O Bacalhau
Por cá, o bacalhau ou o “ fiel amigo”, como o trata o povo,
pode encontrar-se nas mercearias tradicionais do Porto, no formato espalmado,
esfiapado, em cabeças e línguas, contudo, ele é o sabor da noite de Natal,
hoje, como há mais de cem anos atrás.
“O consumo de bacalhau
(Gadus Morhua) faz parte da
dieta dos portugueses desde, pelo menos, a Idade Média, sendo conhecidos
tratados, datados do século XIV, em que Portugal trocava sal por bacalhau com a
Inglaterra.
Datam do século XVI,
porém, os primeiros registos de barcos portugueses envolvidos na pesca do
bacalhau na Terra Nova, região situada na costa ocidental do Canadá e onde se
encontram os grandes "bancos" deste peixe, "(...) imensas
plataformas submarinas a pequena profundidade onde o bacalhau se concentra
aproveitando o plâncton, as pescadas e a lula (...)" (GARRIDO, 2010: 26)”
Cortesia: “gaiarevelada.blogspot.com”
A vermelho, pode-se distinguir a Terra Nova
“Já no séc. XVII, se vendia no Porto o
bacalhau, que em 1671 tinha o preço máximo de 25 reis o arrátel (459 gramas).
Este peixe era vendido na Ribeira, junto da antiga fonte e só por negociantes
devidamente autorizados pela câmara. Os barqueiros e particulares estavam
proibidos de transportar para Gaia este portuense pitéu, salvo com licença da
mesma.
Só a partir de 1830, quando foi elaborada
legislação fiscal conveniente aos armadores portugueses, reuniu a frota
portuguesa condições para se desenvolver, mesmo assim recorrendo a barcos e
tripulações inglesas. A sua vigência foi, no entanto, breve, o que determinou
que o número de navios empregue na faina maior tenha oscilado ao sabor das
mudanças legislativas que a partir daí foram sendo operadas, nem sempre
favoráveis à indústria. Em 1896, para se ter uma ideia, existiam apenas 12
veleiros portugueses empregues na pesca do bacalhau. (MOUTINHO, 1985)
Em 1901, contudo, é dado um importante
impulso fiscal para o desenvolvimento da actividade de forma mais sustentada,
estabelecendo-se um imposto de 12 réis por quilo de pescado, quando
anteriormente, para as novas embarcações que queriam entrar ao serviço, estava
previsto um imposto de 39 réis por quilo. Reflexo disso mesmo, em 1924 eram já
65 os veleiros que demandavam os bancos da Terra Nova e com uma tonelagem maior
relativamente ao que sucedia no início do século. (MOUTINHO, 1985)”
Cortesia: “gaiarevelada.blogspot.com”
Há referências ao bacalhau seco nas listas de compras dos
hospitais e das misericórdias portugueses. Além disso, o bacalhau era um
recurso alimentar na Quaresma e quando a Igreja indicava que não se podia comer
carne. A facilidade da sua conservação possibilitava também que fosse para
terras do interior.
“Não há prova
inequívoca de que o bacalhau fosse um alimento dos pobres, mas há prova de que
era um alimento popular e urbano de largo consumo”.
Cortesia Álvaro Garrido
Vindo de paragens distantes, o bacalhau é preservado seco e
salgado.
O processo de salga e de secagem tem como objectivo eliminar
uma grande percentagem de água do bacalhau, assim neutralizando a acção de
enzimas e bactérias que, de outro modo, iriam concorrer para a deterioração do
produto. Ao permitir conservar as propriedades do bacalhau por um período
alargado de tempo, a salga e a secagem do bacalhau tornaram possível a expansão
do seu consumo muito para lá do seu território de origem, como é o caso do
nosso país.
Secas do bacalhau à volta do Porto, durante o século XX,
havia uma área ao fundo da Estrada da Circunvalação, próximo ao Castelo do
Queijo, e outra em Lavadores, ao Parque de S. Paio, V. N. de Gaia.
Esta área, em V. N. de Gaia, era da responsabilidade da Empresa
de Pesca de Bacalhau do Porto, Lda., que a licenciou em 1937.
Lugre motor “Oliveirense” da SNAB (Sociedade Nacional dos
Armadores do Bacalhau) amarrado ao cais do Jones, em V. N. de Gaia, a
descarregar bacalhau para a seca de Lavadores. Imagem obtida no blogue “Navios
à Vista”
Local da antiga Seca do Bacalhau em Lavadores. A meio da
foto (ao longe) o antigo depósito de água que servia o complexo – Fonte: Google
maps
No Porto, ao fundo da Estrada da Circunvalação, durante
anos, os portuenses habituaram-se a observar uma imagem muito idêntica à da
foto seguinte.
Na Seca do Bacalhau, no fim da Estrada da Circunvalação, os
bacalhaus secando ao ar livre, com o oceano em fundo
Foto aérea da zona envolvente ao Porto de Leixões e entre a
Estrada da Circunvalação e a Avenida da Boavista, c. 1950 – Ed. Alvão
Legenda
1. Farolim do Esporão
2. Molhe Sul
3. Molhe Norte
4. Estrada da Circunvalação
5. Área da Seca do
Bacalhau (Hoje, o Queimódromo)
6. Bairro (de lata) de Xangai
7. Avenida da Boavista
8. Castelo do Queijo
9. Praia de Matosinhos
10. Avenida de Montevideu
11. Porto de Leixões
12. Local do actual Parque da Cidade
Seca do Bacalhau, em 1939, junto da Estrada da Circunvalação
– Fonte: Fotograma de filme da Cinemateca
Frota Bacalhoeira, em 1939, junto do Cais de Massarelos e da
“Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau – Armazéns Frigoríficos” – Fonte:
Fotograma de filme da Cinemateca
O bacalhau vendia-se para a consoada e durante todo o ano em
quase todas as mercearias. Para aqueles que faziam questão de ter à mesa também
o polvo, recorriam aos mercados e peixarias de todos os dias.
A gente abastada recorria a mercearias finas, de produtos
escolhidos, como se diz hoje, “gourmet”. Tanto para o bacalhau, como para o
polvo. Este era apresentado seco e com cura de lixívia que, alguns poucos,
apreciam.
“Feira do Bacalhau” na Rua do Bonjardim, 498 – Fonte:
“jpn.up.pt”
Hoje, a concorrência aumentou e outros protagonistas tomaram
conta do mercado.
Tudo aconteceu nas vésperas do Natal de 1985.
“No dia 10 de Dezembro
de 1985, a tempo das compras de Natal, surgiu o primeiro hipermercado em
Portugal, com a inauguração do Continente de Matosinhos. Foi o início de uma
revolução no sector.
Resultado de uma
parceria entre a Sonae (grupo proprietário do PÚBLICO) e os franceses da
Promodès, o hipermercado do Continente de Matosinhos foi construído num terreno
comprado à diocese do Porto. É Narciso Miranda, presidente da câmara de
Matosinhos em 1985, quem conta a história, recordando que a escolha de local
surgiu num almoço com Belmiro de Azevedo, presidente da Sonae.”
Fonte: Luís Villalobos, In “publico.pt”
E, de repente, dá-se uma revolução. Todos estavam fascinados
com a possibilidade de comprar todos os produtos que precisavam para o
dia-a-dia no mesmo espaço. A entrada dos clientes era controlada por
um funcionário com um apito que avisava sobre a abertura
e fecho das portas. Excursões faziam-se a Matosinhos vindas de todo o
País.
Continente-Matosinhos em 1985
Vista aérea do Continente-Matosinhos
em 1985
(Continua)
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