terça-feira, 30 de maio de 2017

(Continuação 2) - Actualização em 23/05/2018

17.6 Convento de Santo Elói ou Convento dos Lóios e Casa da Moeda

Este convento foi fundado em 1490 e situava-se, onde temos hoje, o Palácio das Cardosas.
Pertencia à Ordem dos Cónegos Seculares de S. João Evangelista, cujos religiosos eram reconhecidos pelos seus hábitos de cor roxa-azulada, e conhecidos como os evangelistas ou padres lóios.
No local da sua implantação passavam as muralhas fernandinas e, no interior da cerca, os padres lóios fundaram um convento no último quartel do séc. XV que seria conhecido por Convento Novo de Santa Maria da Consolação e, designado também, como de Nossa Senhora da Consolação do Porto por ter sido edificado junto à ermida com o mesmo nome e, que anos mais tarde, seria substituída por uma sumptuosa igreja com fachada para o Largo dos Lóios.
Segundo o padre Francisco de Santa Maria na sua obra "O céu aberto na terra", localiza a capela de Nossa Senhora da Consolação, que D. Violante Afonso ofereceu aos padres lóios para, a partir dela, fundarem o seu mostei­ro, "junto ao muro des­ta nobilíssima cidade e ao postigo chamado postigo da Fonte da Arca por estar fronteiro à céle­bre fonte deste nome". 
O convento foi fruto de uma doação a pedido do Bispo do Porto, D. João de Azevedo, que se deveu a Dona Violante Afonso, uma "autorizada e virtuosa" (rica e piedosa) dama, viúva de um caldeireiro e rico mercador cha­mado Martim Lourenço. As obras para a sua construção iniciaram-se no ano seguinte ao pedido.
Em 1493, o convento foi agregado à congregação e, em 1496, D. Diogo de Sousa, sucessor de D. João de Azevedo no bispado do Porto e também ele afeiçoado aos lóios, confirmou todas as doações e privilégios anteriormente concedidos à congregação.
Os padres lóios já tinham passado pelo Porto, mais propriamente por Campanhã, onde tiveram um mosteiro em 1420.
A Igreja Matriz daquela paróquia era o templo desse mosteiro. Até 1423 os padres tiveram o apoio do bispo Vasco II, mas quando este foi para arcebispo de Évora, os lóios recolheram a Vilar de Frades, em Barcelos, onde D. João Azevedo os foi buscar para o regresso ao Porto.
Ao convento do Porto foram anexadas numerosas igrejas e as suas principais rendas eram constituídas por dízimos.
Em 14 julho de 1764, em despacho de João de Almada e Melo, é definida a abertura de uma praça em frente do convento e a abertura de uma porta de acesso à mesma e em 1790 é modificada a frontaria do convento, voltada para a Rua da Natividade (actual Rua dos Clérigos), acrescentando-lhe duas pequenas torres.

Planta de José Champalimaud de Nussane do Largo dos Lóios e envolvente em 1790

Legenda:

1. Praça Nova das Hortas
2. Fonte da Natividade
3. Largo dos Lóios
4. Rua dos Clérigos
5. Rua do Almada
6. Rua Mendo Afonso
7. Rua do Correio
8. Postigo de Santo Elói
9. Porta de Carros
10. Complexo conventual (convento, cerca e igreja)
Nota: A linha amarela representa um troço da muralha Fernandina

O convento dava para o Largo dos Lóios. Ocupava o terreno desde este largo até à Porta de Carros, hoje Praça Almeida Garrett. Havia uma pequena passagem entre o convento e a Muralha que foi fechada devido aos perigos, assaltos e prostituição que aí havia. Quando a muralha foi demolida o convento ocupou este espaço até à Praça Nova das Hortas.
Por outro lado em 1794, aproveitando a demolição das muralhas que cercavam a cidade antiga, os frades pediram autorização para alterar a fachada voltada para a antiga Praça das Hortas, actual Praça da Liberdade, autorização que foi concedida e iniciadas as obras de alteração da fachada, em 1798, não tendo, porém, as mesmas sido concluídas pelos religiosos.
As obras do novo convento coexistiam com o primitivo que continuava a albergar a congregação.
Após as invasões Francesas, entre 1810 e 1822 o edifício é ocupado por tropas portuguesas que aí instalaram um hospital militar.
Do convento apenas chegou até hoje, a fachada que os frades começaram a construir já no séc. XIX. Com a abolição das Ordens Religiosas em 1832 (decreto exarado nos Açores) e devido às Lutas Liberais, os frades abandonaram as obras e o País. O edificado do convento entrou em ruínas e a Câmara tratou da sua demolição em 1838.
Em 1838, já após a extinção das ordens monásticas o Largo dos Lóios foi ligado à Rua das Flores por uma rua que começou por se chamar Rua D. Maria II e é a actual Rua Trindade Coelho.
Posteriormente a Câmara tomou posse e colocou à venda o edificado do convento, em hasta pública, sendo o seu comprador Manuel Cardoso dos Santos, um abastado negociante com fortuna feita no Brasil e que se comprometeu em acabar a fachada. Após a sua morte, por herança o edifício passou para a viúva e filhas.

Convento de Santo Elói e Capela de Nossa Senhora da Consolação – Desenho de Joaquim Villanova – 1833 

A partir desse momento passou a ser conhecido como o Palácio das Cardosas (referente às herdeiras) bem assim como o passeio anexo, que tomou o mesmo "apelido" popular.
A partir de 1850, co­meçou o Palácio a ser conhecido como o Pasmatório dos Lóios,  porque era para ali que marcavam encontro os dândis, os peralvilhos e os janotas da época para se mostrarem às meninas que iam à missa ou a "sabat mater", nos Congregados. Para estes ajuntamentos no pasmatório tam­bém contribuíam, e muito, a existência, ali muito perto, do botequim Guichard que fechou portas em 1857 e o botequim do Camanho que as teve abertas a partir de 1870.
Por aqueles dois cafés passou muita da nata da intelectualidade do tempo. Camilo Castelo Branco e o poeta Faustino Xavier de Novais; o célebre advogado Ale­xandre Braga e António de Amorim Girão, professor, eram alguns dos seus frequen­tadores habituais. Mas havia também lo­jistas e mercadores que ali iam para tratar dos seus negócios. 
Já nos começos do século XX, um outro grupo começou a tomar conta do pasma­tório.
Era o "Clube dos Encostados". Eram muitos. Ao findar da tarde, antes da hora do jantar, lá apareciam. Iam chegando, pau­latinamente, um após outro, inconfundí­veis no seu chapéu alto. Agrupavam-se em frente às instalações do antigo Banco Ferreira Alves & Pinto Leite. As conversas abarcavam um amplo leque de assuntos, da política, às novidades artísticas ou lite­rárias, mas os mexericos domésticos não passavam em branco.

“(…) Havia entre "os en­costados" lojistas, mercadores, um alfaia­te, estudantes, médicos, jornalistas, no­meadamente do "Diário da Tarde" que ti­nha a Redação ali mesmo ao lado e cujos redactores frequentavam uma alfaiataria mesmo aí situada a “Alfaiataria Costa Lima” 
Um acontecimento fortuito viria a dar origem à alteração do nome do grupo. Foi o caso que, em 1908, andou de visita ao Porto o rei D. Manuel II. Houve um dia em que o monarca foi assistir ao desfile das tropas em parada na Praça da Liberda­de. O rei presenciou o desfile a cavalo e a montada foi colocada exatamente no lo­cal em que "os encostados" costumavam reunir-se, em frente ao Banco Ferreira Al­ves & Pinto Leite. A partir daí, a denomi­nação passou a ser "Real Clube dos Encos­tados"”. 
Fonte: Germano Silva, In JN


O Convento de Santo Elói confrontava a sul a actual Praça da Liberdade que se designou primitivamente por Casal ou Lugar de Paio de Novais, Sítio ou Fonte da Arca, denominando-se, mais tarde, por Quinta, Campo ou Sítio das Hortas. Foi ainda Lugar ou Praça da Natividade, Praça Nova das Hortas, Praça da Constituição, Praça Nova e de D. Pedro IV e, mais recentemente durante algumas semanas, Praça da República.
Ao longo dos anos, o Largo dos Lóios, surgido em terrenos do antigo convento, sofreria diversas transformações, como atestam as fotos seguintes.
 
 
 

Intervenção no Largo dos Lóios, em 1894


 
 

Pavimentação do Largo dos Lóios, em 1939
 
 
 
Actualmente, toda a zona do Largo dos Lóios foi alvo de uma recuperação urbanística a cargo do gabinete de arquitectura, Ferreira de Almeida, no qual, o palacete das Cardosas, foi transformado num hotel de 5 estrelas e, os edifícios de todo o quarteirão, alvo de recuperação.
Sobre esta intervenção urbanística diz Germano Silva:


“Pois é. Vamos aguardar a ver se as obras que aí vêm irão, ou não, ajudar a desvendar o mistério que rodeia umas tantas histórias já lendárias de cadáveres enterrados na cerca do mosteiro e no interior da própria igreja. 
É que, logo a seguir à demolição dos anexos, virão os arqueólogos para pesquisar, entre outros, o sítio onde se vai construir o parque de estacionamento. O que se pede e se espera é que esse trabalho se realize com toda a profundidade de modo a que ajude a esclarecer muitas histórias que ainda permanecem envoltas na névoa do mistério e da dúvida. 
Por exemplo em 1808 o corpo do general D. Francisco Taranco e Lhano, comandante da divisão da Galiza que ocupava o Porto, foi sepultado no jazigo que o visconde de Balsemão (o do palacete da Praça de Carlos Alberto) tinha na igreja dos frades Lóios. Durante a usurpação de D. Miguel também ali terão sido guardados os restos mortais do general Bernardo da Silveira. Em 1838  a igreja foi demolida por estar em ruína e ser uma ameaça pública. Quando se tentava saber o que fora feita do túmulo do Balsemão e dos cadáveres que lá estavam, um cronista da época (Peres Pinto) não teve dúvida em afirmar que essas "ossadas e entulhos estavam a descansar no aterro da praça ou mercado do Bolhão…" 
Mas há notícias de muitas outras sepulturas no corpo da igreja e na cerca do convento dos padres Lóios, muitas delas de difícil localização. Por exemplo, "na casa do Capítulo, junto ao claustro" foi sepultado D. Manuel de Sousa, que foi arcebispo de Braga; Filipe Gonçalves, cidadão do Porto, "morador defronte da Porta do Olival, da parte de dentro" teve sepultura em Santo Elói onde instituiu um morgado a que vinculou as suas casas da "Travessa que vai dos Coronheiros (actual Rua da Vitória) para a Rua das Flores. Ao pé de um altar colateral, do lado do Evangelho, esteve sepultada D. Maria… mulher do dr. Estêvão Monteiro da Costa a qual morreu em Junho de 1693; e "no cruzeiro, junto às grades" ficava a sepultura, coberta com lâmina de latão e com as armas dos Correias de Mariz, de Francisco Correia de Mariz.
António da Costa, barbeiro e sangrador, morador na Rua dos Canos (a parte da Rua das Flores que vai da Praça de Almeida Garrett até à Rua de Trindade Coelho) para ser sepultado em Santo Elói deixou ao convento o seu casal da Quinta, em S. Cosme, Gondomar. 
Enfim, tantas cinzas veneráveis de cujo destino muito pouco se sabe após a venda do mosteiro e a demolição da igreja”.

Já em 1691, a municipalidade do Porto e o Capítulo da Sé-Catedral tinham lançado o projecto de estabelecer no Campo das Hortas, propriedade do Cabido, uma praça pública, entre a Porta de Carros e o Postigo de Santo Elói. O projecto não foi por diante, tendo sido retomado em 1709, pelo então Bispo do Porto, D. Tomás de Almeida, que propõe a abertura de uma praça de formato quadrangular digna de "rivalizar com a Plaza Mayor de Madrid".
Tratava-se do primeiro grande empreendimento urbanístico de Portugal. Chegaram mesmo a efectuar-se os contactos de aforamentos das parcelas a construir e a lançar os alicerces de alguns dos edifícios, contudo, por dificuldades várias também este projecto não teve continuidade.
Em 1718 novo projecto foi lançado, cuja realização teve início quando o cabido da Sé cedeu, a 17 de Fevereiro de 1721 terrenos seus, expressamente para uma praça.
Novas ruas foram então abertas - a Rua do Laranjal das Hortas (futura Rua de Santo António dos Lavadouros e posteriormente, Rua dos Lavadouros, hoje desaparecida) e a Rua da Cruz (actual rua da Fábrica).

“Da concretização deste projecto resultaria a Praça Nova das Hortas (ou só Praça Nova) limitada a Norte por dois palacetes (desaparecidos), onde funcionaram os Paços do Concelho até 1915; a Sul pela muralha fernandina, destruída mais tarde em 1788 e substituída por um conjunto monumental - o convento dos Frades de Santo Elói - cuja fachada sobre a praça constitui o edifício "da Cardosa", só terminado no século XIX, mas obedecendo ao primitivo projecto - a praça "tout-court". O lado oriental era ocupado pelo Convento dos Congregados, e o lado poente só mais tarde foi edificado. 
Durante o século XIX, factores vários - a instalação da Câmara no topo Norte (1819); a inauguração da Ponte de D. Luís (1887); a extensão da via- férrea até S. Bento (1896) - contribuem para tornar a Praça definitivamente num importante centro político, económico e sobretudo social”. 
Fonte, Site: “patrimoniocultural.gov.pt”


Em meados do século XIX, a Praça era já o "ponto predilecto de reunião dos homens graves da política e do jornalismo, da alta mercância tripeira e dos brasileiros". 

Predominavam os botequins: "Guichard", "Porto Clube", "Camanho", "Suíço", "Europa", "Antiga Cascata", "Internacional", etc., aos poucos desaparecidos em consequência da profunda reestruturação daquela área, onde as entidades bancárias, companhias seguradoras ou escritórios conquistaram o seu espaço. 
O Dr. Eugénio de Andréa da Cunha e Freitas, numa interessante monografia que escreveu sobre o Convento dos Lóios, termina um dos capítulos da seguinte maneira:

"… agora, na Casa de Deus, em vez dos honrados frades de Santo Elói, estão os gordos e opulentos senhores da Finança e da Indústria, perturbando, na febre do negócio e do lucro, o eterno descanso de tantas cinzas veneráveis que ali jazem…" 


Por outro lado diga-se que, as obras para levantamento da Avenida dos Aliados, iniciaram-se no dia 1 de Fevereiro de 1916 com a demolição do edifício que serviu de Paços do Concelho, a Norte da Praça da Liberdade, acompanhada do desaparecimento das ruas do Laranjal, de D. Pedro, etc. 
Ao cimo da Avenida foram erguidos os modernos Paços do Concelho, edifício em granito e mármore, levado a cabo pela primeira vereação republicana saída do 5 de Outubro de 1910. Foi um projecto do arquitecto António Correia da Silva (1920).
No seu todo, resultou um conjunto urbano monumental, de particular interesse histórico e artístico, que todos hoje usufruem.

Casa da Moeda

É de referir ainda que no convento dos padres lóios em 1832, durante o cerco do Porto, esteve instalada no edifício a casa da moeda. 


Breve história da Casa da Moeda no Porto


Moedas cunhadas no Porto – Fonte: “portoarc.blogspot.pt”; In História do Porto de Luís Oliveira Dias

Aliás, desde 9 de Junho de 1688 que, por meio de um alvará, o rei D. Pedro II tinha recomendado à Câmara do Porto o restabelecimento nes­ta cidade da Casa da Moeda, que havia sido extinta por volta de 1654, ou seja, nos últimos anos do reinado de D. João IV. 
A padroeira dos moedeiros era Sant'Ana e o altar onde se venerava a sua imagem ficava na Igreja de S. Lourenço (Igreja dos Grilos) e aí, tinha sede a sua confraria.


(Continua)

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