sexta-feira, 7 de abril de 2023

25.184 A Ribeira do Porto

 
 
A Praça da Ribeira Medieval
 
 
No início do século XIII, o desenvolvimento urbano e populacional da zona ribeirinha da cidade começa, efectivamente, sendo frequente os burgueses da cidade, nos seus navios, rumarem à Flandres e outros portos do Norte da Europa e da França para fazerem o seu comércio. Os pescadores da Lada, de Miragaia e de Massarelos também iam em seus próprios barcos até aos mares afastados da Bretanha e da Inglaterra.
Levavam o sal das salinas de Matosinhos, de Guifões e de Massarelos e traziam o pescado com que abasteciam os mercados do burgo.
Então, a população aumentou com tal rapidez na zona ribeirinha que, em 1249, o bispo D. Julião Fernandes, para prover essa gente de assistência religiosa condigna, designou um capelão para a ermida de S. Nicolau, na Reboleira, precursora da actual igreja paroquial de S. Nicolau.
Os homens de negócios que actuavam com seus barcos, a partir do rio Douro, sempre procuraram fugir ao pagamento dos impostos, levando as suas embarcações para o entreposto de Vila Nova de Gaia, criado por iniciativa de D. Afonso III, no ano de 1255.
O monarca, para retirar ao bispo do Porto e ao Cabido as pingues rendas que ambos recebiam da intensa actividade comercial que os mercadores da cidade desenvolviam, mandou ordem aos mestres e capitães dos navios, que entrassem no Douro, para que "desembarcassem as mercadorias que trouxessem nos seus barcos no novo bairro de Vila Nova, a fim de lhe pagarem aí a ele Rei os direitos devidos e não ao bispo nem ao Cabido…"
Na sequência de um naufrágio de um navio da praça do Porto, ocorrido na costa flamenga, em 1149, no tempo de D. Sancho I, portanto, criou-se no Porto a primeira Bolsa destinada a acudir aos percalços da navegação e do comércio dos barcos do Porto que comercializavam com os portos do Norte da Europa. A iniciativa foi dos próprios armadores de navios da cidade e é muito anterior à que D. Dinis instituirá, mais tarde, em Lisboa.


«Pode dizer-se que se o progresso mercantil se fazia sentir especialmente na Ribeira, junto ao rio, onde se criara o novo centro cívico da urbe, a indústria, com os seus mesteres, prosperava nas encostas da Penha Ventosa e da Vitória como ainda hoje o atestam os nomes de arruamentos que nos trazem à memória os mesteirais de antanho agora evocados nos nomes de algumas das ruas portuenses Caldeireiros, Pelames, Mercadores, Bainharia.
No reinado de D. Pedro I (1357-1367), havia no Porto mais naves e navios do que em todos os outros portos do país. E a maior parte dessas embarcações de alto bordo eram construídas nos estaleiros da Ribeira e de Miragaia que competiam em qualidade e quantidade com os maiores estaleiros da Europa.
O tempo em que a Ribeira foi centro cívico da cidade
Nas inquirições de Entre Douro e Ave, de 1258, há frequentes referências aos "mercatores do Porto" e ao seu comércio com as praças do Norte da Europa e da Flandres. São aí mencionados muitos produtos agrícolas e industriais, a maioria deles portugueses com origem nas terras do interior ou manufacturados por artesãos portuenses vinhos, panos, sal, peles, couros. Gado cavalar, asinino, suíno, bovino e caprino. Alfaias agrícolas como ferros de arado, enxadas, ferraduras e cravos. Picões e cutelos. Caldeiras, grelhas e trempas. Mantas de Ferreira, de Barcelos e mesmo de Castela. Ourelos (panos grosseiros), tecidos de algodão, sedas, sapatos e botas. E ainda cera, unto, sebo, vinagre, queijo e manteiga. Pelos séculos fora, de 1300 a 1700, através de tantas vicissitudes da vida nacional, a cidade do Porto continuou a singrar como principal centro mercantil e isto devido, fundamentalmente, às condições de navegabilidade do seu rio e do seu entreposto ribeirinho firmado na Ribeira ainda hoje uma verdadeira atracção porque continua a ser a varanda aberta sobre o Douro…»
Cortesia de Germano Silva
 
 
Nas inquirições gerais, mandadas fazer por D. Afonso III, em 1258, aparece por vezes os termos de Vila Baixa, para o conjunto habitacional que se desenvolvia para poente do rio da Vila e Vila Portus para designar um povoado de Miragaia, na margem do rio Frio, que aí desaguava (e desagua), no rio Douro.
A ermida de S. Nicolau, atrás mencionada, integraria já, a chamada Vila Baixa.
 
 
 

Ermida de S. Nicolau, na maqueta medieval (a meio, com cume a amarelo, junto a uma casa-torre)
 
 
 
Aliás, Artur de Magalhães Basto acha que Vila Baixa não se tratava de uma povoação à parte da cidade, mas sim da parte baixa do velho burgo, ou seja a zona populosa da margem direita do rio Douro entre o sítio da actual Praça da Ribeira e o bairro de Miragaia que começava a crescer.
A Praça da Ribeira terá existência, mesmo antes do século XIII, situada na margem do rio Douro e na foz do rio da Vila.
Em meados do Século XIII, já os franciscanos e os dominicanos estavam instalados na cidade, por estas bandas, bem perto do rio Douro.


 

Maqueta da cidade medieval. Em primeiro plano, o convento de S. Francisco e, lá no alto, a Sé. Pelo meio o convento de S. Domingos – Fonte: AHMP
 
 
 
Era o tempo da formação das confrarias de navegantes.
Em 1394, a Confraria do Corpo Santo de Massarelos decide construir uma capela na praia da Mosqueira, precisamente no ano em que nasceu o Infante D. Henrique, que irá ser o seu mais destacado confrade.
Os seus membros eram mercadores que negociavam, preferencialmente, com o Norte da Europa.


 

Traseiras da Igreja do Corpo Santo de Massarelos
 
 
Ou, também, a Confraria do Espírito Santo de S. Pedro de Miragaia que constituiria um compromisso das gentes do mar, marinheiros e pilotos e que, além da vertente religiosa e assistencial, também promovia o espírito de grupo entre os seus membros, estando estes objectivos, consignados no respectivo compromisso. Estava sedeada, já em 1405, numa capela junto da praia de Miragaia e, em 1443, tinha adstrito um hospital e uma albergaria acabados de construir – o Hospital do Espírito Santo e a Albergaria do Remoynho.

 
 



Desde que a cidade avançou para lá dos limites da Pena Ventosa, que o local mais acessível para a carga e descarga das embarcações, era a Ribeira.
A serventia portuária incrementou-se com o lançamento da chamada “muralha fernandina” mandada executar, em 1334, por D. Afonso IV, que substituiu a velha cerca sueva e, ainda, com a construção da alfândega, em 1325, em terrenos que aquele monarca comprara relativamente perto da ermida de S. Nicolau.
 
 
 
 

Muralha fernandina - Gravura de Pedro Teixeira Albernaz (c.1595-1666), cartógrafo português ao serviço do rei espanhol D. Filipe III 
 
 
 
 
Era na Ribeira que, na realidade, a cidade muralhada tinha contacto com o rio, pela chamada porta da Ribeira.
Ao longo das margens do rio Douro existiam algumas praias, mas, de facto, era aquele o lugar de eleição para acostamento de embarcações. Era, então, o único cais existente até S. João da Foz.
Ainda estávamos bem longe de fruir de todos cais que viriam a surgir e que, hoje, podemos observar.
A Praça da Ribeira era, então, o centro do burgo.


 

Maqueta da cidade medieval com a muralha fernandina entre ela e o rio  – Fonte: AHMP
 
 
 
 
Em 1491, deflagrou na Praça da Ribeira um violento incêndio que consumiu diversas habitações, havendo documentação que atesta que, em 1497, já tinha sido reposta alguma da habitação ardida, bem como as bancadas dos comerciantes e, ainda, executada alguma pavimentação.
Para a rápida e eficaz intervenção, contribuiria a tomada de posição camarária, que expropriou alguma da propriedade ardida, reordenando os espaços e ampliando a área das bancadas dos comerciantes e, assim, aumentando os rendimentos camarários.
Uma nova praça, renovada, começava a surgir.
 
 
 
Cortesia de Maria de Fátima Pereira Machado - “A Praça da Ribeira no Porto Manuelino” (1996)
 
 
 
A referência do texto anterior, aos "cobertos da Ribeira", justifica-se porque naquele tempo as fachadas de algumas casas que havia à volta da praça assentavam em colunas, formando arcos (cobertos), como em Miragaia. E esses cobertos andavam aforados (alugados) e os seus ocupantes pagavam à Câmara "o ar da praça" que ocupavam.
Quando a casa da Câmara situada na Sé ficou num estado ruinoso, entre 1539 e 1604, deambulou por vários locais e um dos escolhidos foi a praça da Ribeira e os seus cobertos.
Assim, em 19 de Janeiro de 1597, reuniu “na praça da Ribeira debaixo dos cubertos dos Barbeiros…”.
 
 
 
 
 
Cortesia de Maria de Fátima Pereira Machado - “A Praça da Ribeira no Porto Manuelino” (1996)
 
 
 
 
 
Chegado o reinado de D. Manuel I (1495-1521) a centralidade da urbe começa a deslocar-se para o Largo de S. Domingos. Foi um processo lento, a partir de 1245, data da conclusão do convento de S. Domingos.
O processo iria intensificar-se quando aquele monarca decide, em 1521, que se abra a Rua de Santa Catarina das Flores, para fazer a ligação do largo com o convento de São Bento da Ave-Maria.
O garante da vontade real, que morreu naquele mesmo ano, foi o bispo do Porto D. Pedro Álvares da Costa, cuja tamanha devoção por Santa Catarina do Monte Sinai, determinou o nome da rua. 
O centro económico fluvial, que era a Praça da Ribeira, estava prestes a ter ligação, à data, com o postigo de Carros, junto do convento de São Bento da Ave-Maria.
Na constante renovação a que a Praça da Ribeira foi sujeita, a própria porta da Ribeira que abria a praça para o rio, seria intervencionada, em 1525, por apresentar sinais de ruína.
A situação descrita já reportava a 1522, sendo que neste ano tinha sido firmado um contrato entre a Câmara e Cristovão Leitão (nesse ano era vereador) com a anuência real, para que procedesse à troca do Paço dos Tabeliães, localizado na Rua do Cais, por um novo edifício edificado sobre o arco da Porta da Ribeira.
 
 
 

Cortesia de Maria de Fátima Pereira Machado - “A Praça da Ribeira no Porto Manuelino” (1996)
 
 
 
Para a execução da obra de mudança de instalações do Paço dos Tabeliães foi necessário lançar um imposto.


 

Cortesia de Maria de Fátima Pereira Machado - “A Praça da Ribeira no Porto Manuelino” (1996)

 
 
O Paço dos Tabeliães passou, então, a situar-se em frente à casa de Cristovão Leitão, sobre a muralha, e por baixo dele situava-se a Casa do Peso da Cidade.
Em 1525, tanto o corregedor como os oficiais decidiram que fosse levantado uma estacada de traves, a montante, desde a Porta da Ribeira até aos penedos do Laranjo, de modo a aumentar o espaço e afastar o rio dos muros da cidade, e um cais localizado entre a mesma Porta (onde já estava começado) e os postigos da Lada.
A casa do Laranjo esteve aforada, entre 1513 e 1522, ao oleiro Fernão de Lion e localizava-se na Rua da Lada, fora do muro.
No século XVI, ocorre uma transformação acentuada da cidade medieval, com o aumento das actividades portuárias, resultante da expansão marítima.
Assim, o cais da Estiva e o cais da Ribeira seriam construídos no último quartel do século XVI.
Por todo o século XVII, a actividade económica vai se intensificando até que, chegado o século XVIII, a centralidade da cidade vai começar a estabelecer-se na Praça Nova das Hortas traçada em terrenos onde o bispo tinha as suas hortas, para lá da muralha fernandina.
 
 
 

Porto – Gravura do século XVIII
 
 
 
A Praça da Ribeira de João de Almada e Melo
 
 
Mas será, em meados deste século, que com a chegada de João de Almada e Melo, que a cidade expandindo-se para lá das muralhas, vai crescer como nunca antes.
A própria Praça da Ribeira será alvo de uma intervenção, da qual, ainda hoje, sobram testemunhos.
João de Almada e Melo vai presidir à chamada Junta das Obras Públicas e chamar para junto de si John Whitehead.
John Whitehead nasceu no Lancashire, em 1726.
Era arquitecto amador, engenheiro, cientista (astrônomo, matemático e pesquisador), bibliófilo (possuía uma extensa biblioteca) e cônsul de a nação britânica. Viveu no Porto entre 1756 e 1802.
Como cônsul, manteve uma estreita relação com João de Almada e Melo e foi muito influente na Junta de Obras Públicas e na introdução do estilo neopalladiano em Portugal, abrindo caminho ao neoclassicismo, que se assumiu como contraponto e alternativa ao barroco tardio que ainda persistia no Porto de finais do século XVIII.
Entre 1765 e 1780, deu seguimento e executou obras incluídas no plano almadino, como seja a escolha de John Carr para projectista do Hospital de Santo António. Teria também um papel decisivo na construção do primeiro e único cemitério protestante do Porto (1787-1788) e esteve ligado às obras da Praça da Ribeira , da Capela de Nossa Senhora do Ó e do Largo de S. Domingos, sendo provavelmente da sua autoria o projecto da Feitoria Inglesa (1785-1790), no Porto.
Relatos da época, consideram-no um homem excêntrico e até feiticeiro, pois tinha um laboratório e observatório particular equipado com microscópios solares, onde testou um para-raios que havia inventado e experimentou na câmara escura e na eletricidade. De qualquer modo, era muito apreciado pelos seus conterrâneos e respeitado pelos portugueses. Sabe-se que, em 1785, residia na Rua de São Francisco.
Morreu no Porto a 16 de Dezembro de 1802. A comunidade britânica determinou que fosse sepultado no centro do cemitério protestante da cidade, onde ergueram um monumento em sua homenagem, construído cerca de 20 anos depois.
A intervenção de Whitehead é feita, portanto, no âmbito da Junta de Obras Públicas criada em 1763.
É dele a concepção da fonte (substituiu um chafariz que existia no meio do largo), que ainda hoje podemos observar, na Praça da Ribeira, sendo um elementos arquitectónicos que subsiste e com ele mais identificado.
 
 

Fonte da Ribeira

 
 
A fonte começada a levantar em 1784, já estava terminada em 1786.
Na foto acima, no espaldar e no seu nicho visível, esteve a imagem de S. Pantaleão, antigo padroeiro do Porto. Desde 2000, está uma imagem de S. João, de Cutileiro. A fonte começou por ser abastecida pelo manancial de Malmajudas, que ficava para o lado dos Guindais.
Fazendo parte da intervenção de Whitehead, a Porta da Ribeira teria, então, sido demolida e voltada a erguer, em 1778. Em sequência, é enquadrada por aquela porta a capela de Nossa Senhora do Ó, que ficará junto da muralha e que, em 1784, já estava concluída.  
 
 

Gravura de Henry Smith – 1813 – à esquerda vê-se a antiga e belíssima Capela da Senhora do Ó, encostada à muralha.
 
 
Para delimitar a Praça da Ribeira a poente é erguida uma frente de casas assente em arcaria como se pode observar no desenho seguinte.

 
 

Projecto (1776) para casas, a poente, na Praça da Ribeira – Fonte: AHMP
 
 
 
 

Perspectiva actual da proposta para o edificado do desenho anterior – Fonte: Google maps
 
 
 
Partindo da Praça da Ribeira, John Whitehead concebeu uma nova rua que faria a ligação ao Largo de S. Domingos, à qual se refere Eugénio Andrea da Cunha e Freitas na sua Toponímia Portuense:
 
 
 
“ (…) a Nova Rua de S. João, como primeiro se chamou (e ainda na Planta redonda de Balck, em 1813, tem esta designação), começou a abrir-se em 1765, mas logo surgiram grandes dificuldades e consequentes pleitos por motivo das expropriações, principalmente levantadas pelos senhorios dos prédios enfiteuticos. Resolveu-as El-Rei D. José, em 1769, determinando por alvará régio um processo sumário para tal fim...Ainda em 1784 se cuidava dos alinhamentos da rua. O Padre Agostinho Rebelo da Costa refere-se-lhe já na sua Descrição Topográfica e Histórica da cidade do Porto, em 1789. O nome de S. João foi-lhe dado, cremos, em homenagem a João de Almada. Era, como todos sabem a rua de maior comércio no séc. XIX.”
 
 
Alcançado o Largo de S. Domingos, pela Rua das Flores, seria possível chegar à Praça Nova das Hortas e, daí, se tomaria a nova Rua do Almada e rumar ao norte do País.
O projecto de Whitehead teve início em 1776 e, em 1779, já estava parcialmente concluído. Ao lado da Rua da Fonte Taurina foram construídos duas casas harmonizadas com o restante edificado, concluídas em 1785, que seriam, anos mais tarde, vendidas pelo Senado.
A sul da praça, permanecia a muralha. Entre a muralha e o rio encontrava-se a forca e o pelourinho.
Durante o governo de João de Almada a muralha medieval, perdido o seu valor defensivo foi, contudo, cuidadosamente preservada.
 
 
 
Muralha, Porta da Ribeira, postigos, pelourinho e forca, em 1791 - Desenho do Dr. Gonçalves Coelho
 
 
 
O piso térreo da muralha foi, assim, transformada em galeria porticada, aberta para a praça da Ribeira, passando a funcionar neste espaço coberto o mercado do peixe. No nível superior, foi renovado o percurso público e as escadas de acesso às praças e largos ribeirinhos.
Mais tarde (1788), foi possível estabelecer-se a ligação deste percurso por cima do muro às escadas do Codeçal, permitindo o atravessamento da zona baixa mesmo durante as maiores cheias.
Em 30 de Outubro de 1786, falecia João de Almada e Melo.
 
 
 

À esquerda da foto (1907) é possível observar-se o percurso em cima do muro – Fonte: HC White Co.; Library of Congress
 
 
 
 
Praça da Ribeira e Bairro do Barredo sob acção dos arquitectos da Cidade
 
 
 
Uma Ordem Régia, de 25 de Agosto de 1787, que reduzia o poder do Senado e reforçava o poder do governador das Justiças, ficando este encarregado não apenas da presidência, mas também da inspecção das Obras Públicas, levaria a presidente da Junta de Obras Públicas, José Roberto Vidal da Gama (governador da Relação do Porto de 1786 a 1790).
É ele que vai contratar o engenheiro militar português, de origem francesa, José Champalimaud de Nussane para director das Obras Públicas.
A accão deste novo director das Obras Públicas vai incidir sobre a reparação de alguns estragos provocados pela invernia nos anos de 1877 e 1878 (marca de Cruz de Ferro destruída, na barra e desabamento de troço da muralha junto aos Clérigos) e pelo lançamento, em 1788, de uma ligação entre Massarelos e a Rua de Vilar (Rua D. Pedro V), entre outras.
Vai, ainda, no entanto, desviar a sua atenção, principalmente, para os problemas da construção da via marginal entre Miragaia e Massarelos.
Em sequência, vai intervir no levantamento de um cais (cais das Pedras), na praia do Mosqueiro, missão interrompida, em 1789, por ter sido desviado para a construção da estrada entre Porto e Guimarães. Aquele cais seria construído entre 1789 e 1791.
Em Outubro de 1789, chega à cidade o engenheiro militar francês Reinaldo Oudinot (1747-1807), com o objectivo principal de intervir nas obras da barra do Douro. Acompanha-o o seu ajudante, Faustino Salustiano da Costa e Sá.
A partir daqui, um novo programa vai ser proposto, com a superintendência dos ministros do governo, José Seabra da Silva e Luís Pinto de Sousa e por mais três interventores fundamentais: Junta das Obras Públicas, Companhia do Alto Douro e Francisco de Almada e Mendonça (1757-1804), o corregedor e provedor da comarca do Porto, filho de João de Almada e Melo.
Reinaldo Oudinot contratado principalmente para colocar todo o seu saber nas obras da barra, no que à Praça da Ribeira dizia respeito, preconizava uma nova abordagem com a reestruturação daquela praça, a ampliação e elevação do cais e, ainda, da reformulação do Bairro do Barredo, já naquele tempo muito degradado e o consequente derrube da muralha.
No sítio vizinho dos Guindais, projectava um cais para um porto fluvial.
 
 
 

Planta da Praça da Ribeira em 1797 – Ed. Reinaldo Oudinot; Fonte: Arquivo IGP, CA-382
 
 
 
Tem data de 5 de Março de 1797, o último projecto de Oudinot que, para a zona ribeirinha da cidade, lança a possibilidade de demolição da muralha gótica permitindo uma intervenção global em todo o núcleo urbano da zona da Ribeira, em particular no Barredo, um dos bairros mais antigos da cidade, já nesta altura muito insalubre e degradado.
O citado projecto previa, ainda, uma intervenção, a jusante, sobre o bairro dos Banhos, com o objectivo de criar uma frente urbana contínua ao longo do rio.
Ao contrário dos projectos anteriormente realizados por Reinaldo Oudinot, a proposta para a Ribeira não foi de iniciativa ministerial; no entanto, o projecto inseria-se no território de intervenção inicialmente definido por José de Seabra da Silva na sua Carta Instrutiva.
A iniciativa partiu, então, de D. João Correia de Sá, o novo governador das Armas do Porto (1796-1800), que enviou o projecto da Ribeira, da autoria de Oudinot para a secretaria de estado do reino, em Setembro de 1799.
No entanto, grandes alterações iriam surgir a nível nacional e local.
José de Seabra da Silva, o ministro que tinha dado início à obra da barra do Douro e que tinha definido as políticas públicas para a cidade, durante a década de noventa, foi demitido do governo, sendo substituído interinamente pelo marquês de Ponte de Lima (ministro Assistente ao Despacho e responsável pela pasta da Fazenda).
No Porto, em 1799, Manuel Francisco e Veiga Magro de Moura deixou o cargo de governador da Relação e o seu colega Vicente Cardoso da Costa deixou o cargo de juiz de Fora.
Ainda, no atinente à cidade, Teodoro de Sousa Maldonado (1759-1799), o arquitecto da cidade, morreu a 9 de Outubro de 1799, quando tinha apenas quarenta anos de idade.
Teodoro de Sousa Maldonado tinha começado a trabalhar para a Junta das Obras Públicas em 1789, como ajudante de José Champalimaud de Nussane, e sucedeu-lhe na direcção das obras públicas da cidade a partir de 1795, quando este deixou a cidade do Porto e regressou a Valença.
A 5 de Abril de 1800, o governo das Justiças e a presidência da Junta das Obras Públicas recaiu em Pedro de Melo Breiner (1757-1830); de novo, era designado um conceituado magistrado e jurisconsulto para o tribunal da Relação do Porto e para o governo da cidade.
Para este desfecho, tinha sido fundamental a insistência feita por Reinaldo Oudinot junto do ministro da marinha, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, em Janeiro de 1800.
Em Junho de 1800, o ministro interino do reino, o marquês de Ponte de Lima pediu ao novo presidente da Junta, Pedro Melo Breiner, para realizar um projecto para a Ribeira do Porto de acordo com o governador das Armas D. João Correia de Sá.
Dado o falecimento de Teodoro Sousa Maldonado, é José Pedro Ribeiro, um mestre carpinteiro, quem irá fazer a proposta para a Ribeira reclamada pelo Marquês de Ponte de Lima e que seria uma reformulação do que eram as ideias do finado arquitecto da Cidade.
 
 
“Poderá ter sido na sequência do pedido do marquês de Ponte de Lima e do desaparecimento de Maldonado que foi realizado para a Junta das Obras Públicas o estudo de reformulação da praça da Ribeira, por José Pedro Ribeiro (?-1801), mestre carpinteiro de Obras Públicas; neste projecto, realizado em 1800, Pedro Ribeiro propôs a demolição da muralha em frente à praça e a sua manutenção no bairro do Barredo; propôs também, para remate dos topos da muralha, a construção de duas escadarias, apoiadas numa estrutura porticada aberta, para acesso ao percurso à cota superior do muro. Permanece, do projecto de Oudinot, para além da ideia de abertura da praça ao rio, a regularização do lado Nascente da praça. A proposta de José Pedro Ribeiro pode considerar-se um complemento à proposta de Maldonado, que não abordava a praça da Ribeira, o que vem reforçar a ideia de que a Junta procurava uma solução alternativa à de Reinaldo Oudinot”.
Cortesia de Carlos Henrique de Moura Rodrigues Martins - Tese de Doutoramento em Arquitectura (2014)
 
 
 
Para substituição de Teodoro de Sousa Maldonado acaba por ser escolhido para arquitecto da Cidade, Luís Inácio de Barros Lima e por coincidência, no mesmo dia em que Barros Lima foi nomeado Arquitecto da Cidade (3 de Janeiro de 1801) o governo das Armas do Partido do Porto (governo militar) recaiu, interinamente, em Oudinot, por doença de D. João Correia de Sá.
Neste ano, iria ocorrer a Guerra das Laranjas que teria a participação de Reinaldo Oudinot.
Em Maio de 1802, o príncipe regente, D. João, por Carta Régia e em resposta a uma conta do governador das Justiças, renovou por mais dez anos o imposto do real de água para as obras públicas da cidade; ao mesmo tempo, definiu a programação da Junta das Obras Públicas de acordo com as propostas de Pedro de Melo Breiner. Assim, de futuro, proceder-se-ia à conclusão de todas as obras em andamento.
Deste modo, as obras perspectivadas para a Ribeira ficariam sem efeito.
Pedro de Melo Breiner viria a ter um papel significativo no desenvolvimento das vias de transporte e comunicação. Foi nomeado para a Inspecção das obras da barra e das estradas do Douro em Abril de 1801, por proposta da Companhia do Alto Douro e decisão de Luís Pinto de Sousa.
Posteriormente e já com um novo ministro do Reino, o conde de Vila Verde (D. Diogo de Noronha, 1747-1806), Breiner foi encarregado de dar continuidade a todas as obras públicas de estradas e pontes que estavam a cargo do corregedor Francisco de Almada, após a sua morte a 18 de Agosto de 1804.
Assim, a Ribeira será contemplada com uma ponte, entrada ao serviço em 14 de Agosto de 1806, de ligação a Vila Nova – Ponte das Barcas - e Breiner passa a ser tecnicamente assessorado por Carlos Amarante.
Para a instalação da ponte foi necessário demolir algumas barracas, entre elas, a da Casa da Portagem de arrecadação dos direitos cobrados pelo Cabido da Sé do Porto. A nova construção obrigará a abrir um arco no muro da muralha e aproveitar o espaço correspondente à espessura dela.
O projecto é do arquitecto, Damião Pereira de Azevedo (1768-1815).

 
 

Reparações, em 1968, na muralha da Ribeira. É possível observar-se, também, a espessura da mesma – Fonte: AHMP
 
 
 
 
O arquitecto da cidade, Luís Inácio de Barros Lima e o procurador da cidade, Manuel Félix Correia Maia, deram o respectivo aval, com algumas condições.
Então, a 3 de Dezembro de 1806, Damião Pereira de Azevedo apresenta o projecto para o bairro do Barredo, indo ao encontro de Oudinot de transformação da muralha numa estrutura porticada e o embasamento do casario que com ela confinava.
 
 
 
“Na proposta de Damião Pereira de Azevedo, a praça da Ribeira mantinha-se encerrada ao rio e o bairro do Barredo era conservado. A face da muralha para o rio era totalmente redesenhada e reconstruída segundo uma composição simétrica. A frente amuralhada era definida por três tramos rectos, ligeiramente convexos entre si, de sete arcos cada, intercalados por dois arcos maiores e ligeiramente salientes onde se situavam a casa da Portagem.
O desenho da arcada era determinado pelo modelo do arco construído em 1796 e o seu ritmo era menor que o da proposta de Maldonado; a alteração das proporções deveu-se certamente à necessidade de manter a solidez do muro para resistir à violência das cheias do Douro. Para o cais da Ribeira era sugerida a hipótese da sua ampliação sobre o rio, do lado Nascente, segundo um alinhamento simétrico ao cais existente do lado Poente; os dois alinhamentos do cais eram paralelos aos tramos laterais da nova arcada e o seu vértice ficava fronteiro ao eixo do tramo central da composição.
A execução do projecto seria realizada ao longo das primeiras décadas do século XIX.
Em Março de 1813, dos vinte e três arcos previstos no projecto, catorze estavam construídos, sete estavam licenciados e apenas dois não tinham pedido de execução. O desenho não foi totalmente concretizado (principalmente o tramo a Poente), mas no essencial, a solução proposta corresponde ao que é hoje a frente ribeirinha do bairro do Barredo. A cuidada composição do novo desenho da cintura medieval, que incorporava a posição da ponte das Barcas, conferia uma função representativa a este elemento urbano como porta de entrada da cidade; a alternativa possível ao projecto de Reinado Oudinot, de dar à baixa ribeirinha do Porto a operacionalidade e a dignidade monumental das cidades portuárias europeias”.
Cortesia de Carlos Henrique de Moura Rodrigues Martins - Tese de Doutoramento em Arquitectura (2014)
 
 


Vista da Ribeira, In “Historical, Military, and picturesque observations on Portugal” – Desenho (18 Fev. 1815) de George Landmann; gravura impressa (1818) em Londres 


 
O plano atrás descrito seria executado paulatinamente nas décadas seguintes e apresentaria um aspecto que faria adivinhar o que hoje se observa.
Em 1821, a Porta da Ribeira foi demolida e o mesmo aconteceu com a capela, sendo extinta a confraria respectiva. 
 
 
 

Gravura da primitiva capela junto à porta da Ribeira - Gravura de Henry Smith – 1813
 
 
 
Henri L’Eveque (1769-1832), Vue de Ia Ville et du Port de Porto. H. L’Evêque. d. London P.ed 1817



 

Em 1833, era este o aspecto da Praça da Ribeira – Gravura de Joaquim Villanova
 
 
 

Cais da Ribeira, em 1833 – Gravura de Joaquim Villanova
 
 
 
 

Ribeira e Serra do Pilar, em 1835 - Pintura de J. G. Martini

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