O Molhe de Carreiros, que haveria de dar existência ao Porto
de Carreiros, composto, na realidade, por dois molhes contíguos, tem um
comprimento total de 165 metros, cabendo ao molhe baixo 115 metros, e ao molhe
alto 50 metros.
O Porto de Carreiros tinha uma importância fundamental para
embarques e desembarques de mercadorias e passageiros, quando tal se mostrava
impossível de ser executado, durante os temporais que assolavam a entrada da
barra do Douro. De notar, que o porto de Leixões, ainda era um sonho, começado
a ser concretizado em 1882.
Segundo investigações do engenheiro Henrique Vieira de
Oliveira, o início das obras do Porto de Abrigo de Carreiros, seria em 1825,
com uma primeira fase concluída em 1862.
Neste período, em 1833, durante o Cerco do Porto, este local
revelou-se fundamental, pois, neste ponto da costa, foi possível ao exército
sitiado movimentar alguma logística.
Naquele ano, os trabalhos de edificação do molhe eram
inexistentes, pois, segundo Adolpho Loureiro, um entendido nestas matérias, dizia:
“Depois da restauração
do governo legítimo…em 1838, só havia aplicáveis os fundos destinados ao
varadouro de Carreiros”.
Ainda assim, era possível, devido às condições naturais do
local, tirar algum proveito do mesmo.
Em 1869, o engenheiro Afonso Nogueira Soares toma conta da
obra e, em 1882, é concluído o prolongamento do paredão, que passa a apresentar
o seu molhe alto.
Em 1884, é lançado concurso para fornecimento do gradeamento
do molhe alto. Ganhou a fundição “Devesas-Porto”, o que era observável na base
de algumas das suas colunas.
Os dois molhes não estão alinhados, apresentando um desvio
de 7 graus, que deve ter sido determinado pela disposição dos afloramentos de
rocha no qual assenta.
Em 1989, o engenheiro Henrique Vieira de Oliveira, natural
de Nevogilde, solicitou à APDL (Administração dos Portos de Douro e Leixões)
que fosse colocada no piso do molhe baixo uma placa com a orientação Norte-Sul
e de uma placa de bronze, à entrada do molhe alto, com a história breve sobre o
Porto de Carreiros.
Placa indicativa da orientação Norte-Sul cravada no piso do
molhe baixo – Ed. Graça Correia
Placa de bronze, à entrada, à esquerda, do molhe alto
Reprodução do texto da placa de bronze
Molhe de Carreiros c. 1900
Na foto acima, é possível verificar que, no molhe baixo (na
sua parte mais estreita, na rampa de acesso à praia), à sua entrada, à esquerda,
existiam dois bancos de pedra colocados contiguamente.
Em primeiro plano, é possível observar-se que os dois bancos
de pedra, no início do molhe baixo, em 08 Novembro de 1931, já foram
substituídos – Foto de Rodolfo Silva; colecção de João Macedo Silva; Fonte:
“Achegas para a História do Porto de Carreiros” de Henrique Vieira de Oliveira
O Molhe de Carreiros - Ed. José Fernando Magalhães
Na foto acima, é possível ver, em primeiro plano, um dos
bancos de pedra que substituiu um outro, que tinha desaparecido. Simetricamente
(do lado direito da foto) encontra-se o outro, que não está visível.
Pode ainda apreciar-se, o desvio entre os molhes baixo e
alto e o afloramento rochoso que invade um pouco o molhe baixo, e que é chamado
de “Flor Granítica”.
Foi assim, que
Ramalho Ortigão (1836/1915), portuense e habitual frequentador da Foz, escreveu
a propósito desse rochedo, que possui uma lápide alusiva:
“No paredão do
quebra-mar sobressai da superfície plana da cantaria uma ponta da rocha negra,
áspera, duramente recortada, como uma grande flor granítica.
Essa rocha, em
que eu me sentei em criança, com o meu chapéu de palha, e o meu bibe cheirando
ao algodão novo azul e branco da Fábrica do Bolhão, reconheci-a com a mesma
ternura saudosa com que se torna a ver um velho móvel de família! Boas pedras!
Entre tantas cousas que desapareceram, ou se transformaram, umas para mal
outras para pior, vós, somente, persistis como éreis! Servistes de canapé a
minha avó, que muitas vezes me trouxe aqui pela mão, pensativa e triste, porque
já a avó dela a trouxera também em pequena a ver o mar, deste mesmo sítio…Eu
vos abençoo e peço às vagas do mar e ao fogo do céu, que vos poupem, até que os
que descendem de mim, que não tenho eira nem beira nem ramo de figueira que
testar aos netos, venham encontrar no vosso conhecido relevo amigo a lembrança
que em vós fica daqueles que passam, como fica num travesseiro tépido o
vestígio da cabeça de um ente amado…”.
Embarques e desembarques no Porto
de Carreiros
Na crónica de uma viagem da carreira de navios a vapor, de
propulsão por rodas, da “Companhia a Vapor da Península” que
ligava, então, o porto do Sul de Inglaterra, Southampton, com Lisboa, tocando
na Corunha e em Vigo, fundeando em frente à Foz do Douro, seguindo depois para
Lisboa, dizia-se:
“As sobras da noite
tinham acabado de cair sobre o mundo (como cantam os poetas) quando chegamos ao
largo da Foz do Douro.
A escuridão tinha
pouca importância, pois a noite estava bela, o mar calmo, e Nossa Senhora da
Luz brilhou benignamente para tornar bem-vinda e guiar a nossa rota.
Este farol está sobre
um monte a cerca de um quarto de milha da Foz do Douro, do lado norte, e logo a
seguir à localidade de S. João da Foz.
As rodas de pás
pararam, e um tiro de canhão foi dado para chamar a atenção de um piloto, cujo
barco se mantem sempre pronto para desembarcar os sacos de correio e os
passageiros. (…)
(…) O conjunto da
casas caiadas, com uma igreja no meio, o farol num monte à esquerda, e o
castelo baixo que guarda a entrada do rio à direita, é a povoação de banhos,
pesca e pilotagem de S. João da Foz.
Observa-se outra
elevação para norte do farol (Monte Crasto).
Poucos centos de
jardas mais para norte aparecem alguns abrigos de barcos, e aqui um belo molhe
de pedra entra pelo mar formando um porto pequeno para barcos. (Molhe de
Carreiros).
Neste molhe construído
ultimamente, quando a corrente do rio é demasiado forte, ou o mar está muito
agitado na barra, para se entrar com segurança, o navio do correio desembarca
os sacos e os passageiros.”
Catraia. Era o barco usado para ir buscar o correio ao largo
e fazer o transporte de passageiros - Fonte: Portugal Illustrated. Rev. W. Kinsey B. D. 1829
Numa outra descrição de um desembarque no Porto de
Carreiros, Dorothy Wordsworth filha do
famoso escritor e poeta romântico inglês William Wordsworth descreve na sua
obra “Diário de uma viagem a Portugal e ao Sul de Espanha”:
Chegada ao porto de
Carreiros do vapor Queen, em 12 de
Maio de 1845
Em 1 de Abril de 1846, Dorothy Wordsworth, ainda no porto de
Carreiros, embarcava no Queen rumo a Inglaterra.
Desde uma pousada dirigida por uma irlandesa, casada com um
português, situada na Rua Direita, até ao bote (catraia) que a conduziu a ela e
aos companheiros de viagem, o trajecto foi cumprido a pé.
Molhe de Carreiros no fim do século XIX
O Farol da Senhora da Luz e um alinhamento de 2 marcas de
pedra, uma situada num rochedo e outra na então Estrada de Carreiros,
permitiram ao longo dos anos a entrada no Porto de Carreiros.
O Farol da Senhora da Luz foi construído junto da Ermida da
Senhora da Luz, à época, existente no mesmo local.
Situa-se no Alto do Monte da Luz, ao cimo da Rua do Farol.
Farol de Nossa Senhora da Luz em 1833 – Gravura de Joaquim
Vilanova
Alto do Monte da Luz, actualmente – Fonte: Google maps
As “Marcas”, dentro das elipses desenhadas, permitiam o alinhamento para
a entrada no Porto de Carreiros
“Marca” de pedra assente num rochedo
“Marca” na Avenida Brasil
Nota: As informações baseadas nos estudos do Engenheiro Henrique
Vieira da Silva, bem como, a transcrição da crónica do desembarque do navio da
"Companhia a vapor da Península", foram obtidas por consulta da obra daquele estudioso, intitulada "Achegas para a História do Porto de Carreiros", da qual foram impressos 100 exemplares numerados, patrocinada pelo grupo "RAR" e com a colaboração da Junta de Freguesia de Nevogilde, Associação de Cultura e Turismo da Foz e Progresso da Foz.
Crónica útil. Poderia ter citado claramente a origem e a localização das informações (nomeadamente a do livro do Eng° Oliveira e a Crónica da Companhia a Vapor da Península"). Como nota crítica (alás repetida por vários estudiosos da cidade e do Cerco do Porto) o facto de a Praia do Molhe não dever ter sido a dos desembarques de alimentos e armas para os sitiados no Porto. Isto porque esta praia é dominada pelas alturas do Monte do Crasto, onde havia forte bateria miguelista. As praias do Castelo e dos Ingleses seriam provavelmente as preferidas (a da Luz e do Ourigo são muito pedregosas para o efeito).
ResponderEliminarPor concordar com a sugestão que me faz, acabo de verter, no lançamento acima, as informações que reclamou. Aliás, devia tê-lo feito de início, até pelo facto de ser portador de um exemplar da obra do engº Henrique Oliveira, desde da sua publicação e ser,assim, fácil fazê-lo. Aproveito para lhe agradecer as suas amáveis palavras e espero poder continuar a merecer as suas visitas a este blogue que faço com todo o denodo e carinho. Cumprimentos
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