segunda-feira, 6 de maio de 2019

25.45 Um edifício icónico da arquitectura portuense que foi restaurante


Na foto abaixo observa-se uma moradia (uma jóia da arquitectura portuense), situada na Avenida de Montevideu que, após ter funcionado durante anos como um restaurante entrou, após encerramento deste, em acelarada degradação.
A moradia que foi de José Rosas Júnior e que, por isso, também ficou conhecida como o “Palacete do Rosas”, está, finalmente, em vias de ser recuperada.


Moradia na Avenida de Montevideu que chegou a alojar o “Restaurante D. Manoel” – Cortesia do blogue “Porto Sombrio”



O citado restaurante, de seu nome “D. Manoel”, fechou durante a primeira década deste século, após uma longa história vivida no sector de actividade da restauração pelo seu proprietário, Manuel Fontes, durante a 2ª metade, do século XX.
Tudo começaria, para esta personagem, por uma participação na gestão de um café junto à igreja do Bonfim – “O Nosso Café”.




“O Nosso Café” na Rua do Bonfim,363 – Fonte: Google maps


Era este café frequentado, principalmente, pelos alunos do Liceu Alexandre Herculano e pelos jovens das zonas limítrofres.
Estávamos no começo da década de 60 e a frequência do espaço era alta, pois, como complemento da sua actividade principal, na sua cave, o café tinha 3 ou 4 mesas de bilhar e uma mesa de matraquilhos.
Com olho para o negócio, Manuel Fontes vai abrir na esquina fronteira ao “Nosso Café”, um outro, de seu nome “Capa Negra” e leva consigo uma clientela já feita, de estudantes e habitantes do bairro do Bonfim e o seu irmão, Amândio.
Estávamos em 1968.


“Café Capa Negra”, na Rua de Barros Lima, 487, ao Bonfim – Fonte: Google maps


O espaço de cafetaria era de uma dezena de mesas, aconchegadas e na sua cave, lá estavam as mesas de matraquilhos, onde os estudantes se degladiavam em encontros de “perde-paga”.
Manuel Fontes e  o seu irmão Amândio veem o negócio prosperar. A meio da manhã, os rissóis saem quentinhos e os jovens devoram-nos. Ao fim-de-semana, à noite, as mesadas são gastas nas francesinhas do “Capa Negra” (que haveriam de ganhar fama).
A francesinha (recriação da iguaria francesa, “croque monsieur”, à qual foi adicionado a salsicha fresca, lombo de porco assado, fiambre e, tal como na receita francesa, o queijo derretido, em cima) nasceu em 1952, pela mão de Daniel David da Silva que foi trabalhar para o restaurante a Regaleira, depois de ter estado a trabalhar com o seu tio, que era chefe no Hotel Bernard, nos Campos Elísios, em Paris, .
Naqueles tempos, as francesinhas, com nível, comiam-se em Matosinhos, no “Majára”, em V. N. de Gaia, no Café Mucaba, no Porto, no “Capa Negra” e, como não podia deixar de ser, na Regaleira, no Bonjardim. O resto era paisagem.
Em 1972, Amândio Fontes parte para abrir o “Capa Negra II” (no Campo Alegre) e leva no menú os inevitáveis rissóis e as francesinhas.



Capa Negra II, ao Campo Alegre


Manuel, por sua vez, vai abrir a cervejaria “Cufra”, na Avenida da Boavista, nº 2504, no local, onde anos antes tinha estado o palacete da família Gilbert, que tinha junto à Avenida da Boavista o pinheiro manso, que deu nome ao lugar e caiu com um ciclone em 1941.
O palacete tinha sido construído em 1902.



O famoso pinheiro (“Pinheiro Manso”) e o Palacete da família Gilbert, na Avenida da Boavista. A chaminé (ao longe) é da fábrica William Graham, fundada em 1889


"Este Pinheiro Manso caiu em Fevereiro de 1941 quando do conhecido “CICLONE” assim conhecido no Porto. A casa conheci-a quando pertencia à família Gilbert, que tinha um maravilhoso BMW dos anos 30, antes da guerra. A Rua do Pinheiro Manso foi aberta antes de 1892, pois já vem no mapa Teles Ferreira. A casa em que nasci, o nº. 274, é a primeira à direita nesse mapa. Foi construída por um inglês que a vendeu a minha avó cerca de 1895. No momento da queda do Pinheiro Manso, cerca das 20 h. ia a passar um carro dos Bombeiros Municipais do Porto que ainda foi atingido, mas recordo terem-me dito que só houve feridos."
Cortesia de Rui Cunha



“Pinheiro Manso” por terra, após o ciclone


A inauguração da “Cufra” ocorreu a 15 de Agosto de 1974 (feriado da Assunção de Nossa Senhora) sendo, a sua abertura ao público, a 14 de Setembro, do mesmo ano, pelas 13 horas.


Cervejaria Cufra na Avenida da Boavista


O sucesso imediato da “Cufra” deveu-se ao seu amplo espaço, excelente localização e, obviamente, ao atendimento e confecção de elevada qualidade.
A revolução de Abril tinha ocorrido uns meses antes e as classes trabalhadores viam o seu nível de vida subir.
As filas para entrar no espaço, à noite e sobretudo ao fim-de-semana, eram intermináveis.
O negócio ia de vento-em-popa, com a retaguarda do Capa Negra no Bonfim, igualmente em grande plano.
É, então, que Manuel vai cumprir um sonho e abrir na Avenida de Montevideu, num palacete com história, o seu novo restaurante – “D. Manoel”, no início dos anos 80, e que sucede ao projecto da “Cufra”.
O texto seguinte conta uma pequena história deste palacete.


“O Palacete foi encomendado por José da Silva Rosas, dos ourives Rosas.
Insere-se na linha de moradias com torre que foram projectadas na transição dos séculos XIX para XX.
Modesta no uso de cantarias, recorre a elementos cerâmicos nos arcos de padieira.
Apresenta beirais muito salientes em madeira sublinhados por faixas de azulejos decorativos.
O projecto é de Miguel Ventura Terra e sucede a um outro de 1896, no qual o arquitecto tinha projectado para a Avenida Brasil, licença de obra 193/1896 do AHMP, uma moradia para Manuel Francisco Pereira, um abastado brasileiro de torna-viagem.
Por outro lado, em 1898, Miguel Ventura Terra tinha projectado uma banda contínua de 9 moradias unifamiliares na Rua Oliveira Monteiro, para um estrato social médio, que é uma referência para a arquitectura portuense”.


“O nº 384 da Avenida de Montevideu, em Nevogilde, já teve melhores dias. Grandiosa casa, tipo palacete, foi erguida no início do século XX e é atribuída ao arquitecto Miguel Ventura Terra (1866 – 1919). O seu proprietário foi José Rosas Júnior, que ao longo dos anos foi responsável por variadas alterações, incluindo a construção de um lugar de garagem.
Apesar da simplicidade da ampla construção, a presença de um torreão que se evidencia na fachada principal dá-lhe um efeito compositivo que realçado pelos frisos de azulejos de estilo Arte Nova provavelmente fabricados na Fábrica de Cerâmica das Devesas.”
Com o devido crédito a “portosombrio.blogspot.com”



Miguel Ventura Terra (Seixas, Caminha, 14 de Julho de 1866 — Lisboa, 30 de Abril de 1919) foi um arquitecto português de formação portuguesa e francesa.
Frequentou o curso de Arquitectura da Academia Portuense de Belas-Artes entre 1881 e 1886. Em 1886, esteve em Paris como pensionista (bolseiro) do Estado na classe de Arquitectura Civil, onde frequentou a École Nationale et Speciale de Beaux-Arts.
Em 25 de Julho de 1901, a Câmara do Porto presidida por Lima Júnior, era informada de que Ventura Terra devolvia o prémio que tinha recebido pelo seu projecto referente ao monumento ao Infante D. Henrique, pois os documentos inerentes tinham-se perdido num naufrágio, quando regressavam a Portugal, após serem expostos na Exposição de Paris, em 1900.

 

In jornal “A Voz Pública”, 26 Julho de 1901, pág 2
 
 
No naufrágio, atrás referido, acontecido a 24 de Janeiro de 1901 desapareceram, para sempre, dezenas de obras de arte portuguesa e diversa documentação, que tinha estado exposta na Exposição Universal de Paris de 1900.



 



Na revista “A Paródia”, nº 63, de 27 de Março de 1901, na página 104, era publicado um desenho de Rafael Bordalo Pinheiro, acima reproduzido.
Nele, se vê António de Faria, visconde de Faria, boiando, agarrado à proa de um barco, enquanto Ressano Garcia envergando um escafandro, pergunta aos peixes se viram, por acaso, as obras de arte.
Ventura Terra alcançou quatro vezes o Prémio Valmor de Arquitectura (1903, 1906, 1909 e 1911) e uma Menção Honrosa, no mesmo concurso (1913).
Era republicano e maçon e autor de projectos de palacetes e de habitações de rendimento mais qualificadas, essencialmente na capital, mas também na cidade do Porto.
Ficou também ligado ao plano de urbanização do Funchal.
No Porto, é muito apreciada uma banda de casas, na Rua Oliveira Monteiro, próximo da Rua de Nossa Senhora de Fátima, da autoria de Ventura Terra que, ainda tem o nome ligado, ao projecto da delegação do Banco de Portugal na Praça da Liberdade.







Banda de casas na Rua de Oliveira Monteiro de Miguel Ventura Terra – Fonte: Google maps

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