sexta-feira, 31 de maio de 2019

25.49 Mosteiro de São Salvador de Bouças e Senhor de Matosinhos


A história da freguesia do Salvador de Bouças de Matosinhos entronca na do desaparecido Mosteiro de São Salvador de Bouças, onde se venerou, durante séculos, a imagem do Senhor de Bouças.
A referência mais antiga a este mosteiro foi feita num contrato, entre ele e a Igreja de São Martinho de Aldoar, no ano de 944.



Entrada do Mosteiro de Bouças já em ruínas na actual Travessa de Bouças



Entrada actual para o acesso ao Mosteiro de Bouças cujas instalações continuam em ruínas



Vista aérea do local onde esteve o Mosteiro de Bouças – Fonte: Google maps



Em 1120, um documento do Papa Calisto II referiu-o como sendo uma das casas religiosas do Bispado do Porto no Condado Portucalense, juntamente com o Mosteiro de Leça do Balio e o de São Salvador de Lavra.
No seu último testamento da Era de 1248 (ano de Cristo de 1210), o rei D. Sancho I (Coimbra, 11/11/1154 - Coimbra, 26/03/1212) doou à sua filha mais nova, dos seus 11 filhos legítimos, D. Mafalda Sanches que era neta de D. Afonso Henriques, o Mosteiro de Arouca, a herdade de Seia que fora de sua mãe, 40 000 maravedis e 200 marcos de prata.
Como filha preferida de seu pai, D. Mafalda já tinha recebido, aquando do seu nascimento, o mosteiro de Bouças.
D. Mafalda Sanches (Coimbra, cerca de 1197 - Mosteiro de Arouca, 1257), Infanta de Portugal, casou em 1215 com Henrique de Castela, mas este faleceu em 1217 e o casamento foi anulado pelo Papa, tendo, em 1216, Mafalda Sanches, entrado no Convento de Arouca como religiosa quando já reinava o seu irmão D. Afonso II, tal como três das suas irmãs (foi beatificada em 1793, e terá residido em Bouças, nos arredores do mosteiro, antes de 1216, tendo tentado reformá-lo).
Após a morte de D. Mafalda, em 1257, ocorrida já durante o reinado do seu sobrinho D. Afonso III, seria o sucessor deste, D. Dinis (1261-1325), a doar as casas da falecida D. Mafalda Sanches e o Mosteiro de Bouças, a D. Geraldo Domingues, Bispo do Porto e de Évora, em 1305, ficando este na posse do padroado da igreja de Bouças (hoje Matosinhos).
Este prelado seria assassinado a 05/03/1321 na então vila de Estremoz pelos Barretos (fidalgos do Alentejo) e outros fidalgos, após as desordens civis do final do reinado de D. Dinis, quando aquele prelado era Bispo de Évora.
Durante o reinado de D. Dinis tinha continuado a fazer-se sentir o reflexo das lutas em que o seu antecessor D. Afonso III esteve envolvido com os bispos portugueses.
Rodeado por alguns dos seus filhos ilegítimos e por parte da nobreza, o monarca travaria uma dura luta com o herdeiro do trono (futuro D. Afonso IV) e os seus apoiantes. Desta luta, resultaria o assassinato do bispo de Évora (1313-1321) e do Porto (1300-1308), Geraldo Domingues, identificado como um dos bispos mais fiéis ao rei, pelos apoiantes do infante D. Afonso. Entre o Porto e Évora passou D. Geraldo, por Palência, como bispo, durante 4 anos.
A morte do prelado marcaria também o final da carreira de um dos eclesiásticos que, desde pelo menos o ano de 1300, exercia diferentes cargos episcopais e recebia do rei inúmeras benesses. O desfecho trágico aconteceria em sequência da sua nomeação para executor da bula de censura dirigida ao infante, exarada pelo papa João XXII.
Antes de ser assassinado, D. Giraldo Domingues pediu para ser sepultado 'à sombra dos braços do Crucifixo de Bouças', o que veio a acontecer, sendo sepultado em túmulo, na Capela-Mor do Mosteiro de Salvador de Bouças e ao ter sido feita a sua vontade, de que nessa capela-mor, passasse a haver 5 Capelães que rezassem em coro as horas canónicas e que tivessem a obrigação de missa contínua por si, pelo falecido rei D. Dinis e pelos seus antepassados, sendo sustentados pelo reitor do mosteiro.
Junto daquela capela-mor e da sepultura, há uma belíssima escultura em madeira com legenda onde se lê que era o 29.º bispo do Porto.
Em 1343, Marianna Vicente, a viver em Baiona na Galiza, fez um testamento onde exigia que o seu marido Pero Eannes, ou alguém que o substituísse se ele não pudesse ir, fosse após a sua morte em peregrinação pela sua alma ao Crucifixo de São Salvador de Bouças e a Santiago (de Compostela).
Assim, já na 1.ª metade do séc. XIV, estava enraizado também na Galiza o culto a São Salvador de Bouças e à imagem de Jesus Cristo, que já estava há muito tempo no Mosteiro de Bouças.
A 20/06/1542, a Bula e o Breve 'Superna Dipositione' do Papa Paulo III confirmaram a anexação perpétua da Igreja de São Salvador do Crucifixo de Bouças (o Mosteiro de Bouças) ao Padroado da Universidade de Coimbra (UC) feita em 1542 pelo rei D. João III.
Por volta de 1550, encontrando-se o Mosteiro de Bouças (ou Igreja de São Salvador do Crucifixo de Bouças) em estado debilitado e a necessitar de ser substituído, pois teria sido reconstruído há cerca de 300 anos antes, durante o séc. XIII, no lugar de Bouças de Baixo, a Universidade de Coimbra decidiu a construção de uma nova igreja a poucos metros do referido mosteiro, mas já no lugar de Matosinhos.
A 01/07/1559, a UC, que possuía o padroado de Bouças, desde 1842, outorgava através do seu Reitor, João de Almeida, a João de Ruão, a construção da nova ‘Igreja Parochial de Sam Salvador do Crucifixo de Bouças’ por 1350 mil reis num prazo de 4 anos no lugar de Matosinhos e deu-lhe autorização para requerer oficiais, servidores, barcas, navios, carros, achegas e outras coisas necessárias a essa construção.’
No entanto, esta construção não começou logo, pois, só em 1560, se deslocaram ao lugar de Matosinhos João de Ruão e os Vedor e Contador da UC para verem o 'assento e chão que está declarado em que se há-de fazer a Igreja do Salvador de Bouças'.
A imagem do Senhor de Bouças foi então transferida do antigo Mosteiro de Bouças, ainda no séc. XVI, para a nova igreja entretanto construída à entrada do lugar de Mathozinhos numa 'amena e dilatada planície de altos e frondosos alamos'.
A igreja está funcional, após vários adiamentos para a sua abertura, em 1579, tendo-se juntado ao processo na fase final, Tomé Velho.
Em 1609, quando já era Guarda-Mor da Livraria do Estudo desde 1602, o presbítero e bacharel em Cânones, Pedro Mariz, fez a 1.ª descrição iconográfica da imagem do Senhor de Bouças, já no lugar de Matosinhos na igreja que substituiu o Mosteiro de Bouças, no Capítulo XI do seu livro 'História do Bem-aventurado Sam João de Sahagun, Patrão Salamantino'.
Uma referência à nova igreja e à Confraria do Santo Crucifixo de Bouças (criada nessa igreja em 1607) é feita, quando uma Bula do Papa Paulo V instituiu canonicamente essa confraria concedendo-lhe várias indulgências.



Cortesia de Adriano Simões da Silva




Em 1607, foi, então, criada a Confraria do Bom Jesus de Matosinhos e erecta canonicamente. Esta Confraria teve em vista a caridade e assistência aos mais necessitados da população de Matosinhos.
Para conseguir este objectivo, construiu um hospital, um asilo para recolha, sustento e educação de órfãs pobres, duas escolas de ensino primário e, actualmente um complexo assistencial para terceira idade e infância, entre outros.
Após a criação da confraria foi-lhe concedido o Título de “Real Confraria”, por D. Pedro II, em Alvará de 26 de Agosto de 1688, passado em Lisboa por Domingos Gomes de Araújo, ficando, deste modo, a Confraria do Bom Jesus de Bouças com o seu Compromisso confirmado e garantia régia de seus direitos e privilégios, tendo-se, assim, concretizado a vontade do seu Juiz e Irmãos.
A imagem do Senhor Jesus de Bouças foi levada em procissão solene à cidade do Porto várias vezes em situações fatídicas para o Porto e a pedido das gentes da cidade, fosse por calamidades de origem climatérica, fosse por doenças infectocontagiosas.
A primeira vez, de que se tem conhecimento, foi em 1526, ano de tanta chuva, em Portugal, que levou à perda da maior parte das searas e a muitas cheias fluviais.
A segunda vez foi a 07/06/1585, era Coadjutor o padre Leonardo Afonso há pelo menos 8 anos, seguindo-se a 31/05/1596, ainda com o padre Leonardo Afonso a ser o Coadjutor e a 20/06/1644, sendo Reitor o padre Francisco Rodriguez.
Nesta última visita, em 1644, no dia 20 de Junho, a presença da imagem foi solicitada à irmandade do Bom Jesus pelo Senado do Porto que pediu auxílio para que tivesse fim um dilúvio tornado calamidade pública e que afectara a cidade. Nesta procissão ter-se-ão incorporado cerca de quarenta mil pessoas. Eis a crónica do milagre que teve lugar depois da celebração da Missa na Sé Catedral do Porto, neste dia: 



«Terminada a Missa cessó el dilúvio tuvo fin el agoa y se removió toda la tempestade de todos los malos temporales y lo rigoroso del tiempo, quedando tam fixo y de tanta bonança que admiro a los mesmos prasaentes tam repentino caso; enfim, obra deste Diviníssimo Senhor» 
Manuel Pereira de Novais (monge beneditino), in «Anacrisis Historial, 1915, vol. IV


Em 1694, depois de meados de Abril, a imagem voltou a ser levada em procissão até ao Porto pela 5.ª vez.
A 03/05/1696, o Padre Frei Bento de Santa Maria (monge de São Bento e prelado da Foz, natural da então vila de Guimarães), fez um grande sermão na Igreja que estava repleta de peregrinos vindos de todo o país e que ficou célebre.
A 6.ª deslocação da imagem do Salvador de Bouças de Matosinhos, até à Sé do Porto aconteceu a 02/04/1696 quando era Reitor António Coelho de Freytas (nascido em Coimbra e batizado na Paróquia de Sam Pedro, estudou Direito Pontifício na UC onde se formou bacharel, tendo sido provido pela UC Reitor e Capelão da Igreja de Sam Salvador de Bouças de Mathozinhos em 1682 onde permaneceu até ao seu falecimento a 24/12/1736 depois de ter feito testamento e foi então sepultado nessa igreja com ofício de corpo presente por todos os padres de Mathozinhos e de Leça e ainda pelos religiosos do Convento de Nossa Senhora da Conceição).
A 24/03/1696, os senhores do Senado da cidade do Porto (Francisco de Andrada da Sylva, Luis Freire de Saa, Thomè da Sylva Baldaya e João Monteiro de Proença) enviaram uma carta aos Juiz, Tesoureiro, Mordomos e demais Oficiais da Confraria do Senhor de Bouças propondo o dia de 28 de Março para a procissão solene com a imagem do Senhor de Bouças, entre a Igreja de Nossa Senhora da Graça dos Meninos Órfãos e a Sé do Porto.
Pretendia-se debelar, com a intervenção do Bom Jesus de Matosinhos, uma epidemia que dizimava a população da cidade, com os hospitais cheios e os cemitérios incapazes de suportar tantos corpos.
A Mesa da Confraria do Senhor de Bouças respondeu de imediato que nesse dia não poderia ser, contrapondo 02/04/1696.
A 01/04/1696, foi então a imagem do Senhor de Bouças retirada da Igreja de São Salvador de Bouças de Matosinhos e colocada num andor que partiu para o Porto às 05 horas de 02/04/1696 rodeado por 12 lanternas de prata seguradas pelos tesoureiro, escrivão e procurador da Confraria do Senhor de Bouças, e levado por 16 sacerdotes com sobrepelizes e estolas, passando a procissão solene pela Ermida da Senhora da Ora, em direcção à freguesia da antiga Colegiada de Cedofeita, tendo a procissão chegado às 10 horas ao Terreiro do Carmo aonde foi ter o Bispo do Porto que então acompanhou a procissão solene no resto do caminho até à Sé onde chegou por volta do meio-dia.
Terminada a Missa Solene às 14 horas, saiu a procissão da Sé tendo passado por outras ruas da cidade até voltar ao Terreiro do Carmo e regressar à Igreja de Matosinhos aonde chegou por volta da meia hora da noite (já 03/04/1696). A imagem do Senhor de Bouças ficou exposta a todos até à tarde de 03/04/1696, realizou-se de manhã Missa Solene em Acção de Graças e só então foi recolhida a imagem e posta de novo no seu lugar dentro da igreja.
Em 1743, a Igreja de Matosinhos começa a ser intervencionada segundo o projecto de Nicolau Nasoni e a fachada adquire o seu estilo barroco.
Antes, em 1650, um novo retábulo é realizado por Ambrósio Pereira, em 1696, esse retábulo vai sofrer grandes obras, em 1726, é entregue ao entalhador Luis Pereira da Costa a encomenda para fazer o retábulo do Bom Jesus e, em 1733, para assinalar o fim das obras no altar-mor e colocação da imagem do Senhor de Matosinhos no seu novo trono, realiza-se um tríduo festivo, na segunda oitava do Espírito Santo, precursor das actuais festas do Senhor de Matosinhos.
Ao longo dos anos, a Santa Casa do Bom Jesus de Matosinhos, com mais de quatro séculos de existência, tem contado com a contribuição, sob várias formas, de muitos benfeitores, alguns distintos irmãos da confraria.
A sua actividade assistêncial vai desde o sector educativo até à prestação de cuidados hospitalares, passando pela asilar.
Depois do 25 de Abril de 1974 e com a nacionalização do Hospital, a Santa Casa, viu o hospital passar para as mãos do Estado.






Antigo Hospital de Matosinhos, c.1920



Capela da Misericórdia da Confraria do Bom Jesus de Matosinhos, que funcionou como capela mortuária do antigo Hospital de Matosinhos



Antiga capela mortuária do antigo Hospital de Matosinhos



Internato de Nossa Senhora da Conceição, na Avenida D. Afonso Henriques, nº 365 - Fonte: Gogle maps




Confraria do Bom Jesus de Matosinhos - Casa dos Milagres e, à direita, as Escolas Primárias da Confraria (mais tarde, chamadas do Adro) inauguradas a 28/11/1880




Santa Casa da Misericórdia de Matosinhos




Voltando à igreja do Bom Jesus de Matosinhos, ela foi objecto de inúmeras alterações até à actualidade, destacando-se as intervenções no séc. XVIII, devidas à crescente importância da devoção ao Senhor de Bouças, particularmente entre aqueles que demandavam as terras do Brasil.
A 25/09/1726, intervenção de Luiz Pereira da Costa, famoso entalhador setecentista, a quem se devem as obras de remodelação e o acrescento da capela-mor a partir de 1726.
Em 1733, a procissão teve como objectivo, precisamente, dar um ar solene às obras importantes que tinham acabado de ser realizadas na igreja. A procissão saiu, tendo atravessado a Ponte de Pedra (conhecida também por ponte dos 19 arcos) em direcção a Leça da Palmeira e regressado por uma de madeira, sobre barcos, construída para o efeito. Daí, dirigiu-se à Praia do Espinheiro, onde foram lançadas três bênçãos: uma sobre o mar, outra na direcção do Porto e a última ao povo de Matosinhos. Durante a cerimónia houve quem tivesse presenciado dois milagres.

“ (…) os peixes, no mar em frente, saltavam de alegria sobre as ondas da praia; no outro, o Sol teria parado durante bastante tempo e o dia ter-se-ia prolongado muito para além do que é normal. Depois das bênçãos a imagem regressou à igreja”.
António Cerqueira Pinto, 1737, in História da Prodigiosa Imagem de Cristo Crucificado

Na sequência das várias intervenções mencionadas seguir-se-iam grandes obras de ampliação e restauro da primitiva igreja, a cargo do arquitecto italiano Nicolau Nasoni, a partir de 1743.
São de admirar as 2 torres sineiras, o frontão quebrado, a porta principal decorada com medalhão, no qual se insere uma concha de vieira e os dois nichos laterais que contêm as estátuas de S. Pedro e S. Paulo.
No espaço interior, dividido em 3 naves, destaca-se o imponente altar-mor de talha dourada que integra na parte central um nicho com uma imagem de Cristo crucificado atribuída aos séculos XII / XIII.
Trata-se de uma escultura em madeira, oca, com cerca de 2 m de altura e muito curiosa, dada a assimetria simbólica do olhar, já que o olho esquerdo se dirige para o Céu e o direito para a Terra, numa clara simbiose entre Deus e o Homem.
Em 17 de Outubro de 1869, o jornal "O Comércio do Porto" noticiava a inauguração do carrilhão da igreja de Matosinhos.
A 18/05/1875, a família real (o rei D. Luiz I, a rainha e os infantes D. Carlos e D. Afonso) ajoelhou-se e rezou em frente da veneranda imagem do Bom Jesus de Matosinhos, nesta igreja.
O desenvolvimento da povoação associado à decadência e ruína da igreja de Bouças – até aí principal centro religioso da região, mas que deixara de o ser do ponto de vista administrativo e da dinâmica económica e social do povoado – após a construção do novo templo, agora em Matosinhos, para onde passa a sede da paróquia e a imagem do Bom Jesus de Bouças, foi perdendo esta designação em favor da de Senhor de Matosinhos.



Cruxifixo de Bouças - Senhor de Matosinhos
 
 
O cruxifixo de Bouças tem a particularidade de apresentar Cristo na cruz, com os pés afastados e não sobrepostos, como é tradicional.
No Porto, é conhecida uma outra representação de Cristo, numa posição na cruz, semelhante.
Esteve na Rua do Poço das Patas, num cruzeiro seiscentista, situado no ponto em que principiava a via-sacra que terminava na cruz do Bonfim e, mais tarde, seria removida para o cemitério da igreja do Bonfim.
 
 

Cruzeiro no cemitério da igreja do Bonfim, início do século XX – Ed. Foto Guedes
 
 
A catedral de Burgos (Castela-Leão, Espanha) apresenta, também, actualmente, um cruxifixo idêntico ao de Bouças.
 
 
 

Cristo de Burgos cruxificado com afastamento dos pés

 
 
D. Frei Agostinho de Jesus (1537 - 1609), arcebispo de Braga entre 13 de Junho de 1588 e 25 de Novembro de 1609, chegou a ir em peregrinação ao Santo Crucifixo de Burgos, onde deixou como testemunho da sua passagem uma armação de veludo negro e uma grande lâmpada de prata, como conta D. Rodrigo da Cunha, na “História Ecclesiastica dos Arcebispos de Braga, e dos Santos, e Varoens, ilustres, que floresceraõ neste arcebispado – segunda parte”
 
 





Igreja Matriz de Matosinhos – Ed. “portojofotos.blogspot.com”



Capela-mor da Matriz de Matosinhos - Ed. “portojofotos.blogspot.com”



Igreja de Matosinhos e procissão do Senhor dos Passos (1918) – Cortesia de Américo de Castro Freitas



Sobre a foto anterior, diz Américo de Castro Freitas:
 
 
“A imagem que agora apresento refere-se á procissão dos passos, em 1918.
A casa da esquerda era a dos Costa Braga, posteriormente demolida para abertura da av. Vitória, agora D. Afonso Henriques. É uma bela e rara imagem.”



(Continua)








segunda-feira, 27 de maio de 2019

25.48 Prenderam o Presidente da Câmara


Os episódios que a seguir serão contados têm a ver com um chafariz da cidade do Porto que é, certamente, considerado por todos, uma obra de arte. Trata-se do chafariz do Jardim do Passeio Alegre.
Tendo o chafariz permanecido, durante anos, a um canto dos terrenos do Palácio da Bolsa foi, por acção do Dr. António Maria Pinheiro Torres, que ele foi salvo da destruição.
O Dr. Pinheiro Torres chamou, em devido tempo, a atenção de todos para umas pedras que estavam encostadas em terrenos da Associação Comercial do Porto.
Após a destruição do convento dos franciscanos, em resultado dos bombardeamentos ocorridos em 1833, durante as lutas do Cerco do Porto e do incêndio aí ocorrido na passagem de 24 para 25 de Junho de 1832 (dizem que provocado pelos próprios frades, em fuga), a rainha D. Maria II, haveria de ofertar aos industriais e comerciantes do Porto o espaço, para nele ser levantada uma associação de empresários.
Aí viria a nascer o actual Palácio da Bolsa e a instalar-se, também, a Associação Comercial do Porto.
As obras para a construção do edifício, com a dignidade exigida, duraram algumas dezenas de anos. Foi neste contexto que alguém reparou numas pedras, que identificou como sendo do antigo chafariz que esteve implantado no claustro do convento dos franciscanos.
Acontece que, em 1865, a Câmara tinha cedido à Comissão Administrativa do Salva-Vidas, na Foz do Douro, uma porção de água, com nascente nos Montes da Foz, com a obrigação de levantarem um chafariz público no Jardim do Passeio Alegre, a cerca de 100 metros das suas instalações.
Descoberto o chafariz que estava desarmado e encostado no antigo convento dos franciscanos, foi decidido instalá-lo no Passeio Alegre.
O chafariz foi então comprado pela comissão administrativa do Salva-Vidas.


“Há perto de 3 anos cedeu a exª Câmara à comissão administrativa do Salva-Vidas uma porção de água que tem a sua nascente nas proximidades do sítio chamado do Monte da Foz, com a condição de estabelecer um chafariz público no Passeio Alegre.
O chafariz já foi comprado pela comissão do Salva-Vidas e é o que existia no claustro do edifício da Associação Comercial. Falta levantá-lo e encanar a água.”
In jornal “O Comércio do Porto”, de 27 de Fevereiro de 1869 – Sábado

Em Julho de 1869, já estava montado o chafariz pela comissão do Salva-Vidas e só faltava encanar a água.

“Já está levantado no Passeio Alegre, na Foz, o chafariz que estava na Associação Comercial e que ali mandou colocar a comissão administrativa do Salva-Vidas.
Actualmente procede-se ao encanamento de água.”
In jornal “O Comércio do Porto”, de 3 de Julho de 1869 – Sábado


Após o naufrágio do vapor Porto, ocorrido no ano de 1852, criou-se e regulamentou-se por decreto de 23 de Dezembro, do mesmo ano, o estabelecimento denominado “Salva-Vidas”, administrado por uma comissão a que presidia o Governador Civil do Porto, no local onde estava a denominada “Casa de Asilo dos Naufragados”.


Casa Asilo dos Naufragados, na Foz do Douro


O grande impulsionador para a criação do Salva-Vidas foi Manuel Clamouse Browne, acompanhado por uma legião de personalidades portuenses que, para o efeito, se associaram na Real Sociedade Humanitária.
Grande negociante de vinhos do Porto, Manuel de Clamouse Brown foi um dos fundadores da Associação Comercial do Porto e fidalgo cavaleiro da Casa Real.
Morou na Rua da Cancela Velha, para onde se mudou vindo da Viela do Buraco, à Ribeira do Porto.
Casado com a poetisa D. Maria da Felicidade do Couto Brown, com quem Camilo Castelo Branco terá mantido uma correspondência de amor platónico (?), que originou o famoso duelo, na Afurada, entre Ricardo Browne, filho da poetisa e o escritor, no qual Camilo terá levado uma estocada numa perna.
Aquele casal teve também uma filha, Júlia Clamouse Brown que viria a casar com o Visconde de Vilarinho de S. Romão, passando a residir num palacete, ao Carregal.
 
 
 
Real Sociedade Humanitária que pugnou pela instituição do Salva-Vidas – Fonte: “Porto do Romantismo” (1932) de Artur Magalhães Basto




Instituto de Socorros a Náufragos na Foz do Douro


Instituto de Socorros a Náufragos na Foz do Douro


Actualmente transformado em restaurante, o edifício que albergou o Instituto de Socorros a Náufragos, na Foz do Douro e local onde esteve, antes, o Salva-Vidas e o Asilo dos Naufragados


Voltando à estória ligada ao chafariz, diga-se que o grande dia, da sua inauguração (27 de Agosto de 1870, um Sábado), só chegaria passado mais de um ano, da notícia anterior.


“Principiou ontem a correr água no Chafariz do Passeio Alegre.”
In jornal “O Comércio do Porto”, de 28 de Agosto de 1870



Chafariz do Passeio Alegre em 1909



Nesta terra acontece, com frequência, ocorrerem grandes contendas que têm subjacente a determinação da posse e uso de águas.
Foi o que se passou neste caso.
António Pinto Peixoto de Vasconcelos começaria uma contenda com a Câmara, pois, achava-se com direitos sobre a água que foi encanada para o chafariz. A situação arrastou-se e acabaria por determinar a prisão a 23 de Setembro de 1870, do Presidente da Câmara do Porto, Francisco Pinto Bessa.
Tudo se precipitaria quando, já depois de inaugurado o chafariz, a 27 de Agosto, ocorreu uma avaria no encanamento que levava a água ao referido chafariz a 21 de Setembro.
Narra o sucedido, o jornal “O Comércio do Porto”.

“Que, tendo aparecido, no dia 21 do corrente, destruído, em parte, o encanamento de ferro das águas do chafariz público do Passeio Alegre, da Foz do Douro, que para ali vinha da Fonte de Cima ou da «Bica».
Depois de avariado o encanamento de água, faz-se a sua compostura, compostura essa a que se deu princípio às 10 horas da manhã do dia 22 de setembro, terminando às 8 ou 9 horas da noite desse dia”.

Após este episódio que, a Pinto Bessa “cheirou” a sabotagem, ele envolver-se-ia em interpelações sobre quem considerava responsável pelo sucedido, o que acabaria por conduzi-lo à prisão.
Era então noticiada a prisão do presidente da Câmara do Porto.


“Ontem, pelas 6 horas da tarde, deu-se, nesta cidade, um grave conflito entre o sr. Governador civil, Jacinto António Perdigão, e o sr. Presidente da Câmara, Francisco Pinto Bessa.
Segundo geralmente se conta, este desagradável acontecimento teve origem numa questão de águas, em que o sr. António Pinto Peixoto de Vasconcelos contende com a câmara municipal, pretendendo esta encanar, para o novo chafariz da foz (Passeio Alegre) as águas de uma fonte que aquele senhor alega pertencer-lhe.
Travou-se entre ambos altercação, da qual passaram à violência. Este facto causou o alvoroço que é de imaginar, fazendo acudir a polícia, que prendeu o sr. Pinto Bessa.
Em seguida, foi este senhor conduzido para as cadeias da Relação por dois ou três guardas civis.”
In jornal “O Comércio do Porto”, de 24 de Setembro de 1870 – Sábado


A notícia acima é praticamente de última hora, e não mencionava outros factos.
À data, o governador civil do Porto, vivia no Hotel Europa, na Praça da Batalha.
Pois, parece que o presidente da Câmara terá sido visto a visitar, no hotel, o governador civil Jacinto António Perdigão e que, entre os dois, se proporcionou uma cena de pugilato.
Para se perceber melhor o que se terá passado, convirá fazer a antecipação da narração de certos factos, só dados a conhecer, posteriormente, à libertação de Pinto Bessa.
Assim, o jornal “O Comércio do Porto”, que acompanhou sempre o caso, no dia 27 de Setembro, fornecia mais detalhes.
Narrava que, na sequência duma altercação por causa da água encanada para o chafariz do Passei Alegre, tinha havido grossa zaragata entre Pinto Bessa e o tal Vasconcelos que se julgava com direitos sobre ela.
Pinto Bessa, no dia seguinte (6ª Feira) à conclusão do arranjo do encanamento, ter-se-á dirigido ao Hotel Europa e interpelado o governador e, segundo este declarou, Pinto Bessa estava receoso que o Vasconcelos sabotasse outra vez o encanamento.
A avaria da 4ª Feira anterior, Pinto Bessa, atribuía-a ao Vasconcelos…quem mais?
Palavra puxa palavra e Pinto Bessa disparatou (talvez por que quisesse e não vislumbrasse, uma actuação enérgica por parte do governador civil em defesa da posição da edilidade), que o governador era um “cobardolas”, “um homem que viera fugido da Madeira…”. O caldo entornou. Ao Presidente da Câmara foi dada voz de prisão.
Enviado telegrama pela Vereação da Câmara ao ministro do reino, a 24 de Setembro, reunia em sessão extraordinária a Câmara e começava o presidente detido, a receber um corrupio de visitas, de pessoas de todos os estratos sociais.


“O que não pode deixar de acremente censurar é o modo por que foi conduzido, entre três guardas civis, para as Cadeias da Relação, o presidente da Câmara, como se fosse um gaiato”.
Vereador Nascimento Leão (24/09/1870), na sessão de Câmara

O boletim clínico dos intervenientes na contenda, seria fornecido pelo advogado de defesa de Francisco Pinto Bessa, o Dr. Alexandre Braga.

“Do exame ao governador civil, os médicos encontram contusão num olho e um braço magoado. Ao sr. Pinto Bessa, ligeira escoriação na mão direita, contusão num pulso, dois botões do colete arrancado”.
In Jornal “O Comércio do Porto”, de 26 de Setembro de 1870 – 2ª Feira

Francisco Pinto Bessa seria solto, na 2ª Feira, 26 de Setembro, pelas 4 horas da tarde.

“Tendo sido mandado ouvir novamente o sr. Delegado do 1º distrito, a respeito da prisão do sr. Pinto Bessa, depois que, pelo seu advogado, fora junta ao requerimento de soltura a pública forma do diploma do mesmo senhor como deputado, o juiz do referido distrito, sr. Costa Rebelo, em vista da nova resposta do sr. Delegado, mandou lavrar o respectivo alvará de soltura.
Em consequência disto, o sr. Pinto Bessa foi solto ontem, 26 de Setembro, pelas 4 horas da tarde.
Alguns dos amigos do sr. Pinto Bessa mandaram lançar grande número de foguetes, em diversos pontos da cidade, durante a tarde e a noite.”
In jornal “O Comércio do Porto”, de 27 de Setembro de 1870 – 3ª Feira


Como Pinto Bessa acumulava as funções de presidente da Câmara do Porto com as de deputado às Cortes, no dia 28 de Setembro, já estava a embarcar para Lisboa.


Chafariz do Passeio Alegre – Ed. JPortojo


Sobre toda a situação anteriormente descrita, Alberto Pimentel, em 1893, na sua obra “O Porto há 30 anos”, escrevia:

“Francisco Pinto Bessa, que tinha estado no Brasil, chegou também a Presidente da Câmara, e foi igualmente deputado da nação.
Dispôs de grande influência política no Porto, e deixou o seu nome ligado, como vereador a alguns melhoramentos materiais importantes.
Por muitas vezes se fez grande ruído em torno da sua pessoa, sendo uma dessas vezes quando desacatou corporalmente o conselheiro Perdigão, Governador civil do Porto. Esteve alguns dias, pelo menos algumas horas, na cadeia da Relação, e todos os jornais do País se ocuparam do conflito ocorrido entre o Presidente da Câmara Municipal e o Governador civil do distrito.
A política levou-lhe rios de dinheiro. Diz-se que os seus haveres estavam muito reduzidos quando faleceu, Naquele tempo eram raros os homens, que tiravam da política outro resultado além do de empobrecerem, por causa dela, rapidamente. Como isto tem mudado em trinta anos!”


Busto em mármore de Francisco Pinto Bessa da autoria do escultor Soares dos Reis. Encontra-se, após a sua morte, nos Paços do Concelho


Francisco Pinto Bessa (Porto, Lordelo do Ouro, 6 de Fevereiro de 1821 - Porto, 4 de Maio de 1878) foi um político, que a maioria dos portuenses associa ao topónimo da rua com o seu nome que faz a ligação do Bonfim à estação ferroviária de Campanhã.
Oriundo de uma família sem bens de fortuna, emigrou para o Brasil, donde voltou dono de uma boa fortuna.
Empreendedor, seria um dos sócios fundadores da Sociedade do Palácio de Cristal.


“Com o Dr. Braga e o visconde de Villar d’Allen, começou por metter hombros á ousada empreza de erigir no Porto um monumento que attestasse aos vondouros a iniciativa poderosa de uma cidade essencialmente trabalhadora, conseguindo com aquelles dois prestantes cidadãos a construção do palácio de Crystal Portuense. Para sanar algumas difficuldades que pareciam antepor-se á realização d’aquele pensamento arrojado, foi elle quem ainda com o mesmo visconde d’Allen e com o engenheiro Gustavo Gonçalves e Sousa se dirigiu a Londres em 1866, a fim de pôr cobro a attrictos apresentados pelo empreiteiro, sendo os seus esforços e os dos seus collegas coroados de êxito.”
Manuel M. Rodrigues, Porto, 10 de Dezembro de 1880



Eleito vereador da Câmara Municipal do Porto em 1866, torna-se seu presidente no ano seguinte. Durante o seu mandato foram abertas a Rua Nova da Alfândega, a Rua de Sá da Bandeira, a Rua Mouzinho da Silveira, a Rotunda da Boavista, inaugurada a Ponte D. Maria Pia, começados a implementar os transportes urbanos (americanos e máquina) entre tantos outros empreendimentos. Em 1868 foi eleito membro do Parlamento, cargo que acumulou com a presidência da Câmara, em sucessivas eleições, até ao seu falecimento a 4 de Maio de 1878.



Rua de Pinto Bessa (1967)

segunda-feira, 20 de maio de 2019

25.47 Centro Republicano e Democrático do Bonfim


Desde que se tornou proprietário da “Têxtil do Bonfim”, no início do século XX que Manuel Pinto de Azevedo procurou adquirir terrenos nas imediações para expansão daquela unidade industrial.
Assim, foram construídos dois edifícios nos anos de 1916 e 1918, situados na Rua António Carneiro, a poucos metros da unidade industrial, considerados no Porto como Património Arquitectónico e Industrial por terem sido construídos no estilo de Arte Nova e dotados de linhas curvas e esbeltas, graciosidade e beleza, e decorados com painéis de azulejos.



Os 2 prédios na Rua António Carneiro – Fonte: Google maps



Com fins específicos, o primeiro, licenciado em Novembro de 1916, teve a dupla função: de armazém, no piso inferior, e como centro político no restante espaço.
Em 6 de Outubro de 1917, era lançado o hebdomadário "O Povo", orgão das Comissões Políticas e do Centro Republicano Democrático do Bonfim.
Este edifício serviu essencialmente de armazém, dotado de amplos espaços abertos, com excepção de dois compartimentos de divisões reservados a serviços de secretaria e de reuniões de direcção.
Em 1940, o nº 375 da Rua António Carneiro, estava ocupado pela fábrica de cartonagem "A Nova Industrial".




Peças desenhadas de prédio mais a jusante da rua



A parte referenciada de centro político tratava-se do Centro Republicano do Bonfim, criado para intervenção cívica e política na vida local e da cidade.



Traseiras do edifício, mais a jusante, na Rua António Carneiro – Ed. “floret.pt/”



O segundo edifício, aprovado em 25 de Julho de 1918, teve como objecto específico a higiene e o bem-estar dos seus operários, com a criação de uma cantina e uma pequena creche, balneários e dormitório.


Peças desenhadas de prédio mais a montante da rua




Traseiras do edifício a montante na Rua António Carneiro – Ed. “floret.pt/”




Os dois edifícios referidos acabaram por, ao longo dos anos, virem a ser acoplados e ocupados por actividades diversas e, também com o decorrer dos anos, os serviços de apoio da Fábrica Manuel Pinto de Azevedo perderam a ligação física que se fazia pelo interior do quarteirão à Rua do Bonfim.
Abandonados durante muitos anos os edifícios seriam alvo de uma intervenção profunda de recuperação e, em 2012, estavam dignos de serem vistos.




Desenho da fachada do que foi o Centro Republicano Democrático do Bonfim da autoria de “Floret – Arquitectura”




Aspecto das fachadas principais antes de ser intervencionada – Ed. “afloret.wordpress.com”
 
 
 

Traseiras do prédio mais a montante antes de ser intervencionado – Ed. “afloret.wordpress.com”
 
 
 
Todo o quarteirão que circunda a Rua do Bonfim, a Rua António Carneiro e o que actualmente é a Avenida Camilo, foi terreno adquirido por Manuel Pinto de Azevedo, onde mandou construir as imponentes garagens, uma das quais é, hoje, um supermercado.
Os Centros Democráticos e Republicanos tiveram existência, alguns, um tempo antes de eclodir o 5 de Outubro de 1910, normalmente de modo clandestino, em que a sede normalmente era a habitação de um dos membros e outros, logo após a instituição da República.
O Centro Republicano e Democrático do Bonfim nasceria pela mão de Manuel Pinto de Azevedo, um operário do sector têxtil, na Fábrica de Tecidos de Algodão do Bonfim que se tornaria seu proprietário em 1900.




Entrada da Têxtil do Bonfim, na Rua do Bonfim, nº 326



«Em 1852, a freguesia do Bonfim tornava-se a líder laboral com 2027 operários e de 150 unidades em estabelecimentos industriais, superando todas as outras freguesias centrais ou periféricas da Invicta.
O fulgor industrial do Bonfim, que o colocou como a freguesia com maior número de unidades fabris e de operários da cidade do Porto, no séc. XIX prolongou-se pela primeira metade do séc. XX.
Em 1890, estava identificada uma fábrica de algodão (fiação e tecelagem), com 14 funcionários, na rua do Bonfim. Era uma entre muitas que por ali existiam, nalguns casos de dimensões bem superiores, tanto nas instalações como em funcionários.
Tinha como número de porta o nº 326 e era dirigida por Carlos da Silva Ferreira, um pequeno industrial que a edificou em 1882 após autorização camarária.
Nos finais do séc. XIX, mais propriamente em 1894, surgiu o bonfinense Manuel Pinto de Azevedo, que de operário têxtil ascendia a director da Fábrica de Tecidos do Bonfim, pertencente a Carlos da Silva Ferreira, e que passaria para as suas mãos, em 1901, tomando as rédeas de um negócio que se transformaria num império.
Em 1928 adquiriu outras unidades têxteis, a Fábrica de Fiação e Tecidos de Sá, em Ermesinde, concelho de Valongo e a Fábrica de Tecidos Aliança, na Giesta, em Rio Tinto, no concelho de Gondomar. Na primeira e mantendo com os seus objectivos sociais, há registos de ter criado uma cantina, e fundado “uma padaria na fábrica destinada exclusivamente ao fornecimento de pão aos operários e de uma cooperativa de consumo, onde eles poderiam abastecer-se de géneros de primeira necessidade a preços muito mais baixos”(...)»
Cortesia de “manueljosecunha.blogspot.com”




Alçado Principal (estudo inicial) do nº 326 da Rua do Bonfim




“A par da sua actividade profissional, assume, em 1914 o cargo de vereador da Câmara Municipal do Porto, ao lado de Eduardo Ferreira dos Santos Silva, António de Sousa Lello, Jaime Zuzarte cortesão, Aurélio da Paz dos Reis,  Luís Ferreira Alves, entre outros.
Virá de novo a ser eleito em 1919, cargon que desempenhou até 1921. Foi ainda presidente da Junta de Freguesia do Bonfim até 1926 e fundador da instituição social Bonfim Beneficiente.
(…) Manuel Pinto de Azevedo será uns dos opositores ao regime instalado com o golpe de 28 de Maio de 1926.
(…) Manuel Pinto de Azevedo, nascido em 27 de Abril de 1874, faleceu em 17 de Fevereiro de 1959. O cortejo fúnebre estendeu-se ao longo da Rua do Bonfim, até ao cemitério da freguesia…”
Cortesia de Maria da Luz Braga Sampaio, In “Porto- Roteiros Republicanos”




Manuel Pinto de Azevedo teve ainda ligação ao sector das conservas (Continental – Sociedade de Conservas, de Matosinhos, a partir de 1929), ao sector da cortiça (Corticeira Robinson, de Portalegre), banca (Banco Borges & Irmão), seguros (“A Mutual do Norte”), sector eléctrico (União Eléctrica Portuguesa), sector vitivinícola com quintas em Amarante, Régua, Macedo de Cavaleiros e para além do jornal “O Primeiro de Janeiro”, no sector da comunicação social, “O Norte” e o “Jornal de Notícias”.
Manuel Pinto de Azevedo, faleceu em 17 de Fevereiro de 1959, na sua casa, conhecida por “Vila Prado”, sita na Estrada da Circunvalação. 




Notícia do falecimento de Manuel Pinto de Azevedo no jornal “Diário de Lisboa” – Fonte: “casacomum.org/”; Fundação Mário Soares



A “Vila Prado”, última residência de Manuel Pinto de Azevedo, localizava-se na Estrada Exterior da Circunvalação, um pouco antes desta via chegar ao mar.
A montante, durante muitos anos, estiveram um posto da Guarda Fiscal, a conhecida fundição “Oliveira & Ferreirinhas” e a “Fábrica de redes de Pesca” – Lusandesa.

 
 
A "Vila Prado", a residência de Manuel Pinto de Azevedo, situava-se neste local, ao fundo da Estrada Exterior da Circunvalação, no limite do chamado Prado de Matosinhos - Fonte: Google maps (2009 e 2022)

 
 

Posto da Guarda Fiscal – Fonte Google maps
 
 
 
 


“Oliveira & Ferreirinhas”

 
 

“Lusandesa” – Fábrica Luso-Holandesa de Redes, Lda, na Estrada Exterior da Circunvalação, c. 1956

 
 

Escultura da fachada principal da “Lusandesa”, actualmente, colocada no topo da Rua Alfredo Cunha

 
 
A Estrada Exterior da Circunvalação, após a “Vila Prado”, chegava à Praça da Cidade de S. Salvador, um topónimo que pretendia homenagear a capital do Estado da Baía, no Brasil e que vigorou, desde 1948, até aos nossos dias (2005).
Presentemente é conhecida como a “Rotunda da Anémona” por referência à obra de arte da escultora norte-americana Janet Echelman, que a apelidou de "She Changes".

 
 

Rotunda da Anémona
 

 

Praça Cidade de S. Salvador, c. 1956

 
 
Junto da antiga Praça de S. Salvador, à entrada da Rua Brito Capelo existiu, até aos nossos dias, um restaurante icónico, muito frequentado – o “Caninhas Verdes”.

 
 

À direita da foto, a primeira construção, é o restaurante Caninhas Verdes
 
 
Localizada junto à antiga ribeira do Prado, na actual Rua Brito Capelo, nº 1495, o já desaparecido estabelecimento de restauração, a “Adega Caninhas Verdes” foi fundada em 1910 por Angelina da Conceição Soares. Em 1964, passou de adega a restaurante sob a gerência de Henrique Torres que, no entanto, passado um ano, por desentendimentos, abandonaria o projecto. O restaurante, situado próximo de uma seca de bacalhau existente ao fundo da Circunvalação, era muito frequentado pelos seus trabalhadores e por pescadores.
Entretanto, Henrique Torres haveria, mais tarde, de abrir, nas imediações, o Restaurante Proa.


À direita, no começo da Rua Brito Capelo, observam-se as instalações do restaurante “Caninhas Verdes”


 
 

Prado de Matosinhos e Ribeira do Prado, resultante da reunião da Ribeira da Riguinha e da Ribeira de Carcavelos, em 1909 - Ed. Emílio Biel
 
 
Voltando à figura de Manuel Pinto de Azevedo, o seu falecimento foi notícia em todo o País.











Excerto da notícia do funeral de Manuel Pinto de Azevedo, In jornal “Diário de Lisboa” de 18 de Fevereiro de 1959 - – Fonte: “casacomum.org/”; Fundação Mário Soares