Cais da Estiva, actualmente, sendo também visível o Postigo
do Carvão (primeira abertura em arco no Muro dos Bacalhoeiros, à direita) – Ed.
“cidadesurpreendente.blogspot.com”
O Cais da Estiva foi, durante muitos anos, o local onde
embarcavam os emigrantes que tinham como destino o Brasil ou os passageiros que
demandavam Lisboa, quando ainda não existia o porto de abrigo de Leixões, o
caminho-de-ferro ou, ainda, estradas que fizessem uma ligação segura entre as
duas principais cidades do reino.
Do Cais da Estiva, Camilo Castelo Branco no seu romance
“Amor de Perdição”, dá embarque, também, a Simão Botelho, no intuito dele seguir
para o degredo, na Índia, numa viagem que, para ele e para a sua acompanhante,
Mariana, não chegaria jamais ao seu destino e com a sua amada Teresa de
Albuquerque, a observar aquela partida, desde o mirante do Convento da Madre de
Deus de Monchique.
Tendo sido o romance “Amor de Perdição” escrito em 1861,
quando Camilo estava preso na cadeia da Relação, a trama daquele reportará a
uma data anterior a 1834, pois, o Convento da Madre de Deus de Monchique foi
extinto por ordem régia de 9 de Julho de 1834, passando, assim, para as mãos do
Estado, que o manteve na sua posse até 1874.
Depois do cerco do Porto, as vinte e duas religiosas
pertencentes ao convento da Madre de Deus de Monchique foram mandadas
ingressar, nove no convento de São Bento de Avé-Maria, outras tantas no
mosteiro de Santa Clara e as restantes no convento de Corpus Christi em V. N.
de Gaia.
Ao centro da foto o que restou do Convento da Madre de Deus
de Monchique
“O Cais da Estiva,
junto às ruas da Fonte Taurina e da Reboleira, das mais antigas artérias da
cidade, foi, efetivamente, durante muitos e muitos anos, um lugar de embarque e
desembarque de pessoas e mercadorias.
Era do Cais da Estiva
que, nos finais do século XIX, começos do século XX, embarcavam, em frágeis
veleiros, os emigrantes que iam para o Brasil. Foi dali que partiu, numa certa
manhã de março de 1852, o vapor Porto com destino a Lisboa.
Não o sabemos ao
certo. Mas parece não haver dúvida de que aquele espaço como cais só deve ter
surgido em meados do século XIV.
A partir do século
XIII, a coroa, que é como quem diz o rei, começa a demonstrar uma certa
apetência pelo controlo de toda a atividade marítima e mercantil da zona
ribeirinha, até então controlada em exclusivo pela Igreja, que é como quem diz
pelo bispo da cidade. O rei queria controlar as atividades ribeirinhas para
beneficiar, naturalmente, das pingues rendas resultantes do intenso comércio
fluvial que então se desenvolvia em toda a zona ribeirinha do burgo.
O rei D. Afonso IV
toma a iniciativa de dar início no Porto a duas grandes estruturas, como se
diria hoje, da maior importância para o desenvolvimento futuro da cidade: a
construção da Alfândega, em 1325, na margem direita do rio da Vila; e a muralha
dita fernandina, cuja construção começou em 1334.
É por essa época que
se reorganiza o Senado da Câmara, que se tornará num atilado aliado do rei, no
combate contra as prepotências episcopais, contribuindo, dessa feita, para que
as ações da coroa se articulassem com as do Concelho e dessa estratégica
aliança resultassem benefícios para o enobrecimento da cidade. Como veio a
acontecer.
É o começo de um ciclo a que se dá o nome de
"o regime novo", também conhecido por "senhorio real", que
se estenderá de 1391 até 1518, o ano em que D. Manuel I manda construir, no
faval do bispo, o Convento de S. Bento da Ave Maria e abrir a Rua das Flores,
inicialmente chamada Rua de Santa Catarina das Flores. O enobrecimento do burgo
é por demais evidente.
Falando mais
concretamente do rio, diz o cronista que ele "é muito profundo e corre
mesmo no sopé da vila, de forma que dos bordos das naus põem prancha em terra
quando querem ir para dentro". Isto foi escrito nos finais de trezentos, o
que significa que por essa altura ainda não devia existir o cais, que só deve
ter começado a ser construído por meados do século XV.
O prof. dr. Amândio
Jorge Morais Barros, num excelente trabalho de investigação histórica a que deu
o título de "Uma cidade que se fez Porto", referindo-se à intensa
atividade ribeirinha, fala da construção dos vários cais e informa que o do
Terreirinho, ou do Cais," em frente da muralha, e com serventia para a
Alfândega, foi feito em 1449 com a pedra que estava reservada a obras no
mosteiro de Santa Clara". "E só depois - acrescenta o historiador -
surgiram as linguetas que davam melhor acesso aos navios, os postes de
amarração, em pedra e em ferro, e os armazéns".
Cortesia de Germano Silva
Em frente, o Cais da Estiva e, sobre a esquerda, a Rua da
Alfândega e, em construção, em 1887, no
seu términos, a casa de armazém contigua à Casa do Infante (Alfândega Velha)
Cais da Estiva, em
meados do século XIX, vendo-se o guindaste e a balança da Velha Alfândega –
Gravura de J. P. Monteiro
Vista para o Cais da
Alfândega através do Postigo do Carvão
“A interferência do
poder régio na cidade terá apressado a desejada reorganização. Em 1325
iniciou-se a construção da alfândega ou almazém real, ao cabo da rua da Fonte
d’Ourina, elemento crucial para a definição de locais de carga e descarga,
sobretudo desta, ‘puxando’ a acostagem dos barcos para a secção do rio que lhe
ficava mais próxima e dando origem, talvez ainda no século XIV, ao cais do Terreirinho, também designado
da Reboleira-Fonte d’Ourina ou cais da Estiva.”
Cortesia do Prof. Dr. Amândio Jorge Morais Barros, In
“Porto: a construção de um espaço marítimo no início dos tempos modernos”
À direita, o Cais da Estiva – Ed. “Illutração Portugueza”
(14 Out. 1907)
Cais da Estiva, em perspectiva actual, idêntica à anterior –
Fonte: Google maps
Cais da Estiva e Muro dos Bacalhoeiros – Postal comemorativo
dos 50 anos do “Lar do Comércio”
Na gravura acima, adossado à escadaria, com frente para a
Praça da Ribeira, está hoje o “Hotel Pestana”. Aquando da remodelação do prédio,
para instalação desta unidade hoteleira e da intervenção efectuada em algumas
casas, dos séculos XVII e XVIII,
da Praça da Ribeira, foram colocadas, a descoberto, algumas pedras da muralha
fernandina.
Construção do Hotel
Pestana
O Cais da Estiva
situa-se no percurso, junto ao rio, entre o “Hotel Pestana” e o Largo do
Terreiro.
Da frente daquele
hotel, olhando para norte, perpectiva-se a Rua de S. João, que vem desembocar
na Praça da Ribeira.
“A São João dos
armazenistas de mercearias e de carros de bois estacionados na berma da rua a
carregarem caixas de sabão, sacos de arroz e de açúcar e quintais de bacalhau
miúdo e graúdo para as mercearias do Porto e arrabaldes. A Ribeira típica e com
caras conhecidas e estabelecidas nas arcadas do Muro dos Bacalhoeiros com lojas
de venda de secos e molhados onde se incluíam as postas de bacalhau a dessalgar
na água, o polvo seco e fresco, sardinhas, caras e línguas de bacalhau
salgadas, em barricas, cebolas, alhos e azeitonas em salmoura expostas em
grandes alguidares de barro. Por ali cheirava a sardinha, carapau e sável frito
e a iscas de bacalhau.”
In Porto Tripeiro
Carro de bois na Rua
de S. João
Cais da Ribeira e, ao fundo, na sua continuidade, o Cais da
Estiva
Chegada do almirante Américo Tomás ao cais da Estiva, a 21
de junho de 1963, para a inauguração da ponte da Arrábida – Fonte: (CMP,
Arquivo Histórico Municipal)
Cais da Estiva em primeiro plano
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