Entre meados do século XIX e o início do século XX, a
produção de bilhetes-postais ilustrados teve um grande incremento.
“O bilhete-postal
ilustrado foi dominantemente impresso por processos fotográficos ou
fotomecânicos, para o desenvolvimento dos quais foi decisiva a experimentação
levada a cabo por fotógrafos e pessoas com actividades profissionais
estreitamente relacionadas com a fotografia.
A história dos
bilhetes-postais ilustrados está profundamente ligada à história do correio
tradicional (cartas e bilhetes-postais não ilustrados) e à história da imagem
fotográfica”.
Cortesia do arquitecto Nuno Borges de Araújo (Universidade
do Minho)
No início do século XX, o bilhete-postal ilustrado com
fotografia torna-se uma moda generalizada, e as grandes casas de fotografia trabalham
para as editoras de postais ou têm as suas próprias tipografias. É o caso da Casa
Biel.
Era através do postal que se enviavam boas-festas e era com
eles que os artistas de teatro e variedades faziam a sua publicidade.
O rei D. Carlos chegou a coleccionar 1 milhão de postais.
O Município do Porto, na sua Biblioteca Pública, a S.
Lázaro, tem uma vasta colecção de bilhetes-postais ilustrados e, dentro dela,
um núcleo particular de postais ilustrados antigos do Porto, cujas temáticas e
características, mereceram, desde meados da década de 1980, dedicado interesse,
traduzindo-se numa série de publicações e de exposições.
Verdadeiros documentos históricos se tornaram os
bilhetes-postais ilustrados quando, anos após as respectivas impressões, sobre
eles se opinava, a propósito das memórias de antigamente.
É o caso do acontecido com o bilhete-postal ilustrado, nº
358, do editor Arnaldo Soares.
Praça de Santa Teresa; bilhete-postal de verso dividido, nº
358; circulado em 22-05-1914; Editor: Arnaldo Soares
Sobre o bilhete-postal anterior, a revista “O Tripeiro”, Vª
série, Novembro de 1948, na página 160, na rúbrica “Ainda se lembra?”,
transcrevia as memórias de alguns dos seus leitores, na publicação do mês
seguinte (Dezembro):
“Bem me lembro, e que
recordações eu tenho da Praça da Farinha, Feira do Pão, ou Praça de Santa
Teresa (hoje Praça de Guilherme Gomes Fernandes)! Em frente está a antiga
Fotografia União, mais tarde consultório do grande radiologista professor
Roberto de Carvalho. Ao lado direito, o Ferro de engomar, miserável triângulo,
que resta duma grande casa, que foi demolida para passar a Rua de D. Carlos
(mais tarde de José Falcão). Ao lado direito, quem vinha dos Voluntários da
Rainha, encontrava o restaurante do João do Buraco, onde a rapaziada tantas
noites passava na estroinice... À esquerda havia uma farmácia (mais tarde
Farmácia Cristo). Dava lá consulta o dr. Coutinho, sogro do Campos Monteiro.
Todas as tardes vinha para o seu consultório, montado a cavalo, de S. Mamede de
Infesta, onde morava. Depois substituiu-o nessa consulta o meu falecido
condiscípulo, colega e amigo dr. José Augusto Rodrigues, que algumas vezes me
encarregou de ver ali os seus doentes. Parece que conheço ali todas as casas e
até as pessoas, desde as desembaraçadas padeiras até ao sujeito que caminha em
direcção ao leitor, de chapéu de coco na cabeça. Se ele trouxesse o costumado
bengalão, havia de dizer que era o alegre estudante de medicina António de
Almeida Trinta, que morreu director das Termas de S. Pedro do Sul...”.
J. A. Pires de Lima
“Lembra, sim senhor. A
fotografia é da antiga Praça de Santa Teresa, a antiga Feira do Pão, dos meus
tempos de petiz, e que é hoje a Praça de Guilherme Gomes Fernandes, homenagem
ao grande bombeiro português que tão alto levantou o nome de Portugal em
Congressos Internacionais... Lá estão as barracas onde se vendia todo o ano,
pão de Valongo, fabricado com trigo da terra, moído nos velhos moinhos e com
água também de Valongo, que o tornava muito saboroso, e era trazido diariamente
para o Porto em burros com duas canastras abarrotadas deste tão útil alimento e
com as vendedeiras encarrapitadas em cima e por isso se dizia quando a cilha da
alimária se desapertava: – ‘Lá vai o burro com as canastras...’ Lá vejo, ao
fundo, com o mastro para a bandeira nacional nos dias de Grande Gala, o
edifício onde estava a Fotografia União, que era fornecedora da Casa Real, e
onde me retratei em 1895, no dia da primeira comunhão... Abaixo, a casa da
esquina da Rua D. Carlos, estreitíssima, que – dizem – foi construída para
fazer pirraça ao vizinho, o que hoje já não seria possível... Ainda mais abaixo
da antiga Rua de D. Carlos, o velho Café das Leiteiras, onde, por um vintém,
tomavam uma caneca de café com leite e pão com manteiga... (havia de ser
hoje!...). Ainda lobrigo, nas primeiras barracas à esquerda, os célebres pães
de Valongo, que custavam 75 reis e pesavam, salvo erro, meio quilo. Bons
tempos!... O candeeiro do primeiro plano mostra a iluminação pública desse
tempo, a gás, com o bico Auer que fez furor nessa ocasião (...)”.
João Moreira da Silva
“Sim, eu conheci-a, lá
vivi uns dez anos, na Farmácia Costa, no n.º 39 (...). Era alegre, ruidosa,
essa paniceira Praça de Santa Teresa, mais tarde votada em consagração ao
grande Guilherme Gomes Fernandes. Conheci-a aí por 1887 quando, agarrado às
saias de minha mãe, por lá passava abeirado das típicas barracas a comprar o
saboroso pão de Valongo, um por 30 reis, dois por 55, ou no dizer de então:
meio e cinco; abençoado tempo! Tenho saudades dessa praça onde, desde manhã até
à noite, se movimentava uma população heterogénea, onde se misturava o pé
descalço com a opulenta dama tripeirinha, dessa praça onde, na Fotografia
União, blasonando de o ser da Casa Real, se davam rendez-vous a melhor mocidade
e a aristocracia citadinas; dessa praça onde por cinco tostões eu jantei tantas
vezes no Bastos, cuja casa me parece ainda lá estar, para melhor modificada
(...).”
Francisco Alexandre Ferreira – Tripeiro - Ramaldeiro
“Se me lembro!
Chamava-se o sítio, no meu tempo, Praça de Santa Teresa e Praça do Pão. Tenho o
postal ilustrado que foi reproduzido na secção. Aquela figura do 1.º plano,
sempre tive para mim que é o Rodrigo Solano. O poeta do Fumo lá vem, feito
leitor--transeunte. Depois, aquela barba, aquele chapéu, aquele livro – um
livro que bem poderia ter sido adquirido, naquele dia, na Livraria Moreira ou
no Tavares Martins... (...).”
Amadeu Cunha - Lisboa
“Se me lembro... É uma praça à esquina das
Carmelitas, conhecida pela Praça do Pão. Ali existia a famosa casa do João do
Buraco, onde à noite, quando o jantar na República era mais fraco (em especial
no fim do mês), nós íamos saborear o belo bacalhau à moda da casa. (...).”
Alexandre Van Zeller – Lisboa
“É a antiga Feira do
Pão, depois Praça de Santa Teresa e mais tarde Praça de Guilherme Gomes
Fernandes. Ao fundo lá está a Rua de D. Carlos e agora Rua de José Falcão e a
casa esqueleto, que então ali se construiu para tirar a vista ao vizinho que
não quis comprar a nesga entre a rua aberta e o seu terreno. Essa casa
esqueleto que não tinha dois metros de fundo, foi felizmente demolida ainda não
há muito tempo. E lá está, ao lado, a Casa (parece que ainda é da família do
Barão de Fermil) onde o falecido dr. Roberto de Carvalho montou a sua grandiosa
obra de radiografia, etc., e aonde há muitos anos e durante muito tempo esteve
estabelecida a Fotografia União, de Fonseca e C.ª, que chegou a ser a primeira
do Porto. Ainda me recordo dos seus ricos salões, luxuosamente decorados, onde
pontificava Raul de Caldevilla, menino e moço, recebendo com gentileza os seus
visitantes e conseguindo com as suas maneiras afáveis e palavras convincentes,
que tirassem as melhores e mais caras fotografias. (...)”.
José da Fonseca Menéres - Porto
A Tabacaria de Arnaldo Soares, editora do postal que vem
merecendo a nossa atenção ocupou, vinda dos Lóios, a esquina do prédio, na
Praça D. Pedro, contíguo à igreja dos Congregados. Mais tarde, cederia o espaço
ao Banco Pinto da Fonseca, que ocupava o 1º andar daquele prédio e mudar-se-ia
para uma área contígua, ainda na Praça D. Pedro, onde tinha estado uma
pastelaria que não vingou.
Na esquina, na fachada voltada para a Praça D. Pedro esteve
a Tabacaria Arnaldo Soares, nas suas duas moradas.
Pela porta central (mais estreita) se entrava para as
instalações do Banco Pinto da Fonseca, antes da sua mudança para o piso térreo.
Um outro editor, conhecido no Porto, foi Alberto Ferreira,
que incluiria nas suas séries de bilhetes-postais ilustrados, fotografias de um
elevado número de vilas e cidades, do Norte e Centro do país.
Alberto Ferreira possuía uma tabacaria, num rés-do-chão de
um prédio, na esquina da Rua de Entreparedes com a Praça da Batalha, onde
incrementou este ramo de negócio.
No 1º andar do edifício esteve, durante largos anos, o Hotel
Continental.
A partir de 1905, Carlos Pereira Cardoso começa a editar os
postais, “Estrela Vermelha”, dos quais faz o respectivo pedido de registo, em
finais do ano de 1904, que seria deferido, em 10 de Junho de 1905, pelo
Conselheiro Director Geral do Comércio e Indústria permitindo ao requerente, em
sequência, aumentar significativamente a produção de bilhetes-postais ilustrados,
que já realizava anteriormente, a essa data, sob a designação de “C. P.
Cardoso”.
Para o efeito, dá como morada a Rua Senhora da Luz, nº 254, em
S. João da Foz.
Pedido de registo:
“Carlos Pereira
Cardoso, português, natural de Granja de Alijó, comerciante, estabelecido na
Foz do Douro, requer em conformidade com a lei da propriedade industrial
registo de uma marca que destina a ser aplicada a bilhetes--postais de seu
comércio e cuja descrição é a seguinte: A marca consiste numa estrela de cinco
bicos, tendo inferior a esta a palavra: Estrela. Junta 12 exemplares da marca.
Junta procuração. Pede a Vossa Majestade a Graça de a mandar registar.
E. R. M. Lisboa 12 de
Dezembro de 1904”.
No conjunto de séries
produzidas por Carlos Pereira Cardoso destaca-se a enorme qualidade dos
clichés, que captam cenas únicas da cultura portuguesa, e a imensa quantidade
de postais produzidos.
A actividade por ele desenvolvida não será alheia ao facto
de Carlos Pereira Cardoso ser um excelente fotógrafo, com colaboração conhecida
em importantes revistas da época, com realce para a Ilustração Portuguesa e
para a Ilustração Transmontana.
O número de bilhetes-postais ilustrados por ele produzidos,
cerca de 600, terá sido possivelmente o mais elevado dos editores da sua época.
Porto - Foz do Douro – Marégrafo; Editor: Estrela Vermelha, Série: Porto - Foz do Douro, Postal: n.º 12
O conhecido fotógrafo Emílio Biel, da firma Emílio Biel
& C.ª (antiga Casa Fritz), também teve um papel de realce na edição dos
bilhetes-postais ilustrados.
Última ascensão do balão Lusitano, verso não dividido,
circulado em 03-12-1903; Editor: Emílio Biel & C.ª - Porto
Vila Nova de Gaia, verso dividido, circulado em 02-08-1905;
Editor: Emílio Biel & C. – Porto
O fotógrafo Domingos Alvão não poderia deixar de enveredar,
também, por um ramo de negócio que se encontrava em expansão.
Postal-fotográfico com legenda impressa e verso dividido, não
circulado; Porto – Recordação da cheia de Dezembro de
1909; Editor: Fotografia Alvao, Santa Catarina 100, Porto
Um outro editor, “A. D. Canedo, sucessor”, sito na Rua das
Flores, 200 a 206 – Porto, teve a circular, cerca de 1910, uma grande
quantidade de bilhetes-postais ilustrados.
Bilhete-postal das igrejas dos Carmelitas (à esquerda) e do
Carmo (à direita), c.1900; Editor: A.D. Canedo, Sucessor
Por vezes, a data de circulação dos postais-fotográficos, versando
acontecimentos importantes aconteciam, por vezes, imediatamente após a
ocorrência dos mesmos.
É o caso do exemplo seguinte do editor e fotógrafo Joaquim
Azevedo.
Postal-fotográfico sem legenda; Editor / fotógrafo: Joaquim
Azevedo; Verso dividido, circulado em 21-11-1908
Segue o texto do postal:
Sobre o texto anterior, deve dizer-se que o local
apresentado é próximo ao Jardim de S. Lázaro, com o Beco do Pedregulho, à
esquerda.
Quanto ao tema, a cena apresentada ocorre no dia 8 de
Novembro de 1908, durante o desfile da comitiva real de D. Manuel II, após o
seu desembarque na Estação Ferroviária de Campanhã.
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