segunda-feira, 13 de maio de 2019

25.46 “O Rapaz de Bronze” - Actualização em 06/11/2019


O primeiro Jardim Botânico no Porto foi estabelecido por decreto de Passos Manuel, de 1837, tendo sido localizado, em 1852, na cerca do extinto Convento dos Carmelitas, embora, a sua criação, apenas se verificasse em 1866.
Em 1845, a Academia Politécnica, a Escola Médico-Cirúrgica e a Guarda Municipal ocuparam o edifício e cerca do extinto Convento dos Carmelitas, situado na praça do Duque de Beja. Mas, só sete anos depois, em 1852, é que se fez a divisão e a distribuição da propriedade.
O jardim botânico ficou com uma área de cerca de 7 700 m2, com as dimensões de 78 metros pela face voltada ao sul, 128 pela face voltada a leste e 113 pela face voltada ao poente.
Por esta altura, o Barão de Castelo de Paiva, desenvolveu um projecto para o jardim, tendo sido executado, em 1865, com o Dr. Alvares Ribeiro, como Director da Academia.
Aí esteve o Jardim Botânico, até 1903, quando passou para o Jardim da Cordoaria, por necessidade de ampliação do quartel do Carmo.
Sem condições de instalação condignas, a partir daí, pode dizer-se que a cidade ficou, praticamente, nos 50 anos seguintes, sem Jardim Botânico.
Acabaria por ser encontrada a solução em meados do século XX, com a ocupação da chamada, Quinta do Campo Alegre.
Em 1895, esta quinta, que tinha uma área de 12 hectares, passou para a posse de João Henrique Andresen Júnior (1861/1900) e de sua mulher, Joana Andresen.
Quando para aqui chegou, vindo da Rua do Príncipe, João Henrique Andresen Júnior já tinha prole.
João Andresen concluiu o projecto de renovação da casa e dos jardins que terão a atenção do amigo do casal, o fluoricultor Moreira da Silva.
Para além de comerciante e industrial, João Henrique Andresen distinguiu-se na sociedade Portuense dos finais do século XIX, como Presidente da Associação Comercial do Porto (1893 a 1894) e da Comissão Permanente de Defesa da Marinha Mercante Portuguesa.


 Quinta do Campo Alegre em planta de Telles Ferreira de 1892


Legenda

1. Lugar de Salaberca (topónimo popular que derivou do antigo proprietário dos terrenos e quinta, até às invasões francesas no início do século XIX, o francês Salabert. Era a Quinta Grande do Salabert)
2. Casa da Quinta do Campo Alegre
3. Rua António Cardoso
4. Rua de Entre Campos
5. Rua do Campo Alegre


Quando os Andresen compraram a propriedade, a casa estava bastante adiantada na sua estrutura, tendo-se preocupado de uma forma muito especial na construção dos jardins.
João Andresen era filho do homónimo industrial e comerciante de vinho do Porto e foi avô dos escritores Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) e Ruben A. (1920-1975).


“João Henrique Andresen faleceu em 17 de Outubro de 1900, com apenas 39 anos. Pouco depois, Joana Andresen volta a casar-se com Severiano José da Silva, que manteve a quinta na posse da família até 1949.
Naquela época, os limites da propriedade estendiam-se quase até ao Rio Douro, ocupando um lugar importante no contexto da cidade do Porto.
A família Andresen introduz alterações significativas, quer na casa, quer no jardim. Neste último, provavelmente com o apoio do jardineiro paisagista Jacinto de Matos, consolida o traçado do “Jardim do Roseiral“ e do “Jardim dos Jotas“, constrói a casa e campo de ténis, renova o bosque e faz um grande investimento nas colecções de plantas, enriquecendo a colecção já existente.”
Cortesia de Ana Catarina Dias Santos Antunes (Tese de Mestrado- Universidade de Aveiro, 2006)


Casa da Quinta do Campo Alegre vista dos pomares, em 1930



“O Professor Américo Pires de Lima com a colaboração do alemão Franz Koepp, na sequência da compra da Quinta do Campo Alegre pelo Estado, em 1949, procedeu à sua adaptação para o Jardim Botânico da U.P., tirando partido do traçado de jardins e da vegetação já existentes ao gosto das quintas de recreio do Porto de finais do século XIX. Depois do atravessamento da propriedade pelos acessos da ponte da Arrábida, ela ficou reduzida a 4 hectares, eram 12, tendo conservado os jardins iniciais e na parte sobrante dos campos de cultivo e da mata foram sendo instalados novos jardins, nomeadamente de plantas suculentas e de aquáticas assim como um arboreto.”
Fonte: “jardimbotanico.up.pt”


“A transformação em 1952 da Quinta do Campo Alegre em Instituto de Botânica Dr. Gonçalo Sampaio: Laboratório e Jardim Botânico – liderada pelo multifacetado professor Américo Pires de Lima (médico, antropólogo, botânico, explorador…) – proporcionou, para além do grande enriquecimento em espécies botânicas, a criação de espaços ajardinados modernos durante as décadas de 50 e 60, entre os quais se destaca o belo Jardim do Xisto, da autoria de Franz Koepp, com as suas plantas aquáticas. Mas muitos outros espaços foram implantados nesta época: nos antigos terrenos de cultivo da parte baixa da quinta desenvolveu-se a área de bosque, criou-se o lago grande e, a poente, surgiram as novas estufas e o viveiro.”
Fonte: “invasaodacasaandresen.up.pt”


Estudo para amputação de área (abaixo da via central) da Quinta do Campo Alegre para levantamento dos acessos à Ponte da Arrábida (ponto superior à direita)



Casa Andresen – Ed. “jardimbotanico.up.pt”


Este foi o local onde os primos Sophia de Mello Breyner Andresen e Ruben A., brincavam quando eram crianças.
Nenhum deles nasceu aqui, mas ambos tiveram a sua infância e a adolescência muito ligados à Quinta do Campo Alegre.
A escritora e poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 6 de Novembro de 1919 — Lisboa, 2 de Julho de 2004) é uma das personalidades que repousam no Panteão Nacional, sendo ainda conhecida, por ter sido a mãe do escritor e jornalista Miguel Sousa Tavares.



Sofia de Mello Breiner – Foto de Eduardo Gageiro


Na célebre foto acima, de Sofia de Mello Breiner, observam-se no beiral da janela, dois carrinhos com os quais costumava brincar o seu filho, Miguel de Sousa Tavares.
Os denominados Jardins Literários, pela sua ligação com as vivências de Sophia e Ruben, estão situados em volta da casa principal, sendo possível ao visitante sentar-se no banco de azulejos descrito pela escritora, observar a glicínia de que fala na sua obra e mesmo o bucho, que entram num dos seus contos – O Rapaz de Bronze.



Planta do Jardim Botânico – Cortesia de Ana Catarina Dias Santos Antunes (2006)


Legenda

1. Casa do Salabert
2. Casa da Quinta do Campo Alegre
3. Jardim do Rapaz de Bronze
4. Roseiral
5. Estufa Koepp
6. Arboreto (destaque para 2 sobreiros)
7. Lago Grande (Onde todas as águas vão parar é reservatório do jardim, construído entre 1969/72 por Renato Raúl Barreto)
8. Estufas
9. Jardins dos Cactos
10. Jardins dos Anões
11. Antiga adega
12. Bosquetes
13. Jardim das Suculentas
14. Jardim do Carvalho
15. Jardim do Peixe
16. Jardim de Xisto ou Jardim das Aquáticas. Antigo campo de ténis
17. Rua do Campo Alegre
18. Via da Cintura Interna
19. Residência Universitária
20. Jardim dos Jotas


“À medida que se avança no terreno contornando a casa surgem os Jardins de Sophia. Nestes espaços é possível reviver o universo ficcional de Sophia, que se inspirou nos jardins para escrever histórias infantis para os filhos. “O «Rapaz de Bronze» nunca foi rapaz, é na realidade uma senhora, mas temos de lhe chamar assim”, explicou Teresa Andresen, salientando que esta obra é de leitura obrigatória e o facto de as crianças lerem a história neste sítio motiva para a leitura. Aliás, as crianças ficam encantadas quando visitam o jardim e identificam os cenários das histórias. Além do «Rapaz de Bronze», é também possível entrar no universo do Jardim dos Anões do conto «A Floresta». O carvalho centenário onde vivia a personagem Anão Velho teve de ser derrubado, mas o toco foi mantido. “É um lugar para crianças, que incentiva à leitura, à ciência, à biologia. Tem uma potencialidade fantástica”, sublinhou Teresa Andresen, referindo que o projecto de ficcionação é da autoria dos arquitectos Paulo Farinha Marques e Ana Catarina Antunes.”
Lúcia Pereira em “As camélias das japoneiras” (Cortesia Rui Cunha e Maria José)



“Rapaz de Bronze” – Cortesia “bucolico-anonimo.blogspot.com”


“Rapaz de Bronze”


“...num lugar sombrio, solitário e verde, havia um pequeno jardim rodeado de árvores altíssimas que o cobriam com os seus ramos. No meio desse jardim havia um lago redondo sempre cheio de folhas. No centro do lago havia uma ilha muito pequena feita de pedregulhos e onde cresciam fetos. E no centro da ilha estava uma estátua que era um rapaz de bronze. E durante o dia O Rapaz de Bronze não se podia mexer e tinha que estar muito quieto, sempre na mesma posição, porque era uma estátua. Mas durante as noites ele falava, mexia, caminhava, dançava, e era ele que mandava nos jardins, no parque, no pinhal, nos pomares e no campo. E todas as árvores e todos os animais e todas as plantas lhe obedeciam porque ele era o senhor do jardim e o rei da noite”. 
Sophia de Mello Breyner, In “O Rapaz de Bronze” (1965)

“Era uma vez um jardim maravilhoso, cheio de grandes tílias, bétulas, carvalhos, magnólias e plátanos. Havia nele roseirais, jardins de buxo e pomares. E ruas muito compridas, entre muros de camélias talhadas… -Os jardins civilizados- são sempre jardins de buxo. Perto dos gladíolos estava um caramanchão com glicínias e bancos de azulejos… -Nos jardins antigos – diziam os gladíolos – há sempre azulejos. Os buxos, quando ouviam isto, sorriam e murmuravam com voz de buxo, que é uma voz pequenina, húmida e verde. –Nos jardins antigos havia buxo e azulejos, mas não havia gladíolos…” 
Sophia de Mello Breyner, O Rapaz de Bronze (1965)


Na realidade o rapaz de bronze é uma senhora, mas Sofia descreve-o assim nos seus contos infantis.


 “Nas traseiras da casa destacam-se ainda o Jardim das Plantas Aquáticas (construído onde outrora estava o campo de ténis da casa da Quinta do Campo Alegre), a adega (que serve de depósito de água e é um dos edifícios mais antigos da Universidade do Porto), o Jardim das Plantas Anuais (que era a horta), o Roseiral e o Jardim dos Jotas (de João e Joana Andresen). Estes espaços estão separados por meio quilómetro de Camélias talhadas em sebes. “É único, mais ninguém tem, podia entrar para o Guiness”, salienta Teresa Andresen. A arquitecta paisagista salientou ainda que nestes jardins se encontram os cenários da obra de Sophia, por exemplo a glicínia, que envolve o caramanchão do Jardim dos Jotas”. 
Lúcia Pereira em “As camélias das Japoneiras” (Cortesia Rui Cunha e Maria José)



Jardim dos Jotas (João e Joana Andresen ) – fotos de manueladlramos 



Jardim dos Jotas (João e Joana Andresen )


Jardim de buxo cercado de japoneiras


Jardim do Roseiral e fachada a Sul da casa Andresen


Jardim do Roseiral



Jardim dos cactos


Estufas

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