivamente sendo abreviada até a
palavra Carnaval.
Outros
pesquisadores citam a origem vinda do latim medieval “carnevale” (adeus à
carne).
Comemorava-se
então o Carnaval, período que antecedida a Quaresma, ou seja, os 40 dias entre
a quarta-feira de Cinzas e o domingo de Páscoa. A Quaresma deveria ser o
período de penitência e jejum para preparar o corpo e a alma para a Páscoa. Por
isso, nos dias que antecediam a Quaresma, a população se dedicava aos prazeres
da carne “carnis vales”, sendo que “carnis” significa carne e “vales” prazeres.
O Carnaval comemorado na Antiga Roma era marcado por celebrações em busca dos
prazeres e brincadeiras. Todos os negócios eram suspensos, os escravos eram
libertados no período, as pessoas trocavam presentes, elegia-se um Rei de
mentira que saia em cortejo pelas ruas da cidade e as restrições morais eram
relaxadas.
Já na época do Renascimento
(entre o século XIII e século XVII), incorporaram-se fantasias e bailes de
máscaras e bailes ao Carnaval. O Entrudo (período de três dias que precedem a
quaresma) era uma festa popular em que as pessoas divertiam-se lançando
farinha, baldes d’água, limões de cheiro, entre outras coisas, nos
outros".
Fonte – “eportuguese.blogspot.pt”; In: portoarc.blogspot.pt
“Na primeira
metade do século XIX, as famílias conceituadas jogavam o entrudo (jogo do
panelo) mas geralmente no interior da sua casa, num dos seus compartimentos ou,
preferencialmente, nos seus quintais/jardins privados. Nesta data os excessos
da festa pareciam estar concentrados nos banquetes e no chamado “jogo do
panelo”, o qual era em tudo semelhante ao do entrudo: tinha as mesmas armas e
os mesmos objectivos (arremessar algo ao outro), embora incluísse toda uma
série de práticas que o ultrapassava. A grande diferença residia no facto de o
jogo do panelo se realizar em espaços diferenciados: no espaço fechado do lar
para as principais famílias, ficando a rua como o espaço para os grupos
inferiores. Esta diferenciação era apenas um reflexo da diferenciação social
existente no interior destas práticas festivas, embora em ambos os momentos
estivessem presentes características como a permissividade tocando, por vezes,
a esfera da imoralidade. Esta brincadeira da primeira metade do século XIX não
era, por diversas razões, duramente criticada pela imprensa. Em primeiro lugar,
porque quando praticada por famílias consideradas distintas a sua condição
social estava sempre assegurada, já que ocorria em território que era seu
domínio. Se no interior do lar o dono da casa podia atirar pós, água e
tremoços, não só aos seus iguais mas também aos criados, estes jamais podiam
fazer o mesmo. O seu espaço para entrudar era outro: a rua. Nela se divertiam
com os da sua condição social. Em segundo lugar, mesmo que, eventualmente, as
diversões se tornassem mais permissivas para com os empregados, sendo
realizadas entre as paredes da casa estavam protegidas dos olhares e juízos
alheios, situação que parece alterar-se na segunda metade do século XIX.
Se até ao final
do século XVIII e entrando mesmo pelo XIX, práticas carnavalescas como o jogo
do panelo pareciam estruturar-se sobretudo com base em laços familiares,
reflectindo ainda uma sociedade rígida e hierarquizada que começava a
desmoronar-se, a partir daí as práticas festivas vão reflectir a mudança que
ocorria a nível da estrutura sócio económica, numa sociedade estruturada em
níveis e cujo critério de hierarquização passava pelo factor económico (…).
Com o
aparecimento e multiplicação dos locais públicos de convívio, os lazeres vão
abandonando, cada vez mais, o espaço restrito do lar. Esta vinda da burguesia
para a rua, nomeadamente na cidade do Porto onde a burguesia comercial estava
expressivamente representada, traduziu-se também numa intervenção na festa
carnavalesca”.
Com a devida vénia a Sandra Brito; In: “O Carnaval e o mundo burguês”
-Revista da Faculdade de Letras
No texto seguinte, pode ficar-se com uma ideia dos festejos
carnavalescos da época de Ramalho Ortigão.
“Os
diversos géneros de galhofas em que pelo Entrudo, se vai
sucessivamente alambazando a alegria deste povo constitui uma fase
importante da história dele.
Antigamente as grandes comezainas eram
a parte principal desta festa, o alguidar de arroz do forno, a taça em que
se retoussavam e trebelhavam os honestos júbilos da família, e a orelheira com
feijão branco eram a base sólida sobre que descansava o edifício do contentamento
doméstico… A alegria dos nossos avós zoupeira e trambolhuda, depois de
enxouriçada com feijão e marufo não saía ordinariamente de casa senão para ir
jogar o panelo para o quintal. Era aí que o gentio desse tempo, de máscara
atada nas orelhas ou de carão encarvoado, entrava a pinchar e a bufar para o
outro em sinal de que iam começar as arrelias e os coices de que constava a
brincadeira: os pós pela cabeça-abaixo, o rabo-leva na saia ou na casaca, o
breu nas cadeiras, o pó das comichões pelo espinhaço, a estopa metida nas
filhoses e os ovos de cheiro espapaçados na cara. Salta dacolá um vestido de
preto com uma bexiga amarrada a um pau, fazendo estoirar a bexiga, e de-quando
em quando o pau nos lombos e nos testos da assembleia. Foge este com a cadeira
pegada nas calças, aquele aos saltos porque tem as pernas presas com um
barbante, um com um regador atado a um pé, dois escambulhados porque os coseram
um ao outro, e uma senhora idosa dando muitos gritos porque lhe prenderam a um
artelho um canzarrão que, desabituado de andar à trela, lhe aperta a fuga
mordendo-lhe nos calcanhares e na barriga das pernas. Dentro de alguns minutos
debanda tudo, ficando apenas no quintal um homem vestido de boi, o qual não
vendo pelas fendas da máscara continua a mugir como pede
o carácter que representa, escarva com os pés nas sementeiras e dando
marradas na figueira, que ele, pelo feitio, imagina ser a sogra…
A geração
seguinte mudou totalmente o Carnaval. Ainda vivem na memória as famosas
cavalhadas desse tempo, as carruagens apinhadas de máscaras distribuindo
ramalhetes e pastilhas, em todas as janelas tantas senhoras quantas lá cabiam,
as principais ruas atulhadas de uma compacta multidão de gente, maior parte
dela mascarada, centenares de “soirées” onde se dançava até ao dia seguinte, e
longas caudas de concorrentes esperando o momento de entrar ás portas de todas
as casas onde havia bailes”.
Ramalho Ortigão, In O Tripeiro, Volume V, 15 de Fevereiro de 1926; Fonte
– “portoarc.blogspot.pt”
Por sua vez Camilo Castelo Branco refere-se ao Carnaval do modo que se
pode apreciar no texto que segue.
“Era em 1850, segunda-feira de entrudo. Entrei no
Teatro São João, de braço dado com um amigo que dois anos depois pereceu no
naufrágio do vapor do Porto. Era José Augusto da Silva Pinto, um dos mais
gentis e galãs mancebos daquele tempo.
Trajava ele um
riquíssimo costume de Richelieu com o qual ia distinguir-se naquela noite no
baile da Assembleia. Eu vestia uma rota e suja casaca de 1810, que alugara por
doze vinténs, e completava o disfarce com um chapéu de castor branco que o meu
criado me emprestara…
O contraste impressionou as damas. Não sei até se a democracia cristã do duque
de Richelieu, prestando o braço a um maltrapido simulacro de mestre-escola com
três meses de atraso, fez marejar nos olhos do público as lágrimas duma piedosa
compunção. Às dez horas o meu amigo foi para o baile e eu fiquei no teatro
embevecido num primor de olhos divinos que há vinte anos me seguem, e me vão
precedendo no curto caminho da cova, que breve me há-de remir, mas eu sei que a
luz daqueles olhos há-de ir comigo, céu ou inferno dentro, ou como estrela que
entre na sua constelação, ou como lágrima luminosa dum anjo caído no abismo. Ó
formosos olhos, nunca puderam prantos apagar-vos essa luz imorredoura! Se eu
diria naquele noite de segunda-feira de entrudo…”.Fonte – “casadecamilo.wordpress.com”; In: Quatro horas inocentes
Fonte: portoarc.blogspot.pt
O Teatro Circo acima referido tinha começado em 1846, por ser um Circo
de Cavalinhos, num barracão de madeira, onde José Toudon exibia a sua
companhia equestre.
Em Agosto de 1855 essas instalações seriam remodeladas, passando a
denominar-se de Teatro Circo, sendo o acesso à sala de espectáculos
feito pela Rua de Santo António.
Este em 1874 reabriria, após outra remodelação, em que a madeira foi
substituída pela pedra e cimento, com a denominação de Novo Teatro Circo.
Demolido em 1877, nasceria então, no seu lugar, o Teatro do Príncipe
Real, que após 1910 passaria a ser o Teatro Sá da Bandeira.
“Em 7 de
Fevereiro de 1869 realizaram-se animadíssimos bailes de máscaras nos teatros de
S. João e Baquet, no circo da Rua de Santo António, na nave central do Palácio
de Cristal e no Palácio do Corpo da Guarda, no salão Euterpe e noutros recintos
públicos. Mas a maioria dos bailes realizavam-se nas casas particulares das
famílias abastadas”.
Fonte: portoarc.blogspot.pt
“Jornal do Porto” de 15 de Fevereiro de 1872
“No Carnaval de
1874 o grande e infeliz poeta Guilherme Braga foi a Vila da Feira tomar parte
de um baile de máscaras efectuado na casa do Dr. Bandeira. Decidiu não levar
máscara, mas vestindo um fato vermelho, alugado no Porto, na Casa das Figuras
de Cera.
Improvisou nas
folhas que trazia na carteira 92 quadras, que distribuía pelas pessoas a que se
referia.
Ao António Maciel
de Lima, entregou-lhe:
Conheço um
António Lima
Que a minha
filosofia
Não sabe se é
lima ou pêra
Ou maçã ou
melancia…
O que todos me
afiançam,
Verdade que o
atormenta,
È que este fulano
Lima
É Lima…de
ferramenta.
Depois de ter
versado os homens presentes, ás senhoras dedicou irónicas, mas elegantes
quadras, tais como:
Quem tem rido à
custa alheia
È bom que pague
também…
Chegou a vez das
senhoras;
Agora escutem-me
bem:
Das casadas nada
digo;
Dessas os cinco sentidos
Apenas lhes impõe
deveres
D’agradar aos
seus maridos
Quanto às
solteiras, que vezes
Um rouxinol
solitário
Não tem dito por
Fijó:
“Ai Maria do
Rosário!
Apesar de ser
corrente
Que, por
capricho, talvez,
Namoraras sem
escrúpulo
Trinta janotas
num mês.
À Francisquinha
Estefânia
Que vezes não tem
ouvido
De mil corações a
um tempo
O soluçante
gemido.
Até consta que no
Porto
Ao passar um
regimento
Pela rua onde
reside
Este da Feira
portento,
Ficaram todos no
corpo
Da Chiquinha
apaixonados.
Capitães, alferes
e músicos,
Até os próprios
soldados!
(a Francisca
Estefânia era irmã do poeta)
Nos seus versos
referiu-se a todas as meninas da festa e por fim ao anfitrião”.
Fonte: portoarc.blogspot.pt
Guilherme Braga e família mascarados na Vila da Feira
“Em 1880 havia um
divertido grupo que se reunia na Tabacaria Freitas & Azevedo, na esquina da
Rua dos Clérigos com a Rua do Almada, e que incluía rapazes e velhos, de todas
as idades e posições sociais que decidiu celebrar o Carnaval com uma brilhante
cavalhada carnavalesca. Composto desde o mais modesto caixeiro de escritório ao
mais considerado comerciante, desde o mais ingénuo filho de família ao mais
distinto titular, clero, nobreza e povo estavam ali bem representados.
Organizaram esta diversão na casa do Visconde de Vilarinho e S. Romão.
A cavalhada
representaria a entrada do Príncipe de Gerolstein no Porto.
Este cortejo
impôs-se pela sua imponência e pelo seu luxo. Todo o seu guarda-roupa era
autêntico. Fardas e uniformes foram cedidos pelos próprios titulares.
Compunham-no uma
guarda avançada de lanceiros de 8 cavaleiros, seguiam-se em carros abertos o
presidente da Câmara, vereadores, governador civil, comissário da polícia,
marinha, juízes, cônsules, titulares etc. Finalmente o carro do príncipe, seu
escudeiro e fechava o cortejo um esquadrão de 20 cavaleiros.
Saíram da estação
de comboio da Boavista, subiram a rua deste nome, seguiram Cedofeita, Carmo,
Clérigos, Santo António até à Batalha.
Neste percurso
juntou-se uma multidão que os aplaudia delirantemente.
Foram
participantes o próprio Visconde de Vilarinho e S. Romão, seu irmão Júlio
Girão, Guilherme Gomes Fernandes e outras personalidades da cidade,
acompanhadas pelos mais humildes profissionais, todos pertencentes ao referido
grupo”.
Baseado num artigo de O Tripeiro, Volume 2 de 1/1/1910; Fonte:
portoarc.blogspot.pt
Em 1889 houve desfiles de trens na Avenida do Palácio de Cristal, que
depois passaram por várias ruas da cidade: Triunfo, Duque de Beja, Carmo,
Clérigos e Praça Nova, Santo António, Batalha, Entreparedes, S. Lázaro, Duquesa
de Bragança e Formosa, Santa catarina, Santo António, Clérigos e Carmo.
Apresentaram-se no desfile: F. Brandão, Diogo Cabral, Arnaldo Faria,
Manoel Gualberto Soares, Conde do Côvo (Gaspar Maria de Castro Lemos de
Magalhães e Menezes Pamplona, que seguia acompanhado de “Madame Eça de
Queiroz e mademoiselle Resende”), Delfim de Lima (num dog-cart), as
famílias Pereira Machado e Lencastre, Guilherme Lima e Artur de Aragão.
As ornamentações das diversas viaturas eram da autoria, na sua grande
maioria, do horticultor Marques Loureiro.
Batalha de Flores e Cavalhada – Fonte: “Jornal do Porto” em 7 de Março
de 1889
Acima, dava-se notícia de uma batalha de flores ocorrida em Vila Nova
de Gaia, seguida de uma cavalhada.
Nas cavalhadas, mascarados vestindo roupas coloridas e passeando-se nos
seus carros enfeitados, ou montando cavalos, saíam pelas ruas, fazendo
algazarra.
A cavalhada teve origem nos torneios medievais, onde os aristocratas
exibiam em espectáculos públicos a sua destreza e valentia, e frequentemente
envolvia temas do período da Reconquista.
“(…)Retornemos à
cidade do Porto do final do séc. XIX e início do séc. XX, durante a época
carnavalesca.
Durante este
período a perspectiva jornalística é marcada, no que se refere à festa do Momo,
pela crítica negativa às práticas carnavalescas em geral e que assumiu um tom
de combate à medida que o século XX se aproximava. Qualificativos como
sensaborão, pelintra, rude, grosseiro eram utilizados para qualificar esse
Carnaval, que consideravam não ter interesse algum. Ora, estas crónicas
jornalísticas eram escritas por homens, intelectuais com valores e ideias
precisas, que utilizavam, muitas das vezes, a imprensa como um veículo de
propagação de um modelo próprio da realidade, assim como para o combate de um
outro modelo existente e ao qual se opunham, fosse ele social, económico,
político ou religioso. A imprensa era uma das armas para atingirem os seus
objectivos. Estejamos perante uma crónica, um romance ou um relato, como
testemunhos históricos que são, eles encerram uma determinada representação da
realidade, a qual é filtrada pelo autor e relatada de acordo com um código de
valores ou com um propósito definido. Em primeiro lugar, os jornalistas e
outros literatos qualificavam o que viam de acordo com o seu sistema de valores
considerando decadente, no caso da festa carnavalesca, o que os outros
consideravam folia extrema.
(…) Preocupação
pela modernização e higienização do país, exigindo-se uma remodelação
urbanística à semelhança do que acontecia noutros países europeus, a outra face
prendia-se com determinadas manifestações de cariz popular, consideradas
retrógradas e incompatíveis com essa nova ordem que se pretendia estabelecer.
Entre elas
estavam as carnavalescas. No entanto, esta fora uma luta, com sentidos bem mais
profundos e diversos, contra práticas que não conseguiam controlar, cuja
espontaneidade e imprevisibilidade pareciam temer, procurando substituí-las por
um novo Carnaval: o civilizado, o previsível e mais controlável.
Dessa práticas
destacamos, como objecto de análise neste estudo, as mascarada/cavalhadas, as
troças carnavalescas (ou seja, ditos jocosos que podiam tomar a forma de
denúncia ou até de insulto), e o chamado jogo de entrudo (uma batalha em que as
armas de arremesso eram desde ovos, pós de sapato, água choca, tremoços,
cal...). Inerente às duas primeiras práticas carnavalescas referenciadas,
mascaradas e troças, independentemente da forma como se apresentavam ou dos
novos sentidos que iam tomando nas últimas décadas do século XIX, esteve sempre
presente o elemento grotesco e a sátira, quer pelas encenações e linguagem
utilizada, quer pelos inúmeros versos impressos que os foliões actores iam
espalhando ou os versos jocosos que iam dizendo.
Associadas aos
mascarados, estivessem eles desfilando nas ruas ou dançando num dos diversos
bailes carnavalescos da cidade, estavam as troças ou gracejos carnavalescos,
uma linguagem cómica cujo objectivo final seria o de provocar o riso. Há muito
utilizado como instrumento de crítica, estes ditos jocosos, vulgo troças, não
raras vezes tomavam a forma de denúncia ou até insulto. Pelo que as fontes nos
permitiram saber, os temas preferidos pelos foliões na elaboração dos seus
gracejos diziam respeito sobretudo à vida privada e profissional ou
características físicas dos outros, procurando ridicularizá-los em plena praça
pública. Era o caso dos adultérios, dos filhos ilegítimos, da condição de
“corno” ou de negociante desonesto, realidades que davam às troças uma feição
temida por muitos, inclusive pelos intelectuais. Para além de uma crítica
afiada, estes panfletos serviam também de convites às folias carnavalescas
nocturnas ou diurnas, quando lançados pelos chamados bandos anunciadores. De
acordo com os poucos registos que fomos encontrando, estes panfletos teriam
servido também como instrumento à dimensão amorosa da festa carnavalesca. É o
caso dos papéis arremessados juntamente com outros objectos, contendo por
exemplo declarações de amor.
Ora esta
liberdade de crítica, aliada à sátira carnavalesca, aproveitada por muitos para
denunciar e ridiculizar aspectos gerais ou particulares da sociedade, políticos
ou não, parecia incomodar e até amedrontar alguns, inclusive os intelectuais e
a autoridade da época, nomeadamente quando eram, pessoal ou colectivamente,
alvo de ataque.
Este receio
traduziu-se na necessidade de limitar essa liberdade crítica, considerada pela
sabedoria de todos como máxima e isenta de qualquer punição durante o reinado
do Momo, dando origem à publicação de vários editais. Através da força da lei o
governador civil procurava regular as diversas práticas carnavalescas
portuenses, medidas que se integram no movimento europeu de controle e
repressão de manifestações consideradas anárquicas (= populares) e de
enquadramento do lazer das classes mais baixas, acentuando-se no contexto
específico de crítica e crescente oposição ao sistema monárquico na última
década do século XIX. Na sequência da deliberação do Governo, de 1890, que
limitou a liberdade de manifestação, atingindo directamente os divertimentos
públicos, o governador civil do Porto aproveitou para reforçar a legislação no
domínio da festa carnavalesca, uma vez que esta se apresentava como um momento
potencialmente perigoso, não apenas para o sistema político mas para um sistema
social que pretendesse manter as suas fronteiras bem definidas e em todas as
ocasiões”.
Com a devida vénia a Sandra Brito; In: “O Carnaval e o mundo burguês”
-Revista da Faculdade de Letras
O rei Momo, referenciado no texto anterior, é uma personagem
(curiosamente feminina) que personificava a ironia e o sarcasmo, inspirada na
mitologia grega.
O rei Momo deve ser uma pessoa que goste muito de carnaval e
de preferência gordo. Deve ser animado, pois é ele quem vai animar e comandar
as festas de carnaval. O rei Momo deve ser também simpático, brincalhão,
divertido e bem-humorado.
Carnaval de 1902 – capa de O Tripeiro da 7ª. Série –Ano XXI; Fonte: portoarc.blogspot.pt
No ano de 1902, a que se refere a gravura anterior, o
Carnaval acontecia, sobretudo, nos teatros e em festas promovidas por
particulares e, ainda, pelas ruas da cidade em que era o povo o protagonista
espontâneo em manifestações típicas da quadra festiva.
Desse ano, dava conta o jornal “A Voz Pública”.
Desse ano, dava conta o jornal “A Voz Pública”.
O carnaval na cidade do Porto está, no século XX, no
entanto, intimamente ligado à actividade do Clube Fenianos Portuenses.
Foi, no fundo, o Carnaval que projetou o Clube Fenianos Portuenses.
Foi, no fundo, o Carnaval que projetou o Clube Fenianos Portuenses.
“Fundado a 25 de março de 1904 com o lema
“Pelo Porto!”, o Clube Fenianos Portuenses é,
por assim dizer, uma “marca registada” na cultura, recreio e desporto da
cidade, facto que lhe mereceu as distinções de Instituição de utilidade
pública, Comendador da Ordem Militar de Cristo e Medalha de Ouro da Cidade.
Com cerca de 400 associados,
a instituição que foi conhecida na região pelos seus corsos de Carnaval, está como que a
“recarregar baterias” para durante este e no próximo ano regressar em força às
ruas do Porto com atividades que a dignificaram. Internamente, registe-se
aparecimento de algumas secções até agora inexistentes ou inativas.
Conhecido pelas
atividades de ilusionismo e de bilhar, o “Fenianos” tem, na sua história
momentos verdadeiramente marcantes, que no seu imponente edifício-sede se
guarda com orgulho.
Os festejos atingiram
o seu apogeu, salvo o erro, em 1957.Depois, já em 1982-83 – estou a lembrar-me
dos pontos mais marcantes – fizeram-se os mini-corsos e que também foram um
êxito! Assistiram aos mesmos – segundo os jornais da época – mais de cem mil
pessoas. A partir dessa data, o dinheiro começou a escassear, e parou-se”.
Fonte - Site: etcetaljornal.pt
“A imagem desta festa
carnavalesca burguesa, enquanto vitória do Carnaval Civilizado sobre o Entrudo
e as suas práticas, foi construída ao pormenor. Em colaboração directa com a
organização deste novo Carnaval – o Feniano -, as autoridades tomaram algumas
medidas extraordinárias: Para além da habitual proibição do jogo do entrudo e
da utilização de artigos carnavalescos como balotes, estalos, bisnagas ou ovos
de cheiro, os representantes da autoridade ordenaram e efectuaram “buscas” aos
diferentes estabelecimentos da cidade, de forma a apreender os referidos
artigos que se encontrassem à venda. O objectivo era impedir que estes fossem
utilizados nos dias de realização do Carnaval Feniano, o qual tinha como missão
acabar com o Entrudo. Ainda assim a sua ausência não estava garantida uma vez
que parte das armas utilizadas no jogo de entrudo era de fabrico artesanal ou
de fácil aquisição (pós de sapato, farinha ou tremoços). Esta onda de receio
está na origem de outra das medidas tomadas por ocasião destas festas: o que a
imprensa chamou de “uma verdadeira caça aos larápios (levados para o Aljube
Novo) e aos mendigos (levados para o Aljube Velho)”.
Outras prisões efectuadas
foram as de alguns foliões que, todos os anos, acabavam a folia atrás das
grades, face aos excessos que protagonizavam.
Tudo deveria sair
perfeito. O Carnaval Feniano decorreria assim numa cidade civilizada, onde os
mendigos e os larápios pareciam não existir e onde os foliões pareciam ter
esquecido as bisnagas, os pós ou os ovos de cheiro utilizados no ano anterior.
Ora, os mendigos e os larápios estavam detidos, assim como alguns dos mais
entusiastas (perigosos) praticantes dessas folias; as armas de arremesso
tradicionais encontravam-se supostamente todas apreendidas.
(…) Se as brincadeiras
carnavalescas marcadas pelos excessos, incluindo a de arremessar algo ao outro,
foram sendo combatidas pela autoridade (editais), mas os seus artigos foram
sempre produzidos e comercializados, dado o lucro que traziam; à medida que se
efectua uma lenta substituição das armas carnavalescas de tipo caseiro pelas
industrializadas, levando à criação de novas indústrias (lança-perfumes,
confetis, serpentinas) e à dinamização do comércio, os festejos do reinado do
Momo e muitas das duas práticas (mesmo as consideradas excessivas) passam a estar
protegidas pelos interesses económicos. Exemplo desta curiosa realidade foi o
movimento em defesa da folia carnavalesca, vivido na cidade do Porto em 1917, e
que teve como, principais protagonistas, não os foliões, mas os principais
representantes do comércio, indústrias e serviços ligados às folias do Momo: os
empresários e arrendatários das casas de espectáculos e salões de baile, assim
como os fabricantes e comerciantes de artigos carnavalescos. Os protestos que
se fizeram ouvir decorreram da deliberação do Governo que proibia os festejos
carnavalescos.
Curiosamente, ou não,
vamos encontrar importantes associações da cidade, inclusive o Clube Fenianos,
a defender esses jogos carnavalescos (os quais mantinham vivos os sentidos do
jogo do entrudo). O Carnaval não era, nesse momento, perspectivado como um
momento de folia, mas
Como, uma oportunidade
de lucro, reconhecendo-se a importância destas práticas para algumas indústrias,
casas comerciais e de espectáculo.
Com a devida vénia a Sandra Brito; In: “O Carnaval e o mundo burguês”
- Revista da Faculdade de Letras
Foi no ano de 1905
que o Clube dos Fenianos ressuscitou o Carnaval há muito tempo sem festejos, e o respectivo cortejo pelas ruas da cidade. O
clube tinha sido fundado em 1904 por cidadãos republicanos e políticos contra a
situação. Naquele cortejo desfilou num carro alegórico, uma réplica em madeira da estátua "O Porto" que estava no frontal do edifício da Câmara Municipal e, que, nos dias de hoje, está exposta à entrada da sede do clube.
Rua das Carmelitas no Carnaval de 1905
Corso dos Fenianos de 1905
Na foto acima o povo
aguarda a passagem do corso de 1905 na Rua de Santo António. Observa-se ainda,
uma janela ornamentada da Ourivesaria Reis, anterior à mudança para a esquina
com a Rua de Santa Catarina.
No carnaval de 1905
a banda de música da “Casa Guimarães” no Palácio de Cristal
A fachada da Fábrica Confiança na Rua de Santa Catarina enfeitada
para os festejos carnavalescos de 1905
Carnaval de 1906 – Ed. Aurélio da Paz dos Reis
Na foto acima
durante o Carnaval de 1906, observam-se os sócios dos Fenianos em frente ao
cinema Águia d’Ouro.
“Carro das Vinícolas”, no corso de 1906, passando junto da
sede do Clube Girondinos, na Rua de Alexandre Herculano
Corso carnavalesco, em 1906, passando na Praça dos Leões –
Ed. Aurélio da Paz dos Reis
Corso dos fenianos, em 1907, passando no Carmo – Ed. Aurélio
Paz dos Reis
Corso Carnavalesco dos Fenianos, em 1908, junto do Teatro do
Príncipe Real (Teatro Sá da Bandeira)
Corso carnavalesco, em 1908, na Rua Ferreira Borges – Ed.
Aurélio Paz dos Reis
Carnaval dos Fenianos 1908 junto à igreja do Carmo
Carnaval de 1909
“No Carnaval de 1913 um grupo de foliões,
tendo-se-lhe acabado os habituais arremessos da época, resolve atirar pastéis
de nata às beldades que, na Praça da Liberdade, se encontravam às janelas. Em
tal quantidade que a polícias teve de intervir e os fizeram passar uma noite na
enxovia. Na manhã seguinte foram libertados mediante o pagamento de 10.000 reis
para os pobres”.
Fonte: portoarc.blogspot.pt
Carnaval do F. C. Porto em 1925
“Foi no dia 21 de
Fevereiro de 1939 que
o Entrudo ressuscitou na cidade do Porto pela mão do Clube Fenianos Portuenses, num longo e
demorado cortejo com 80 carros alegóricos que desfilaram pelas ruas do Porto.
As fotos originais, ilustram um dos carros nas ruas D. Manuel II e Fernandes Tomás, transportando o "Rei do Carnaval" António Peixoto Alves Correia do Club Fenianos Portuenses. Dizem alguns portuenses que assistiram, que foi o maior Carnaval de sempre realizado na cidade do Porto com muita intensidade.
As fotos originais, ilustram um dos carros nas ruas D. Manuel II e Fernandes Tomás, transportando o "Rei do Carnaval" António Peixoto Alves Correia do Club Fenianos Portuenses. Dizem alguns portuenses que assistiram, que foi o maior Carnaval de sempre realizado na cidade do Porto com muita intensidade.
De todo o país, eram
milhares de pessoas que vinham de comboio para vêr o cortejo, beneficiando de
uma redução dos preços nos Caminhos-de-Ferro.
As "vendedeiras" do Mercado do Bolhão contribuíram para o sucesso deste Cortejo.
As "vendedeiras" do Mercado do Bolhão contribuíram para o sucesso deste Cortejo.
O programa de Cartaz
era o seguinte: Batalha de Flores, Espectáculos e Bailes, Marcha luminosa e o
Cortejo Carnavalesco”.
Fonte: “clubedecoleccionadoresdegaia.blogspot.pt”
Na Rua Fernandes Tomás em 1939 cruzamento com Rua do
Bonjardim
Corso em 1939 na Rua D. Manuel II
Carnaval de 1939
Segundo o historiador Hélder Pacheco, no livro “Tradições
Populares do Porto”, o Carnaval dos Fenianos teve um arranque auspicioso, mas
acabou por esmorecer, para renascer entre 1954 e 1957, quando “voltou o monumental corso com carros
alegóricos, que levou grandes multidões às ruas. Mas o carnaval deixara de ser
um sentimento vivido e participado, para se transformar num espectáculo
assistido”.
Corso em 1954
Carnaval e a imprensa
da época
-17 de Fevereiro de
1846 –
Carnaval: Consta que
estão proibidos os bailes de máscaras nos teatros, quer de S. João, quer de
Santa Catarina ou Liceiras (jornal “Cosmopolita”, 17 Fev.1846, cit. Guido de
Monterey, “O Porto 3”, p. 558)
-12 de Fevereiro de
1850 –
Baile de Máscaras: na
3ª Feira, em casa de Alexandre Miller, com grande número de famílias inglesas
(“Periódico dos Pobres no Porto”, 15 Fev.1850, p. 171).
-6 de Fevereiro de
1854 –
Carnaval: “O Café
Lusitano dispõe-se também a dar alguns bailes de máscaras no presente carnaval”
(jornal “O Portuense”,6 Fev.1854, cit. Guido de Monterey, “O Porto 2”, p. 618).
Aquele Café Lusitano
ocupou o prédio onde lhe sucederia, no mesmo ramo de actividade, o Café
Portuense e o Café Suisso, na esquina da então Rua de Sá da Bandeira e Praça D.
Pedro
-8 de Fevereiro de
1880 –
Carnaval: Domingo com
chuva e fortemente policiado na rua, com espectáculos nos teatros (“Jornal da
Manhã”, 8-9 Fev.1880, p. 2).
-14 de Fevereiro de
1890 –
Supressão do Carnaval
nas ruas: Edital do Governo Civil: proibidas as vozeiras e os ajuntamentos
públicos (“Jornal da Manhã”, p. 2).
-12 de Março de 1904 –
Nesta Terça-feira de
Carnaval foi criado, no Café Porto Club, na Praça da Liberdade (onde hoje é o
B.N.U.), os Fenianos, para animar o Carnaval do Porto.
-11 de Março de 1905 –
Banquete de homenagem
ao arq. José Teixeira Lopes e a Júlio Pina, no Hotel do Porto, pelos Fenianos,
pela colaboração deles para as primeiras festas carnavalescas.
-18 de Fevereiro de
1909 –
Cortejo da Escola
Médica ao Mercado do Bulhão, onde se realizou o “casamento” da Rainha Barbuda
(vendedora) com o Rei Preto (padre António), depois de coroada a velhota de
pêra e bigode com uma enfiada de chouriços de sangue, etc, terminando nos
Fenianos que recebeu o cortejo com champanhe (A. Casimiro de Carvalho, “O
Tripeiro”, Mar.1959, p. 351).
-8 de fevereiro de
1948 –
1.º baile de Carnaval,
pós-guerra, no Club Portuense com um grande número de debutantes.
-8 de Fevereiro de
1959 –
Domingo de Carnaval:
grande cortejo do Palácio ao centro da cidade.
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