quinta-feira, 22 de março de 2018

(Continuação 6)



Bernardo de Clamouse Browne foi um importante negociante e industrial e cônsul dos E.U.A. O seu irmão, Manuel de Clamouse Browne, foi reputado comerciante no ramo dos vinhos e virá a ser sócio fundador da Associação Comercial do Porto. Estes dois irmãos eram bisnetos de Bernardo de Clamouse, que se dedicou ao comércio por grosso, com seu negócio centrado nas mercadorias vindas de França, e que assumiu o cargo de cônsul da França em 1720, com cerca de 25 anos.
Aquele Bernardo Clamouse Browne, na transição do século XVIII para o século XIX tinha a funcionar na “zona de Vilar” uma fábrica de fiação, que utilizava a melhor tecnologia existente à época. A localização precisa não é consensual entre os historiadores, mas pode mesmo ser aquela que albergou sucessivamente, A Fábrica Têxtil de Bernardo Clamouse Brown, a Fábrica de Curtumes de Bernardo Clamouse Brown e, mais recentemente, a Fábrica de Curtumes do Bessa. É esta a teoria que mais abaixo desenvolve Manuel Lopes Cordeiro, um exímio estudioso destas matérias. Aliás, essa localização poderá ser considerada situada praticamente na referida por alguns como a “zona de Vilar”.
Devido a um incêndio, às invasões francesas e aos acordos de comércio com a Inglaterra, que para promover os nossos vinhos, tiveram como contrapartida uma entrada maciça dos têxteis provenientes do outro lado da Mancha, a fábrica têxtil de Bernardo Clamouse Brown, durante a 2ª década do século XIX foi obrigada a encerrar, tendo os seus proprietários passando a dedicar-se a outro negócio - os curtumes.
Segundo alguns estudiosos, esta actividade começaria a ser desenvolvida no local em que, até há poucos anos, funcionou a Fábrica de Curtumes do Bessa, à Rua António Bessa Leite, e de que hoje, apenas resta, uma alta chaminé.



“Foi recentemente demolida - com excepção da chaminé, que ainda subsiste, mas que provavelmente irá conhecer o mesmo destino - a Fábrica de Curtumes do Bessa, uma das mais antigas unidades industriais portuenses, situada na Rua de Bessa Leite, em Lordelo do Ouro. Como já por diversas ocasiões referimos nesta rubrica, parece ser este o irremediável destino que aguarda o património industrial da cidade. Como também já salientámos, não é possível - nem desejável - salvaguardar todos os testemunhos do nosso passado histórico, apenas se justificando proceder desse modo em relação àqueles que apresentam um efectivo valor histórico e patrimonial, à luz dos critérios universalmente reconhecidos para esse efeito. O que se impõe, nestes casos, é a aplicação das mais elementares normas de arqueologia preventiva e de salvamento, ou seja, a conservação pelo registo, e, tanto no caso do património industrial como no de outras épocas, todas as demolições deveriam ser acompanhadas por arqueólogos, a fim de se efectuarem os registos necessários para que esta herança possa vir a ser explorada do ponto de vista científico. É algo que se afigura extremamente simples, pois não constitui nenhum obstáculo intransponível englobar este tipo de trabalhos arqueológicos como parte integrante das obras de demolição, sem a garantia da realização dos quais não seria concedida a necessária autorização. Recordamos, uma vez mais, o caso da primitiva instalação hidráulica da Fábrica de Lanifícios de Lordelo (na Rua de Serralves) - da qual subsiste uma turbina que se encontra soterrada -, que irá ser possivelmente destruída aquando do revolvimento de terras que acompanhará a prevista demolição das suas instalações, e que se reveste de grande importância para o conhecimento do sistema energético daquela histórica unidade industrial portuense e da própria produção daquele tipo de equipamentos. A manter-se este ritmo de destruição não selectiva e "não organizada", num futuro próximo não restará um só edifício industrial dos passados séculos XIX ou XX que possa constituir um testemunho de como, na cidade do Porto, se desenrolou uma das maiores transformações experimentadas pela humanidade, como foi o período da industrialização, e nem sequer se poderão extrair os conhecimentos que essas demolições proporcionariam, se fossem devidamente acompanhadas. A demolição da Fábrica de Curtumes do Bessa constituía, precisamente, uma das cada vez mais raras oportunidades existentes na cidade do Porto para pôr em prática os princípios metodológicos a que acima aludimos. O acompanhamento arqueológico dos trabalhos de demolição desta unidade fabril poderia proporcionar um maior conhecimento daquela que foi a primeira unidade industrial moderna do sector de fiação de algodão fundada no Noroeste do país - a Fábrica de Fiação de Bernardo de Clamouse Browne -, que ali terá sido instalada nos finais do século XVIII, e da qual se conhece muito pouco, existindo, inclusivamente, dados contraditórios sobre a sua localização. De facto, são escassos os elementos precisos sobre a história daquela fábrica que chegaram até aos nossos dias. Sabe-se que pertencia a Bernardo de Clamouse Browne, então cônsul de França nesta cidade. Em 1799, de acordo com T. Lecussan Verdier, já fiava algodão com "jennies", e, segundo a informação do corregedor da Comarca do Porto, de 28 de Maio de 1813, publicada no Mapa Geral Estatístico de Acúrsio das Neves, naquela data encontrava-se em decadência. A principal razão desse estado de decadência é muito claramente explicada pelo próprio Bernardo de Clamouse Browne, na resposta ao Inquérito Industrial da Comarca do Porto, de 30 de Outubro de 1813, ao afirmar "que, em consequência do último Tratado de Comércio entre este Reino e o de Inglaterra [Tratado de 1810], que permitiu a introdução de todas as fazendas inglesas, como se tem verificado, cessou de todo a laboração da nossa fábrica enquanto à fiação, tecidos e estamparia, resultando-nos um gravíssimo prejuízo, como é a perda de todos os preparos e edifícios, utensílios e máquinas que tanto dinheiro custaram". Encerrada a actividade têxtil, Clamouse Browne e o seu sócio Rodrigo António Leite de Morais ver-se-ão obrigados a mudar de ramo, no caso para o da indústria de curtumes. Segundo as suas próprias palavras: "Em consequência da aniquilação das referidas laborações é que temos erigido a nossa fábrica de curtume no mesmo sítio, a fim de aproveitar o local e ocupar parte dos edifícios e oficinas". Deste modo, seria extremamente importante acompanhar o processo de demolição das instalações da Fábrica de Curtumes do Bessa, sucessora daquela que ali foi instalada por volta de 1813, a qual, aliás, contava com uma outra unidade, entretanto demolida para dar lugar a uma urbanização, e onde também poderia ter laborado a fábrica de fiação. Tal acompanhamento poderia proporcionar a descoberta dos vestígios da anterior unidade de fiação têxtil, identificar o seu espaço de laboração e, eventualmente, recuperar alguns materiais de enorme interesse para um seu maior conhecimento. Resta-nos lamentar, para além da destruição do património, a perda de mais uma oportunidade única para salvaguardar a memória industrial portuense”.
Com o devido crédito a José Manuel Lopes Cordeiro, In Jornal Público de 21 de Janeiro de 2001

Da Fábrica de Curtumes do Bessa, na Rua António Bessa Leite, resta a chaminé – Fonte: Google maps

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