domingo, 26 de fevereiro de 2017

(Continuação 2)


O Carnaval acontece 47 dias antes da Páscoa, entre 4 de Fevereiro e 9 de Março.
A Páscoa é celebrada no primeiro domingo após a primeira lua cheia que ocorre depois do equinócio da Primavera (no hemisfério norte, Outono no hemisfério sul), e pode cair entre 22 de Março e 25 de Abril.


“Carnaval é uma festa que se originou na Grécia em meados dos anos 600 a 520 a.C. Através dessa festa os gregos realizavam seus cultos em agradecimento aos deuses pela fertilidade do solo e pela produção agrícola.
Anos mais tarde e com o avanço do cristianismo, a Igreja Católica começou a combater todas as festas e manifestações pagãs, e com a impossibilidade de exterminar a sua prática, acabou por incorporá-las às suas crenças como o Natal e o Dia de Todos os Santos. No entanto, entre todas as festividades, o Carnaval foi uma das poucas a manter suas origens profanas.
O Carnaval passou a ser uma comemoração adoptada pela Igreja Católica em 590 d.C. A etimologia da palavra Carnaval ainda é controversa. O historiador Dr.Hiram Araújo no seu Livro "Carnaval – seis mil anos de história”, afirma que em 590, o Papa Gregório I, O Grande, regulamentou as datas do Carnaval, e criou a expressão - “dominica ad carne levandas” - que significava (domingo não se come carne) que foi sucessivamente sendo abreviada até a palavra Carnaval. 
Outros pesquisadores citam a origem vinda do latim medieval “carnevale” (adeus à carne). 
Comemorava-se então o Carnaval, período que antecedida a Quaresma, ou seja, os 40 dias entre a quarta-feira de Cinzas e o domingo de Páscoa. A Quaresma deveria ser o período de penitência e jejum para preparar o corpo e a alma para a Páscoa. Por isso, nos dias que antecediam a Quaresma, a população se dedicava aos prazeres da carne “carnis vales”, sendo que “carnis” significa carne e “vales” prazeres. O Carnaval comemorado na Antiga Roma era marcado por celebrações em busca dos prazeres e brincadeiras. Todos os negócios eram suspensos, os escravos eram libertados no período, as pessoas trocavam presentes, elegia-se um Rei de mentira que saia em cortejo pelas ruas da cidade e as restrições morais eram relaxadas.
Já na época do Renascimento (entre o século XIII e século XVII), incorporaram-se fantasias e bailes de máscaras e bailes ao Carnaval. O Entrudo (período de três dias que precedem a quaresma) era uma festa popular em que as pessoas divertiam-se lançando farinha, baldes d’água, limões de cheiro, entre outras coisas, nos outros".  
Fonte – “eportuguese.blogspot.pt”; In: portoarc.blogspot.pt




“Na primeira metade do século XIX, as famílias conceituadas jogavam o entrudo (jogo do panelo) mas geralmente no interior da sua casa, num dos seus compartimentos ou, preferencialmente, nos seus quintais/jardins privados. Nesta data os excessos da festa pareciam estar concentrados nos banquetes e no chamado “jogo do panelo”, o qual era em tudo semelhante ao do entrudo: tinha as mesmas armas e os mesmos objectivos (arremessar algo ao outro), embora incluísse toda uma série de práticas que o ultrapassava. A grande diferença residia no facto de o jogo do panelo se realizar em espaços diferenciados: no espaço fechado do lar para as principais famílias, ficando a rua como o espaço para os grupos inferiores. Esta diferenciação era apenas um reflexo da diferenciação social existente no interior destas práticas festivas, embora em ambos os momentos estivessem presentes características como a permissividade tocando, por vezes, a esfera da imoralidade. Esta brincadeira da primeira metade do século XIX não era, por diversas razões, duramente criticada pela imprensa. Em primeiro lugar, porque quando praticada por famílias consideradas distintas a sua condição social estava sempre assegurada, já que ocorria em território que era seu domínio. Se no interior do lar o dono da casa podia atirar pós, água e tremoços, não só aos seus iguais mas também aos criados, estes jamais podiam fazer o mesmo. O seu espaço para entrudar era outro: a rua. Nela se divertiam com os da sua condição social. Em segundo lugar, mesmo que, eventualmente, as diversões se tornassem mais permissivas para com os empregados, sendo realizadas entre as paredes da casa estavam protegidas dos olhares e juízos alheios, situação que parece alterar-se na segunda metade do século XIX.
Se até ao final do século XVIII e entrando mesmo pelo XIX, práticas carnavalescas como o jogo do panelo pareciam estruturar-se sobretudo com base em laços familiares, reflectindo ainda uma sociedade rígida e hierarquizada que começava a desmoronar-se, a partir daí as práticas festivas vão reflectir a mudança que ocorria a nível da estrutura sócio económica, numa sociedade estruturada em níveis e cujo critério de hierarquização passava pelo factor económico (…).
Com o aparecimento e multiplicação dos locais públicos de convívio, os lazeres vão abandonando, cada vez mais, o espaço restrito do lar. Esta vinda da burguesia para a rua, nomeadamente na cidade do Porto onde a burguesia comercial estava expressivamente representada, traduziu-se também numa intervenção na festa carnavalesca”.
Com a devida vénia a Sandra Brito; In: “O Carnaval e o mundo burguês” -Revista da Faculdade de Letras



No texto seguinte, pode ficar-se com uma ideia dos festejos carnavalescos da época de Ramalho Ortigão.


“Os diversos géneros de galhofas em que pelo Entrudo, se vai sucessivamente alambazando a alegria deste povo constitui uma fase importante da história dele. 
Antigamente as grandes comezainas eram a parte principal desta festa, o alguidar de arroz do forno, a taça em que se retoussavam e trebelhavam os honestos júbilos da família, e a orelheira com feijão branco eram a base sólida sobre que descansava o edifício do contentamento doméstico… A alegria dos nossos avós zoupeira e trambolhuda, depois de enxouriçada com feijão e marufo não saía ordinariamente de casa senão para ir jogar o panelo para o quintal. Era aí que o gentio desse tempo, de máscara atada nas orelhas ou de carão encarvoado, entrava a pinchar e a bufar para o outro em sinal de que iam começar as arrelias e os coices de que constava a brincadeira: os pós pela cabeça-abaixo, o rabo-leva na saia ou na casaca, o breu nas cadeiras, o pó das comichões pelo espinhaço, a estopa metida nas filhoses e os ovos de cheiro espapaçados na cara. Salta dacolá um vestido de preto com uma bexiga amarrada a um pau, fazendo estoirar a bexiga, e de-quando em quando o pau nos lombos e nos testos da assembleia. Foge este com a cadeira pegada nas calças, aquele aos saltos porque tem as pernas presas com um barbante, um com um regador atado a um pé, dois escambulhados porque os coseram um ao outro, e uma senhora idosa dando muitos gritos porque lhe prenderam a um artelho um canzarrão que, desabituado de andar à trela, lhe aperta a fuga mordendo-lhe nos calcanhares e na barriga das pernas. Dentro de alguns minutos debanda tudo, ficando apenas no quintal um homem vestido de boi, o qual não vendo pelas fendas da máscara continua a mugir como pede o carácter que representa, escarva com os pés nas sementeiras e dando marradas na figueira, que ele, pelo feitio, imagina ser a sogra…
A geração seguinte mudou totalmente o Carnaval. Ainda vivem na memória as famosas cavalhadas desse tempo, as carruagens apinhadas de máscaras distribuindo ramalhetes e pastilhas, em todas as janelas tantas senhoras quantas lá cabiam, as principais ruas atulhadas de uma compacta multidão de gente, maior parte dela mascarada, centenares de “soirées” onde se dançava até ao dia seguinte, e longas caudas de concorrentes esperando o momento de entrar ás portas de todas as casas onde havia bailes”.
Ramalho Ortigão, In O Tripeiro, Volume V, 15 de Fevereiro de 1926; Fonte – “portoarc.blogspot.pt”



Por sua vez Camilo Castelo Branco refere-se ao Carnaval do modo que se pode apreciar no texto que segue.



“Era em 1850, segunda-feira de entrudo. Entrei no Teatro São João, de braço dado com um amigo que dois anos depois pereceu no naufrágio do vapor do Porto. Era José Augusto da Silva Pinto, um dos mais gentis e galãs mancebos daquele tempo.
Trajava ele um riquíssimo costume de Richelieu com o qual ia distinguir-se naquela noite no baile da Assembleia. Eu vestia uma rota e suja casaca de 1810, que alugara por doze vinténs, e completava o disfarce com um chapéu de castor branco que o meu criado me emprestara…
O contraste impressionou as damas. Não sei até se a democracia cristã do duque de Richelieu, prestando o braço a um maltrapido simulacro de mestre-escola com três meses de atraso, fez marejar nos olhos do público as lágrimas duma piedosa compunção. Às dez horas o meu amigo foi para o baile e eu fiquei no teatro embevecido num primor de olhos divinos que há vinte anos me seguem, e me vão precedendo no curto caminho da cova, que breve me há-de remir, mas eu sei que a luz daqueles olhos há-de ir comigo, céu ou inferno dentro, ou como estrela que entre na sua constelação, ou como lágrima luminosa dum anjo caído no abismo. Ó formosos olhos, nunca puderam prantos apagar-vos essa luz imorredoura! Se eu diria naquele noite de segunda-feira de entrudo…”.
Fonte – “casadecamilo.wordpress.com”; In: Quatro horas inocentes 





Fonte: portoarc.blogspot.pt



O Teatro Circo acima referido tinha começado em 1846, por ser um Circo de Cavalinhos, num barracão de madeira, onde José Toudon exibia a sua companhia equestre.
Em Agosto de 1855 essas instalações seriam remodeladas, passando a denominar-se de Teatro Circo, sendo o acesso à sala de espectáculos feito pela Rua de Santo António.
Este em 1874 reabriria, após outra remodelação, em que a madeira foi substituída pela pedra e cimento, com a denominação de Novo Teatro Circo.
Demolido em 1877, nasceria então, no seu lugar, o Teatro do Príncipe Real, que após 1910 passaria a ser o Teatro Sá da Bandeira.



“Em 7 de Fevereiro de 1869 realizaram-se animadíssimos bailes de máscaras nos teatros de S. João e Baquet, no circo da Rua de Santo António, na nave central do Palácio de Cristal e no Palácio do Corpo da Guarda, no salão Euterpe e noutros recintos públicos. Mas a maioria dos bailes realizavam-se nas casas particulares das famílias abastadas”. 
Fonte: portoarc.blogspot.pt




“Jornal do Porto” de 15 de Fevereiro de 1872




“No Carnaval de 1874 o grande e infeliz poeta Guilherme Braga foi a Vila da Feira tomar parte de um baile de máscaras efectuado na casa do Dr. Bandeira. Decidiu não levar máscara, mas vestindo um fato vermelho, alugado no Porto, na Casa das Figuras de Cera. 
Improvisou nas folhas que trazia na carteira 92 quadras, que distribuía pelas pessoas a que se referia.
Ao António Maciel de Lima, entregou-lhe:

Conheço um António Lima
Que a minha filosofia
Não sabe se é lima ou pêra
Ou maçã ou melancia…

O que todos me afiançam,
Verdade que o atormenta,
È que este fulano Lima 
É Lima…de ferramenta.

Depois de ter versado os homens presentes, ás senhoras dedicou irónicas, mas elegantes quadras, tais como:


Quem tem rido à custa alheia
È bom que pague também…
Chegou a vez das senhoras;
Agora escutem-me bem:

Das casadas nada digo; 
Dessas os cinco sentidos
Apenas lhes impõe deveres 
D’agradar aos seus maridos

Quanto às solteiras, que vezes
Um rouxinol solitário 
Não tem dito por Fijó:
“Ai Maria do Rosário!
Apesar de ser corrente
Que, por capricho, talvez,
Namoraras sem escrúpulo
Trinta janotas num mês.

À Francisquinha Estefânia
Que vezes não tem ouvido
De mil corações a um tempo
O soluçante gemido.

Até consta que no Porto
Ao passar um regimento
Pela rua onde reside
Este da Feira portento,


Ficaram todos no corpo
Da Chiquinha apaixonados.
Capitães, alferes e músicos, 
Até os próprios soldados!

(a Francisca Estefânia era irmã do poeta)
Nos seus versos referiu-se a todas as meninas da festa e por fim ao anfitrião”.
Fonte: portoarc.blogspot.pt




Guilherme Braga e família mascarados na Vila da Feira




“Em 1880 havia um divertido grupo que se reunia na Tabacaria Freitas & Azevedo, na esquina da Rua dos Clérigos com a Rua do Almada, e que incluía rapazes e velhos, de todas as idades e posições sociais que decidiu celebrar o Carnaval com uma brilhante cavalhada carnavalesca. Composto desde o mais modesto caixeiro de escritório ao mais considerado comerciante, desde o mais ingénuo filho de família ao mais distinto titular, clero, nobreza e povo estavam ali bem representados. Organizaram esta diversão na casa do Visconde de Vilarinho e S. Romão.
A cavalhada representaria a entrada do Príncipe de Gerolstein no Porto.
Este cortejo impôs-se pela sua imponência e pelo seu luxo. Todo o seu guarda-roupa era autêntico. Fardas e uniformes foram cedidos pelos próprios titulares.
Compunham-no uma guarda avançada de lanceiros de 8 cavaleiros, seguiam-se em carros abertos o presidente da Câmara, vereadores, governador civil, comissário da polícia, marinha, juízes, cônsules, titulares etc. Finalmente o carro do príncipe, seu escudeiro e fechava o cortejo um esquadrão de 20 cavaleiros.
Saíram da estação de comboio da Boavista, subiram a rua deste nome, seguiram Cedofeita, Carmo, Clérigos, Santo António até à Batalha.
Neste percurso juntou-se uma multidão que os aplaudia delirantemente.
Foram participantes o próprio Visconde de Vilarinho e S. Romão, seu irmão Júlio Girão, Guilherme Gomes Fernandes e outras personalidades da cidade, acompanhadas pelos mais humildes profissionais, todos pertencentes ao referido grupo”.
Baseado num artigo de O Tripeiro, Volume 2 de 1/1/1910; Fonte: portoarc.blogspot.pt




Em 1889 houve desfiles de trens na Avenida do Palácio de Cristal, que depois passaram por várias ruas da cidade: Triunfo, Duque de Beja, Carmo, Clérigos e Praça Nova, Santo António, Batalha, Entreparedes, S. Lázaro, Duquesa de Bragança e Formosa, Santa catarina, Santo António, Clérigos e Carmo.
Apresentaram-se no desfile: F. Brandão, Diogo Cabral, Arnaldo Faria, Manoel Gualberto Soares, Conde do Côvo (Gaspar Maria de Castro Lemos de Magalhães e Menezes Pamplona, que seguia acompanhado de “Madame Eça de Queiroz e mademoiselle Resende”), Delfim de Lima (num dog-cart), as famílias Pereira Machado e Lencastre, Guilherme Lima e Artur de Aragão.
As ornamentações das diversas viaturas eram da autoria, na sua grande maioria, do horticultor Marques Loureiro.




Batalha de Flores e Cavalhada – Fonte: “Jornal do Porto” em 7 de Março de 1889




Acima, dava-se notícia de uma batalha de flores ocorrida em Vila Nova de Gaia, seguida de uma cavalhada.
Nas cavalhadas, mascarados vestindo roupas coloridas e passeando-se nos seus carros enfeitados, ou montando cavalos, saíam pelas ruas, fazendo algazarra.
A cavalhada teve origem nos torneios medievais, onde os aristocratas exibiam em espectáculos públicos a sua destreza e valentia, e frequentemente envolvia temas do período da Reconquista.





“(…)Retornemos à cidade do Porto do final do séc. XIX e início do séc. XX, durante a época carnavalesca.
Durante este período a perspectiva jornalística é marcada, no que se refere à festa do Momo, pela crítica negativa às práticas carnavalescas em geral e que assumiu um tom de combate à medida que o século XX se aproximava. Qualificativos como sensaborão, pelintra, rude, grosseiro eram utilizados para qualificar esse Carnaval, que consideravam não ter interesse algum. Ora, estas crónicas jornalísticas eram escritas por homens, intelectuais com valores e ideias precisas, que utilizavam, muitas das vezes, a imprensa como um veículo de propagação de um modelo próprio da realidade, assim como para o combate de um outro modelo existente e ao qual se opunham, fosse ele social, económico, político ou religioso. A imprensa era uma das armas para atingirem os seus objectivos. Estejamos perante uma crónica, um romance ou um relato, como testemunhos históricos que são, eles encerram uma determinada representação da realidade, a qual é filtrada pelo autor e relatada de acordo com um código de valores ou com um propósito definido. Em primeiro lugar, os jornalistas e outros literatos qualificavam o que viam de acordo com o seu sistema de valores considerando decadente, no caso da festa carnavalesca, o que os outros consideravam folia extrema.
(…) Preocupação pela modernização e higienização do país, exigindo-se uma remodelação urbanística à semelhança do que acontecia noutros países europeus, a outra face prendia-se com determinadas manifestações de cariz popular, consideradas retrógradas e incompatíveis com essa nova ordem que se pretendia estabelecer.
Entre elas estavam as carnavalescas. No entanto, esta fora uma luta, com sentidos bem mais profundos e diversos, contra práticas que não conseguiam controlar, cuja espontaneidade e imprevisibilidade pareciam temer, procurando substituí-las por um novo Carnaval: o civilizado, o previsível e mais controlável.
Dessa práticas destacamos, como objecto de análise neste estudo, as mascarada/cavalhadas, as troças carnavalescas (ou seja, ditos jocosos que podiam tomar a forma de denúncia ou até de insulto), e o chamado jogo de entrudo (uma batalha em que as armas de arremesso eram desde ovos, pós de sapato, água choca, tremoços, cal...). Inerente às duas primeiras práticas carnavalescas referenciadas, mascaradas e troças, independentemente da forma como se apresentavam ou dos novos sentidos que iam tomando nas últimas décadas do século XIX, esteve sempre presente o elemento grotesco e a sátira, quer pelas encenações e linguagem utilizada, quer pelos inúmeros versos impressos que os foliões actores iam espalhando ou os versos jocosos que iam dizendo.
Associadas aos mascarados, estivessem eles desfilando nas ruas ou dançando num dos diversos bailes carnavalescos da cidade, estavam as troças ou gracejos carnavalescos, uma linguagem cómica cujo objectivo final seria o de provocar o riso. Há muito utilizado como instrumento de crítica, estes ditos jocosos, vulgo troças, não raras vezes tomavam a forma de denúncia ou até insulto. Pelo que as fontes nos permitiram saber, os temas preferidos pelos foliões na elaboração dos seus gracejos diziam respeito sobretudo à vida privada e profissional ou características físicas dos outros, procurando ridicularizá-los em plena praça pública. Era o caso dos adultérios, dos filhos ilegítimos, da condição de “corno” ou de negociante desonesto, realidades que davam às troças uma feição temida por muitos, inclusive pelos intelectuais. Para além de uma crítica afiada, estes panfletos serviam também de convites às folias carnavalescas nocturnas ou diurnas, quando lançados pelos chamados bandos anunciadores. De acordo com os poucos registos que fomos encontrando, estes panfletos teriam servido também como instrumento à dimensão amorosa da festa carnavalesca. É o caso dos papéis arremessados juntamente com outros objectos, contendo por exemplo declarações de amor.
Ora esta liberdade de crítica, aliada à sátira carnavalesca, aproveitada por muitos para denunciar e ridiculizar aspectos gerais ou particulares da sociedade, políticos ou não, parecia incomodar e até amedrontar alguns, inclusive os intelectuais e a autoridade da época, nomeadamente quando eram, pessoal ou colectivamente, alvo de ataque.
Este receio traduziu-se na necessidade de limitar essa liberdade crítica, considerada pela sabedoria de todos como máxima e isenta de qualquer punição durante o reinado do Momo, dando origem à publicação de vários editais. Através da força da lei o governador civil procurava regular as diversas práticas carnavalescas portuenses, medidas que se integram no movimento europeu de controle e repressão de manifestações consideradas anárquicas (= populares) e de enquadramento do lazer das classes mais baixas, acentuando-se no contexto específico de crítica e crescente oposição ao sistema monárquico na última década do século XIX. Na sequência da deliberação do Governo, de 1890, que limitou a liberdade de manifestação, atingindo directamente os divertimentos públicos, o governador civil do Porto aproveitou para reforçar a legislação no domínio da festa carnavalesca, uma vez que esta se apresentava como um momento potencialmente perigoso, não apenas para o sistema político mas para um sistema social que pretendesse manter as suas fronteiras bem definidas e em todas as ocasiões”.
Com a devida vénia a Sandra Brito; In: “O Carnaval e o mundo burguês” -Revista da Faculdade de Letras

O rei Momo, referenciado no texto anterior, é uma personagem (curiosamente feminina) que personificava a ironia e o sarcasmo, inspirada na mitologia grega.
O rei Momo deve ser uma pessoa que goste muito de carnaval e de preferência gordo. Deve ser animado, pois é ele quem vai animar e comandar as festas de carnaval. O rei Momo deve ser também simpático, brincalhão, divertido e bem-humorado.



Carnaval de 1902 – capa de O Tripeiro da 7ª. Série –Ano XXI; Fonte: portoarc.blogspot.pt




No ano de 1902, a que se refere a gravura anterior, o Carnaval acontecia, sobretudo, nos teatros e em festas promovidas por particulares e, ainda, pelas ruas da cidade em que era o povo o protagonista espontâneo em manifestações típicas da quadra festiva.
Desse ano, dava conta o jornal “A Voz Pública”.



In “A Voz Pública” de 7 de Fevereiro de 1902




In “A Voz Pública” de 11 de Fevereiro de 1902



O carnaval na cidade do Porto está, no século XX, no entanto, intimamente ligado à actividade do Clube Fenianos Portuenses.
Foi, no fundo, o Carnaval que projetou o Clube Fenianos Portuenses.


“Fundado a 25 de março de 1904 com o lema “Pelo Porto!”, o Clube Fenianos Portuenses é, por assim dizer, uma “marca registada” na cultura, recreio e desporto da cidade, facto que lhe mereceu as distinções de Instituição de utilidade pública, Comendador da Ordem Militar de Cristo e Medalha de Ouro da Cidade.
Com cerca de 400 associados, a instituição que foi conhecida na região pelos seus corsos de Carnaval, está como que a “recarregar baterias” para durante este e no próximo ano regressar em força às ruas do Porto com atividades que a dignificaram. Internamente, registe-se aparecimento de algumas secções até agora inexistentes ou inativas.
Conhecido pelas atividades de ilusionismo e de bilhar, o “Fenianos” tem, na sua história momentos verdadeiramente marcantes, que no seu imponente edifício-sede se guarda com orgulho.
Os festejos atingiram o seu apogeu, salvo o erro, em 1957.Depois, já em 1982-83 – estou a lembrar-me dos pontos mais marcantes – fizeram-se os mini-corsos e que também foram um êxito! Assistiram aos mesmos – segundo os jornais da época – mais de cem mil pessoas. A partir dessa data, o dinheiro começou a escassear, e parou-se”.
Fonte - Site: etcetaljornal.pt




“A imagem desta festa carnavalesca burguesa, enquanto vitória do Carnaval Civilizado sobre o Entrudo e as suas práticas, foi construída ao pormenor. Em colaboração directa com a organização deste novo Carnaval – o Feniano -, as autoridades tomaram algumas medidas extraordinárias: Para além da habitual proibição do jogo do entrudo e da utilização de artigos carnavalescos como balotes, estalos, bisnagas ou ovos de cheiro, os representantes da autoridade ordenaram e efectuaram “buscas” aos diferentes estabelecimentos da cidade, de forma a apreender os referidos artigos que se encontrassem à venda. O objectivo era impedir que estes fossem utilizados nos dias de realização do Carnaval Feniano, o qual tinha como missão acabar com o Entrudo. Ainda assim a sua ausência não estava garantida uma vez que parte das armas utilizadas no jogo de entrudo era de fabrico artesanal ou de fácil aquisição (pós de sapato, farinha ou tremoços). Esta onda de receio está na origem de outra das medidas tomadas por ocasião destas festas: o que a imprensa chamou de “uma verdadeira caça aos larápios (levados para o Aljube Novo) e aos mendigos (levados para o Aljube Velho)”.
Outras prisões efectuadas foram as de alguns foliões que, todos os anos, acabavam a folia atrás das grades, face aos excessos que protagonizavam.
Tudo deveria sair perfeito. O Carnaval Feniano decorreria assim numa cidade civilizada, onde os mendigos e os larápios pareciam não existir e onde os foliões pareciam ter esquecido as bisnagas, os pós ou os ovos de cheiro utilizados no ano anterior. Ora, os mendigos e os larápios estavam detidos, assim como alguns dos mais entusiastas (perigosos) praticantes dessas folias; as armas de arremesso tradicionais encontravam-se supostamente todas apreendidas.
(…) Se as brincadeiras carnavalescas marcadas pelos excessos, incluindo a de arremessar algo ao outro, foram sendo combatidas pela autoridade (editais), mas os seus artigos foram sempre produzidos e comercializados, dado o lucro que traziam; à medida que se efectua uma lenta substituição das armas carnavalescas de tipo caseiro pelas industrializadas, levando à criação de novas indústrias (lança-perfumes, confetis, serpentinas) e à dinamização do comércio, os festejos do reinado do Momo e muitas das duas práticas (mesmo as consideradas excessivas) passam a estar protegidas pelos interesses económicos. Exemplo desta curiosa realidade foi o movimento em defesa da folia carnavalesca, vivido na cidade do Porto em 1917, e que teve como, principais protagonistas, não os foliões, mas os principais representantes do comércio, indústrias e serviços ligados às folias do Momo: os empresários e arrendatários das casas de espectáculos e salões de baile, assim como os fabricantes e comerciantes de artigos carnavalescos. Os protestos que se fizeram ouvir decorreram da deliberação do Governo que proibia os festejos carnavalescos.
Curiosamente, ou não, vamos encontrar importantes associações da cidade, inclusive o Clube Fenianos, a defender esses jogos carnavalescos (os quais mantinham vivos os sentidos do jogo do entrudo). O Carnaval não era, nesse momento, perspectivado como um momento de folia, mas
Como, uma oportunidade de lucro, reconhecendo-se a importância destas práticas para algumas indústrias, casas comerciais e de espectáculo.
Com a devida vénia a Sandra Brito; In: “O Carnaval e o mundo burguês” - Revista da Faculdade de Letras




Foi no ano de 1905 que o Clube dos Fenianos ressuscitou o Carnaval há muito tempo sem festejos, e o respectivo cortejo pelas ruas da cidade. O clube tinha sido fundado em 1904 por cidadãos republicanos e políticos contra a situação. Naquele cortejo desfilou num carro alegórico, uma réplica em madeira da estátua "O Porto" que estava no frontal do edifício da Câmara Municipal e, que, nos dias de hoje, está exposta à entrada da sede do clube.




Rua das Carmelitas no Carnaval de 1905




Corso dos Fenianos de 1905



Na foto acima o povo aguarda a passagem do corso de 1905 na Rua de Santo António. Observa-se ainda, uma janela ornamentada da Ourivesaria Reis, anterior à mudança para a esquina com a Rua de Santa Catarina.



No carnaval de 1905 a banda de música da “Casa Guimarães” no Palácio de Cristal 



A fachada da Fábrica Confiança na Rua de Santa Catarina enfeitada para os festejos carnavalescos de 1905




Carnaval de 1906 – Ed. Aurélio da Paz dos Reis




Na foto acima durante o Carnaval de 1906, observam-se os sócios dos Fenianos em frente ao cinema Águia d’Ouro. 



“Carro das Vinícolas”, no corso de 1906, passando junto da sede do Clube Girondinos, na Rua de Alexandre Herculano 


 


Corso carnavalesco, em 1906, passando na Praça dos Leões – Ed. Aurélio da Paz dos Reis

 
 

Corso dos fenianos, em 1907, passando no Carmo – Ed. Aurélio Paz dos Reis
 
 
 

Corso Carnavalesco dos Fenianos, em 1908, junto do Teatro do Príncipe Real (Teatro Sá da Bandeira)


 

Corso carnavalesco, em 1908, na Rua Ferreira Borges – Ed. Aurélio Paz dos Reis



Carnaval dos Fenianos 1908 junto à igreja do Carmo



Carnaval de 1909




“No Carnaval de 1913 um grupo de foliões, tendo-se-lhe acabado os habituais arremessos da época, resolve atirar pastéis de nata às beldades que, na Praça da Liberdade, se encontravam às janelas. Em tal quantidade que a polícias teve de intervir e os fizeram passar uma noite na enxovia. Na manhã seguinte foram libertados mediante o pagamento de 10.000 reis para os pobres”.
Fonte: portoarc.blogspot.pt



Carnaval do F. C. Porto em 1925



“Foi no dia 21 de Fevereiro de 1939 que o Entrudo ressuscitou na cidade do Porto pela mão do Clube Fenianos Portuenses, num longo e demorado cortejo com 80 carros alegóricos que desfilaram pelas ruas do Porto.
As fotos originais, ilustram um dos carros nas ruas D. Manuel II e Fernandes Tomás, transportando o "Rei do Carnaval" António Peixoto Alves Correia do Club Fenianos Portuenses. Dizem alguns portuenses que assistiram, que foi o maior Carnaval de sempre realizado na cidade do Porto com muita intensidade.
De todo o país, eram milhares de pessoas que vinham de comboio para vêr o cortejo, beneficiando de uma redução dos preços nos Caminhos-de-Ferro.
As "vendedeiras" do Mercado do Bolhão contribuíram para o sucesso deste Cortejo.
O programa de Cartaz era o seguinte: Batalha de Flores, Espectáculos e Bailes, Marcha luminosa e o Cortejo Carnavalesco”.
Fonte: “clubedecoleccionadoresdegaia.blogspot.pt” 




Na Rua Fernandes Tomás em 1939 cruzamento com Rua do Bonjardim




Corso em 1939 na Rua D. Manuel II




Carnaval de 1939




Segundo o historiador Hélder Pacheco, no livro “Tradições Populares do Porto”, o Carnaval dos Fenianos teve um arranque auspicioso, mas acabou por esmorecer, para renascer entre 1954 e 1957, quando “voltou o monumental corso com carros alegóricos, que levou grandes multidões às ruas. Mas o carnaval deixara de ser um sentimento vivido e participado, para se transformar num espectáculo assistido”.




Corso em 1954 




Carnaval e a imprensa da época
 
 
-17 de Fevereiro de 1846 –
Carnaval: Consta que estão proibidos os bailes de máscaras nos teatros, quer de S. João, quer de Santa Catarina ou Liceiras (jornal “Cosmopolita”, 17 Fev.1846, cit. Guido de Monterey, “O Porto 3”, p. 558)
 
 
-12 de Fevereiro de 1850 –
Baile de Máscaras: na 3ª Feira, em casa de Alexandre Miller, com grande número de famílias inglesas (“Periódico dos Pobres no Porto”, 15 Fev.1850, p. 171).
 
 
-6 de Fevereiro de 1854 –
Carnaval: “O Café Lusitano dispõe-se também a dar alguns bailes de máscaras no presente carnaval” (jornal “O Portuense”,6 Fev.1854, cit. Guido de Monterey, “O Porto 2”, p. 618).
 
Aquele Café Lusitano ocupou o prédio onde lhe sucederia, no mesmo ramo de actividade, o Café Portuense e o Café Suisso, na esquina da então Rua de Sá da Bandeira e Praça D. Pedro
 
-8 de Fevereiro de 1880 –
Carnaval: Domingo com chuva e fortemente policiado na rua, com espectáculos nos teatros (“Jornal da Manhã”, 8-9 Fev.1880, p. 2).
 
 
-14 de Fevereiro de 1890 –
Supressão do Carnaval nas ruas: Edital do Governo Civil: proibidas as vozeiras e os ajuntamentos públicos (“Jornal da Manhã”, p. 2).
 
 
-12 de Março de 1904 –
Nesta Terça-feira de Carnaval foi criado, no Café Porto Club, na Praça da Liberdade (onde hoje é o B.N.U.), os Fenianos, para animar o Carnaval do Porto.
 
-11 de Março de 1905 –
Banquete de homenagem ao arq. José Teixeira Lopes e a Júlio Pina, no Hotel do Porto, pelos Fenianos, pela colaboração deles para as primeiras festas carnavalescas.
 
 
-18 de Fevereiro de 1909 –
Cortejo da Escola Médica ao Mercado do Bulhão, onde se realizou o “casamento” da Rainha Barbuda (vendedora) com o Rei Preto (padre António), depois de coroada a velhota de pêra e bigode com uma enfiada de chouriços de sangue, etc, terminando nos Fenianos que recebeu o cortejo com champanhe (A. Casimiro de Carvalho, “O Tripeiro”, Mar.1959, p. 351).
 
 
-8 de fevereiro de 1948 –
1.º baile de Carnaval, pós-guerra, no Club Portuense com um grande número de debutantes.
 
 
 
-8 de Fevereiro de 1959 –
Domingo de Carnaval: grande cortejo do Palácio ao centro da cidade.

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