terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

25.148 Uma agência de passagens e passaportes com história

 
A primeira agência de viagens no mundo a abrir um estabelecimento de atendimento ao público foi fundada em 1840, na cidade do Porto, por Bernardo Luís Vieira de Abreu (1801-1878), nascido no lugar de Ortezelo, freguesia de São Salvador de Rossas, concelho de Vieira do Minho, no dia 27 de Fevereiro de 1801.
Na realidade, esta empresa como “Agência de Viagens” terá existência, apenas, a partir de 1948, quando a legislação o permitiu.
Antes, as empresas eram “Agências de Passagens e Passaportes”.

 
 
Bernardo Luís Vieira de Abreu


 
O grande desenvolvimento experimentado pela firma que Bernardo Abreu fundou, em 1840, foi desde sempre devido a um aumento exponencial da emigração para o Brasil, nomeadamente, a que se fazia das regiões setentrionais do país, que saía pela barra do Douro, mas, também, a que tinha origem no porto de Lisboa.
O minhoto Bernardo Luís Vieira de Abreu, dado como estando no Brasil, em 1822 (data da independência), em 1828, já estaria regressado ao Porto, pois, nesse ano, terá contraído matrimónio com Francisca de Jesus.
O texto seguinte, dá-nos conta das moradas que a família Abreu foi ocupando em meados do século XIX, na cidade do Porto e na forte possibilidade de o seu negócio ter passado, a partir de 1840, pela Rua do Loureiro, sendo, porém, de 8 de Novembro de 1848, a data conhecida do primeiro registo de abonação de passaporte feito por Bernardo de Abreu.

 
 
Fonte: Agência Abreu – Uma viagem de 175 anos

 
 



A Rua das Hortas em 1850. Gravura baseada numa descrição de Ramalho Ortigão – Ed. Companhia Portuguesa Editora (Estudo crítico sobre Camilo Castelo Branco)
 
 
 
 
 
Perspectiva sobre o Largo de S. Bento das Freiras, obtida a partir da Rua do Loureiro – Gravura de George Vivian, 1839
 
 
 
Fruto do conhecimento que tinha daquele país sul-americano, Bernardo Abreu viu nas viagens para aquele destino uma hipótese de negócio próspero, que acabaria por estar, sempre, ao longo dos anos, nas mãos da mesma família, preenchendo todos requisitos, de facto, de uma verdadeira empresa familiar.
O endereço comercial de Bernardo de Abreu localizando-se na Rua do Loureiro teria, também, nessa rua, a sua residência desde 1867.


 
Casa na Rua do Loureiro, n.os 75 a 79, onde residiu e faleceu Bernardo Luís Vieira de Abreu
 
 
 
Ainda em vida de Bernardo Luís Vieira de Abreu, em 1897, o seu filho Daniel Luís Vieira de Abreu tinha já assumido a direcção da agência.
A vida de Daniel Abreu encontrar-se-á, para sempre, ligada a um acontecimento que correu mundo.
Trata-se do envenenamento de uns familiares do conhecido Dr. Urbino, residentes na Rua das Flores.
Assim, foi Daniel Abreu que vendeu as passagens para o Brasil, num dia do mês de Março de 1890, a Manuel Bento Brito e Cunha, uma testemunha capital no processo judicial contra o médico portuense Urbino de Freitas, acusado de ter envenenado a sogra e sobrinhos.
O caso ficaria conhecido como o “Crime da Rua das Flores”.
 
 
 
In “Jornal de Stº Tirso”, em 2 de Janeiro de 1896
 
 
A Bernardo Abreu suceder-lhe-ia à frente da firma, o filho Daniel Luís Vieira de Abreu (18781902), a que se seguiria Aníbal Vieira de Abreu (19021908) e seus sucessores (19081924) e, entre 1924 e 1973, os irmãos Augusto e Aníbal Lopes Vieira de Abreu.
Durante alguns anos, a Casa Abreu vai peregrinando por várias moradas da Rua do Loureiro e não só.


 
Daniel Luís Vieira de Abreu, na Rua do Loureiro, nº 5 - In “Gazeta de Notícias”, Porto, 1 de Janeiro de 1894
 
 
Sobre a égide de Daniel Luís Vieira de Abreu, a empresa continua o seu trajecto ligado às viagens, mas o negócio sofre, também, uma pequena deriva.
 
 
“Na década de 1890, Daniel Luís Vieira de Abreu promoveu o alargamento e diversificação dos seus negócios, aproveitando a estrutura existente para comercializar, a nível nacional e internacional, produtos das mais diversas naturezas, bem como para dinamizar a atividade das representações comerciais.
Nesta aventura terá tido a colaboração, se não mesmo o incentivo, do seu filho mais velho, Daniel Luís Vieira Mascarenhas de Abreu, então proprietário e diretor do periódico Gazeta de Notícias, onde foram publicados os anúncios que revelam esta nova faceta empresarial da família. O arranque da iniciativa materializou-se na criação, em março de 1893, do Centro Mercantil, Industrial e Agrícola, profusamente publicitado na edição da Gazeta de 13 de março daquele ano.
O Centro Mercantil, Industrial e Agrícola tinha escritório na Rua do Loureiro, 106-1.º (uma das direções comerciais de Daniel pai era no n.º 104 – o outro número de polícia do mesmo prédio), endereço à época do próprio periódico Gazeta de Notícias, e dispunha de agentes em Portugal e no estrangeiro, sendo contudo apenas nomeado o de Lisboa: tratava-se da firma Monteiro & C.ª, sita à Rua dos Retroseiros, no 1.º andar do n.º 75”.
Fonte: Agência Abreu – Uma viagem de 175 anos
 
 
 
In “Gazeta de Notícias”, Porto, 2 de Setembro de 1895
 
 
 
Pai de treze filhos, Daniel Abreu foi protagonista de dois relacionamentos paralelos durante 25 anos.
Em 1867, casa com Ana Rita Vieira e, em 1894, após 2 anos de viuvez, com Claudina Cândida da Silva, com quem vivia em união de facto, há muitos anos.
Tendo enviuvado, assumirá no altar o relacionamento extra conjugal que vinha mantendo há anos.
Assim, um seu filho dessa relação extra conjugal, de seu nome Aníbal Vieira de Abreu, nasce em 1876.
Em 1898, Daniel Mascarenhas de Abreu Júnior, filho primogénito do 1º casamento, desentende-se com o seu pai e estabelece-se por conta própria.
Para além da actividade comercial, Daniel Abreu Júnior desviava a sua atenção para algumas actividades culturais, tendo sido administrador da revista literária “Eco da Juventude”, publicada no Porto em 1883, com sede na Rua do Loureiro, nº 56, e fundado, ainda, em 1889, o “Boletim Anunciador”, com sede na morada da firma de seu pai.
Mas, seria o periódico “Gazeta de Notícias”, publicado durante 14 anos, até 1904, que viria a prender a atenção de Daniel Abreu Júnior.
 
 
“Este periódico começou a publicar-se a 19 de maio de 1890 e, até novembro, a redação e administração situavam-se na Rua do Loureiro n.º 58-1.º (portanto, no andar de cima da firma do pai), mas nos anos seguintes conheceu diversas localizações na mesma Rua do Loureiro em diferentes números – 104, 106 (endereços do Centro Mercantil, Industrial e Agrícola), 162-1.º; Rua do Cativo; Travessa das Laranjeiras, n.º 19, à Foz; Rua da Madeira, n.º 47 e 49; Rua da Bela Vista, n.º 82 e Passeio Alegre, n.º 113.
A Gazeta de Notícias manteve publicação durante catorze anos, até outubro de 1904, embora com várias interrupções e algumas alterações na periocidade e nos subtítulos que adotou. Apesar de a publicidade não ter neste jornal a dimensão que assumira no Boletim Anunciador, também foram publicados anúncios de outros agentes de passagens que, em certa altura,
vão rareando, tornando-se novamente mais frequentes em 1895, para posteriormente desaparecerem, mas mantendo-se os relativos à firma de seu pai”.
Fonte: Agência Abreu – Uma viagem de 175 anos
 
 
 
Falecido, em 1902, sem testamento, Daniel Luís Vieira de Abreu originará um conflito entre os membros das suas duas famílias.
Suceder-lhe-á no negócio um dos seus filhos do 2º casamento, de seu nome Aníbal Vieira de Abreu, que morreria cedo, em 1908, mas que já trabalhava desde a adolescência com o seu pai e que substituiria ao comando da firma, aquando da doença daquele.
Aníbal Vieira de Abreu, nascido em 1876, viúvo, vivia à data do falecimento do pai, com sua mãe Claudina Cândida da Silva Abreu, na Rua de Costa Cabral, nº 238.
A 3 de Outubro, morre Aníbal Vieira de Abreu, com apenas 32 anos, vítima de congestão pulmonar.
A sua mulher Anália da Conceição, com quem tinha casado em segundas núpcias, em 1904, e com a qual tinha tido três filhos, assume a condução dos negócios.
Em 1915, O “Almanaque do Porto e seu Distrito” refere ser Anália da Conceição Vieira de Abreu a “única” representante e proprietária da empresa com origens na fundada por Bernardo Abreu, em 1840.
Em 29 de Outubro de 1922, no Jornal de Noticias, um anúncio publicita pela primeira vez a denominação “A. Abreu” e, em 1924, por morte de Anália Abreu, a gestão da firma, com escritório na Rua do Loureiro, nº 40, passa para os seus filhos Augusto e Aníbal Lopes Vieira de Abreu.
Em 1940, era já chegado o centenário.
É o jornal “O Comércio do Porto” que, em 7 de Abril de 1940, faz alusão ao centenário da Agência Abreu, em artigo cujo título é:
 
“Um século de vida comercial. A reputada e conhecida Agência Abreu comemora, este ano, 100 anos de trabalho honesto”.
 
 
 
Já Ercílio Azevedo, na sua rubrica “Memória dos anos 40”, publicada na revista “O Tripeiro”, em 1992, apontava o dia 6 de Abril de 1940, para evocar o mesmo facto:
 
 
“A Agência Abreu, fundada há cem anos por Bernardo Luís Vieira de Abreu, está em festa. Depois daquele difícil começo no prédio número 40 da Rua do Loureiro, a instituição prosperou sempre e hoje encontram-se à frente dela os bisnetos do fundador, Aníbal e Augusto de Abreu”.
 
 
Escritório no 1º andar da Rua do Loureiro, 38-40, em 1952
 
 
 
Como as instalações na Rua do Loureiro já se revelassem muito exíguas, em 1959, ocorreu a mudança para um novo estabelecimento, sito na Avenida dos Aliados, n.º 207.

 
 
Instalações da Agência Abreu, na Avenida dos Aliados, no edifício “Garantia”


 
Para a instalação na nova loja foi contratado o conceituado arquitecto Viana de Lima, que realizou a obra em 1958, e presidiu à ampliação das instalações em 1967, com a colaboração do pintor Júlio Resende.
 
 
 
Fresco do pintor júlio Resende, nas instalações da Agência Abreu, na Avenida dos Aliados
 
 
 
 
“Nos anos 1960 e 1970, o crescimento da Agência Abreu deu-se em função de três importantes fatores: a sua atividade no Brasil, que representou, de facto, tempos marcantes para a Empresa, como se aprofundará mais à frente; a emigração portuguesa para o Brasil e Europa (França, Bélgica, Luxemburgo e Alemanha), fazendo da Agência Abreu uma referência inultrapassável junto dos emigrantes; e, finalmente, mas não menos importante, o incremento dos famosos circuitos europeus”.
Fonte: Agência Abreu – Uma viagem de 175 anos
 
 
Na década de 1960, inicia-se a expansão para outras paragens.

 
 
Primeira sucursal da Agência Abreu, em Lisboa, autorizada por despacho do diretor-geral do turismo, datado de 18 de Julho de 1962

 
 
Sucursal da Agência Abreu, em Coimbra, 1964


 
Capa de brochura-ilustração do pintor Júlio Resende
 
 
 
“Após a morte de Aníbal Lopes Vieira de Abreu, nos inícios de 1973, e do afastamento voluntário do seu irmão, recaiu sobre os três filhos do primeiro – Aníbal, Alberto e Artur – a responsabilidade da condução dos negócios da Agência Abreu. Tinham então 40, 32 e 22 anos, respetivamente, pelo que a experiência que possuíam neste domínio era necessariamente diferente. O mais velho assumiria um papel de destaque, já que trabalhava na Empresa desde os 24 anos, enquanto o mais novo só se iniciou em tais funções após a morte do pai.
A direção tripartida da Agência Abreu localizou-se entre Portugal, Brasil e Estados Unidos da América.
(…) Em julho de 1991, a Viagens Abreu, Ltd.ª, que já levava algumas décadas de existência, converteu-se em sociedade anónima, dando lugar à Viagens Abreu S.A., detendo a Família Abreu a totalidade do capital”.
Fonte: Agência Abreu – Uma viagem de 175 anos
 
 
 
 
Em 13 de Setembro de 2013, seria descerrada, em Rossas, Vieira do Minho, a placa da nova Rua Bernardo de Abreu, justamente, aquela onde nasceu, em 1801, o fundador de um escritório situado na cidade do Porto destinado ao negócio de passagens e passaportes.
A Agência de Viagens Abreu prosseguindo, nos nossos dias, nas mãos da mesma família, continua a fazer parte do quotidiano dos portuenses, presentemente, junto à igreja da Trindade, Pinheiro Manso, Antas, Shopping Campus S. João, Bom Sucesso, Alameda dos Campeões, Via Catarina, Foz, Matosinhos, Norte Shopping, Arrábida Shopping…e numa série de outras lojas por todo o País.

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