Em 25 de Junho de 1820,
Eugénio Robertson fez uma subida em balão, “uma geringonça movida a
fogo”, com 21 pés de diâmetro, na Quinta do Prado, pertencente ao Bispo do
Porto, onde, mais tarde, surgiria o cemitério do Prado do Repouso. A data foi
escolhida para comemorar o S. João, em honra de D. João VI.
Mr. Robertson, filho, relatava essa viagem aerostática.
“… principiou às
três horas o trabalho necessário para a formação do gás hidrogénio, e às 5
horas a máquina, inteiramente cheia esperava o Aeronauta.
Tendo o Professor
Robertson pai, recebido em Lisboa as mais lisonjeiras provas de geral
satisfação em todas as suas experiências, que tiveram um feliz sucesso, julgou
que não devia deixar Portugal sem oferecer à cidade do Porto o raro espectáculo
de uma viagem aerostática. Todas as pessoas eruditas, que se achavam na mesma
cidade empenhar-se-ão em favorecer uma subscrição para este objecto:
anunciando-se esta experiência para o domingo 25 de Junho, e sendo destinada
para celebrar-se a festa do nome de S.M. Fidelíssima Rei do Reino Unido foi
desempenhada felizmente no dia referido na bela Quinta do Prado, que pertence
ao Excelentíssimo e Reverendíssimo Bispo do Porto.
A chuva, que desde as
dez horas até ao meio dia caiu repetidas vezes, fez recear que a experiência
fosse diferida; mas ao depois, serenando a atmosfera, Mr. Robertson principiou
às três horas o trabalho necessário para a formação do gás hidrogénio, e às 5
horas a máquina, inteiramente cheia esperava o Aeronauta.
O Professor Robertson
tinha prometido a sua sobrinha, a esposa do jovem Malabar, o prazer de a deixar
elevar-se, estando a barquinha presa por uma corda; por isso antes da partida
de Mr. Eugénio Robertson, ela subiu a certa altura. Esta jovem, desejando há
muito tempo fazer uma viagem aerostática, tinha escondido um canivete, e uma
carta no seu lenço, e intentava cortar as prisões, que a retinham: apenas o seu
intento foi descoberto por Mr. Eugénio Robertson, que se assustou, e não queria
ceder o seu lugar a pessoa alguma, lançou mão rapidamente da corda principal e
conduziu o balão até ao recinto. Então esta Dama cheia de coragem saiu da
barquinha e Mr. Eugénio Robertson, substituindo o seu lugar, sustentando-se em
pé, e tendo na mão a bandeira portuguesa elevou-se majestosamente às 5 horas e
meia bradando: ”Viva El-Rei; Viva D. João VI”; e, lançando várias peças de
versos em honra da Nação Portuguesa, análogas a tão brilhante circunstância.
Elevando-se o balão, o
quadro que se desenvolvia debaixo dos pés do aeronauta tornava-se mais
interessante; pois que o Douro, correndo ao longe, já parecia esconder-se por
entre as montanhas, já descobrir-se de momentos a momentos. O viajante por uma
parte via o Porto como num pequeno quadro; mas sem perder a menor
circunstância, por outra parte divisava ao longe verdes florestas, deliciosos
jardins, e campos cercados de parreiras que atraíam e encantavam seus olhos, e
qual uma serpente, que dá tortuosas voltas para entrar na sua cova, assim o Rio
Ave parecia dirigir-se para o mar.
O objecto mais
tocante, que o aeronauta observou nesta viagem, foi a vista de mar, que
brilhava debaixo de seus pés, e lhe parecia incendiado por todos os lados,
efeito da reflexão do Sol que se ocultava no horizonte, e que sem dúvida foi a
causa do viajante não sentir na altura a que se remontou o frio activo, que de
ordinário se experimenta.
Mr. Eugénio Robertson
viu certa poeira, que se levantava da terra, e julgando serem cavaleiros, que
vinham ao seu encontro, tomou o óculo para melhor observar; mas era
simplesmente o declive de alguns montes de terra argilosa, feridos pelos raios
do sol que já declinava.
O Aeronauta, depois de
ter subido em meia hora a uma grande altura, e achando-se por cima de uma
floresta, escolheu um sítio sem árvores, e apto para findar a sua viagem; ele o
conseguiu descendo tranquilamente perto da freguesia de Ferreiro um lugar além
do Rio Ave, distante uma légua de Vila do Conde, e 5 léguas do Porto. As
primeiras pessoas que apareceram no momento em que tocou a terra o nosso
viajante, foram dois caçadores, que presenciaram as duas ascensões, que fez em
Lisboa; depois chegou a cavalo o Ajudante das Milícias de Vila do Conde, Lima,
que tendo descoberto o aeróstato da varanda da casa do seu Tenente Coronel se dirigiu
com ele para o sítio, em que lhes parecia cair o balão.
O Viajante recebeu dos
mesmos Senhores todos os socorros possíveis, e os maiores testemunhos de
estima; e, depois de ter pernoitado em casa do Ilustríssimo Major das
Ordenanças em Bagunte, para onde o conduziu seu Filho o Ilustríssimo Tenente
Coronel António Luiz, entrou no Porto no dia 26 quase ao meio dia, recebendo em
todos os lugares por onde passou imensas provas de grande satisfação, e os
aplausos que sempre costuma excitar em toda a parte esta rara e maravilhosa
experiência.
Reinou por toda a
parte a maior ordem e harmonia em tão imenso concurso, efeito das sábias ordens
que foram dadas pelo Ilustríssimo Desembargador Encarregado da Polícia, e pelo
Ilustríssimo e Excelentíssimo Tenente General, Governador das Armas.
– A tranquilidade, o
contentamento, e a boa ordem que resplandeciam por toda a parte, e esta
experiência feita em tais circunstâncias, parecia terem tornado este
espectáculo uma verdadeira festa.
No mesmo dia da viagem
o público à noite deu provas da afeição que tinha ao jovem aeronauta, mostrando
apenas acabou o teatro a sua impaciência, e o desejo de tornar a vê-lo; porém,
não lhe foi possível voltar na referida noite ao mesmo teatro, como tencionava,
para cumprimentar a tão respeitável reunião, e mostrar-lhe a sua eterna
gratidão.
NOTA: Mr. Eugénio
Robertson pela observação do barómetro avaliou a sua altura num quarto de légua
no momento da maior elevação."
In Gazeta de Lisboa
n.º 161, 10/Julho/1820
As subidas aos ares
continuaram durante o século XIX.
Em 1884, Emile
Castenet, balonista já conhecido, no Porto, por anteriores ascensões, decidiu
subir no seu balão “Portuense” com um burro amarrado à barquinha.
“O Primeiro de
Janeiro” de 25 de Março trazia um testemunho desta aventura contada pelo
próprio Emile Castenet:
“Aproximadamente
à altura de 800 metros fendi as nuvens e por cima d'ellas me conservei, subindo
à altura de 1.400 metros. Emergindo das nuvens, deparei com um espectáculo
surprehendente - um sol esplêndido, brilhante, quente, irradiante, dando às
nuvens a configuração de um mar de prata, accidentado de vagas. Por de cima
d’esse mar a sombra do balão, contornando-se nitidamente.
Obra ahi de 1.600
metros d'altura, mudou o balão de rumo, em direcção a Espinho. O aeróstato
subia sempre, rapidamente chegando a attingir uma altura de 2.000 metros.
Tentei descer por três vezes, mas inutilmente. O balão não obedecia porque o
gaz que eu expellia pela válvula, era substituído pela dilatação que ficava.
Subindo a uma altura de 2.000 metros, forcejei descer pela quarta vez, o que
consegui abrindo de todo a válvula. A 2.000 metros d'altura tomei a direcção 0
e a 1.500 o primitivo rumo.
A 700 metros
avistei terra. A descida operava-se com uma extraordinária velocidade quando me
encontrei sobre um extenso pinheiral. A fim de evitar a queda na matta,
descarreguei o ultimo sacco de areia e assim pude manter-me á mesma altura.
Pouco depois d'alguns minutos de marcha, avistei uma ampla campina. N'estes
comenos icei o burrico paro a barquinha e procurei arpoar a terra, lançando
ancora mas não dava em terra firme. N'isto o balão a poucos metros d'altura do
solo, esbarrou n'um pinheiral e a barquinha ficou ahi presa. O aeróstato
estacou, inclinou-se sobre a franja dos pinheiros, mas súbito levantou-se,
rompeu para o alto chegando a barquinha a despedaçar os ramos a que se tinha
enleado.
Por effeito do
impulso violento do balão, a cesta tombou e eu encontrei-me de cabeça para
baixo agarrado ás cordas. N'esta situação o burro cahiu na mesma posição que
levava quando sahiu do Palácio. O balão com o impulso do vento foi bater
n'outro pinheiral. A barquinha ia batendo d’árvore em árvore, e eu para evitar
qualquer desastre conservava-me de cócaras, agarrado às cordas. A corda da
ancora despedaçava os ramos das árvores, o gaz evadia-se e a corda a que ia
ligado o burro prendeu-se a um ramo, e como as forças do balão se extinguissem,
foi bastante a demora para que acudissem os lavradores, puxando a corda da
ancora e conseguindo por ultimo suspender o balão.
Desci às quatro
horas e meia em Cavadas, freguezia de Pijeiros, concelho de Villa da Feira.
Recebi os máximos cuidados das pessoas que me cercaram. Ahi me foi servido este
petisco "um tracanaz de broa e vinho" que me soube
extraordinariamente, pela muita fome que me devorava. O balão ficou um tanto
estragado. Metti-me n'um carro de bois e cheguei às duas horas da manhã ao Alto
da Bandeira. Querendo vir para a cidade, oppoz-se a isso um conductor de carros,
dizendo que áquella hora não podia atravessar a ponte. Fiquei pois, dentro do
carro, debaixo d'um alpendre, vestido apenas com a roupa com que subi. Ás cinco
da manhã, encaminhei-me para a cidade, chegando aqui (ao Porto) ás 6 horas.
Penaliza-me a sorte do burro”.
O sucesso, o
entusiasmo e a moda da subida em balão apossaram-se do Porto e alguns corajosos
e extravagantes decidiram, também, entrar nessa “corrida”. Os lugares
preferidos para as subidas eram o Palácio de Cristal, e as praças de touros da
Serra do Pilar e da Rua da Alegria.
Placa comemorativa, alusiva às diversas ascenções de balões, afixada numa parede dos jardins do
Palácio de Cristal, local de eleição dos aeronautas portuenses
Em 1903, o francês
Emile Carton acedeu a levar consigo no seu balão o conhecido balonista
conhecido por Mariposa, um entusiasta do balonismo, tendo-lhe dado noções de
como dirigir o balão. Era o farmacêutico gaiense Belchior Fernandes da Fonseca.
A “paixão” foi tal, que convenceu o seu amigo a vender-lho, tendo tido a
contribuição dos seus parceiros César Marques dos Santos e engenheiro José
António de Almeida. O aeróstato receberia o nome de “Lusitano”.
Com a presença de
multidões, subiram 3 vezes, tendo terminado o voo em diferentes lugares. O
Belchior, muito senhor de si, afirmava já ter conhecimentos suficientes para
mais ascensões.
Tendo sido prevenido
por Franz Burmester do perigo de ser desviado, por ventos em altitude, para o
mar, não levou em consideração tais avisos, afirmando, mesmo, “considero
estes ares como meus”.
Belchior Fernandes marcaria
uma nova ascensão, para 21 de Novembro de 1903, na qual embarcaram os seus
sócios. Tendo subido muito correctamente, dirigiu-se para Sul. Sobre Vila Nova
de Gaia, repentinamente virou a oeste, desaparecendo sobre o Atlântico. Ainda
foram enviados vários barcos em seu socorro, mas nunca mais os seus corpos
foram encontrados.
Esta tragédia foi,
durante muito tempo, motivo de conversa e de notícias nos jornais do Porto.
Havia quem comparasse os três desaparecidos a D. Sebastião, pois, muitas vezes,
corria o boato que alguém os tinha visto ou sabia onde se encontravam. Os
ceguinhos, à porta do mercado do Anjo, cantavam, em voz triste, as quadras do
Fado do Belchior!
Entretanto, o pai de
César Marques dos Santos estipularia um prémio equivalente ao peso em ouro do
seu filho, a atribuir a alguém que lhe trouxesse notícias dele advindo, daí, a
lenda do menino de ouro, nome que seria dado também à quinta da família em V.
N. de Gaia, que passou a ser conhecida por Quinta do Menino de Ouro, antes
chamada de Quinta da Chamorra, na freguesia de Vilar do Paraíso. Essa quinta
também era reconhecida por ter uma alta torre, de estilo gótico, levantada na
transição dos séculos XIX para XX.
“Ainda a terra
gaiense estava mergulhada na maior dor, pela perda no mar de três dos seus
filhos aeronautas, em 21 de Novembro de 1903, e já outro gaiense, nascido no
Candal e serralheiro de profissão, se preparava para o seu “baptismo” de voo em
aeróstato. Trata-se de António Bernardes, conhecido pela alcunha de
“Ferramenta”, o homem que acompanhou as ascensões de Emilie Carton, no Porto e
que era assíduo frequentador das tertúlias aeronáuticas na farmácia do
Belchior, na Rua Direita de Vila Nova de Gaia.
Também o
“Ferramenta” aspirava construir um balão e ascender nele e nem a tragédia do
desaparecimento do “Lusitano” o demoveu da sua paixão. António Bernardes
construiu o seu balão que denominou de “O Português”, com uma capacidade para 1
200 metros cúbicos, que poderia elevar-se com o peso bruto de 800 Kg e marcou a
sua primeira ascensão para o dia 3 de Abril de 1904 nos jardins do palácio de
Cristal. No dia aprazado o balão foi conduzido ao Palácio, em dois carros de
bois, com a filarmónica a abrir caminho. Quando se ensaiava a ascensão o
governador civil, temendo o pior, proibiu a subida. No entanto o “Ferramenta”
cortou as cordas e o balão depois de roçar nas tílias subiu mesmo, perante os
aplausos do público. Andou quatro horas pelo ar e foi pousar num campo, em S.
Cosme, no concelho de Gondomar.
Em Setembro de
1904 o governador civil do Porto negou aos aeronautas “Ferramenta” e Magalhães
Costa autorização para nova ascensão.
Entretanto,
Ferramenta construiu um novo balão, o “Nacional”, com 22 metros de comprimento
e capacidade para 800 m3 de gás o qual foi exposto na Praça de Touros da Serra
do Pilar. Nele fez uma primeira ascensão em Lisboa, na Praça de Algés, com uma
subida pouco feliz. Repetiu depois no Jardim Zoológico de Lisboa, perante a
assistência entusiástica de milhares de pessoas e foi pousar próximo de Santo
António da Charneca, depois de ter subido a grande altura e de ter pairado no
ar durante bastante tempo.
Transcrevemos a
notícia dada pelo jornal “A Defesa”, do Candal, na sua edição de 5 de Abril de
1905, que seguia de perto o percurso do seu conterrâneo.
De seguida partiu
para o Brasil onde fez subidas em S. Paulo, Pernambuco, Pará e Rio de Janeiro
mobilizando grande entusiasmo junto da comunidade portuguesa que o aplaudiu
como um herói.
Depois deste
périplo regressou a Gaia, em 1906, cheio de dinheiro e fama. Reuniu enormes
apoios para a construção de um aparelho mais sofisticado tendo partido para
Paris onde desenvolveu um balão que baptizou com o nome de “Internacional”. Com
ele fez uma série de ascensões, com o maior êxito, no Porto, em Lisboa e na
Figueira da Foz.
Em Julho de 1906
realizou na Praça de Toiros da Rua da Alegria, perante uma multidão de mais de
15 000 pessoas, a 24ª. ascensão.
…Em Julho de 1907
quando o “Ferramenta” juntamente com os barqueiros Alfredo “Bóia” e Augusto
“Intruja” e auxiliado pelos seus amigos Alfredo Pinheiro da Rocha, Carlos
Saraiva e Manuel Fonseca “Carne Seca”, procediam ao enchimento do seu
“Aero-Móvel”, deu-se uma inesperada fuga de gás que provocou uma intoxicação
que os deixou a todos em estado grave. Este acidente foi fatal para António
Bernardes “Ferramenta” que não resistiu aos gases mortíferos e sucumbiu, depois
de ter efectuado, com êxito, nada menos que 31 ascensões”.
In blogue Memórias
Gaienses
Facto insólito nos
céus de Pedroso, em 1857
Corria o Verão de 1857 e, em 2 de Agosto de 1857, o
balonista aerostático Jean Eugène Poitevin, nos céus de Pedroso, seria corrido
a tiro, mas são e salvo pernoitaria na Quinta da Paradela, do Regedor de
Pedroso.
Jean Eugène Poitevin tinha partido, naquele dia, às 6 horas
da tarde, do Tivoli e pelas 7 e meia estava a descer no Monte de Lamaçais, na
freguesia de Pedroso.
O tal Tivoli, à data, ocuparia um terreno que ia da Rua
Formosa à Rua de Santo Ildefonso (terrenos da antiga Quinta das Lamelas e, mais
tarde, do Coliseu e Garagem Passos Manuel), pois a Rua de Passos Manuel ainda
não tinha sido rasgada.
Cerca de um ano antes, o aeronauta que costumava ser
acompanhado nestas aventuras pela sua esposa Louise, em Lyon, em 2 de Setembro
de 1856, tinha sofrido um acidente que relatou do seguinte modo:
"Fiz aqui no
domingo passado, anteontem, minha última subida, havia um vento terrível que
sempre aumentava até a hora da minha partida. Durante a descida, aconteceu-me
um infortúnio, a âncora estava solidamente engatada nos ramos de um vigoroso
carvalho”.
Sobre o episódio acontecido, em V. N. de Gaia, o periódico
do Rio de Janeiro “Correio Mercantil” publicava, em 18 de Setembro de 1857, uma
carta datada de 4 de Agosto de 1857, que aquele balonista tinha enviado à redacção
do “Commercio”, a contar o sucedido.
Na ocasião, aproveitava para anunciar a próxima subida aos
ares, no Porto, marcada para o Domingo, 16 de Agosto.
No texto da carta, Eugène Poitevin realçava a atitude do
regedor, em face do sobressalto a que tinha estado sujeito, durante a aterragem
do seu balão.
Em Portugal, entre 1836 e 1977, o regedor era o
representante da administração central junto de cada freguesia.
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