Os episódios que a seguir serão contados têm a ver com um
chafariz da cidade do Porto que é, certamente, considerado por todos, uma obra
de arte. Trata-se do chafariz do Jardim do Passeio Alegre.
Tendo o chafariz permanecido, durante anos, a um canto dos
terrenos do Palácio da Bolsa foi, por acção do Dr. António Maria Pinheiro
Torres, que ele foi salvo da destruição.
O Dr. Pinheiro Torres chamou, em devido tempo, a atenção de
todos para umas pedras que estavam encostadas em terrenos da Associação
Comercial do Porto.
Após a destruição do convento dos franciscanos, em resultado
dos bombardeamentos ocorridos em 1833, durante as lutas do Cerco do Porto e do
incêndio aí ocorrido na passagem de 24 para 25 de Junho de 1832 (dizem que
provocado pelos próprios frades, em fuga), a rainha D. Maria II, haveria de
ofertar aos industriais e comerciantes do Porto o espaço, para nele ser
levantada uma associação de empresários.
Aí viria a nascer o actual Palácio da Bolsa e a instalar-se,
também, a Associação Comercial do Porto.
As obras para a construção do edifício, com a dignidade
exigida, duraram algumas dezenas de anos. Foi neste contexto que alguém reparou
numas pedras, que identificou como sendo do antigo chafariz que esteve
implantado no claustro do convento dos franciscanos.
Acontece que, em 1865, a Câmara tinha cedido à Comissão
Administrativa do Salva-Vidas, na Foz do Douro, uma porção de água, com
nascente nos Montes da Foz, com a obrigação de levantarem um chafariz público
no Jardim do Passeio Alegre, a cerca de 100 metros das suas instalações.
Descoberto o chafariz que estava desarmado e encostado no
antigo convento dos franciscanos, foi decidido instalá-lo no Passeio Alegre.
O chafariz foi então comprado pela comissão administrativa
do Salva-Vidas.
“Há perto de 3 anos
cedeu a exª Câmara à comissão administrativa do Salva-Vidas uma porção de água
que tem a sua nascente nas proximidades do sítio chamado do Monte da Foz, com a
condição de estabelecer um chafariz público no Passeio Alegre.
O chafariz já foi
comprado pela comissão do Salva-Vidas e é o que existia no claustro do edifício
da Associação Comercial. Falta levantá-lo e encanar a água.”
In jornal “O Comércio do Porto”, de 27 de Fevereiro de 1869
– Sábado
Em Julho de 1869, já estava montado o chafariz pela comissão
do Salva-Vidas e só faltava encanar a água.
“Já está levantado no
Passeio Alegre, na Foz, o chafariz que estava na Associação Comercial e que ali
mandou colocar a comissão administrativa do Salva-Vidas.
Actualmente procede-se
ao encanamento de água.”
In jornal “O Comércio do Porto”, de 3 de Julho de 1869 –
Sábado
Após o naufrágio do
vapor Porto, ocorrido no ano de 1852, criou-se e regulamentou-se por decreto de
23 de Dezembro, do mesmo ano, o estabelecimento denominado “Salva-Vidas”, administrado por uma comissão a que presidia o
Governador Civil do Porto, no local onde estava a denominada “Casa de Asilo dos Naufragados”.
Casa Asilo dos
Naufragados, na Foz do Douro
O grande
impulsionador para a criação do Salva-Vidas foi Manuel Clamouse Browne,
acompanhado por uma legião de personalidades portuenses que, para o efeito, se associaram na
Real Sociedade Humanitária.
Grande negociante
de vinhos do Porto, Manuel de Clamouse Brown foi um dos fundadores da
Associação Comercial do Porto e fidalgo cavaleiro da Casa Real.
Morou na Rua da
Cancela Velha, para onde se mudou vindo da Viela do Buraco, à Ribeira do Porto.
Casado com a poetisa D. Maria da Felicidade do Couto Brown, com quem Camilo Castelo
Branco terá mantido uma correspondência de amor platónico (?), que originou o
famoso duelo, na Afurada, entre Ricardo Browne, filho da poetisa e o escritor,
no qual Camilo terá levado uma estocada numa perna.
Aquele casal teve também
uma filha, Júlia Clamouse Brown que viria a casar com o Visconde de Vilarinho
de S. Romão, passando a residir num palacete, ao Carregal.
Real Sociedade
Humanitária que pugnou pela instituição do Salva-Vidas – Fonte: “Porto do
Romantismo” (1932) de Artur Magalhães Basto
Instituto de Socorros a Náufragos na Foz do Douro
Instituto de Socorros a Náufragos na Foz do Douro
Actualmente transformado em restaurante, o edifício que
albergou o Instituto de Socorros a Náufragos, na Foz do Douro e local onde esteve,
antes, o Salva-Vidas e o Asilo dos Naufragados
Voltando à estória ligada ao chafariz, diga-se que o grande
dia, da sua inauguração (27 de Agosto de 1870, um Sábado), só chegaria passado
mais de um ano, da notícia anterior.
“Principiou ontem a
correr água no Chafariz do Passeio Alegre.”
In jornal “O Comércio do Porto”, de 28 de Agosto de 1870
Chafariz do Passeio Alegre em 1909
Nesta terra acontece, com frequência, ocorrerem grandes
contendas que têm subjacente a determinação da posse e uso de águas.
Foi o que se passou neste caso.
António Pinto Peixoto de Vasconcelos começaria uma contenda
com a Câmara, pois, achava-se com direitos sobre a água que foi encanada para o
chafariz. A situação arrastou-se e acabaria por determinar a prisão a 23 de
Setembro de 1870, do Presidente da Câmara do Porto, Francisco Pinto Bessa.
Tudo se precipitaria quando, já depois de inaugurado o
chafariz, a 27 de Agosto, ocorreu uma avaria no encanamento que levava a água
ao referido chafariz a 21 de Setembro.
Narra o sucedido, o jornal “O Comércio do Porto”.
“Que, tendo aparecido,
no dia 21 do corrente, destruído, em parte, o encanamento de ferro das águas do
chafariz público do Passeio Alegre, da Foz do Douro, que para ali vinha da
Fonte de Cima ou da «Bica».
Depois de avariado o
encanamento de água, faz-se a sua compostura, compostura essa a que se deu
princípio às 10 horas da manhã do dia 22 de setembro, terminando às 8 ou 9
horas da noite desse dia”.
Após este episódio que, a Pinto Bessa “cheirou” a sabotagem,
ele envolver-se-ia em interpelações sobre quem considerava responsável pelo
sucedido, o que acabaria por conduzi-lo à prisão.
Era então noticiada a prisão do presidente da Câmara do
Porto.
“Ontem, pelas 6 horas
da tarde, deu-se, nesta cidade, um grave conflito entre o sr. Governador civil,
Jacinto António Perdigão, e o sr. Presidente da Câmara, Francisco Pinto Bessa.
Segundo geralmente se
conta, este desagradável acontecimento teve origem numa questão de águas, em
que o sr. António Pinto Peixoto de Vasconcelos contende com a câmara municipal,
pretendendo esta encanar, para o novo chafariz da foz (Passeio Alegre) as águas
de uma fonte que aquele senhor alega pertencer-lhe.
Travou-se entre ambos
altercação, da qual passaram à violência. Este facto causou o alvoroço que é de
imaginar, fazendo acudir a polícia, que prendeu o sr. Pinto Bessa.
Em seguida, foi este
senhor conduzido para as cadeias da Relação por dois ou três guardas civis.”
In jornal “O Comércio do Porto”, de 24 de Setembro de 1870 –
Sábado
A notícia acima é praticamente de última hora, e não
mencionava outros factos.
À data, o governador civil do Porto, vivia no Hotel Europa,
na Praça da Batalha.
Pois, parece que o presidente da Câmara terá sido visto a
visitar, no hotel, o governador civil Jacinto António Perdigão e que, entre os
dois, se proporcionou uma cena de pugilato.
Para se perceber melhor o que se terá passado, convirá fazer
a antecipação da narração de certos factos, só dados a conhecer,
posteriormente, à libertação de Pinto Bessa.
Assim, o jornal “O Comércio do Porto”, que acompanhou sempre
o caso, no dia 27 de Setembro, fornecia mais detalhes.
Narrava que, na sequência duma altercação por causa da água
encanada para o chafariz do Passei Alegre, tinha havido grossa zaragata entre
Pinto Bessa e o tal Vasconcelos que se julgava com direitos sobre ela.
Pinto Bessa, no dia seguinte (6ª Feira) à conclusão do
arranjo do encanamento, ter-se-á dirigido ao Hotel Europa e interpelado o
governador e, segundo este declarou, Pinto Bessa estava receoso que o Vasconcelos
sabotasse outra vez o encanamento.
A avaria da 4ª Feira anterior, Pinto Bessa, atribuía-a ao
Vasconcelos…quem mais?
Palavra puxa palavra e Pinto Bessa disparatou (talvez por
que quisesse e não vislumbrasse, uma actuação enérgica por parte do governador
civil em defesa da posição da edilidade), que o governador era um “cobardolas”,
“um homem que viera fugido da Madeira…”. O
caldo entornou. Ao Presidente da Câmara foi dada voz de prisão.
Enviado telegrama pela Vereação da Câmara ao ministro do
reino, a 24 de Setembro, reunia em sessão extraordinária a Câmara e começava o
presidente detido, a receber um corrupio de visitas, de pessoas de todos os
estratos sociais.
“O que não pode deixar
de acremente censurar é o modo por que foi conduzido, entre três guardas civis,
para as Cadeias da Relação, o presidente da Câmara, como se fosse um gaiato”.
Vereador Nascimento Leão (24/09/1870), na sessão de Câmara
O boletim clínico dos intervenientes na contenda, seria
fornecido pelo advogado de defesa de Francisco Pinto Bessa, o Dr. Alexandre
Braga.
“Do exame ao
governador civil, os médicos encontram contusão num olho e um braço magoado. Ao
sr. Pinto Bessa, ligeira escoriação na mão direita, contusão num pulso, dois
botões do colete arrancado”.
In Jornal “O Comércio do Porto”, de 26 de Setembro de 1870 –
2ª Feira
Francisco Pinto Bessa seria solto, na 2ª Feira, 26 de
Setembro, pelas 4 horas da tarde.
“Tendo sido mandado
ouvir novamente o sr. Delegado do 1º distrito, a respeito da prisão do sr.
Pinto Bessa, depois que, pelo seu advogado, fora junta ao requerimento de
soltura a pública forma do diploma do mesmo senhor como deputado, o juiz do
referido distrito, sr. Costa Rebelo, em vista da nova resposta do sr. Delegado,
mandou lavrar o respectivo alvará de soltura.
Em consequência disto,
o sr. Pinto Bessa foi solto ontem, 26 de Setembro, pelas 4 horas da tarde.
Alguns dos amigos do
sr. Pinto Bessa mandaram lançar grande número de foguetes, em diversos pontos
da cidade, durante a tarde e a noite.”
In jornal “O Comércio do Porto”, de 27 de Setembro de 1870 –
3ª Feira
Como Pinto Bessa acumulava as funções de presidente da
Câmara do Porto com as de deputado às Cortes, no dia 28 de Setembro, já estava
a embarcar para Lisboa.
Chafariz do Passeio Alegre – Ed. JPortojo
Sobre toda a situação anteriormente descrita, Alberto
Pimentel, em 1893, na sua obra “O Porto há 30 anos”, escrevia:
“Francisco Pinto
Bessa, que tinha estado no Brasil, chegou também a Presidente da Câmara, e foi
igualmente deputado da nação.
Dispôs de grande
influência política no Porto, e deixou o seu nome ligado, como vereador a
alguns melhoramentos materiais importantes.
Por muitas vezes se
fez grande ruído em torno da sua pessoa, sendo uma dessas vezes quando
desacatou corporalmente o conselheiro Perdigão, Governador civil do Porto.
Esteve alguns dias, pelo menos algumas horas, na cadeia da Relação, e todos os
jornais do País se ocuparam do conflito ocorrido entre o Presidente da Câmara
Municipal e o Governador civil do distrito.
A política levou-lhe
rios de dinheiro. Diz-se que os seus haveres estavam muito reduzidos quando
faleceu, Naquele tempo eram raros os homens, que tiravam da política outro resultado
além do de empobrecerem, por causa dela, rapidamente. Como isto tem mudado em
trinta anos!”
Busto em mármore de Francisco Pinto Bessa da autoria do
escultor Soares dos Reis. Encontra-se, após a sua morte, nos Paços do Concelho
Francisco Pinto Bessa (Porto, Lordelo do Ouro, 6 de
Fevereiro de 1821 - Porto, 4 de Maio de 1878) foi um político, que a maioria
dos portuenses associa ao topónimo da rua com o seu nome que faz a ligação do
Bonfim à estação ferroviária de Campanhã.
Oriundo de uma família sem bens de fortuna, emigrou para o
Brasil, donde voltou dono de uma boa fortuna.
Empreendedor, seria um dos sócios fundadores da Sociedade do
Palácio de Cristal.
“Com o Dr. Braga e o
visconde de Villar d’Allen, começou por metter hombros á ousada empreza de
erigir no Porto um monumento que attestasse aos vondouros a iniciativa poderosa
de uma cidade essencialmente trabalhadora, conseguindo com aquelles dois
prestantes cidadãos a construção do palácio de Crystal Portuense. Para sanar
algumas difficuldades que pareciam antepor-se á realização d’aquele pensamento
arrojado, foi elle quem ainda com o mesmo visconde d’Allen e com o engenheiro
Gustavo Gonçalves e Sousa se dirigiu a Londres em 1866, a fim de pôr cobro a
attrictos apresentados pelo empreiteiro, sendo os seus esforços e os dos seus
collegas coroados de êxito.”
Manuel M. Rodrigues, Porto, 10 de Dezembro de 1880
Eleito vereador da Câmara Municipal do Porto em 1866, torna-se
seu presidente no ano seguinte. Durante o seu mandato foram abertas a Rua Nova
da Alfândega, a Rua de Sá da Bandeira, a Rua Mouzinho da Silveira, a Rotunda da
Boavista, inaugurada a Ponte D. Maria Pia, começados a implementar os
transportes urbanos (americanos e máquina) entre tantos outros empreendimentos.
Em 1868 foi eleito membro do Parlamento, cargo que acumulou com a presidência
da Câmara, em sucessivas eleições, até ao seu falecimento a 4 de Maio de 1878.
Rua de Pinto Bessa (1967)
Permito-me discordar da data da última imagem deste post, referente à Rua de Pinto Bessa. A fotografia em causa não é certamente de 1950, nem sequer de 1960. A catenária que se vê em primeiro plano é de troleicarros e não de elétricos, apesar de no pavimento ainda se verem carris. Eu não sei quando foi que os elétricos da linha 10 foram substituídos por tróleis, mas foram-no com toda a certeza depois de 1960. Os próprios modelos dos carros são consideravelmente posteriores a 1950. Eu dataria a imagem entre 1965 e 1970.
ResponderEliminarAgradeço-lhe sinceramente o seu comentário com indicações de pormenores que me escaparam completamente. Estou plenamente de acordo com o espaço temporal que sugere para a foto. Irei fazer a respectiva correcção, esperando que continue a seguir este blogue, que construo com todo o ânimo.
ResponderEliminarCumprimentos