Em 21 de Fevereiro de 1872, o jornal “O Comércio do Porto”
dava conta de uma notícia da autoria de Camilo Castelo Branco sobre a
inauguração da Casa de Saúde do Dr. Ferreira que, no entender do escritor,
passava a ser um marco no tratamento da saúde dos portuenses que, até aí, se
viam privados de ter uma unidade ao dispor, com especialistas médicos e
operadores de qualidade.
Publicidade à Casa de Saúde do Dr. Ferreira, na Rua de S.
Lázaro, nº 278 (actual Avenida Rodrigues de Freitas) – Fonte: “Jornal do Porto”
em 22 de Fevereiro de 1872 – 5ª Feira
Casa de Saúde do Dr. Ferreira referenciada pela elipse, na
Planta de Telles Ferreira de 1892
Naquele ano de 1872, em que abria, a S. Lázaro, a Casa de Saúde do Dr. Ferreira, Camilo Castelo Branco tinha já uma amizade recente com um outro indivíduo de apelido Ferreira, acabado de chegar do Brasil e de seu nome completo de Joaquim Ferreira Moutinho que, como ele, trabalhava no
jornal “O Comércio do Porto”.
Joaquim Ferreira Moutinho nasceu no Porto em 1833 e faleceu
em Sintra em 1914.
Muito novo partiu para o Rio de Janeiro, onde se dedicou à
vida comercial como caixeiro.
Em 1851, passou para a cidade de Cuiabá, capital da
província de Mato Grosso, onde teve um estabelecimento de fazendas e residiu
durante dezoito anos.
Entretanto, em 1863, casou com Marianna Rita Ferreira
Moutinho, com quem teve três filhos.
Regressado a Portugal em 1870 ou 1871, para além de obra
publicada, alguma referente à etnografia brasileira, de que se destaca “Noticia
sobre a Província de Matto Grosso”, passou a colaborar no jornal “O Comércio do
Porto”.
Entre muitas obras publicadas, a sua ligação a Camilo tinha
expressão prática na intitulada “A Creche” – Joaquim Ferreira Moutinho, 1884,
cujo tema era algo que dizia muito ao escritor – A creche de S. Vicente Paulo, da qual Camilo tinha sido um
impulsionador e director.
Residência de Joaquim Ferreira Moutinho, na Rua Fernandes
Tomás, nº 223 – Fonte: Google maps
Para a residência de Joaquim Ferreira Moutinho, acima mostrada,
era solicitado à Câmara do Porto a realização de obras, em 1881, que obtiveram
a licença nº 180.
Antes, teria residido na Rua dos Caldeireiros, de acordo com o que o próprio escreveu, em 1887:
“Foi ali que me
encontrei órfão de pai, a primeira amargura real da minha vida. É muito triste
ser órfão.
Em casa próxima morava uma senhora preceptora de meninas.
A pequena Rachel ia ali todos os dias, e, na janela ou no quintal, eu via-a sempre, acontecendo muitas vezes encontra-la na rua quando ia ou quando regressava do colégio”.
Joaquim Ferreira Moutinho (1887)
Antes, teria residido na Rua dos Caldeireiros, de acordo com o que o próprio escreveu, em 1887:
Em casa próxima morava uma senhora preceptora de meninas.
A pequena Rachel ia ali todos os dias, e, na janela ou no quintal, eu via-a sempre, acontecendo muitas vezes encontra-la na rua quando ia ou quando regressava do colégio”.
Joaquim Ferreira Moutinho (1887)
Rua dos Caldeireiros, nºs 195, 197 e 199 – Fonte: Google
maps
Mas, voltando à narrativa referente ao Dr. Joaquim José Ferreira, diga-se que nasceu em Coimbra,
onde concluiu o curso em 1846, começando por exercer a medicina em Celorico de
Basto.
Em 1854, transferiu-se para o Porto, onde passou a ser
conhecido pelo exercício da clínica médica e por ser um exímio namorador.
De cuidado esmero no vestuário, era conhecido pelo “Ferreira
Janota”.
Foi o Dr. Ferreira um companheiro muito presente na vida de
Camilo Castelo Branco, com a amizade entre os dois, a ter o seu início em 1849,
o período frenético da boémia portuense e teve um marco importante em Agosto de
1854, durante as exéquias de Fanny Owen, uma jovem por quem o escritor terá
tido uma paixoneta, mas que acabará casada com um seu amigo.
Nesse momento, o Dr. Ferreira por lá estava e, na sua
qualidade de médico, atesta sob pedido de Camilo, que a jovem teria morrido
virgem. Tal informação terá dado satisfação ao ego do escritor…mas não serão os
amigos essenciais e para as ocasiões difíceis?
Quem tudo nos conta, claro, é Camilo, em alguns romances que
foi escrevendo.
Durante os anos seguintes e em momentos marcantes, o Dr.
Ferreira foi companhia de Camilo, como aquele em que, no dealbar do mês de
Abril de 1856, o acompanhou ao Convento de S. Bento da Ave-Maria quando de
partida para Viana do Castelo, para trabalhar no jornal “Aurora do Lima”, o
escritor entregava a sua filha Amélia à guarda da freira Isabel Cândida Mourão.
Esta, com uma relação muito para além da amizade, teria
feito uma cena de ciúmes de que foi testemunha o Dr. Ferreira, cena narrada em
carta que dirigiu a José Barbosa e Silva, o seu amigo e financiador, sempre
presente, em momentos de aperto económico.
“Minha filha chorava, e o médico Ferreira que eventualmente ocorreu neste ensejo, fez-me
sentir que a organização enfraquecida da pobre mulher podia sucumbir a
semelhante choque”.
O Dr. Joaquim José Ferreira foi ainda testemunha de defesa
no processo de adultério que foi instaurado ao escritor, bem como a Ana
Plácido, pelo primeiro marido desta, o comerciante Manuel Pinheiro Alves.
Ficou para a posteridade a intervenção do Dr. Joaquim José
Ferreira, no Tribunal Criminal a funcionar na Picaria, em 16 de Outubro de
1861, ao percorrer na sua retórica os tortuosos caminhos da psiquiatria,
exigindo ainda, que ela fosse realizada sem a presença do réu, pois não queria
constrangê-lo com a sua argumentação e, ainda, às tentativas esforçadas, para
captar as boas graças dos jurados em favor do casal em julgamento.
Em 1888, o Dr. Ferreira participou na conferência médica,
realizada no Porto, sobre a preocupante saúde do escritor, com os colegas
Ricardo Jorge, José de Andrade Gramaxo e Manuel Lopes Santiago,
Em 2 de Abril de 1890, temos o Dr. Joaquim José Ferreira,
junto do cadáver do menino Mário, sendo ele a declarar: “O menino está morto!”
O jovem era sobrinho do Dr. Urbino, um grande amigo de
Camilo, que acabaria sentenciado pelo crime da Rua das Flores, envolvendo duas
mortes por envenenamento.
O Dr. Janota esteve sempre, muito presente.
Camilo apenas sobreviveria ao despoletar deste caso perto de
dois meses, pois poria termo à vida em 1 de Junho de 1890.
Seria enterrado em espaço de um jazigo do cemitério da Lapa,
que lhe foi cedido por Freitas Fortuna, irmão do Dr. Urbino.
O Dr. Joaquim José Ferreira seria dos poucos que
acompanharam o cadáver do infeliz amigo ao cemitério da Lapa.
A casa de saúde do Dr. Ferreira, atrás referida, acabaria
por ser mudada para novas instalações, na Rua Duquesa de Bragança, nº 286,
tendo o prédio respectivo sido alvo de obras de beneficiação importantes.
Assim, em 1877, José Joaquim Ferreira Sampaio, possivelmente
um familiar de Joaquim José Ferreira, requer à Câmara do Porto uma autorização
para adicionar um andar e uma água-furtada ao prédio sito na Rua Duquesa de
Bragança que, actualmente, ocupa a morada da Rua D. João IV, 570-588, obtendo a
licença nº 387/1877.
Em 1878, solicita, para o mesmo local, uma outra autorização
para levantar um muro, obtendo a licença nº 243/1878.
Portanto, em 11 de Julho de 1886, Camilo Castelo Branco
quando em carta dirigida ao seu editor e amigo, Eduardo Costa Santos, o informa
da sua partida de S. Miguel de Seide e da chegada à “Casa de Saúde do Dr.
Ferreira”, ela já ocuparia as suas novas instalações.
Capa da obra “Delictos da Mocidade” de Camilo Castelo
Branco, editada pela “Livraria Civilisação de Eduardo da Costa Santos &
Sobrinhos”
Por aqui, esteve a “Livraria Civilisação de Eduardo da Costa
Santos & Sobrinhos”, sita na Rua de Santo Ildefonso, nºs 4-12, ocupando a
área das duas lojas da foto – Fonte: Google maps
Em 1887, é Soares dos Reis em carta dirigida ao Secretário
da Academia Portuense de Belas Artes (APBA), a antecessora da Escola Portuense
de Belas Artes, a fazer referência à casa de saúde do Dr. Ferreira e a situá-la
na Rua Duquesa de Bragança.
Entrado o século XX, a clínica viria a ser conhecida como
Casa de Saúde Portuense.
A “Casa de Saúde Portuense” esteve por aqui, na Rua D. João
IV, nº 588 (antes, Rua Duquesa de Bragança, nº 286) – Fonte Google maps
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