Assistência às vítimas
Nestes tempos de
guerra, organizações como a Cruz Vermelha, a Sociedade Humanitária, a Comissão
de Assistência Pública ou então as recém-fundadas, Cruzada das Mulheres
Portuguesas, a Société Amicale Franco-Portugais e a Associação de Assistência
às Vítimas da Guerra ficaram com as suas intervenções gravadas para a
posteridade.
No entanto, em Março
de 1916, categorizadas personalidades da sociedade portuense se juntariam para
fazer nascer a "Junta Patriótica do Norte", cujo objectivo principal
era a assistência-socorro às vítimas da Guerra e que se destacaria das demais.
Seria o Dr. Alberto
de Aguiar a lançar aquele que, para lá de um movimento de exaltação patriótica
(propondo-se glorificar e alentar os que partiam para os campos de batalha) pretendia,
ao mesmo tempo, amparar os filhos dos que perdessem a vida ao serviço da
Pátria.
“A Junta Patriótica do Norte surgiu de um
movimento patriótico no seio da Câmara Municipal do Porto e foi aberto a todos
os portuenses que nela quisessem participar e seguir os seus ideais. Apesar da
Junta Patriótica do Norte não ter qualquer filiação partidária, vai nascer
quando o Dr. Henrique Pereira de Oliveira presidia à edilidade, tornando-se
vice-presidente da mesa das reuniões plenárias. O projeto inicial da sua
fundação contou com vários professores da Universidade do Porto, elementos da
função pública ligados à Câmara do Porto e ainda comerciais e industriais”.
Cortesia de Ana
Sofia Veiga Peniche
Na sua actividade de
propaganda, a Junta Patriótica do Norte promoveria reuniões e a distribuição
massiva de manifestos em papéis
avulsos ou afixados em placards.
Estes materiais
propagandísticos foram produzidos entre 20 de Abril de 1916 e 14 de Julho de
1918, num total de quinze manifestos e nove placards, embora se desconheça o
número de exemplares impressos.
Outro modo também
usado para divulgar a mensagem, utilizava as sessões cinematográficas
realizadas em cinemas e teatros da cidade do Porto, divulgando imagens dos
palcos de guerra protagonizadas pelo exército aliado.
Os fundos
necessários ao êxito deste empreendimento tinham várias origens.
“No que toca a angariações ordinárias,
destacam-se: a grande subscrição, a cotização mensal, a subscrição ao Núcleo
Infantil e a subscrição além fonteiras, em vários núcleos. A grande subscrição
era feita por cerca de 1250 individualidades e empresas e as verbas iam dos 10
até aos 500 escudos. Desta forma se conseguiram substanciais donativos, que
visavam ajudar a realização de obras de vário tipo; até 30 de setembro de 1918
renderam cerca de 28 191 escudos.
A cotização mensal era
paga por 385 quotizantes, mas os seus valores mensais eram diferenciados,
oscilando entre 10 centavos e 10 escudos. Até 1918, as cotas perfizeram um
montante superior a 4513 escudos. A subscrição ao Núcleo Infantil contava com
251 subscritores e a verba apurada tinha a finalidade de ajudar os órfãos de
guerra. Esta subscrição alcançou um valor acima de 4576 escudos”.
Cortesia de Ana
Sofia Veiga Peniche
Sucediam-se para angariação de capitais as vendas de
caridade e os festivais, realizados no Palácio da Bolsa e na Casa dos Filhos
dos Soldados Portugueses, promovidos pelas senhoras do Núcleo Feminino de
Assistência Infantil, com as respectivas receitas a reverterem para a Junta
Patriótica do Norte.
No Brasil e na Califórnia, algumas verbas importantes foram
também recolhidas.
Muitos particulares e empresas comerciais e industriais
resolveram fazer a sua contribuição em géneros.
Os selos da Junta Patriótica do Norte, inaugurados em 1917,
por sugestão do membro da Junta, Aurélio Paz dos Reis, tiveram também algum
impacto no montante final arrecadado.
A um movimento com
tão nobres e elevados propósitos, chegavam constantes adesões. E, graças a
elas, em 25 de Junho de 1917, a Junta Patriótica do Norte funda a Casa dos
Filhos dos Soldados, instalando-a num prédio que, para o efeito, aluga na Rua
de Cedofeita, nº 458.
Cerca de uma semana
antes, é realizada uma grande exposição na nave central do Palácio de Cristal,
noticiado pelo semanário “O Sino” da Senhora da Hora.
A Casa dos Filhos dos
Soldados começará logo por albergar 50 orfãos de guerra, de ambos os sexos.
Agregado à "Junta
Patriótica do Norte" começa a trabalhar um núcleo Feminino de
Assistência Infantil ao qual preside D. Filomena Sequeira de Oliveira.
De acordo com as idades, as crianças vão ter uma instrução
elementar primária, precedida do ensino "Jardim-Escola" e seguida de
educação profissional, nomeadamente, em artes e ofícios.
Cartaz do Certame de Arte Nacional realizado no Palácio de
Cristal, em 1917
A 13 de Julho de
1919, o Tratado de Paz é comemorado pela Junta Patriótica do Norte com um
grande cortejo cívico, uma festa infantil no Palácio de Cristal, uma
conferência sobre a guerra no Teatro Gil Vicente pelo capitão Augusto Casimiro
e uma festa popular na Cordoaria.
Pela assinatura do Tratado de Paz é organizado, ainda, pelo Triângulo Vermelho um festival aos soldados-expedicionários e levada a cabo uma Marcha Luminosa, por iniciativa dos Bombeiros portuenses.
Pela assinatura do Tratado de Paz é organizado, ainda, pelo Triângulo Vermelho um festival aos soldados-expedicionários e levada a cabo uma Marcha Luminosa, por iniciativa dos Bombeiros portuenses.
Crianças das escolas primárias do Porto rumo à festa
infantil promovida pela Junta Patriótica do Norte, no Palácio de Cristal –
Fonte: Ilustração Portuguesa, n° 702, 4 de Agosto de 1919
Acabada a guerra, a maioria dos seus membros não julgou
chegado o momento de dissolver a Junta Patriótica do Norte.
Ofício assinado pelo então presidente da Junta Patriótica do
Norte e enviado, em 1932, quando a Casa dos Filhos dos Soldados ainda estava na
Rua de Cedofeita, 458
“A necessidade de
ampliar a sua instalação e sobretudo de a tornar independente pela aquisição de
Edifício próprio (este edifício que a boa sorte da Junta conseguiu encontrar, é a Quinta Amarela, à Rua de Oliveira Monteiro, n° 887, comprada,
com isenção de sisa, por 250 contos, em 20 de Julho de 1934 e que com uma
extensão de 12.000 metros quadrados tem cerca de 1.200 metros quadrados para
habitação, entre o edifício central em três pavimentos, e suas dependências),
forçou a adaptar o compromisso de 1916 ás exigências legais, porque actualmente
se regem todas as instituições de benemerência”.
Fonte: “ep.up.pt/docentes”
A Junta Patriótica do Norte teve a sua sede social nos Paços
do Concelho do Porto (Câmara Municipal) e a sua Secretaria e Instalações e a
Casa dos Filhos dos Soldados, provisoriamente, na Rua da Cedofeita n°s. 458/460
- Porto; posteriormente, foram as mesmas transferidas para a Quinta Amarela -
que a Junta comprou em 20 de Julho de 1934 -, sita na Rua Oliveira Monteiro, n°
887 - Porto.
A Junta Patriótica do Norte foi extinta em 1938, tendo o seu
património sido transferido para a Liga dos Combatentes da Grande Guerra, que
presentemente o continua a usufruir e a gerir.
Por isso, em 24 de Janeiro de 1938, a Liga dos Combatentes
assina a escritura que lhe confere a posse da Casa dos Filhos dos Soldados, na
Quinta Amarela, ao Carvalhido.
A Liga dos Combatentes criada em 1921, com a denominação de
Liga dos Combatentes da Grande Guerra tinha como principal objectivo reunir
numa associação os militares e ex-militares portugueses que tinham combatido na
1.ª Guerra Mundial, mas só em 1929, seria a instituição oficializada com a
eleição dos dirigentes e publicação dos estatutos.
Entretanto, muitas outras organizações da sociedade civil se
instalaram no terreno, entre o começo e o fim da guerra e, nalguns casos, para
além dela.
“Menos de duas semanas
após a declaração de guerra a Portugal, o laicismo expressou-se em forma de
"cruzada" – a Cruzada das Mulheres Portuguesas – herdeira do
movimento Pró Pátria. Não confundir com a "Assistência das Portuguesas às
Vítimas da Guerra", uma associação também inteiramente feminina, mas
ligada à aristocracia monárquica e ao catolicismo”.
Fonte: RTP
Em 20 de Março de 1916, seria criada a “Cruzada das Mulheres Portuguesas”, presidida por Elzira Dantas
Machado, mulher do presidente Bernardino Machado, contando também com suas
filhas e outras familiares de políticos e militares notáveis. A “Cruzada das Mulheres
Portuguesas” aglutinaria quase uma centena de mulheres da elite republicana.
Ana de Castro Osório ocupou-se da comissão de propaganda e
organização do trabalho.
A “Cruzada das Mulheres Portuguesas” criou dezenas de
subcomissões locais, de norte a sul do país, e internacionais.
Os seus Estatutos foram aprovados por Alvará do Governo
Civil de Lisboa a 19 de Agosto de 1916 e existiu até ao início do Estado Novo,
tendo sido sua última Presidente, Ana de Castro Osório.
Para além de iniciativas como a 1ª “Festa da Flor”, que
ocorreu na primavera de 1917, em várias cidades e vilas do país, onde a
“Cruzada das Mulheres Portuguesas” tinha os seus núcleos organizou, em 1917,
cursos de enfermagem destinados a formar enfermeiras para servirem nos
hospitais militares do País e nos corpos expedicionários.
Durante a “Festa da Flor”, que teve o patrocínio do jornal
“O Século”, foram angariadas verbas importantes quando, em troca duma flor
colocada ao peito de cada homem, as voluntárias da “Cruzada das Mulheres Portuguesas”
recebiam um donativo.
Jovens da “Cruzada das Mulheres Portuguesas” no contacto com
a população do Porto, junto do Restaurante Europa, na Praça da Liberdade, em
Março de 1917, durante a 1ª “Festa da Flor”
Logística de apoio alimentar
aos mais carenciados
Como é óbvio, uma crise alimentar haveria de se instalar na
cidade fruto da guerra.
Na edilidade como resultado das eleições municipais de 30 de
Novembro de 1913, as primeiras realizadas segundo os preceitos da Constituição
de 1911, Henrique Pereira de Oliveira foi eleito Presidente do Senado e,
Eduardo Santos Silva, Presidente da Comissão Executiva.
O organismo da Câmara Municipal que tinha a seu cargo a
questão de combater a escassez de géneros alimentares, que acabava por afectar
com maior severidade as classes mais desfavorecidas, era a Comissão de
Subsistências, dirigida por Manuel Pinto de Azevedo, vereador da Câmara, que
procurou levar a cabo uma política de regulação dos preços, não querendo
competir com os particulares no mercado.
Em Janeiro de 1917, aquele vereador ofereceu à Câmara, pelo
período em que decorresse a guerra, uma padaria com todo o seu conteúdo, para
que pudesse ela própria começar a panificar.
A Comissão de Subsistências acabou por comprar e vender
alimentos diretamente à população, tais como açúcar, arroz, azeite, bacalhau,
além de outros géneros.
Para obstar às carências alimentares que atingiram uma
grande parte da população, foi montado no Porto em instalações cedidas à
“Comissão de Subsistências”, pelo industrial Joaquim Afonso Fernandes Pereira,
da fábrica têxtil de calandrar “A Vencedora”, um armazém para a distribuição do
apoio alimentar de que a população carecia.
Naquelas instalações, na Rua do Bonfim, nº 105, passaria a
funcionar a sede daquela comissão que dirigia toda a campanha de socorro
alimentar aos portuenses.
O industrial Joaquim Afonso Fernandes Pereira teria o seu
nome ligado, também, na primeira metade do século XX, à conhecida fábrica de
acabamentos de tecidos e tinturaria a “Calandra do Bonfim”, na Rua do Bonfim,
266, que tinha existência desde 1859.
As fotos anteriores mostram o exterior e o interior de um
moinho situado num riacho de uma zona rural do Porto, onde a Comissão de
Subsistências moinha o seu cereal.
Posto de venda de pão, gerido pela Comissão de
Subsistências, na Rua de Montebelo, ao Campo 24 de Agosto
Posto de venda de pão na Junta da Paróquia do Bonfim
Entrada para a antiga fábrica “A Vencedora”, sede e armazém
de empacotamento da Comissão de Subsistências, na Rua do Bonfim, nº 105
A acção da Comissão de Subsistências desenvolvia-se em torno
dos bens essenciais e numa acção de regulação dos mercados.
Assim, no que dizia respeito ao azeite, a Câmara Municipal
do Porto alugou um armazém em Vila Nova de Gaia, para funcionar como depósito,
sendo o respectivo engarrafamento realizado num dos armazéns do Matadouro da
Corujeira. Aqui, também funcionava um armazém de acondicionamento das farinhas.
Municipalização dos
Serviços de Energia
O sector de produção de energia aparecia, por estes dias,
também envolvido em grossa polémica.
Assim, no que ao fornecimento de energia dizia respeito, a Companhia do Gás do Porto era a
principal fornecedora de energia à cidade, quer destinada à iluminação, quer ao
uso industrial.
A Central Térmica do Ouro tinha sido construída entre Abril
de 1907 e Julho de 1908, junto dos gasómetros da Companhia Portuense de
Iluminação a Gás (CPIG), em Lordelo do Ouro, por uma empresa sua subsidiária -
a Sociedade Energia Eléctrica do Porto (SEEP) -, a fim de produzir e distribuir
electricidade.
Em Outubro de 1906, a Câmara Municipal do Porto tinha
autorizado a CPIG - uma empresa que veio a integrar as Companhias Reunidas de
Gás e Electricidade (CRGE), de Lisboa, por sua vez, dependentes, a partir de
1913, do grupo franco-belga Société Financière des Transports et d'Entreprises
Industrielles (SOFINA) - a transferir a concessão para a produção e
distribuição de energia eléctrica para uma sociedade anónima a criar, a já
referida SEEP, com o objectivo de explorar a referida concessão. O projecto
arquitectónico das instalações da Central Térmica do Ouro foi da
responsabilidade de Fernand Touzet, um engenheiro especializado na construção
de edifícios industriais, particularmente na região de Lisboa, e que veio a
construir também a primeira Central Tejo, concluída nos finais de 1911.
Desde Fevereiro de 1916, se estabeleceu uma série de
peripécias entre esta companhia e a Câmara.
Obrigada a reduzir a iluminação pública, a partir de certas
horas, naquelas que eram as partes mais iluminadas da cidade e, consequentemente,
a pedir auxílio à Câmara, para aquisição de coque, a Companhia do Gás não
cumpriria o que contratou.
Depois de acontecidos vários conflitos, toda a relação só
podia ter tido um epílogo, que foi o da municipalização da Companhia do Gás em
19 de Novembro de 1917. A partir desta data, o fornecimento de gás passou a
estar assegurado pela Comissão Municipal Administrativa da Exploração dos
Serviços do Gás, presidida por Marques Guedes.
Assistência
hospitalar
A assistência hospitalar aos militares feridos, em campanha,
ficaria a cargo de equipas de enfermagem da Cruzada das Mulheres Portuguesas.
D. Manuel II, no exílio, cederia o Palácio dos Carrancas
para servir como Hospital de Guerra e os postos de socorros a Náufragos do
Passeio Alegre e da Comissão do Salva-Vidas da Foz do Douro seriam usados para
hospital e enfermaria de convalescença.
Um projecto inédito não materializado foi a proposta do Dr.
Santos Silva, aprovada pela vereação, de se criar no Porto uma Escola de
Reeducação para os soldados mutilados.
O fim do conflito
Porém, toda a atenção dos portuenses face às contingências
da guerra iria sofrer um desvio, no final do ano de 1917, quando acontece a
revolta protagonizada por Sidónio Pais, que irá abalar as estruturas políticas.
“O triunfo da revolta
do major Sidónio Pais e depois a sua ditatorial «República Nova» (11 de
dezembro de 1917 a 14 de dezembro de 1918) confirmaram esta inclinação anti
intervencionista, mesmo aquiescendo numa quinta campanha colonial, a alteração
das ordens de serviço no C.E.P. e a suspensão do esforço de guerra levaram a um
certo desprestígio internacional.
Pela atitude da Câmara
Municipal do Porto ao conhecer a notícia da vitória do golpe revolucionário, a
sua direção tinha compreendido precocemente esse prognóstico, a recusa de
saudação ao novo Chefe de Estado foi transmutada para os soldados portugueses
nos campos de batalha. O novo regime acabaria por substituir todos os membros
dos organismos políticos, policiais e militares portuenses pelos partidários do
seu movimento, mas a instabilidade política continuaria com diversas
conspirações e intentonas dos opositores e um peso acentuado da União Operária
Nacional neste meio citadino, resultando em várias cenas de prisões, cargas
policiais e perseguições aos seus elementos e dirigentes. Entre os mais
queixosos encontravam-se os ferroviários e os pescadores, cujas traineiras
arriscavam cada vez menos as pescarias em alto mar pela maior frequência dos
submarinos alemães piratas, juntando-se assim a falta do peixe às recorrentes
dos cereais, da carne e do carvão”.
Cortesia de Francisco Miguel Araújo (Faculdade de Letras da
Universidade do Porto
Os tempos, que se sucederam à revolta de Sidónio Pais, foram
de descrença e o apoio da população aos mais desfavorecidos e às organizações
que lhes prestavam o seu auxílio esmoreceu.
A situação teria um volte face perante as notícias chegadas
da frente da batalha, em La Lys, e das enormes perdas sofridas pelo exército
português quando a solidariedade dos portuenses renasceu.
A Junta Patriótica do Norte, como ficou dito, exerceu a sua
actividade para além do fim da guerra.
Uma referência de destaque, neste âmbito, merece ser
atribuída ao jornal “O Comércio do Porto” que, dirigido por Bento Carqueja, um
dos fundadores da Junta, diariamente publicava todos os passos, decisões,
iniciativas, fracassos e sucessos da Junta, e ao publicitar o balancete das
suas contas, todos os que haviam contribuído conseguiam perceber o destino das
suas doações.
Constituiu também um apoio importante para as famílias dos
soldados, pois publicava notícias sobre os combatentes na frente e explicava
como elas poderiam obter os seus direitos, fundamentalmente, os relativos a
subsídios.
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