terça-feira, 4 de outubro de 2022

25.165 A cidade do Porto e os Bilhetes-Postais Ilustrados

 
Entre meados do século XIX e o início do século XX, a produção de bilhetes-postais ilustrados teve um grande incremento.
 
 
“O bilhete-postal ilustrado foi dominantemente impresso por processos fotográficos ou fotomecânicos, para o desenvolvimento dos quais foi decisiva a experimentação levada a cabo por fotógrafos e pessoas com actividades profissionais estreitamente relacionadas com a fotografia.
A história dos bilhetes-postais ilustrados está profundamente ligada à história do correio tradicional (cartas e bi­lhetes-postais não ilustrados) e à história da imagem fotográfica”.
Cortesia do arquitecto Nuno Borges de Araújo (Universidade do Minho)
 
 
 
No início do século XX, o bilhete-postal ilustrado com fotografia torna-se uma moda generalizada, e as grandes casas de fotografia trabalham para as editoras de postais ou têm as suas próprias tipografias. É o caso da Casa Biel.
Era através do postal que se enviavam boas-festas e era com eles que os artistas de teatro e variedades faziam a sua publicidade.
O rei D. Carlos chegou a coleccionar 1 milhão de postais.
O Município do Porto, na sua Biblioteca Pública, a S. Lázaro, tem uma vasta colecção de bilhetes-postais ilustrados e, dentro dela, um núcleo particular de postais ilustrados antigos do Porto, cujas temáticas e características, mereceram, desde meados da década de 1980, dedicado interesse, traduzindo-se numa série de publicações e de exposições.
Verdadeiros documentos históricos se tornaram os bilhetes-postais ilustrados quando, anos após as respectivas impressões, sobre eles se opinava, a propósito das memórias de antigamente.
É o caso do acontecido com o bilhete-postal ilustrado, nº 358, do editor Arnaldo Soares.
 
 
 

Praça de Santa Teresa; bilhete-postal de verso dividido, nº 358; circulado em 22-05-1914; Editor: Arnaldo Soares
 
 
Sobre o bilhete-postal anterior, a revista “O Tripeiro”, Vª série, Novembro de 1948, na página 160, na rúbrica “Ainda se lembra?”, transcrevia as memórias de alguns dos seus leitores, na publicação do mês seguinte (Dezembro):
 
 
“Bem me lembro, e que recordações eu tenho da Praça da Farinha, Feira do Pão, ou Praça de Santa Teresa (hoje Praça de Guilherme Gomes Fernandes)! Em frente está a antiga Fotografia União, mais tarde consultório do grande radiologista professor Roberto de Carvalho. Ao lado direito, o Ferro de engomar, miserável triângulo, que resta duma grande casa, que foi demolida para passar a Rua de D. Carlos (mais tarde de José Falcão). Ao lado direito, quem vinha dos Voluntários da Rainha, encontrava o restaurante do João do Buraco, onde a rapaziada tantas noites passava na estroinice... À esquerda havia uma farmácia (mais tarde Farmácia Cristo). Dava lá consulta o dr. Coutinho, sogro do Campos Monteiro. Todas as tardes vinha para o seu consultório, montado a cavalo, de S. Mamede de Infesta, onde morava. Depois substituiu-o nessa consulta o meu falecido condiscípulo, colega e amigo dr. José Augusto Rodrigues, que algumas vezes me encarregou de ver ali os seus doentes. Parece que conheço ali todas as casas e até as pessoas, desde as desembaraçadas padeiras até ao sujeito que caminha em direcção ao leitor, de chapéu de coco na cabeça. Se ele trouxesse o costumado bengalão, havia de dizer que era o alegre estudante de medicina António de Almeida Trinta, que morreu director das Termas de S. Pedro do Sul...”.
J. A. Pires de Lima
 
 
“Lembra, sim senhor. A fotografia é da antiga Praça de Santa Teresa, a antiga Feira do Pão, dos meus tempos de petiz, e que é hoje a Praça de Guilherme Gomes Fernandes, homenagem ao grande bombeiro português que tão alto levantou o nome de Portugal em Congressos Internacionais... Lá estão as barracas onde se vendia todo o ano, pão de Valongo, fabricado com trigo da terra, moído nos velhos moinhos e com água também de Valongo, que o tornava muito saboroso, e era trazido diariamente para o Porto em burros com duas canastras abarrotadas deste tão útil alimento e com as vendedeiras encarrapitadas em cima e por isso se dizia quando a cilha da alimária se desapertava: – ‘Lá vai o burro com as canastras...’ Lá vejo, ao fundo, com o mastro para a bandeira nacional nos dias de Grande Gala, o edifício onde estava a Fotografia União, que era fornecedora da Casa Real, e onde me retratei em 1895, no dia da primeira comunhão... Abaixo, a casa da esquina da Rua D. Carlos, estreitíssima, que – dizem – foi construída para fazer pirraça ao vizinho, o que hoje já não seria possível... Ainda mais abaixo da antiga Rua de D. Carlos, o velho Café das Leiteiras, onde, por um vintém, tomavam uma caneca de café com leite e pão com manteiga... (havia de ser hoje!...). Ainda lobrigo, nas primeiras barracas à esquerda, os célebres pães de Valongo, que custavam 75 reis e pesavam, salvo erro, meio quilo. Bons tempos!... O candeeiro do primeiro plano mostra a iluminação pública desse tempo, a gás, com o bico Auer que fez furor nessa ocasião (...)”.
João Moreira da Silva
 
 
 
 
“Sim, eu conheci-a, lá vivi uns dez anos, na Farmácia Costa, no n.º 39 (...). Era alegre, ruidosa, essa paniceira Praça de Santa Teresa, mais tarde votada em consagração ao grande Guilherme Gomes Fernandes. Conheci-a aí por 1887 quando, agarrado às saias de minha mãe, por lá passava abeirado das típicas barracas a comprar o saboroso pão de Valongo, um por 30 reis, dois por 55, ou no dizer de então: meio e cinco; abençoado tempo! Tenho saudades dessa praça onde, desde manhã até à noite, se movimentava uma população heterogénea, onde se misturava o pé descalço com a opulenta dama tripeirinha, dessa praça onde, na Fotografia União, blasonando de o ser da Casa Real, se davam rendez-vous a melhor mocidade e a aristocracia citadinas; dessa praça onde por cinco tostões eu jantei tantas vezes no Bastos, cuja casa me parece ainda lá estar, para melhor modificada (...).”
Francisco Alexandre Ferreira – Tripeiro - Ramaldeiro
 
 
“Se me lembro! Chamava-se o sítio, no meu tempo, Praça de Santa Teresa e Praça do Pão. Tenho o postal ilustrado que foi reproduzido na secção. Aquela figura do 1.º plano, sempre tive para mim que é o Rodrigo Solano. O poeta do Fumo lá vem, feito leitor--transeunte. Depois, aquela barba, aquele chapéu, aquele livro – um livro que bem poderia ter sido adquirido, naquele dia, na Livraria Moreira ou no Tavares Martins... (...).”
Amadeu Cunha - Lisboa
 
 
 “Se me lembro... É uma praça à esquina das Carmelitas, conhecida pela Praça do Pão. Ali existia a famosa casa do João do Buraco, onde à noite, quando o jantar na República era mais fraco (em especial no fim do mês), nós íamos saborear o belo bacalhau à moda da casa. (...).”
Alexandre Van Zeller – Lisboa
 
 
 
“É a antiga Feira do Pão, depois Praça de Santa Teresa e mais tarde Praça de Guilherme Gomes Fernandes. Ao fundo lá está a Rua de D. Carlos e agora Rua de José Falcão e a casa esqueleto, que então ali se construiu para tirar a vista ao vizinho que não quis comprar a nesga entre a rua aberta e o seu terreno. Essa casa esqueleto que não tinha dois metros de fundo, foi felizmente demolida ainda não há muito tempo. E lá está, ao lado, a Casa (parece que ainda é da família do Barão de Fermil) onde o falecido dr. Roberto de Carvalho montou a sua grandiosa obra de radiografia, etc., e aonde há muitos anos e durante muito tempo esteve estabelecida a Fotografia União, de Fonseca e C.ª, que chegou a ser a primeira do Porto. Ainda me recordo dos seus ricos salões, luxuosamente decorados, onde pontificava Raul de Caldevilla, menino e moço, recebendo com gentileza os seus visitantes e conseguindo com as suas maneiras afáveis e palavras convincentes, que tirassem as melhores e mais caras fotografias. (...)”.
José da Fonseca Menéres - Porto
 
 
 
 
A Tabacaria de Arnaldo Soares, editora do postal que vem merecendo a nossa atenção ocupou, vinda dos Lóios, a esquina do prédio, na Praça D. Pedro, contíguo à igreja dos Congregados. Mais tarde, cederia o espaço ao Banco Pinto da Fonseca, que ocupava o 1º andar daquele prédio e mudar-se-ia para uma área contígua, ainda na Praça D. Pedro, onde tinha estado uma pastelaria que não vingou.
 
 
 

Praça D. Pedro, em 1897
 
 
Na esquina, na fachada voltada para a Praça D. Pedro esteve a Tabacaria Arnaldo Soares, nas suas duas moradas.
Pela porta central (mais estreita) se entrava para as instalações do Banco Pinto da Fonseca, antes da sua mudança para o piso térreo.

 
 

Postal de Arnaldo Soares, circulado em 1904
 
 
 

Postal de Arnaldo Soares, circulado em 1903
 
 
 
Um outro editor, conhecido no Porto, foi Alberto Ferreira, que incluiria nas suas séries de bilhetes-postais ilustrados, fotografias de um elevado número de vilas e cidades, do Norte e Centro do país.
Alberto Ferreira possuía uma tabacaria, num rés-do-chão de um prédio, na esquina da Rua de Entreparedes com a Praça da Batalha, onde incrementou este ramo de negócio.
No 1º andar do edifício esteve, durante largos anos, o Hotel Continental.


 




Rua dos Clérigos; Editor: Alberto Ferreira
 
 
 

Túneis do Seminário; Editor: Alberto Ferreira, c. 1910; Impressor: Papelaria e Tipografia Académica
 
 
 
A partir de 1905, Carlos Pereira Cardoso começa a editar os postais, “Estrela Vermelha”, dos quais faz o respectivo pedido de registo, em finais do ano de 1904, que seria deferido, em 10 de Junho de 1905, pelo Conselheiro Director Geral do Comércio e Indústria permitindo ao requerente, em sequência, aumentar significativamente a produção de bilhetes-postais ilustrados, que já realizava anteriormente, a essa data, sob a designação de “C. P. Cardoso”.
Para o efeito, dá como morada a Rua Senhora da Luz, nº 254, em S. João da Foz.
Pedido de registo:
 
 
“Carlos Pereira Cardoso, português, natural de Granja de Alijó, comerciante, estabelecido na Foz do Douro, requer em conformidade com a lei da propriedade industrial registo de uma marca que destina a ser aplicada a bilhetes--postais de seu comércio e cuja descrição é a seguinte: A marca consiste numa estrela de cinco bicos, tendo inferior a esta a palavra: Estrela. Junta 12 exemplares da marca. Junta procuração. Pede a Vossa Majestade a Graça de a mandar registar.
E. R. M. Lisboa 12 de Dezembro de 1904”.
 
 
 

Carlos Pereira Cardoso
 
 
 
 No conjunto de séries produzidas por Carlos Pereira Cardoso destaca-se a enorme qualidade dos clichés, que captam cenas únicas da cultura portuguesa, e a imensa quantidade de postais produzidos.
A actividade por ele desenvolvida não será alheia ao facto de Carlos Pereira Cardoso ser um excelente fotógrafo, com colaboração conhecida em importantes revistas da época, com realce para a Ilustração Portuguesa e para a Ilustração Transmontana.
O número de bilhetes-postais ilustrados por ele produzidos, cerca de 600, terá sido possivelmente o mais elevado dos editores da sua época.
 
 
 

Palacete de Manoel Pinto da Fonseca na Avenida da Boavista; Editor: Estrela Vermelha

 
 

Praça de Touros de Matosinhos; Editor: Estrela Vermelha

 
 

Porto - Foz do Douro – Marégrafo; Editor: Estrela Vermelha, Série: Porto - Foz do Douro, Postal: n.º 12

 
 

A Mulher da Afurada (1910); Editor: Estrela Vermelha
 
 
 
 
O conhecido fotógrafo Emílio Biel, da firma Emílio Biel & C.ª (antiga Casa Fritz), também teve um papel de realce na edição dos bilhetes-postais ilustrados.

 
 
Última ascensão do balão Lusitano, verso não dividido, circulado em 03-12-1903; Editor: Emílio Biel & C.ª - Porto
 
 
 
Vila Nova de Gaia, verso dividido, circulado em 02-08-1905; Editor: Emílio Biel & C. – Porto

 
 
O fotógrafo Domingos Alvão não poderia deixar de enveredar, também, por um ramo de negócio que se encontrava em expansão.


 
 
Postal-fotográfico com legenda impressa e verso dividido, não circulado; Porto Recordação da cheia de Dezembro de 1909; Editor: Fotografia Alvao, Santa Catarina 100, Porto
 
 
 
 
 
Um outro editor, “A. D. Canedo, sucessor”, sito na Rua das Flores, 200 a 206 – Porto, teve a circular, cerca de 1910, uma grande quantidade de bilhetes-postais ilustrados.
 
 
 

Bilhete-postal das igrejas dos Carmelitas (à esquerda) e do Carmo (à direita), c.1900; Editor: A.D. Canedo, Sucessor
 
 
 
Por vezes, a data de circulação dos postais-fotográficos, versando acontecimentos importantes aconteciam, por vezes, imediatamente após a ocorrência dos mesmos.
É o caso do exemplo seguinte do editor e fotógrafo Joaquim Azevedo.
 
 
 
Postal-fotográfico sem legenda; Editor / fotógrafo: Joaquim Azevedo; Verso dividido, circulado em 21-11-1908
 
 
 
 
Segue o texto do postal:
 
 



Sobre o texto anterior, deve dizer-se que o local apresentado é próximo ao Jardim de S. Lázaro, com o Beco do Pedregulho, à esquerda.
Quanto ao tema, a cena apresentada ocorre no dia 8 de Novembro de 1908, durante o desfile da comitiva real de D. Manuel II, após o seu desembarque na Estação Ferroviária de Campanhã.

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