A Praça da Ribeira
Medieval
No início do século XIII, o desenvolvimento urbano e populacional
da zona ribeirinha da cidade começa, efectivamente, sendo frequente os
burgueses da cidade, nos seus navios, rumarem à Flandres e outros portos do
Norte da Europa e da França para fazerem o seu comércio. Os pescadores da
Lada, de Miragaia e de Massarelos também iam em seus próprios barcos até
aos mares afastados da Bretanha e da Inglaterra.
Levavam o sal das salinas de Matosinhos, de Guifões e
de Massarelos e traziam o pescado com que abasteciam os mercados do burgo.
Então, a população aumentou com tal rapidez na zona ribeirinha que, em 1249, o
bispo D. Julião Fernandes, para prover essa gente de assistência religiosa
condigna, designou um capelão para a ermida de S. Nicolau, na Reboleira,
precursora da actual igreja paroquial de S. Nicolau.
Os homens de negócios que actuavam com seus barcos,
a partir do rio Douro, sempre procuraram fugir ao pagamento dos impostos,
levando as suas embarcações para o entreposto de Vila Nova de Gaia, criado
por iniciativa de D. Afonso III, no ano de 1255.
O monarca, para retirar ao bispo do Porto e ao Cabido as
pingues rendas que ambos recebiam da intensa actividade comercial que os
mercadores da cidade desenvolviam, mandou ordem aos mestres e capitães dos
navios, que entrassem no Douro, para que "desembarcassem as mercadorias que trouxessem nos seus
barcos no novo bairro de Vila Nova, a fim de lhe pagarem aí a ele Rei os
direitos devidos e não ao bispo nem ao Cabido…"
Na sequência de um naufrágio de um navio da praça do Porto,
ocorrido na costa flamenga, em 1149, no tempo de D. Sancho I, portanto, criou-se
no Porto a primeira Bolsa destinada a acudir aos percalços da navegação e
do comércio dos barcos do Porto que comercializavam com os portos do Norte
da Europa. A iniciativa foi dos próprios armadores de navios da cidade e é muito
anterior à que D. Dinis instituirá, mais tarde, em Lisboa.
«Pode dizer-se que se
o progresso mercantil se fazia sentir especialmente na Ribeira, junto ao
rio, onde se criara o novo centro cívico da urbe, a indústria, com os
seus mesteres, prosperava nas encostas da Penha Ventosa e da Vitória como
ainda hoje o atestam os nomes de arruamentos que nos trazem à memória os
mesteirais de antanho agora evocados nos nomes de algumas das ruas
portuenses Caldeireiros, Pelames, Mercadores, Bainharia.
No reinado de D. Pedro
I (1357-1367), havia no Porto mais naves e navios do que em todos os outros
portos do país. E a maior parte dessas embarcações de alto bordo eram
construídas nos estaleiros da Ribeira e de Miragaia que competiam
em qualidade e quantidade com os maiores estaleiros da Europa.
O tempo em que a Ribeira foi centro cívico da cidade
Nas inquirições de
Entre Douro e Ave, de 1258, há frequentes referências aos "mercatores
do Porto" e ao seu comércio com as praças do Norte da Europa e
da Flandres. São aí mencionados muitos produtos agrícolas e industriais, a
maioria deles portugueses com origem nas terras do interior ou
manufacturados por artesãos portuenses vinhos, panos, sal, peles, couros.
Gado cavalar, asinino, suíno, bovino e caprino. Alfaias agrícolas como
ferros de arado, enxadas, ferraduras e cravos. Picões e cutelos.
Caldeiras, grelhas e trempas. Mantas de Ferreira, de Barcelos e mesmo
de Castela. Ourelos (panos grosseiros), tecidos de algodão, sedas, sapatos
e botas. E ainda cera, unto, sebo, vinagre, queijo e manteiga. Pelos
séculos fora, de 1300 a 1700, através de tantas vicissitudes da vida
nacional, a cidade do Porto continuou a singrar como principal centro
mercantil e isto devido, fundamentalmente, às condições de navegabilidade
do seu rio e do seu entreposto ribeirinho firmado na Ribeira ainda hoje
uma verdadeira atracção porque continua a ser a varanda aberta sobre o
Douro…»
Cortesia de Germano Silva
Nas inquirições gerais, mandadas fazer por D. Afonso III, em
1258, aparece por vezes os termos de Vila
Baixa, para o conjunto habitacional que se desenvolvia para poente do rio
da Vila e Vila Portus para designar um povoado de Miragaia, na margem do
rio Frio, que aí desaguava (e desagua), no rio Douro.
A ermida de S. Nicolau, atrás mencionada, integraria já, a
chamada Vila Baixa.
Aliás, Artur de Magalhães Basto acha que Vila Baixa não se
tratava de uma povoação à parte da cidade, mas sim da parte baixa do velho
burgo, ou seja a zona populosa da margem direita do rio Douro entre o sítio da
actual Praça da Ribeira e o bairro de Miragaia que começava a crescer.
A Praça da Ribeira terá existência, mesmo antes do século
XIII, situada na margem do rio Douro e na foz do rio da Vila.
Em meados do Século XIII, já os franciscanos e os dominicanos
estavam instalados na cidade, por estas bandas, bem perto do rio Douro.
Maqueta da cidade medieval. Em primeiro plano, o convento de
S. Francisco e, lá no alto, a Sé. Pelo meio, o convento de S. Domingos – Fonte:
AHMP
Era o tempo da formação das confrarias de navegantes.
Em 1394, a Confraria do Corpo Santo de Massarelos
decide construir uma capela na praia da Mosqueira, precisamente no ano em que
nasceu o Infante D. Henrique, que irá ser o seu mais destacado confrade.
Os seus membros eram mercadores que negociavam,
preferencialmente, com o Norte da Europa.
Ou, também, a Confraria do Espírito Santo de S. Pedro de
Miragaia que constituiria um compromisso das gentes do mar, marinheiros e
pilotos e que, além da vertente religiosa e assistencial, também promovia o
espírito de grupo entre os seus membros, estando estes objectivos, consignados
no respectivo compromisso. Estava sedeada, já em 1405, numa capela junto da
praia de Miragaia e, em 1443, tinha adstrito um hospital e uma albergaria
acabados de construir – o Hospital do Espírito Santo e a Albergaria do
Remoynho.
Desde que a cidade
avançou para lá dos limites da Pena Ventosa, que o local mais acessível para a
carga e descarga das embarcações, era a Ribeira.
A serventia
portuária incrementou-se com o lançamento da chamada “muralha fernandina”
mandada executar, em 1334, por D. Afonso IV, que substituiu a velha cerca sueva
e, ainda, com a construção da alfândega, em 1325, em terrenos que aquele
monarca comprara relativamente perto da ermida de S. Nicolau.
Era na Ribeira que,
na realidade, a cidade muralhada tinha contacto com o rio, pela chamada porta
da Ribeira.
Ao longo das margens
do rio Douro existiam algumas praias, mas, de facto, era aquele o lugar de
eleição para acostamento de embarcações. Era, então, o único cais existente até
S. João da Foz.
Ainda estávamos bem
longe de fruir de todos cais que viriam a surgir e que, hoje, podemos observar.
A Praça da Ribeira
era, então, o centro do burgo.
Em 1491, deflagrou
na Praça da Ribeira um violento incêndio que consumiu diversas habitações,
havendo documentação que atesta que, em 1497, já tinha sido reposta alguma da
habitação ardida, bem como as bancadas dos comerciantes e, ainda, executada
alguma pavimentação.
Para a rápida e
eficaz intervenção, contribuiria a tomada de posição camarária, que expropriou
alguma da propriedade ardida, reordenando os espaços e ampliando a área das
bancadas dos comerciantes e, assim, aumentando os rendimentos camarários.
Uma nova praça,
renovada, começava a surgir.
Cortesia de Maria de
Fátima Pereira Machado - “A Praça da Ribeira no Porto Manuelino” (1996)
A referência do
texto anterior, aos "cobertos da Ribeira", justifica-se porque
naquele tempo as fachadas de algumas casas que havia à volta da praça
assentavam em colunas, formando arcos (cobertos), como em Miragaia. E esses
cobertos andavam aforados (alugados) e os seus ocupantes pagavam à Câmara
"o ar da praça" que ocupavam.
Quando a casa da
Câmara situada na Sé ficou num estado ruinoso, entre 1539 e 1604, deambulou por
vários locais e um dos escolhidos foi a praça da Ribeira e os seus cobertos.
Assim, em 19 de
Janeiro de 1597, reuniu “na praça da Ribeira debaixo dos cubertos dos
Barbeiros…”.
Cortesia de Maria de
Fátima Pereira Machado - “A Praça da Ribeira no Porto Manuelino” (1996)
Chegado o reinado de
D. Manuel I (1495-1521) a centralidade da urbe começa a deslocar-se para o
Largo de S. Domingos. Foi um processo lento, a partir de 1245, data da
conclusão do convento de S. Domingos.
O processo iria
intensificar-se quando aquele monarca decide, em 1521, que se abra a Rua de
Santa Catarina das Flores, para fazer a ligação do largo com o convento de São
Bento da Ave-Maria.
O garante da vontade
real, que morreu naquele mesmo ano, foi o bispo do Porto D. Pedro Álvares da
Costa, cuja tamanha devoção por Santa Catarina do Monte Sinai, determinou o
nome da rua.
O centro económico
fluvial, que era a Praça da Ribeira, estava prestes a ter ligação, à data, com
o postigo de Carros, junto do convento de São Bento da Ave-Maria.
Na constante
renovação a que a Praça da Ribeira foi sujeita, a própria porta da Ribeira que
abria a praça para o rio, seria intervencionada, em 1525, por apresentar sinais
de ruína.
A situação descrita
já reportava a 1522, sendo que neste ano tinha sido firmado um contrato entre a
Câmara e Cristovão Leitão (nesse ano era vereador) com a anuência real, para
que procedesse à troca do Paço dos Tabeliães, localizado na Rua do Cais, por um
novo edifício edificado sobre o arco da Porta da Ribeira.
Para a execução da
obra de mudança de instalações do Paço dos Tabeliães foi necessário lançar um
imposto.
O Paço dos Tabeliães
passou, então, a situar-se em frente à casa de Cristovão Leitão, sobre a
muralha, e por baixo dele situava-se a Casa
do Peso da Cidade.
Em 1525, tanto o
corregedor como os oficiais decidiram que fosse levantado uma estacada de
traves, a montante, desde a Porta da Ribeira até aos penedos do Laranjo, de
modo a aumentar o espaço e afastar o rio dos muros da cidade, e um cais
localizado entre a mesma Porta (onde já estava começado) e os postigos da Lada.
A casa do Laranjo
esteve aforada, entre 1513 e 1522, ao oleiro Fernão de Lion e localizava-se na
Rua da Lada, fora do muro.
No século XVI,
ocorre uma transformação acentuada da cidade medieval, com o aumento das
actividades portuárias, resultante da expansão marítima.
Assim, o cais da
Estiva e o cais da Ribeira seriam construídos no último quartel do século XVI.
Por todo o século
XVII, a actividade económica vai se intensificando até que, chegado o século
XVIII, a centralidade da cidade vai começar a estabelecer-se na Praça Nova das
Hortas traçada em terrenos onde o bispo tinha as suas hortas, para lá da
muralha fernandina.
A Praça da Ribeira de João de Almada e Melo
Mas será, em meados
do século XIX, com a chegada de João de Almada e Melo, que a cidade
expandindo-se para lá das muralhas, vai crescer como nunca antes.
A própria Praça da
Ribeira será alvo de uma intervenção, da qual, ainda hoje, sobram testemunhos.

Na gravura acima
observa-se; à direita, a Rua dos Mercadores e, à esquerda, ao fundo, o paço
(torre/estalagem) de Diogo Bustamante.
João de Almada e
Melo vai presidir à chamada Junta das Obras Públicas e chamar para junto
de si John Whitehead.
John Whitehead
nasceu no Lancashire, em 1726.
Era arquitecto
amador, engenheiro, cientista (astrônomo, matemático e pesquisador), bibliófilo
(possuía uma extensa biblioteca) e cônsul de a nação britânica. Viveu no Porto
entre 1756 e 1802.
Como cônsul, manteve
uma estreita relação com João de Almada e Melo e foi muito influente na Junta
de Obras Públicas e na introdução do estilo neopalladiano em Portugal, abrindo
caminho ao neoclassicismo, que se assumiu como contraponto e alternativa ao
barroco tardio que ainda persistia no Porto de finais do século XVIII.
Entre 1765 e 1780,
deu seguimento e executou obras incluídas no plano almadino, como seja a
escolha de John Carr para projectista do Hospital de Santo António. Teria também
um papel decisivo na construção do primeiro e único cemitério protestante do
Porto (1787-1788) e esteve ligado às obras da Praça da Ribeira, da Capela de
Nossa Senhora do Ó e do Largo de S. Domingos, sendo provavelmente da sua
autoria o projecto da Feitoria Inglesa (1785-1790), no Porto.
Relatos da época, consideram-no
um homem excêntrico e até feiticeiro, pois tinha um laboratório e observatório
particular equipado com microscópios solares, onde testou um para-raios que
havia inventado e experimentou na câmara escura e na eletricidade. De qualquer
modo, era muito apreciado pelos seus conterrâneos e respeitado pelos
portugueses. Sabe-se que, em 1785, residia na Rua de São Francisco.
Morreu no Porto a 16
de Dezembro de 1802. A comunidade britânica determinou que fosse sepultado no
centro do cemitério protestante da cidade, onde ergueram um monumento em sua
homenagem, construído cerca de 20 anos depois.
A intervenção de
Whitehead é feita, portanto, no âmbito da Junta de Obras Públicas criada em
1763.
É dele a concepção
da fonte (substituiu um chafariz que existia no meio do largo), que ainda hoje
podemos observar, na Praça da Ribeira, sendo um elementos arquitectónicos que
subsiste e com ele mais identificado.
A fonte começada a
levantar em 1784, já estava terminada em 1786.
Na foto acima, no
espaldar e no seu nicho visível, esteve a imagem de S. Pantaleão, antigo
padroeiro do Porto. Desde 2000, está uma imagem de S. João, de Cutileiro. A
fonte começou por ser abastecida pelo manancial de Malmajudas, que ficava para
o lado dos Guindais.
Fazendo parte da intervenção de Whitehead, a Porta da
Ribeira teria, então, sido demolida e voltada a erguer, em 1778. Em sequência,
é enquadrada por aquela porta a capela de Nossa Senhora do Ó, que ficará junto
da muralha e que, em 1784, já estava concluída.
Aquando da intervenção na muralha é feita uma arcaria a
ela encostada para alojar o mercado e é alteado o piso da praça para aliviar o
desnível com a Rua de S. João e defesa das cheias.
Gravura de Henry Smith – 1813 – à esquerda vê-se a antiga e
belíssima Capela da Senhora do Ó, encostada à muralha.
Para delimitar a
Praça da Ribeira a poente é erguida uma frente de casas assente em arcaria como
se pode observar no desenho seguinte, que teve conclusão em 1785.
Partindo da Praça da
Ribeira, John Whitehead concebeu uma nova rua que faria a ligação ao Largo de
S. Domingos, à qual se refere Eugénio Andrea da Cunha e Freitas na sua
Toponímia Portuense:
“ (…) a Nova
Rua de S. João, como primeiro se chamou (e ainda na Planta redonda de Balck,
em 1813, tem esta designação), começou a abrir-se em 1765, mas logo surgiram
grandes dificuldades e consequentes pleitos por motivo das expropriações,
principalmente levantadas pelos senhorios dos prédios enfiteuticos. Resolveu-as
El-Rei D. José, em 1769, determinando por alvará régio um processo sumário para
tal fim...Ainda em 1784 se cuidava dos alinhamentos da rua. O Padre Agostinho
Rebelo da Costa refere-se-lhe já na sua Descrição Topográfica e Histórica da
cidade do Porto, em 1789. O nome de S. João foi-lhe dado, cremos, em homenagem
a João de Almada. Era, como todos sabem a rua de maior comércio no séc. XIX.”
Alcançado o Largo de
S. Domingos, pela Rua das Flores, seria possível chegar à Praça Nova das Hortas
e, daí, se tomaria a nova Rua do Almada e rumar ao norte do País.
O projecto de
Whitehead teve início em 1776 e, em 1779, já estava parcialmente concluído. Ao
lado da Rua da Fonte Taurina foram construídos duas casas harmonizadas com o
restante edificado, concluídas em 1785, que seriam, anos mais tarde, vendidas
pelo Senado.
A sul da praça,
permanecia a muralha. Entre a muralha e o rio encontrava-se a forca e o
pelourinho.
Durante o governo de
João de Almada a muralha medieval, perdido o seu valor defensivo foi, contudo, cuidadosamente
preservada.
O piso térreo da
muralha foi, assim, transformada em galeria porticada, aberta para a praça da
Ribeira, passando a funcionar neste espaço coberto o mercado do peixe. No nível
superior, foi renovado o percurso público e as escadas de acesso às praças e
largos ribeirinhos.
Mais tarde (1788), foi
possível estabelecer-se a ligação deste percurso por cima do muro às escadas do
Codeçal, permitindo o atravessamento da zona baixa mesmo durante as maiores
cheias.
Em 30 de Outubro de 1786,
falecia João de Almada e Melo e a Praça da Ribeira tinha o aspecto da gravura
seguinte, quando observada para poente.
Reconstituição da
Praça da Ribeira à data do falecimento de João Almada – Cortesia do arquitecto
Luís Bourbon Aguiar Branco, In revista “O Tripeiro”, 7ª série, Dez. 2014
Em 1821, a muralha começaria
a ser demolida e, bem assim, o mercado que lhe estava adossado.
Praça da Ribeira e Bairro do Barredo sob acção dos arquitectos
da Cidade
Uma Ordem Régia, de
25 de Agosto de 1787, que reduzia o poder do Senado e reforçava o poder do
governador das Justiças, ficando este encarregado não apenas da presidência,
mas também da inspecção das Obras Públicas, levaria a presidente da Junta de
Obras Públicas, José Roberto Vidal da Gama (governador da Relação do
Porto de 1786 a 1790).
É ele que vai
contratar o engenheiro militar português, de origem francesa, José Champalimaud
de Nussane para director das Obras Públicas.
A accão deste novo
director das Obras Públicas vai incidir sobre a reparação de alguns estragos
provocados pela invernia nos anos de 1877 e 1878 (marca de Cruz de Ferro
destruída, na barra e desabamento de troço da muralha junto aos Clérigos) e
pelo lançamento, em 1788, de uma ligação entre Massarelos e a Rua de Vilar (Rua
D. Pedro V), entre outras.
Vai, ainda, no
entanto, desviar a sua atenção, principalmente, para os problemas da construção
da via marginal entre Miragaia e Massarelos.
Em sequência, vai
intervir no levantamento de um cais (cais das Pedras), na praia do Mosqueiro,
missão interrompida, em 1789, por ter sido desviado para a construção da
estrada entre Porto e Guimarães. Aquele cais seria construído entre 1789 e
1791.
Em Outubro de 1789,
chega à cidade o engenheiro militar francês Reinaldo Oudinot (1747-1807), com o
objectivo principal de intervir nas obras da barra do Douro. Acompanha-o o seu
ajudante, Faustino Salustiano da Costa e Sá.
A partir daqui, um
novo programa vai ser proposto, com a superintendência dos ministros do
governo, José Seabra da Silva e Luís Pinto de Sousa e por mais três
interventores fundamentais: Junta das Obras Públicas, Companhia do
Alto Douro e Francisco de Almada e Mendonça (1757-1804), o
corregedor e provedor da comarca do Porto, filho de João de Almada e Melo.
Reinaldo Oudinot
contratado principalmente para colocar todo o seu saber nas obras da barra, no
que à Praça da Ribeira dizia respeito, preconizava uma nova abordagem com a reestruturação
daquela praça, a ampliação e elevação do cais e, ainda, da reformulação do
Bairro do Barredo, já naquele tempo muito degradado e o consequente derrube da
muralha.
No sítio vizinho dos Guindais, projectava um cais para um
porto fluvial.
Tem data de 5 de
Março de 1797, o último projecto de Oudinot que, para a zona ribeirinha da
cidade, lança a possibilidade de demolição da muralha gótica permitindo uma
intervenção global em todo o núcleo urbano da zona da Ribeira, em particular no
Barredo, um dos bairros mais antigos da cidade, já nesta altura muito insalubre
e degradado.
O citado projecto
previa, ainda, uma intervenção, a jusante, sobre o bairro dos Banhos, com o
objectivo de criar uma frente urbana contínua ao longo do rio.
Ao contrário dos
projectos anteriormente realizados por Reinaldo Oudinot, a proposta para a
Ribeira não foi de iniciativa ministerial; no entanto, o projecto inseria-se no
território de intervenção inicialmente definido por José de Seabra da Silva na
sua Carta Instrutiva.
A iniciativa partiu,
então, de D. João Correia de Sá, o novo governador das Armas do Porto
(1796-1800), que enviou o projecto da Ribeira, da autoria de Oudinot para a
secretaria de estado do reino, em Setembro de 1799.
No entanto, grandes
alterações iriam surgir a nível nacional e local.
José de Seabra da
Silva, o ministro que tinha dado início à obra da barra do Douro e que tinha
definido as políticas públicas para a cidade, durante a década de noventa, foi
demitido do governo, sendo substituído interinamente pelo marquês de Ponte
de Lima (ministro Assistente ao Despacho e responsável pela pasta da
Fazenda).
No Porto, em 1799,
Manuel Francisco e Veiga Magro de Moura deixou o cargo de governador da Relação e o seu colega Vicente Cardoso da
Costa deixou o cargo de juiz de Fora.
Ainda, no atinente à
cidade, Teodoro de Sousa Maldonado (1759-1799), o arquitecto da cidade, morreu
a 9 de Outubro de 1799, quando tinha apenas quarenta anos de idade.
Teodoro de Sousa Maldonado tinha começado a trabalhar para a Junta das Obras Públicas em 1789, como
ajudante de José Champalimaud de Nussane, e sucedeu-lhe na direcção das obras
públicas da cidade a partir de 1795, quando este deixou a cidade do Porto e
regressou a Valença.
A 5 de Abril de
1800, o governo das Justiças e a presidência da Junta das Obras Públicas
recaiu em Pedro de Melo Breiner (1757-1830); de novo, era designado
um conceituado magistrado e jurisconsulto para o tribunal da Relação do Porto e
para o governo da cidade.
Para este desfecho,
tinha sido fundamental a insistência feita por Reinaldo Oudinot junto do
ministro da marinha, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, em Janeiro de 1800.
Em Junho de 1800, o
ministro interino do reino, o marquês de Ponte de Lima pediu ao novo presidente
da Junta, Pedro Melo Breiner, para realizar um projecto para a Ribeira do Porto
de acordo com o governador das Armas D. João Correia de Sá.
Dado o falecimento
de Teodoro Sousa Maldonado, é José Pedro Ribeiro, um mestre carpinteiro, quem
irá fazer a proposta para a Ribeira reclamada pelo Marquês de Ponte de Lima e
que seria uma reformulação do que eram as ideias do finado arquitecto da
Cidade.
“Poderá ter sido na sequência do pedido do
marquês de Ponte de Lima e do desaparecimento de Maldonado que foi realizado
para a Junta das Obras Públicas o estudo de reformulação da praça da Ribeira,
por José Pedro Ribeiro (?-1801), mestre carpinteiro de Obras Públicas; neste
projecto, realizado em 1800, Pedro Ribeiro propôs a demolição da muralha em
frente à praça e a sua manutenção no bairro do Barredo; propôs também, para
remate dos topos da muralha, a construção de duas escadarias, apoiadas numa
estrutura porticada aberta, para acesso ao percurso à cota superior do muro.
Permanece, do projecto de Oudinot, para além da ideia de abertura da praça ao
rio, a regularização do lado Nascente da praça. A proposta de José Pedro
Ribeiro pode considerar-se um complemento à proposta de Maldonado, que não
abordava a praça da Ribeira, o que vem reforçar a ideia de que a Junta
procurava uma solução alternativa à de Reinaldo Oudinot”.
Cortesia de Carlos
Henrique de Moura Rodrigues Martins - Tese de Doutoramento em Arquitectura
(2014)
Para substituição de
Teodoro de Sousa Maldonado acaba por ser escolhido para arquitecto da Cidade, Luís
Inácio de Barros Lima e por coincidência, no mesmo dia em que Barros Lima
foi nomeado Arquitecto da Cidade
(3 de Janeiro de 1801) o governo das Armas do Partido do Porto (governo
militar) recaiu, interinamente, em Oudinot, por doença de D. João Correia de Sá.
Neste ano, iria
ocorrer a Guerra das Laranjas que teria a participação de Reinaldo Oudinot.
Em Maio de 1802, o príncipe regente, D. João, por Carta
Régia e em resposta a uma conta do governador das Justiças, renovou por mais
dez anos o imposto do real de água para as obras públicas da cidade; ao mesmo
tempo, definiu a programação da Junta das Obras Públicas de acordo com as propostas
de Pedro de Melo Breiner. Assim, de futuro, proceder-se-ia à conclusão de todas
as obras em andamento.
Deste modo, as obras perspectivadas para a Ribeira ficariam
sem efeito.
Pedro de Melo Breiner viria a ter um papel significativo no desenvolvimento
das vias de transporte e comunicação. Foi nomeado para a Inspecção das obras da
barra e das estradas do Douro em Abril de 1801, por proposta da Companhia do
Alto Douro e decisão de Luís Pinto de Sousa.
Posteriormente e já com um novo ministro do Reino, o conde
de Vila Verde (D. Diogo de Noronha, 1747-1806), Breiner foi encarregado de dar
continuidade a todas as obras públicas de estradas e pontes que estavam a cargo
do corregedor Francisco de Almada, após a sua morte a 18 de Agosto de 1804.
Assim, a Ribeira será contemplada com uma ponte, entrada ao
serviço em 14 de Agosto de 1806, de ligação a Vila Nova – Ponte das Barcas - e
Breiner passa a ser tecnicamente assessorado por Carlos Amarante.
Para a instalação da ponte foi necessário demolir algumas
barracas, entre elas, a da Casa da Portagem de arrecadação dos direitos cobrados
pelo Cabido da Sé do Porto. A nova construção obrigará a abrir um arco no muro
da muralha e aproveitar o espaço correspondente à espessura dela.
O projecto é do arquitecto, Damião Pereira de Azevedo
(1768-1815).
Reparações, em 1968, na muralha da Ribeira. É possível
observar-se, também, a espessura da mesma – Fonte: AHMP
O arquitecto da cidade, Luís Inácio de Barros Lima e o procurador
da cidade, Manuel Félix Correia Maia, deram o respectivo aval, com algumas
condições.
Então, a 3 de Dezembro de 1806, Damião Pereira de Azevedo
apresenta o projecto para o bairro do Barredo, indo ao encontro de Oudinot de
transformação da muralha numa estrutura porticada e o embasamento do casario
que com ela confinava.
“Na proposta de Damião
Pereira de Azevedo, a praça da Ribeira mantinha-se encerrada ao rio e o bairro
do Barredo era conservado. A face da muralha para o rio era totalmente
redesenhada e reconstruída segundo uma composição simétrica. A frente
amuralhada era definida por três tramos rectos, ligeiramente convexos entre si,
de sete arcos cada, intercalados por dois arcos maiores e ligeiramente
salientes onde se situavam a casa da Portagem.
O desenho da arcada
era determinado pelo modelo do arco construído em 1796 e o seu ritmo era menor
que o da proposta de Maldonado; a alteração das proporções deveu-se certamente
à necessidade de manter a solidez do muro para resistir à violência das cheias
do Douro. Para o cais da Ribeira era sugerida a hipótese da sua ampliação sobre
o rio, do lado Nascente, segundo um alinhamento simétrico ao cais existente do
lado Poente; os dois alinhamentos do cais eram paralelos aos tramos laterais da
nova arcada e o seu vértice ficava fronteiro ao eixo do tramo central da
composição.
A execução do projecto
seria realizada ao longo das primeiras décadas do século XIX.
Em Março de 1813, dos vinte e três arcos previstos no projecto, catorze
estavam construídos, sete estavam
licenciados e apenas dois não tinham pedido de execução. O desenho não foi
totalmente concretizado (principalmente o tramo a Poente), mas no essencial, a
solução proposta corresponde ao que é hoje a frente ribeirinha do bairro do
Barredo. A cuidada composição do novo desenho da cintura medieval, que
incorporava a posição da ponte das Barcas, conferia uma função representativa a
este elemento urbano como porta de entrada da cidade; a alternativa possível ao
projecto de Reinado Oudinot, de dar à baixa ribeirinha do Porto a operacionalidade
e a dignidade monumental das cidades portuárias europeias”.
Cortesia de Carlos
Henrique de Moura Rodrigues Martins - Tese de Doutoramento em Arquitectura
(2014)
O plano atrás descrito seria executado paulatinamente nas
décadas seguintes e apresentaria um aspecto que faria adivinhar o que hoje se
observa.
Em 1821, a Porta da Ribeira foi demolida e o mesmo aconteceu
com a capela, sendo extinta a confraria respectiva.
Cais da Ribeira, em 1833 – Gravura de Joaquim Villanova
Ribeira e Serra do Pilar, em 1835 - Pintura de J. G. Martini
Porto, c. 1850
A cidade e a Junta
das Obras Públicas
As grandes transformações ocorridas na Praça da Ribeira, que
reconverteram a sua traça de cariz medieval, aconteceram sob os auspícios da “Junta
das Obras Públicas do Porto”.
De facto, João de Almada e Melo, em 1763, fundará aquele
organismo, que vai provocar uma perfeita revolução no urbanismo da cidade.
A partir de 1784, a “Junta das Obras Públicas do Porto” vai
ser presidida por Francisco de Almada e Mendonça, filho de João Almada.
Assim, para lá da intervenção na Praça da Ribeira aquelas
duas figuras vão proporcionar uma expansão da malha urbana e implantar várias
infraestruturas de abastecimento público, com a instalação no terreno de várias
fontes e chafarizes abastecidos por uma rede de aquedutos.
Entretanto, sob influência inglesa, começarão a surgir nos
arruamentos da cidade os passeios, primeiro, em 1786, no “Padrão das Almas” e,
depois, em ruas e praças, já no âmbito do “Plano de Melhoramentos” e da gestão
da figura do “Arquitecto da Cidade” sob a supervisão de Francisco de Almada.
Em 1785, ano do começo da abertura da Rua de Santo António,
iniciou-se, também, a abertura de diversos arruamentos transversais à Rua de
Santa Catarina, originando as actuais Rua Formosa, Rua Fernandes Tomás e Rua
Firmeza.
Será sob as ordens de Teodoro Sousa Maldonado, como
Arquitecto da Cidade, que se fará cumprir o traçado dos arruamentos projectados
e ainda, em certos casos, a arquitectura da fachada dos edifícios que os
ladeavam.
Em 1805, no ano seguinte à morte de Francisco de Almada e
sob a direcção de Pedro Melo Breiner, que lhe sucedeu no cargo de presidente da
“Junta das Obras Públicas do Porto”, será a Rua de Cedofeita a ser comtemplada
com uma malha de ruas confluentes, transversais e que, são hoje, a Rua do Breyner,
Rua Miguel Bombarda e Rua da Torrinha.
A partir das três invasões francesas, em 1807, 1809 e 1810,
respectivamente, a situação económica e financeira interna degrada-se e o
desenvolvimento urbanístico da cidade, em certa medida, estagna.
Em 1834, ocorrerá a extinção da “Junta das Obras Públicas do
Porto”.
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