terça-feira, 10 de dezembro de 2019

25.75 Natal portuense


«Quem leu o famoso romance “Reviver o Passado em Brideshead”, de Evelyn Waugh, lembrar-se-á de uma conversa entre Charles e Sebastian sobre a fé em que Charles se afirma não-crente e exprime a sua estranheza perante o facto de o amigo acreditar na lenda do Natal (com Reis Magos e burrinho junto da manjedoura). Diz Charles: “Mas, meu caro Sebastian, não podes acreditar naquilo a sério.” Ao que Sebastian responde:
“Claro que acredito: a ideia é lindíssima.”»
Cortesia de Frederico Lourenço, In semanário Expresso de 8/12/2015



A ideia do Natal pode ser linda, mas tem diferentes versões.
Assim, só nos escritos do evangelho de Mateus é que encontramos os Magos, a Estrela de Belém, o Massacre dos Inocentes e a Fuga para o Egito.
Fica subentendido para Mateus, que José e Maria são naturais de Belém e só depois do regresso do Egito é que se mudam para Nazaré.
Dado que, em Mateus, tudo leva a crer que Jesus nasceu, sem percalço de maior, na morada belenense de Maria e de José, neste Evangelho não há manjedoura nem adoração dos pastores. Não há presépio.
Por outro lado, a versão de Lucas é diferente. Lucas vê a situação ao contrário: José e Maria são naturais de Nazaré, mas têm de se deslocar a Belém para a formalidade de um recenseamento romano (cujos contornos, tal como são narrados por Lucas, colidem com a realidade histórica). O ideólogo do presépio é Lucas.
O portuense Almeida Garrett, refugiado em Londres, no Natal de 1823 recordava, em noite de consoada, o que iria pela sua terra, a cidade do Porto, a essa hora:


Natal da minha terra, que lembranças
Saudosas e devotas
Tenho das tuas festas tão gulosas
E de teus dias santos
Tão folgados e alegres! Como vinhas
Nos frios de Dezembro
De regalados fartes coroados
Aquecer corpo e alma
C’o vinho quente, c’os mexidos ovos,
E farta comezaina!


Este Natal, do Garrett, era o do Porto, não engana. Vinho quente e mexidos, o Natal de Lisboa, não tinha.
Fernando Pessoa associava o Natal nortenho ao frio.



DIA DE NATAL (De Fernando Pessoa)

Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.
E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.
Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.
Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.








Hilda Paz dos Reis a colocar um postal de Natal num marco do correio



A fotografia acima mostra, em 1909, na então Praça de D. Pedro IV (actual Praça da Liberdade), a filha de Aurélio da Paz dos Reis, conhecido fotógrafo e vereador da Câmara do Porto e ainda dono da "Flora Portuense", que ficava do outro lado da praça. 



Correio de Boas Festas, de Hilda Paz dos Reis, desejando um ano feliz de 1910

 
 
 

Cartaz publicitário natalício do Bazar Esmeriz, localizado na Rua dos Clérigos n.° 70 - 74, c. 1910








Natal de 2007 na Rua de Santa Catarina



Rua de Cedofeita no Natal de 2014 – Ed. Teo Dias



Rua de Brito Capelo em Matosinhos no Natal de 1980



(Continua)

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