quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

(Conclusão) - Actualização em 10/10/2020


Romaria ao Senhor da Pedra


A capela do Senhor da Pedra situa-se na praia de Miramar, na freguesia de Gulpilhares, no concelho de Vila Nova de Gaia. Esta capela foi construída em 1686 sobre um rochedo, tem um formato hexagonal e possui um Altar-mor.
É aqui, que todos os anos acontece uma concorrida romaria, no Domingo da Santíssima Trindade até à 3ª Feira seguinte.
Aquele Domingo é o que sucede a um outro chamado de Pentecostes que ocorre 50 dias depois da Páscoa.



“É considerada um local de culto e peregrinação. Anualmente, nesta praia, é realizada uma romaria ao Senhor da Pedra. Esta festa remonta de uma tradição muito antiga e é realizada no domingo da Santíssima Trindade e prolonga-se até à terça-feira seguinte. Reza a lenda que quando os habitantes de Gulpilhares se preparavam para construir uma ermida ao Senhor da Pedra, no terreiro conhecido por arraial, era frequente aparecerem sobre os rochedos junto ao mar uma certa luz.
Todas as noites essa mesma luz misteriosa reaparecia fazendo os habitantes acreditar que seria um sinal do Céu.
Por este motivo, desistiram da construção da ermida no arraial e resolveram construir a capela no sítio onde a luz costumava aparecer, ou seja, em cima de um rochedo à beira-mar.
Nesse rochedo, atrás da capela, existe incrustada uma marca semelhante a uma pegada de boi.
Os habitantes desta terra acreditam ser de um boi bento (boi que afagava o menino Jesus na manjedoura)”.
Cortesia de “radioportuense.com”



Capela do Senhor da Pedra



Para ajudar ao esforço da caminhada, os romeiros costumavam cantar muitas músicas folclóricas, em que uma das quadras era:
 
Bendito o Senhor da Pedra
Bendito sempre sejais
Não tenho nada de meu
Oh Senhor tanto me dais
 
 
Em 20 de Junho de 1859, o jornal “O Commercio do Porto” sobre a romaria, desse ano, noticiava.
 
 

 



 

No ano de 1864, já os romeiros chegavam de comboio ao Senhor da Pedra, pois o troço ferroviário entre as Devesas, V. N. de Gaia, e Estarreja, tinha ficado concluído em 8 de Junho de 1863.



In jornal "O Commercio do Porto" de 23 de Maio de 1864



A propósito da romaria do Senhor da Pedra, em 1873, escrevia o “Jornal do Porto”:
 
 
“Ainda mal repousados das fadigas recentes, já se dispõem para nova peregrinação os romeiros do devoto Senhor da Pedra, cuja imagem se venera na respectiva capela erecta à beira-mar, dentro dos limites da freguesia de Gulpilhares.
É um nunca acabar de romarias, desde que lhes abre a porta, de par em par, o venerado S. Salvador de Quebrantões, até que a fecha a Senhora do Rosário, de S. Cosme de Gondomar.
As romarias constituem toda a alegria e distracção deste bom povo, que gosta de folgar por festas e arraiais para poder recomeçar, com mais ardor, no dia seguinte, a labutação donde aufere os recursos com que se ampara a si e aos seus.
Os romeiros de S. Salvador, pode dizer-se que são os do Senhor de Matosinhos, Senhor da Pedra e outras festas de oragos.
Da romaria do Senhor da Pedra derivam mais dois arraiais que são o da Raza e o das Devezas.
Para estes dois sítios vai de tarde muita gente, aguardando o regresso dos romeiros”.
In “Jornal do Porto” de 7 de Junho de 1873 - Sábado
 
 
E o jornal “O Commercio Portuguez” descreve a romaria de 1877:
 
 
“É amanhã domingo, 27 de Maio, a festa ao Senhor da Pedra.
O sítio da romaria é um extenso areal onde dardeja, de manhã à noite, um sol metálico, candente, capaz de fundir as pedras, sem uma sombra benéfica; há apenas o resguardo dos pavilhões de lona das tendas volantes que abrigam numerosas pipas de vinho, montes de pescado frito, que chia, de salsichas, de frangos, de caldeiros de arroz amarelo e outros víveres componentes destes regabofes populares.
As padeiras de Valongo alinham os seus enormes canastrões cheios de pão, tendo ao lado as mulas presas pelo cabresto e dando ao local o aspecto dum grande acampamento, vivacando.
Vareiras morenas e de olhos negros, com as suas cântars de água fresca, fervilham por entre a multidão sequiosa e as camponesas de Valadares e de Andorinho, exemplares de formusura e saúde sem confeição, oferecem pequenos encanastrados, forrados de alvíssimo linho, as laranjas e os mais rubicundos morangos do tempo.~
Aparecem a scerejas, as frutas da novidade, os doces de Paranhos, que parecem seixos, na moleza, os pães doces de Coimbrões e Avintes, chamados velhotes, as cavacas de Arouca, os doces de Milheiroz, que figuram burrinhos, aves, cães, vasos e leques.
Os pescadores do litoral atacam as famosas caldeiradas de peixe, que ali mesmo cozinham e comem.
Os romeiros espetam nos chapéus as estampas da imagem milagrosa e ramos de camarinhas, brancas como pérolas, e chamadas bagos de orvalho; com as jaquetas traçadas a tiracolo, inundados de suor, não sentindo o calor nem o vento de areia, dançam heroicamente todo o dia, esgadanhando na viola e fazendo enrouquecer as cantadeiras, as mais afamadas, que vêm de longe, contratadas para a festa.
Ao meio-dia sai a procissão arrostando intrepidamente um sol a prumo.
Na segunda-feira há corridas de cavalos sobre a areia; os “jockeys”não trajam jaqueta de setim, são os próprios donos, com os seus grossos jaquetões, hercúleos, pesados, valentes.
É uma romaria muito pitoresca e notavelmente concorrida e uma das que a classe média do Porto mais ama. A cidade costuma despejar-se e nas aldeias vizinhas não fica em casa, nesse dia, fôlego vivo, porque tudo quer ir ver a Pégada milagrosa que está gravada narocha, onde se ergue a capelinha, como um ninho de águia em frente da amplidão do mar e fitando o astro-rei que campeia no espaço infinito.
Mas aquela alegria imensa e ruidosa tem um lado repugnante, costuma ser cortada por vozes lancinantes dos mendigos que ali acodem de pontos longínquos.
Manetas, mancos, cegos, leprosos, aparecem ali em burros lazarentos, também dignos de comiseração, vê-se a morfeia, a elefância, as herpes, a gota, todas as excrescências cancerosas, todas as mutilações, todas as contracções, todos os defeitos do organismo, com grande cortejo de horrores”.
In jornal “O Commercio Portuguez” de 26 de Maio de 1877



Romeiros ao Senhor da Pedra, em 1900


Aurélio da Paqz dos Reis, com a sua filha Hilda, no Senhor da Pedra, em 1906







Romaria do Senhor da Pedra, em 1918




"A festa dedicada ao Senhor da Pedra, na freguesia de Gulpilhares, em Vila Nova de Gaia, merece um destaque especial, tanto pelo local em que decorre, como pela grande devoção de que terá sido alvo no passado. O local da festa é uma capela de planta hexagonal erguida sobre um rochedo batido pelo mar na praia de Miramar. A capela que lá está agora data mais ou menos da época do rei D. João V, mas o local em que ela se ergue foi objecto de remotas crenças pagãs. Antes da capela actual, é de admitir que outros templos, pagãos e cristãos, tenham existido naquele rochedo.
Só o próprio facto de uma capela se erguer num local tão junto ao mar, sem que seja destruída por este nos dias de maior temporal, já parece um milagre. Não admira, por isso, que ela tenha sido o centro de um fervoroso culto.
A importância que a romaria ao Senhor da Pedra teve no passado é testemunhada pela existência, num raio de muitos quilómetros em redor, de cantigas de romaria que lhe são dedicadas. Há cantigas ao Senhor da Pedra em localidades como Cinfães e Paredes, entre muitas outras. Quer isto dizer, portanto, que acorriam às festas do Senhor da Pedra muitos romeiros vindos de muito longe, que formavam ranchos e rusgas e iam a pé pela estrada fora, cantando, dançando e tocando bombos, ferrinhos, cavaquinhos, concertinas, rabecas, violas ramaldeiras e braguesas, etc.". In blog A Matéria do Tempo



Senhor da Pedra em 1912 – Fotograma editado da Cinemateca


Notícia no jornal “O Comércio do Porto”, em 18 de Dezembro de 1936



Capela do Senhor da Pedra, em 2009



À entrada da capela, de cada lado, existem dois painéis de azulejos com as seguintes inscrições:


Painel do lado esquerdo – ” O local onde se levanta esta capela do senhor da pedra é certamente o mais antigo lugar de culto da freguesia antes de nele se celebrar a Cristo seria altar pagão” ;
Painel do lado direito – “A origem do grupo populacional de Gulpilhares remonta a maior antiguidade como bem se demonstra com o notável espólio arqueológico que nesta região tem sido achado”.



Painel de azulejos na entrada, à direita


Painel de azulejos da capela do Senhor da Pedra com datas de referência




Presentemente, para além dos dias consagrados à romaria, são na generalidade conhecidos relatos estranhos sobre visitas à capela e levadas a cabo nas suas traseiras, práticas bizarras que prenunciam actos de bruxaria e feitiçaria.





Vista aérea da Capela do Senhor da Pedra




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