Na história da cidade do Porto ficaram para a posteridade as visitas de alguns monarcas, como foi o caso de D. Fernando e de D. João I, ambos
com a finalidade de se consorciarem.
D. Fernando casa, em segredo, no Mosteiro de Leça do Balio
com Leonor de Teles, em 15 de Maio de 1372.
Mosteiro de Leça do Balio, em 1852 – Gravura de A. C. Pinto,
In “Memória Histórica da Antiguidade
do Mosteiro de Leça, chamada do Balio”, editado por António do Carmo Velho de
Barboza
D. João I, filho ilegítimo de D. Pedro I e de sua amante
Teresa Lourenço, casará com D. Filipa de Lencastre em 2 de Fevereiro de 1387,
na Sé do Porto, tendo o cerimonial decorrido no dia 14, cerca de semana e meia
depois.
“Foi a 26 de dezembro
de 1386 que D. João I viu pela primeira vez D. Filipa de Lencastre. O encontro
deu-se na cidade do Porto, nos Paços do Bispo, em frente a uma comitiva de
nobres e representantes da Igreja. Se foi amor à primeira vista, não há como
saber: as crónicas da época, sem romantismo nenhum, dão apenas conta de uma
breve troca de palavras antes da hora de jantar. Mas de uma coisa podemos ter
certeza: foi da união entre o filho “natural” de D. Pedro I e a filha de um
príncipe inglês que nasceram os “altos Infantes” que marcaram, como nenhuns
outros, a História de Portugal. Aqueles a que Camões chamou de “ínclita
geração””.
Cortesia de Rita Cipriano, In “Observador”, em 25 Abril 2017
Referindo-se à festa de casamento, o historiador Vítor Pinto
diz:
“Não deve ter sido
barata. Creio que há coisas que o rei deve à cidade do Porto. No entanto, as
coisas foram feitas. Durante 15 dias, a cidade foi totalmente transformada.
Trabalhou-se de noite e de dia para que, no dia 14, os reis e as pessoas se
pudessem sentir bem. Afinal, estamos a falar de um rei que abriu uma nova
dinastia. Muita gente diz que D. João I era um filho bastardo, mas não era —
era um filho natural de D. Pedro I [e D. Teresa Lourenço]. O que é que eu quero
dizer com isto? Quando existe o termo “bastardia” significa que o rei já era
casado e que enganou a mulher. Aí é um bastardo. D. João I era um filho natural
porque nasceu antes do rei casar. Naquela época era assim que se chamava. Isto
para dizer que foi um rei diferente. Foi um rei que lutou pela independência de
Portugal depois de D. Fernando ter praticamente entregado o país a Castela.”
Uma outra visita à cidade aconteceria, alguns anos depois,
por motivos bem distintos, envolvendo D. João II (1455-1495) e algumas outras
personagens. Estávamos em 11 de Dezembro de 1483, quando D. João II chegou ao
Porto (onde o esperava a sua rainha), vindo de Trás-os-Montes, por onde andou
em digressão.
A comitiva real ficaria na cidade do Porto durante cerca de
um mês, já que, o inverno ia muito rigoroso.
No mês de Setembro, daquele ano, o casal real tinha partido
de Abrantes, para se dirigir ao santuário de São Domingos da Queimada, hoje,
freguesia do Fontelo, no concelho de Armamar, no extremo norte do Distrito de
Viseu.
Ermida de São Domingos da Queimada, na freguesia de Fontelo
Aqui, D. João II foi agradecer a Deus ter-lhe dado o filho
(à data, com 9 anos) que o acompanhava e que era o resultado de uma prece e
romagem anterior, que tinha encetado há alguns anos atrás.
Desde então, é atribuído a São Domingos e, particularmente,
à fraga em que assenta a ermida, poderes de procriação.
Diz-se que, D. João II, como agradecimento, mandou restaurar
a capela e reproduzir sobre a porta principal o seu escudo.
Uma vista a partir do miradouro de São Domingos de Fontelo
Depois, a rainha veio para o Porto, antes passando por Viseu,
enquanto o rei foi a Vila Real e Bragança visitando, ainda, outras localidades
transmontanas.
Rainha D. Leonor de Avis (1458-1525) fundadora da Santa Casa
da Misericórdia de Lisboa
O casal era acompanhado pelo filho D. Afonso (1474-1491) e
por D. Manuel (1469-1521) que, mais tarde, viria a ser rei.
D. Manuel e a rainha eram irmãos, filhos de D. Fernando,
Duque de Viseu, Condestável do reino e de D. Leonor de Aragão e, por isso,
primos direitos de D. João II.
Era já uma tradição da família real a romagem àquele
santuário, para clamar pela fertilidade da companheira, pois D. Afonso V
(1432-1481) o pai de D. João II, já o tinha feito em 1454, a favor de Isabel de
Avis.
Como visitante na cidade do Porto, segundo alguns documentos
existentes, D. João II terá morado na Lada, na Ribeira, tendo, porém, durante a
sua estadia, ido em romaria até ao convento de Nossa Senhora da Conceição, dos frades
da “Observância Franciscana”, localizado em Leça da Palmeira e que acabava de
para aí ser transferido, vindo de São Clemente das Penhas, um pequeno oratório
que era ocupado no que é, hoje, a Boa-Nova.
Fonte e ruínas do antigo claustro do convento de Nossa
Senhora da Conceição, em Leça da Palmeira, na denominada Quinta da Conceição
(antiga Quinta da Granja)
São Clemente das Penhas e capela da Boa-Nova
Na cidade, as habitações com dignidade para receber uma
comitiva real tinham uma arquitectura em torre, de que é exemplo a casa-torre
da Rua de Baixo.
Casa-Torre na Rua de Baixo
Uns anos depois desta visita e na sequência de um incêndio
que provocou grande destruição na Ribeira em 1491, D. João II e a governança da
cidade, em colaboração, promoveram o reerguer daquela praça debaixo de novo
traçado, do qual ainda serão subsistentes os edifícios situados junto à Rua dos
Mercadores, por certo, hoje, que já bastante modificados.
Casa-Torre da Rua dos Mercadores, nºs 156-158
Por sua vez, D. Manuel, já como rei, aclamado em 1495,
voltaria a passar pelo Porto quando, em 1502, foi em romagem a Santiago de
Compostela e, na ocasião, a cidade não se pouparia a esforços para agradar à
real personagem. Fê-lo deixando a sua rainha (D. Maria de Castela)
inconsolável, no Paço, em Lisboa.
Encetada a romagem, o rei veio por Coimbra, onde visitou o
túmulo do 1º rei de Portugal, tendo decidido, a propósito, mandar construir um
outro de maior dignidade, seguiu por Montemor e Aveiro, chegando ao Porto, para
o que teve de atravessar o rio Douro.
Cortesia de António Cruz
No Porto, por certo, quando o soberano visitou a Catedral,
teve oportunidade de apreciar o seu claustro gótico, que tinha sido construído
durante o reinado de D. João I.
Claustro gótico da Sé do Porto (que substituiu o claustro
primitivo), de iniciativa do bispo D. João (III) na cátedra entre 1373 e 1389
Claustro primitivo da Sé do Porto
Abandonando a cidade e na continuação da sua romagem, o rei
D. Manuel rumou a Dume (Braga) e seguiu para Santiago de Compostela.
A sua passagem pelo Porto, para além dos gastos que
provocaram as atenções para com o monarca, que endividaram a cidade durante
muito tempo, foi o princípio de um litígio entre a cidade e o rei, tendo por
pano de fundo os privilégios que, sucessivamente, os portuenses tinham obtido
ao longo dos tempos.
O contacto, de perto, de D. Manuel I com aqueles privilégios
e a observação da riqueza existente entre uma certa elite, aguçou a curiosidade
real.
Ficou para a história o conflito entre o fidalgo Pedro da
Cunha e a governança da cidade (corregedor, juízes e vereadores), que já vinha
do tempo de seu pai.
Era privilégio da cidade a não permanência dos nobres dentro
dos limites da cidade.
Os nobres referidos não acatavam a lei e tinham ainda, em
construção uma habitação em Monchique.
O rei D. Manuel I começaria por apoiar o fidalgo, mas viria
por acção do cidadão portuense Vasco Carneiro, por recuar estrategicamente e
ficar do lado da cidade.
Renovou, de facto, em 1505, o privilégio que retirara à
cidade em 1502, mas desembargou a construção da tal residência em Monchique e
os ânimos serenaram.
As contendas que chegaram a envolver a nomeação de juízes de
fora, só terminariam, aparentemente, por acordo das duas partes e que se veio a
traduzir no Foral Manuelino dado à cidade do Porto, em 1517, que mais não era
que um rol bem preenchido de impostos a cobrar aos portuenses.
D. Manuel I emprestaria o seu nome à cidade quando, em 1518,
determinou a construção do convento de S. Bento da Ave-Maria, a instituição da
“Casa dos Vinte e Quatro”, a sugestão da fundação da Misericórdia do Porto e,
em 1521, ano da sua morte, a abertura da Rua das Flores.
D. Manuel I acabaria por fazer três casamentos e ter o seu
destino intimamente ligado ao infante D. Afonso que o tinha acompanhado naquela
viagem em 1483, ao Porto.
Assim, ainda em criança, D. Afonso casou com a princesa
Isabel de Aragão (1470-1498), filha mais velha dos reis católicos, mas viria a
morrer ainda muito jovem num acidente de equitação com 17 anos. Por esta razão,
é que D. Manuel foi rei.
Por outro lado, a viúva do infante D. Afonso acabaria por
ser a consorte no primeiro casamento de D. Manuel I, em 1496.
Com a morte da sua primeira rainha por complicações durante
o parto, a que não sobreviveu, durante muito tempo, o rebento, D. Manuel I
casou em segundas núpcias, casou em 1501, com D. Maria de Castela (1482-1517), irmã
da sua primeira mulher, com quem teve dez filhos.
De novo, viúvo, casou com D. Leonor, tendo mais dois filhos.
Esta última esposa estava prometida a seu filho, que viria a
ser D. João III, mas, por antecipação, D. Manuel I tratou de a desviar do
caminho inicialmente traçado, enfeitiçado pelos dezanove anos da menina e com
ela casou em 1518.
D. Leonor haveria após a viuvez, dizem, de receber os
favores de D. João III, mas haveria de rumar a frança e contrair matrimónio com
Francisco I e ser rainha de França.
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