Ultrapassado o ponto médio do século XIX, dando resposta ao
desenvolvimento e à modernização que a sociedade portuense vinha experimentando
surge, em 1858, para satisfação das jovens, a revista “O Mundo Elegante”.
Aquele novo período começara, de facto, em 1851, com o ciclo
político chamado de Regeneração que terá como motor principal a figura de
Fontes Pereira de Melo, primeiro, com a pasta de ministro das Obras Públicas e,
depois, em 1861, na Chefia do Governo.
O progresso atravessou, então, transversalmente, toda a
actividade económica e, sobretudo, com um desenvolvimento enorme nas vias de
comunicação.
No que ao Porto concerne, a cidade começa a ligar-se por uma
rede viária que permitirá uma circulação mais eficaz.
Assim, em 5 de Maio de 1852, já se ia na carreira de
diligência até Famalicão, com a viagem inaugural de ligação até Braga, a
acontecer em 4 de Maio de 1853, num traçado cujo perfil corresponderá à
conhecida EN 14.
Naquele percurso inicial, os passageiros apeavam-se para a
travessia do rio Ave. Só, mais tarde, em 1858, foi possível fazer a travessia
através da ponte pênsil da Trofa.
Antes, a travessia do rio Ave, entre Ribeirão (Vila Nova de
Famalicão) e São Martinho do Bougado (Trofa), era feita com recurso à
utilização de barcas.
Enquanto a ligação a Braga não ficou concluída, os
passageiros tinham que se apear na freguesia de Arnoso, para que, aí, fosse
construído um viaduto.
Esse local, na fronteira dos concelhos de Famalicão e Braga,
ficou para sempre identificado por um obelisco, que ainda hoje pode ser
observado.
Obelisco de Arnoso, na EN 14, alusivo à construção pela
Companhia de Viação Portuense, da ligação entre Porto e Braga
Então, a diligência partia às 6 horas do Porto e chegava a
Braga ao meio dia. Na volta, saía da cidade dos arcebispos às 15 horas e
chegava à Invicta às 21 horas.
Em 1859, já era possível ir de diligência à Vila da Feira,
com partidas às 2ªs, 4ªs e 6ªs feiras e regresso, às 3ªs, 5ªs feiras e Sábados.
Em meados da década de 1860, já se viajava diariamente para
Braga, Famalicão, Guimarães, Barcelos, Viana do Castelo e Amarante.
E, a rede de itinerários não deixou de crescer, inclusive a
referente às ligações ferroviárias.
Mas voltando ao lançamento da revista “O Mundo Elegante”, o
seu aparecimento vinha dar resposta a um sector da sociedade, mais jovem, e que
começava a virar as suas atenções para o que se passava na Europa, principalmente
nas grandes capitais europeias.
“O Mundo Elegante”, que se publicaria no Porto de 1858 até
1860, dizia ser um periódico semanal de
modas, litteratura, teatros, bellas artes, &c,.
Seria fundador da publicação o veronês Jacopo Carli que
seria, também, o seu Compositor Musical, sendo Camilo Castelo Branco o seu
Redactor literário.
Para além de muitas outras figuras de vulto, Francisco
Marques Sousa Vitervo colaboraria assiduamente com a sua poesia.
“Jacopo Carli era
natural de Verona tendo permanecido no Porto entre 1840 e 1861. Inspirado pelo
ambiente musical que se vivia na cidade decidiu prestar também o seu contributo
propondo à Câmara Municipal a criação de uma escola de canto que proporcionasse
um ensino completo, de qualidade e gratuito. Desta forma, estudar canto estaria
acessível a todos, aproveitando os talentos que, de outro modo, ficariam por
desenvolver.
Carli ofereceu os seus
serviços de forma gratuita. A proposta do cantor foi rapidamente acolhida pela
Câmara Municipal do Porto, que desde 1846, durante o mandato do então
presidente José Passos, tinha em mente a criação de uma aula de canto na
cidade. Consequentemente, em 13 de junho de 1855, o jornal Eco Popular publicou um documento no
qual se anunciava a inauguração de uma Escola
Popular de Música Vocal da Câmara Municipal do Porto, gratuita e destinada
a rapazes maiores de onze anos de idade, sendo seu professor e diretor Jacopo
Carli.
O método aplicado
seria o mesmo que se utilizava no Conservatório de Música de Milão por
considerá-lo o mais adequado. A Escola Popular de Música Vocal estava instalada
na Câmara Municipal e no primeiro dia de aulas contava com 53 alunos
matriculados. O sucesso desta instituição durante os primeiros anos de
funcionamento viria a ser recolhido, de forma pormenorizada, pelo jornal O Comércio do Porto. No primeiro ano
o número de alunos era de 342, no ano seguinte 132 e, em 1857, 113 alunos. Um
ano depois aumentara para 132 ficando com 96 alunos em 1859. Quando Jacopo
Carli abandonou Portugal, por circunstâncias familiares que o obrigaram a
regressar a Itália, a Escola de Canto não sobreviveu ao seu afastamento”.
Cortesia de Rosa Maria Sánchez Sánchez – In “Dissertação de Mestrado
em Estudos Literários, Culturais e Interartes”
Durante a sua permanência na cidade, Jacopo Carli para além
de dar aulas a alunos (as) em privado, também teve a seu cargo as aulas de
piano e canto do Liceu da Ordem Terceira da Santíssima Trindade, que abriu
portas em 1857, tendo sido substituído nessa tarefa, quando regressou a Itália,
por Estanislau Delgado Canedo.
“Para além da sua
atividade como professor, Carli foi editor da revista O Mundo Elegante, que publicava em cada número uma peça inédita
de um compositor portuense. O próprio Carli chegou a publicar uma basta obra de
peças para piano e para canto e piano; no entanto, as suas capacidades como
compositor estavam muito longe de igualar o seu talento como professor. Na
opinião de Ernesto Vieira eram «tudo cantilenas banais e outras composições
publicadas, a maior parte delas para piano, também nada valem.» [VIEIRA, 1900:
vol. I, p. 220]”
Cortesia de Rosa Maria Sánchez Sánchez – In “Dissertação de Mestrado
em Estudos Literários, Culturais e Interartes”
O primeiro número de “O Mundo Elegante” foi para as bancas,
em 24 de Novembro de 1858, terminando a sua publicação em Fevereiro de 1860.
“O Mundo Elegante” será pioneiro, no que à moda dizia
respeito, por permitir a escrita da sua crónica de modas a modistas, embora
elas fossem todas francesas. Tratava-se de duas irmãs, Mesdames Ferins, modistas
com atelier na cidade e com elevados
créditos.
“O Mundo Elegante” oferecia, inicialmente, estampas de moda
coloridas, assinadas por Emygdio, do qual se sabe que trabalhava na Oficina
Litográfica de Villa Nova f.º & C.ª, na Rua de Santa Teresa, n.º 26, no
Porto.
A oficina litográfica, atrás referida, pertencia a herdeiros
do conhecido litógrafo Joaquim Cardoso Victória Vilanova, falecido em 1850 e
com estabelecimento primitivo na Rua do Campo Pequeno (ao Largo da
Maternidade).
Teria nascido, no Porto, em 1792 ou 1793. Assinava as suas
litografias da seguinte forma: "J.C. Vilanova".
Em 1850, após a morte de Joaquim Cardoso Victoria Vilanova, a
oficina primitiva encerrou, aparecendo, anos mais tarde, sob a firma “Vilanova,
Filhos & C.a”, na Rua de Santa Tereza, n.° 26 e, depois, na Rua Formosa,
n.° 331, com a designação “Vilanova & Filhos”.
Quanto a Emygdio será, por certo, o célebre Emídio Amatucci,
o proprietário de uma conceituada litografia da Rua de Santa Catarina, n.°s 19
e 20.
Em 1859, as gravuras de moda de “O Mundo Elegante” passam a
ser monocromáticas, talvez com o intuito de embaratecer a publicação.
“O número de modistas
na cidade do Porto era muito mais reduzido que na capital, e estas só
começariam a aumentar após o Cerco, no fim das Guerras Liberais. Aproveitaram a
oportunidade de negócio modistas como Madame
Villaret, que se estabeleceu nesta cidade. Mas muitas destas modistas
optavam por aí se estabelecer em períodos sazonais, provavelmente na época de
bailes no inverno, e no início da primavera, quando as damas se ocupavam pela
encomenda de novas toilettes para
a estação. Era o caso da modista Eliza
Gautir que sem estabelecimento nesta cidade, aí comercializava, voltando
para Lisboa após o escoamento do stock”.
Cortesia de Ricardo Braga, In “A Moda no Periodismo
Português Oitocentista”
A gravura, acima, representa uma reunião ou uma soirée,
onde figuram vinte e duas personagens, evidenciando-se uma senhora que toca
piano, outra que canta, as demais assistindo, todas elas rodeadas por cavalheiros.
Aquelas soirées realizavam-se frequentemente nas casas dos
burgueses do Porto. Para além dessas reuniões, a Sociedade Filarmónica
Portuense e a Assembleia Portuense promoviam-nas da forma mais apetecível para
os mais jovens – os bailes – que decorriam durante o Inverno e Primavera.
As jovens, filhas dos burgueses portuenses, para além
daquelas reuniões musicais/dançantes experimentavam a sedução do mundo exterior,
fora da cerca da residência familiar, com idas regulares à igreja e, por vezes,
nos fins-de-semana, acompanhadas de perto pela presença atenta dos pais, ao
Jardim de S. Lázaro, normalmente para um passeio sem destino ou para ouvir uma
qualquer banda actuando no seu coreto.
Assim, era, em 1858, já que os Jardins do Palácio de Cristal
só apareceriam em 1865, e o Jardim da Cordoaria só abriu ao público em 1867.
Quanto aos jovens burgueses era a estúrdia completa.
Pois, é neste caldo de cultura, que a revista “O Mundo Elegante” é lançada.
Em 1858, no ano de
lançamento de “O Mundo Elegante”, vários outros acontecimentos foram notícia.
Em Outubro, falece
José Plácido e Maria José, ambos irmãos de Ana Plácido.
Aliás, o desenlace
de Maria José acontece quando as duas irmãs passavam mais uma temporada no
Bom-Jesus de Braga, a ares, para que a jovem tentasse debelar a tísica. Por
essa altura, também Camilo Castelo Branco dava o saltinho ao santuário para se
encontrar com Ana Plácido e, na volta, já após a morte de Maria José, escrevia
ao seu amigo, protector e confidente, José Barbosa da Silva:
“Meu caro Barbosa
(...)
A Ana está cada vez
pior. Da morte da M. J., já tu sabes. Eu não posso, sem lágrimas, deter-me na
triste previsão do que vai ser a minha vida. Creio que se não for um cadáver,
serei um ‘cadáver moral’, um padre”.
A 7 de Novembro desse ano, o Porto assistiria à inauguração
do novo Teatro-Circo (actual Sá da Bandeira).
No balanço do ano de 1858, no que diz respeito à actividade
económica, ele seria marcante, pois, em virtude de uma crise, acabariam por
falir cerca de 100 empresas.
Entretanto, continuavam a chegar ao Porto e ao norte do
país, os brasileiros de torna-viagem procurando, muitos deles, as jovens
casadoiras da burguesia portuense.
À frente da Câmara do Porto, começaria neste ano o seu
mandato, que se estenderia até 1865, o conde de Lagoaça.
Ilustração In revista “O Mundo Elegante”, Nº 1 (24 de
Novembro de 1858) – Fonte: Biblioteca Pública Municipal do Porto
Naquele primeiro número de “O Mundo Elegante”, como artigo
de fundo, podia ler-se:
“O Mundo Elegante será
o mundo-patarata? Suspeita damninha que entra a inguiçar-me logo no principio!
O mundo elegante é a sociedade polida, lustrosa, invernizada no corpo e no
pensamento, na acção e na palavra, na intenção e na obra. Patarata quer dizer
ostentação van. Elegamcia quer dizer escôlha. Poderão imparceirara-se as duas
coisas n’um mesmo individuo, n’uma mesma classe? (…) O Mundo-Elegante faz-se
para todas as caras possiveis, desde a botocuda até á georgiana; Para todas as
intelligencias imaginaveis: Para todas as progenies admissiveis na ordem da
propagação; Para todos as virtudes ainda as mais hypotheticas. (…) Um mundo
assim elegante póde e deve ter um jornal, um como archivo dos seus fastos, uma
especie de acta em que se vão escrevendo as phases da civilisação portuense. De
hoje a cem annos, quando o Porto attingir o seu destino de maxima
perfectibilidade, os nossos netos mostrarão este jornal como testemunho de uma
civilisação remota. (…) Falta saber que este jornal abomina a sciencia. Aqui só
se escrevem coisas que o leitor póde esquecer uma hora depois, com tranquilla
consciencia de que não perdeu coisa alguma. Abjura-se tambem a satyra, e a
critica. Cada qual póde fazer o que quizer, e viver como quizer. Respeita-se a
ignorancia e o vicio: respeita-se tudo.”
Camilo Castelo Branco
Sobre o lançamento do 1º número de “O Mundo Elegante” dava
nota o jornal “O Comércio do Porto”, em 25 de Novembro de 1858, e no dia
seguinte, curiosamente, sempre pela pena do omnipresente Camilo Castelo Branco
e que, seguidamente, se destaca.
Na notícia, anterior, é possível também observar que a
Sociedade Filarmónica Portuense anunciava a abertura das suas reuniões
dançantes e musicais da nova época.
A Lisboa, a notícia chega, no dia 26 de Novembro, através do
jornal “A Revolução de Setembro”, de António Rodrigues Sampaio.
Assim:
“No Porto vai
publicar-se um novo jornal de modas, teatros e literatura, de que será
principal redator o distinto escritor Camilo Castelo Branco, e que se
denominará o “Mundo Elegante”. Parece que o sr. Evaristo Basto também
colaborará no mesmo jornal.”
“A Revolução de Setembro” de 26 de Novembro de 1858
Mais tarde, “A Revolução de Setembro” sobre o primeiro
número de “O Mundo Elegante” diria:
“Já se publicou no
Porto o 1º número do ‘Mundo Elegante’, semanário de modas, literatura, teatros,
belas–artes e romances, e que é redigido pelo sr. Camilo Castelo Branco. Neste
número, além da introdução, obra da pena do sr. Camilo Castelo Branco, aparece
um esboço da vida de Adriana Lecouvreur, da Laura de Petrarca, e de Margarida
de Valois. Todos os jornais são concordes em declarar que esta publicação será
muito importante, se o sr. Camilo continuar à sua frente.”
Em 1 de Janeiro de 1859, no nº6 da revista “O Mundo
Elegante”, Camilo Castelo Branco informava os seus leitores da homenagem
prestada pela Câmara do Porto ao compositor Jacopo Carli, com a atribuição de
uma medalha de ouro alusiva ao seu trabalho à frente da Escola Popular de Música Vocal da
Câmara Municipal do Porto.
“O Mundo Elegante”, Nº 6, de 1 de Janeiro de 1859, dando
conta de homenagem a Jacopo Carli com atribuição de uma medalha de ouro
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