Os Bairros do Estado Novo
O período de 30 anos entre 1926 (data do golpe de estado do
28 de Maio) e 1956 (data do início do Plano de Melhoramentos da Cidade do
Porto) pode ser dividido em três períodos mais curtos: o período da Ditadura
Militar, que dura até aos inícios dos anos 30, e no qual o novo regime concluiu
muitas das obras planeadas ou em construção, promovidas pelo regime deposto; o
período de consolidação do regime de Salazar o “Estado Novo”, em que a política
de habitação procura inicialmente realizar-se por bairros de arquitectura que
afirmem a “modernidade” do regime, e o período que se inicia em 1938 (quando é
publicado o decreto-lei 28 912), e que pela influência da Alemanha nazi, o
regime termina com os projectos “modernos” e vem consagrar, também na habitação
social, uma arquitectura típica.
Do final da 2ª guerra até aos anos 50, quando a política de
habitação sofre nova “viragem”, com o Plano de Melhoramentos do Porto e o Plano
dos Olivais em Lisboa, o regime ainda promoverá alguns bairros que pela sua
tipologia pertencem a esta 3ª geração.
O período de consolidação do Estado Novo
Duarte Pacheco em Setembro de 1933, no sentido de promover
uma política de habitação social, faz publicar o Decreto-Lei n.º 23 052, que
define e promove a construção de bairros sociais de habitação económica. Posteriormente,
em 1937 seriam aprovadas leis adicionais para a construção de casas para
famílias pobres e casas para pescadores.
Duarte Pacheco num discurso pronunciado a 27 de Janeiro de
1934 explicita as suas intenções, em discurso in Boletim do INTP.
«A nova unidade política e social — a família — há-de
possuir, além (do braço ou do cérebro que lhe dá o pão, a casa própria que a
abrigue, que a defenda, que lhe dê o bem-estar e com ele o sentido da
conservação e da responsabilidade social de contribuir para o bem comum.»
“ O velho problema da casa económica é, sob muitos dos
seus múltiplos aspectos, essenciais ou de detalhe, uma solução nova, construída
sobre princípios de economia, de justiça social e da moral que dão à nossa casa
económica características muito próprias, que haverão de fazer dela
uma aglutinante social forte, estável e duradoura.”
“Na elaboração das casas económicas há-de considerar-se
que elas serão agrupadas por classes, formando conjuntos que podem construir
manchas de apreciável valor estético nas cidades e vilas; estabeleceu-se, por
isso, que os planos gerais dos agrupamentos de moradias económicas se integram
harmonicamente nos planos de urbanização delineados pelas câmaras municipais ou
pelo Estado.”
Duarte Pacheco; Fonte: “doportoenaoso.blogspot.pt”
Bairros de Casas Económicas
Apoiada no Decreto-Lei n.º 23 052 de 1933, a Câmara
Municipal, irá promover a partir de 1935 e até meados dos anos 50, um conjunto
de 13 Bairros de Casas Económicas, interrompido, brevemente, pela experiência
do Bloco da Rua Duque de Saldanha.
Estes bairros vão localizar-se nas freguesias da periferia
exterior da cidade, relativamente próximos de fábricas nas freguesias de
Cedofeita, Ramalde, Massarelos, Santo Ildefonso, Bonfim e Campanhã. Estas zonas
da cidade irão ser servidas por transportes públicos contribuindo, assim, para
a expansão da cidade.
“Em termos
habitacionais, foram construídos 12 bairros económicos, em três fases
distintas, correspondendo a 2378 casas (Almeida, 2010), a saber: bairros do
Ilhéu (1935), das Condominhas (1937), do Amial (1938), da Azenha, Paranhos e
Ramalde (1939), de Costa Cabral e S. Roque da Lameira (1942), de Gomes da Costa
(1950), de António Aroso e da Vilarinha (1958) e o bairro do Viso (1965), o
único em altura. A partir de 1938, verificou-se uma alteração de paradigma. O
Estado limitou o investimento na construção de casas económicas, procurando
atrair o capital privado, das instituições e previdência social e dos
organismos corporativos (Matos, 1994)”.
Cortesia de Amândio Barros e Carla Loureiro
Segundo a legislação as habitações eram atribuídas em regime
de propriedade resolúvel e amortizadas, em prestações mensais, durante 20 anos,
e eram distribuídas por concurso aos chefes de família (que teriam idades
compreendidas entre os 21 e os 40 anos), empregados, operários ou outros
assalariados que fossem sócios dos Sindicatos Nacionais e funcionários do
Estado, civis e militares, dos corpos e corporações administrativas e operários
dos respectivos quadros permanentes.
A prestação das casas era avaliada de acordo com o
rendimento de cada família (o custo das casas económicas obedecia ao princípio
de as respectivas prestações se deverem comportar dentro das possibilidades do
adquirente), bem como do nº do agregado familiar.
Deste modo, foram criadas casas com diferentes classes, onde
variava o tipo de habitação, bem como o nº de divisões e respectivas áreas, de
acordo com a família que iria ocupar a habitação.
Os primeiros bairros Ilhéu, Condominhas, Azenha, Amial,
Ramalde, Paranhos, são sobretudo constituídos pelas categorias A e B (Decreto -
Lei nº 23052 de 23 de Setembro de 1933), destinadas a moradores de rendimentos
mais baixos.
Com o DL n.º 28 912, que cria as categorias C e D, os
bairros de Gomes da Costa, Vilarinha e António Aroso, são ocupados por
moradores com rendimentos mais altos, nomeadamente funcionários do Estado.
As tipologias habitacionais eram as casas individuais, com
jardim e quintal, como são exemplos, o bairro de Paranhos, Condominhas, Amial,
Azenha, Costa Cabral, entre outros, cuja organização obedece a uma malha
ortogonal onde se dispõem as casas individuais geminadas de um ou dois pisos.
A própria toponímia das ruas com nome de flores, de vilas e
de rios, para além da forma arquitectónica, fazem lembrar o meio rural.
“A construção dos
bairros foi também uma oportunidade de reforçar os laços simbólicos dos seus
moradores com o país. Numa demonstração clara de um espírito nacionalista,
centrado numa ruralidade idealizada, os nomes das ruas dos bairros evocavam
elementos característicos de Portugal: flores (Ilhéu e Amial), árvores
(Ramalde), rios (Paranhos), praias (Condominhas), ilhas do Império Português
(Azenha), concelhos do distrito do Porto e Douro Litoral (Vilarinha e António
Aroso), freguesias de Lisboa (Costa Cabral) e momentos da história nacional e
da igreja católica (Gomes da Costa, Viso e S. Roque da Lameira). Novamente:
esta tendência não era totalmente inédita, datando da I República a construção
da colónia operária Estêvão de Vasconcelos (1914), perto do Carvalhido, ornada
com nomes de castelos portugueses”.
Cortesia de Amândio
Barros e Carla Loureiro
A qualidade das casas e a sua tipologia variava conforme a
classe económica dos potenciais ocupantes, o que no fundo obedecia a uma
estratégia de segregação espacial das diferentes classes, patente ainda no
nível diferenciado das rendas praticadas.
Uma das positivas realizações decorrentes dos Bairros de
Casas Económicas foi a construção de raiz de Escolas Primárias a maior parte
segundo um projecto tipo do arquitecto Rogério de Azevedo, já que a maior parte
das escolas até então funcionavam em edifícios adaptados, por vezes não
oferecendo o mínimo de condições. Muitas dessas escolas edificadas, como os
bairros, na periferia da cidade construída, encontram-se ainda em
funcionamento.
Todos os bairros desta fase, com a excepção do Ilhéu, são
acompanhados de uma escola primária. Todos, incluindo o Ilhéu, apesar das
reduzidas dimensões, têm uma zona verde, um parque ou uma praça de usufruto
comum. Em todos os bairros foi destinada uma casa para posto fiscal que, em
alguns casos, acabou por ser utilizada como centro social ou cultural e
recreativo.
O Bloco da Rua Duque de Saldanha 1937/40 - uma
experiência sem continuidade, de habitação social colectiva
Em 1937, os Serviços Técnicos da Câmara Municipal projectam
na Rua de Duque de Saldanha, um imóvel de 4 pisos, com uma planta em U,
formando um largo pátio que se abre sobre a rua, com 115 apartamentos e por
galeria exterior. A este primeiro projecto irá ser acrescentado um novo
edifício implantado à face da rua fechando o conjunto e tendo o arco central
por onde se acede ao pátio.
Este bloco irá contudo causar forte polémica, já que entrava
em conflito com a ideologia que, sob a influência do regime nazi, o Estado Novo
e o próprio Salazar, defendiam, que era contrária à tipologia do Bloco de
habitação colectiva e ainda, por se localizar junto das ilhas que pretendia
demolir, ou seja, no centro da cidade.
“Bloco” de Duque Saldanha em construção
Fachada com arco de acesso para a rua
O pátio interior visto a partir do
arco de acesso ao pátio – Fonte: “doportoenaoso.blogspot.pt”
Apoiado na propaganda da Alemanha nazi e das suas
realizações na habitação social recupera-se o livro "Casas
Portuguesas" de Raul Lino publicado em 1933, como referência indispensável
para um novo nacionalismo pequeno-burguês de inspiração nazi.
Livro de Raúl Lino – Fonte: “doportoenaoso.blogspot.pt”
Propaganda ao regime Nazi – Fonte “doportoenaoso.blogspot.pt”
As fotos acima têm como legenda: “Após o trabalho diário
o operário alemão encontra sossego e recreio na casa própria e no seu jardim”.
No Porto, abandonada a experiência do Bloco de Duque de
Saldanha e seguindo as ideias de Salazar e a influência da Alemanha Nazi, a
Câmara Municipal vê-se obrigada a aceitar o modelo de casa individual, tendo-o
aplicado no Bairro de Rebordões em 1941.
Bairro de Casas Económicas do Ilhéu ou Bairro de Casas
Económicas Oliveira Salazar 1934/35
“O primeiro bairro de casas económicas no
país foi construído na freguesia de Campanhã, entre 1934 e 1935 e ficou
conhecido como o Bairro do Ilhéu, com um agrupamento de 54 casas da classe A,
tipos 1 a 3, serviu de bandeira como exemplo a seguir.
Junto à Rua Matias de Albuquerque com acesso
por S. Roque da Lameira.
Localiza-se na zona
oriental da cidade, com as habitações dispostas ao longo de catorze ruas com
nomes de flores, e algumas travessas de acesso às traseiras das casas com
alçados posteriores, de hierarquia inferior. É constituído por cinquenta e
quatro casas térreas, geminadas duas a duas, orientadas a SO / NE, de planta
rectangular, com telhados de quatro águas, da classe A, sendo dez do tipo I,
vinte e quatro do tipo II e vinte do tipo III, de superfície variável entre os
42 / 64 m2 a casa, e os 105 / 222 casa mais quintal. Este, localizado junto do
alçado posterior, é delimitado por muro. Junto do alçado principal apresentam
pequeno espaço ajardinado, alpendre, com conversadeiras, a proteger a entrada
principal, e chaminé. Vãos rectos, com moldura saliente, em número variável
conforme a tipologia, podendo apresentar na fachada principal porta e janela ou
porta e duas janelas. A sua construção iniciou-se em 1934 e foi inaugurado em
1935”.
Fonte: IHRU–DGEMN (Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana - Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais), In “doportoenaoso.blogspot.pt”
Bairro Oliveira
Salazar
Em Campanhã no Ilhéu
Bairro de Casas Económicas das Condominhas 1934/35
Bairro das Condominhas
Condominhas, na esquina da Rua Âncora e Rua Estoril
“Bairro situado na
freguesia de Lordelo do Ouro, tem as habitações distribuídas horizontalmente
duas a duas ou em banda, ao longo de ruas de traçado rectilíneo, que integram
praças, jardins e equipamentos colectivos como a escola primária. Todas as ruas
de acesso às habitações convergem para a praceta (Largo da Póvoa do Varzim)
onde está edificada a Escola”.
Fonte: IHRU – DGEMN, In “doportoenaoso.blogspot.pt”
Bairro de Casas Económicas do Amial 1938 e 1958
“O Bairro de Casas Económicas do Amial, na
freguesia de Paranhos, sendo o maior destes bairros no Porto, foi construído em
duas fases 1935/38 e 1957/58, organizando-se em torno de uma grande praça
central, onde está instalada a escola primária de oito salas. Os arruamentos
têm nomes de ruas de flores. A primeira fase, a poente, é constituída por
trezentas e oito moradias da classe A e B, de um e dois pisos. A segunda fase é
marcada pela construção de mais noventa e quatro moradias das classes A, B, C,
e D, de dois pisos, distribuídas em banda ou geminadas duas a duas, desde a rua
das Magnólias até à rua do Engenheiro Carlos Amarante. No total o bairro é
constituído por quatrocentas e duas casas.
No interior todas as variantes dispõem de
cozinha, e casa de banho variando esta em número, dimensão e equipamentos de
acordo com as várias classes. Alguns casos da classe A, primeira fase, não
dispõem de sala e na segunda a sala é comum. As classes B, C, e D dispõem de
sala de estar e sala de jantar, tendo a classe D ainda um pequeno gabinete de
estudo. O número de quartos varia consoante a tipologia podendo ir de um a
quatro nas classes A e B, e de dois a cinco para as classes C e D, sendo um
deles de recurso. Nestas variantes pode ainda existir vestíbulo, quarto de
"criada" e respectiva casa de banho. Todas as divisões apresentam luz
directa com excepção, nalguns casos, das casas de banho”.
Fonte: IHRU – DGEMN, In “doportoenaoso.blogspot.pt”
Bairro do Amial
Bairro de Casas Económicas da Azenha 1937/1939
“Agrupamento de moradias de renda económica,
de planta triangular, rasgado por dezasseis ruas com nomes de ilhas portuguesas
e de domínio português na época da sua construção, situa-se na freguesia de
Paranhos. O triângulo é dividido ao centro por uma rua principal, longitudinal,
a Rua de Santiago, que parte do vértice até à praça principal, onde se ergue a
escola do Bairro ladeada por pequenas ruas transversais e paralelas”.
Fonte: IHRU – DGEMN, In “doportoenaoso.blogspot.pt”
Rua de S. Tiago, na Azenha, na actualidade
Marco comemorativo da inauguração do Bairro da Azenha
Centro do Bairro da
Azenha
Escola Primária da Azenha
(Continua)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminar