quarta-feira, 24 de maio de 2017

(Continuação 2) - Actualização em 28/01/2021

Os Bairros do Estado Novo


O período de 30 anos entre 1926 (data do golpe de estado do 28 de Maio) e 1956 (data do início do Plano de Melhoramentos da Cidade do Porto) pode ser dividido em três períodos mais curtos: o período da Ditadura Militar, que dura até aos inícios dos anos 30, e no qual o novo regime concluiu muitas das obras planeadas ou em construção, promovidas pelo regime deposto; o período de consolidação do regime de Salazar o “Estado Novo”, em que a política de habitação procura inicialmente realizar-se por bairros de arquitectura que afirmem a “modernidade” do regime, e o período que se inicia em 1938 (quando é publicado o decreto-lei 28 912), e que pela influência da Alemanha nazi, o regime termina com os projectos “modernos” e vem consagrar, também na habitação social, uma arquitectura típica.
Do final da 2ª guerra até aos anos 50, quando a política de habitação sofre nova “viragem”, com o Plano de Melhoramentos do Porto e o Plano dos Olivais em Lisboa, o regime ainda promoverá alguns bairros que pela sua tipologia pertencem a esta 3ª geração.




O período de consolidação do Estado Novo


Duarte Pacheco em Setembro de 1933, no sentido de promover uma política de habitação social, faz publicar o Decreto-Lei n.º 23 052, que define e promove a construção de bairros sociais de habitação económica. Posteriormente, em 1937 seriam aprovadas leis adicionais para a construção de casas para famílias pobres e casas para pescadores.
Duarte Pacheco num discurso pronunciado a 27 de Janeiro de 1934 explicita as suas intenções, em discurso in Boletim do INTP.



«A nova unidade política e social — a família — há-de possuir, além (do braço ou do cérebro que lhe dá o pão, a casa própria que a abrigue, que a defenda, que lhe dê o bem-estar e com ele o sentido da conservação e da responsabilidade so­cial de contribuir para o bem comum.»
“ O velho problema da casa económica é, sob muitos dos seus múltiplos aspectos, essenciais ou de detalhe, uma solução nova, construída sobre princípios de economia, de justiça social e da moral que dão à nossa casa económica características muito próprias, que haverão de fazer dela uma aglutinante social forte, estável e duradoura.”
“Na elaboração das casas económicas há-de considerar-se que elas serão agrupadas por classes, formando conjuntos que podem construir manchas de apreciável valor estético nas cidades e vilas; estabeleceu-se, por isso, que os planos gerais dos agrupamentos de moradias económicas se integram harmonicamente nos planos de urbanização delineados pelas câmaras municipais ou pelo Estado.” 
Duarte Pacheco; Fonte: “doportoenaoso.blogspot.pt”



Bairros de Casas Económicas
 
 
Apoiada no Decreto-Lei n.º 23 052 de 1933, a Câmara Municipal, irá promover a partir de 1935 e até meados dos anos 50, um conjunto de 13 Bairros de Casas Económicas, interrompido, brevemente, pela experiência do Bloco da Rua Duque de Saldanha.
Estes bairros vão localizar-se nas freguesias da periferia exterior da cidade, relativamente próximos de fábricas nas freguesias de Cedofeita, Ramalde, Massarelos, Santo Ildefonso, Bonfim e Campanhã. Estas zonas da cidade irão ser servidas por transportes públicos contribuindo, assim, para a expansão da cidade.



“Em termos habitacionais, foram construídos 12 bairros económicos, em três fases distintas, correspondendo a 2378 casas (Almeida, 2010), a saber: bairros do Ilhéu (1935), das Condominhas (1937), do Amial (1938), da Azenha, Paranhos e Ramalde (1939), de Costa Cabral e S. Roque da Lameira (1942), de Gomes da Costa (1950), de António Aroso e da Vilarinha (1958) e o bairro do Viso (1965), o único em altura. A partir de 1938, verificou-se uma alteração de paradigma. O Estado limitou o investimento na construção de casas económicas, procurando atrair o capital privado, das instituições e previdência social e dos organismos corporativos (Matos, 1994)”.
Cortesia de Amândio Barros e Carla Loureiro


Segundo a legislação as habitações eram atribuídas em regime de propriedade resolúvel e amortizadas, em prestações mensais, durante 20 anos, e eram distribuídas por concurso aos chefes de família (que teriam idades compreendidas entre os 21 e os 40 anos), empregados, operários ou outros assalariados que fossem sócios dos Sindicatos Nacionais e funcionários do Estado, civis e militares, dos corpos e corporações administrativas e operários dos respectivos quadros permanentes.
A prestação das casas era avaliada de acordo com o rendimento de cada família (o custo das casas económicas obedecia ao princípio de as respectivas prestações se deverem comportar dentro das possibilidades do adquirente), bem como do nº do agregado familiar.
Deste modo, foram criadas casas com diferentes classes, onde variava o tipo de habitação, bem como o nº de divisões e respectivas áreas, de acordo com a família que iria ocupar a habitação.




Capa de Programa com ementa do almoço de confraternização dos moradores dos Bairros de Casas Económicas do Porto, no Palácio de Cristal, servido pela Legião Portuguesa, em 13 Março 1949



Os primeiros bairros Ilhéu, Condominhas, Azenha, Amial, Ramalde, Paranhos, são sobretudo constituídos pelas categorias A e B (Decreto - Lei nº 23052 de 23 de Setembro de 1933), destinadas a moradores de rendimentos mais baixos.
Com o DL n.º 28 912, que cria as categorias C e D, os bairros de Gomes da Costa, Vilarinha e António Aroso, são ocupados por moradores com rendimentos mais altos, nomeadamente funcionários do Estado.
As tipologias habitacionais eram as casas individuais, com jardim e quintal, como são exemplos, o bairro de Paranhos, Condominhas, Amial, Azenha, Costa Cabral, entre outros, cuja organização obedece a uma malha ortogonal onde se dispõem as casas individuais geminadas de um ou dois pisos.
A própria toponímia das ruas com nome de flores, de vilas e de rios, para além da forma arquitectónica, fazem lembrar o meio rural.



“A construção dos bairros foi também uma oportunidade de reforçar os laços simbólicos dos seus moradores com o país. Numa demonstração clara de um espírito nacionalista, centrado numa ruralidade idealizada, os nomes das ruas dos bairros evocavam elementos característicos de Portugal: flores (Ilhéu e Amial), árvores (Ramalde), rios (Paranhos), praias (Condominhas), ilhas do Império Português (Azenha), concelhos do distrito do Porto e Douro Litoral (Vilarinha e António Aroso), freguesias de Lisboa (Costa Cabral) e momentos da história nacional e da igreja católica (Gomes da Costa, Viso e S. Roque da Lameira). Novamente: esta tendência não era totalmente inédita, datando da I República a construção da colónia operária Estêvão de Vasconcelos (1914), perto do Carvalhido, ornada com nomes de castelos portugueses”.
Cortesia de Amândio Barros e Carla Loureiro


A qualidade das casas e a sua tipologia variava conforme a classe económica dos potenciais ocupantes, o que no fundo obedecia a uma estratégia de segregação espacial das diferentes classes, patente ainda no nível diferenciado das rendas praticadas.
Uma das positivas realizações decorrentes dos Bairros de Casas Económicas foi a construção de raiz de Escolas Primárias a maior parte segundo um projecto tipo do arquitecto Rogério de Azevedo, já que a maior parte das escolas até então funcionavam em edifícios adaptados, por vezes não oferecendo o mínimo de condições. Muitas dessas escolas edificadas, como os bairros, na periferia da cidade construída, encontram-se ainda em funcionamento.
Todos os bairros desta fase, com a excepção do Ilhéu, são acompanhados de uma escola primária. Todos, incluindo o Ilhéu, apesar das reduzidas dimensões, têm uma zona verde, um parque ou uma praça de usufruto comum. Em todos os bairros foi destinada uma casa para posto fiscal que, em alguns casos, acabou por ser utilizada como centro social ou cultural e recreativo.



O Bloco da Rua Duque de Saldanha 1937/40 - uma experiência sem continuidade, de habitação social colectiva


Em 1937, os Serviços Técnicos da Câmara Municipal projectam na Rua de Duque de Saldanha, um imóvel de 4 pisos, com uma planta em U, formando um largo pátio que se abre sobre a rua, com 115 apartamentos e por galeria exterior. A este primeiro projecto irá ser acrescentado um novo edifício implantado à face da rua fechando o conjunto e tendo o arco central por onde se acede ao pátio.
Este bloco irá contudo causar forte polémica, já que entrava em conflito com a ideologia que, sob a influência do regime nazi, o Estado Novo e o próprio Salazar, defendiam, que era contrária à tipologia do Bloco de habitação colectiva e ainda, por se localizar junto das ilhas que pretendia demolir, ou seja, no centro da cidade.



“Bloco” de Duque Saldanha em construção




Fachada com arco de acesso para a rua




O pátio interior visto a partir do arco de acesso ao pátio – Fonte: “doportoenaoso.blogspot.pt”



Apoiado na propaganda da Alemanha nazi e das suas realizações na habitação social recupera-se o livro "Casas Portuguesas" de Raul Lino publicado em 1933, como referência indispensável para um novo nacionalismo pequeno-burguês de inspiração nazi.




Livro de Raúl Lino – Fonte: “doportoenaoso.blogspot.pt”




Propaganda ao regime Nazi – Fonte “doportoenaoso.blogspot.pt”




As fotos acima têm como legenda: “Após o trabalho diário o operário alemão encontra sossego e recreio na casa própria e no seu jardim”.
No Porto, abandonada a experiência do Bloco de Duque de Saldanha e seguindo as ideias de Salazar e a influência da Alemanha Nazi, a Câmara Municipal vê-se obrigada a aceitar o modelo de casa individual, tendo-o aplicado no Bairro de Rebordões em 1941.




Bairro de Casas Económicas do Ilhéu ou Bairro de Casas Económicas Oliveira Salazar 1934/35


“O primeiro bairro de casas económicas no país foi construído na freguesia de Campanhã, entre 1934 e 1935 e ficou conhecido como o Bairro do Ilhéu, com um agrupamento de 54 casas da classe A, tipos 1 a 3, serviu de bandeira como exemplo a seguir.
Junto à Rua Matias de Albuquerque com acesso por S. Roque da Lameira.
Localiza-se na zona oriental da cidade, com as habitações dispostas ao longo de catorze ruas com nomes de flores, e algumas travessas de acesso às traseiras das casas com alçados posteriores, de hierarquia inferior. É constituído por cinquenta e quatro casas térreas, geminadas duas a duas, orientadas a SO / NE, de planta rectangular, com telhados de quatro águas, da classe A, sendo dez do tipo I, vinte e quatro do tipo II e vinte do tipo III, de superfície variável entre os 42 / 64 m2 a casa, e os 105 / 222 casa mais quintal. Este, localizado junto do alçado posterior, é delimitado por muro. Junto do alçado principal apresentam pequeno espaço ajardinado, alpendre, com conversadeiras, a proteger a entrada principal, e chaminé. Vãos rectos, com moldura saliente, em número variável conforme a tipologia, podendo apresentar na fachada principal porta e janela ou porta e duas janelas. A sua construção iniciou-se em 1934 e foi inaugurado em 1935”. 
Fonte: IHRU–DGEMN (Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana - Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais), In “doportoenaoso.blogspot.pt”




Bairro Oliveira Salazar



Em Campanhã no Ilhéu




Bairro de Casas Económicas das Condominhas 1934/35

Bairro das Condominhas



Condominhas, na esquina da Rua Âncora e Rua Estoril




“Bairro situado na freguesia de Lordelo do Ouro, tem as habitações distribuídas horizontalmente duas a duas ou em banda, ao longo de ruas de traçado rectilíneo, que integram praças, jardins e equipamentos colectivos como a escola primária. Todas as ruas de acesso às habitações convergem para a praceta (Largo da Póvoa do Varzim) onde está edificada a Escola”.
Fonte: IHRU – DGEMN, In “doportoenaoso.blogspot.pt”





Bairro de Casas Económicas do Amial 1938 e 1958



“O Bairro de Casas Económicas do Amial, na freguesia de Paranhos, sendo o maior destes bairros no Porto, foi construído em duas fases 1935/38 e 1957/58, organizando-se em torno de uma grande praça central, onde está instalada a escola primária de oito salas. Os arruamentos têm nomes de ruas de flores. A primeira fase, a poente, é constituída por trezentas e oito moradias da classe A e B, de um e dois pisos. A segunda fase é marcada pela construção de mais noventa e quatro moradias das classes A, B, C, e D, de dois pisos, distribuídas em banda ou geminadas duas a duas, desde a rua das Magnólias até à rua do Engenheiro Carlos Amarante. No total o bairro é constituído por quatrocentas e duas casas.
No interior todas as variantes dispõem de cozinha, e casa de banho variando esta em número, dimensão e equipamentos de acordo com as várias classes. Alguns casos da classe A, primeira fase, não dispõem de sala e na segunda a sala é comum. As classes B, C, e D dispõem de sala de estar e sala de jantar, tendo a classe D ainda um pequeno gabinete de estudo. O número de quartos varia consoante a tipologia podendo ir de um a quatro nas classes A e B, e de dois a cinco para as classes C e D, sendo um deles de recurso. Nestas variantes pode ainda existir vestíbulo, quarto de "criada" e respectiva casa de banho. Todas as divisões apresentam luz directa com excepção, nalguns casos, das casas de banho”.
Fonte: IHRU – DGEMN, In “doportoenaoso.blogspot.pt”


Bairro do Amial




Bairro de Casas Económicas da Azenha 1937/1939



“Agrupamento de moradias de renda económica, de planta triangular, rasgado por dezasseis ruas com nomes de ilhas portuguesas e de domínio português na época da sua construção, situa-se na freguesia de Paranhos. O triângulo é dividido ao centro por uma rua principal, longitudinal, a Rua de Santiago, que parte do vértice até à praça principal, onde se ergue a escola do Bairro ladeada por pequenas ruas transversais e paralelas”.
Fonte: IHRU – DGEMN, In “doportoenaoso.blogspot.pt”





Rua de S. Tiago, na Azenha, na actualidade




Marco comemorativo da inauguração do Bairro da Azenha




Centro do Bairro da Azenha




Escola Primária da Azenha

(Continua)

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