Em Dezembro de 1788, o arquitecto irlandês James Cavanah
Murphy (1760-1814) incumbido de realizar o levantamento do Mosteiro da Batalha, desembarca, para o efeito, num cais do rio Douro. Irá cumprir a viagem para sul
em carruagem.
Vista sobre o Porto e Ribeira do Porto obtida a partir da
Ribeira de Gaia (1789) – Gravura de Teodoro de Sousa Maldonado
Da sua permanência em Portugal irá, mais tarde, publicar
duas obras: Travels in Portugal, London, 1795; General View of the State of Portugal, London, 1798.
No início de 1789, James Murphy empreende uma viagem por
terra, para sul, até à Batalha (onde se deteve por cerca de 3 meses) tendo,
então, seguido por outros itinerários no sul do país.
No que concerne ao estado das vias de comunicação, naqueles
tempos, pode dizer-se que a única ligação aceitável, era a que ia de Lisboa a
Coimbra.
A construção e a conservação de estradas e caminhos, até ao
século XVIII, esteve a cargo dos concelhos, que nunca tinham orçamentos que
permitissem tarefa de tal dimensão.
Em 1788, D. Maria l manda construir, uma estrada de Lisboa
ao Porto.
Em complemento, D. Maria I determina a publicação do alvará
de 28 de Março de 1791:
“Eu a Rainha. Faço saber aos que este Alvará
virem: que tendo entendido o estado de ruína em que se achão as Estradas
Públicas do Reino, ainda a mais principal delas, que comunica esta capital com
a Cidade do Porto […]. Resolvi mandar proceder ás Obras de Construção das
Estradas principais, dirigidas á cómmoda, e útil comunicação interna deste
Reino; Ordenando que elas fossem gradualmente construindo pelo Methodo,
Regulamento, e Plano, que tenho determinado.”
A nova estrada, que foi determinado unir as duas principais
cidades do país, irá ser começada de sul para norte. Acabará por chegar a
Coimbra, mas, devido a várias condicionantes e imprevistos, como sejam as
invasões francesas acontecidas no início do século XIX, não terá quaisquer
desenvolvimentos entre a cidade coimbrã e o Porto.
No percurso Lisboa-Coimbra, só a partir de 1798 (com duração
de quarenta horas) foi possível a introdução da Mala-Posta, com alguns períodos
de várias interrupções, e o serviço só seria prolongado até ao Porto, em 1855.
Àquele serviço de correio associava-se o de passageiros.
É, num contexto, ainda anterior a este, que vai decorrer a
viagem de James Murphy, que terá como destino Coimbra. Começará no dia 23 de
Janeiro de 1789, e vai ser por ele narrada numa das suas obras.
Em 23 de Janeiro de 1789, James Murphy põe o pé na estrada,
atravessando o rio Douro, com certeza, a bordo de uma barcaça, pois a Ponte das
Barcas não tinha sido levantada e só seria inaugurada em 1806.
1. Porto - Carvalhos
23 Janeiro (6ª Feira)
“Assim que atravessamos o Douro, juntaram-se-nos três
outras carruagens que regressavam a Lisboa; duas delas estavam vazias, a outra
tinha sido contratada por um senhor da província do Minho.
Este senhor tem sido o meu topógrafo na estrada; e temo
que os nomes de alguns lugares, não encontrados nos mapas portugueses, façam
parte da corrupta ortografia local, onde se fala um dialecto entre o português
e o espanhol.
Fomos também acompanhados, no primeiro dia de viagem, por
quatro galegos, contratados pelos arrieiros para os ajudar a resgatar os seus
veículos e mulas dos obstáculos que se interpunham.
É extraordinário
que tão perto da segunda cidade do reino não haja um caminho a que possamos
chamar de estrada; é verdade que alguns esforços foram
feitos para abrir uma, mas foi tão mal planeada que na primeira enchente
provocada pelas chuvas a maior parte dela foi varrida.
Não teríamos podido prosseguir sem a ajuda desses
muleteiros, visto que as mulas caíam a cada momento, ou ficavam atoladas na
lama, onde teriam permanecido, se não fossem os esforços de toda a companhia.”
“Às quatro horas da tarde chegamos a Dos Carvalhos num
estado miserável; mulas e almocreves, galegos e passageiros, todos com os trajes,
salpicados da cabeça aos pés.
A Estalagem dos Carvalhos ou Caravansary of the
Oaks, dista cerca de uma légua do Porto, e de onde partimos às 9 horas da
manhã, concluiu esta jornada.”
James Murphy deixa-nos, na oportunidade, uma descrição da
Estalagem dos Carvalhos e uma gravura da mesma na sua obra Travels in
Portugal.
“A Estalagem apresenta
uma arquitectura rural e popular. O edifício tem um rés-do-chão que se prolonga
em alpendre o qual se abre para um pátio. Num corpo de uma das extremidades do
edifício colocavam-se os estábulos. No corpo principal a porta da entrada e a
sala das refeições. O piso superior era reservado para os quartos”.
2. Carvalhos – Arrifana (Santo António da
Rafana)
24 Janeiro (Sábado)
“Aqui os nossos galegos entregaram-nos à nossa sorte e
regressaram ao Porto. Às cinco da manhã continuamos o nosso caminho, no meio de
uma chuva incessante, até Santo António da Rafana, onde nos alojámos para pernoitar.
A refeição, que incluiu jantar e ceia, consistia em pão,
vinho, peixe seco e azeite; o último eu não provei, pois reparei no galheteiro
reabastecido com a lamparina. Um senhor português que se sentou ao meu lado
gritou num inglês estropiado: "Isso é péssimo, senhor, mas não espere
melhor até chegar a Lisboa."
3. Arrifana – Albergaria-a-Velha (Algarve
Veilha)
25 Janeiro (Domingo)
“Os nossos arrieiros recusaram-se a partir esta manhã sem
antes assistir à missa. Acompanhamo-los a uma pequena capela, a cerca de meia
milha da aldeia, onde um venerável velho padre celebrou o serviço do dia com
grande decência.
O auditório tinha uma aparência de respeitabilidade e não
se via, entre as pessoas, nenhuma cuja maneira de vestir denotasse miséria. A
jornada daquele dia foi mais gratificante do que a anterior, pois o tempo
estava bom e o caminho razoavelmente limpo.
Em direção ao Oeste contemplámos uma agradável vista
sobre o mar; as terras das margens pareciam bem cultivadas e as montanhas
plantadas com árvores. Às cinco horas concluímos a nossa viagem, numa pequena
aldeia chamada Algarve Veilha, a nove léguas bem contadas do
Porto.”
4. Albergaria-a-Velha
– Mealhada (Mealhado)
26 Janeiro (2ª Feira)
Em direcção à
Mealhada, James Murphy atravessa o rio Vouga e o Rio da Bella (Rio Águeda??),
passa no Sardad (Sardão), pela Villa
Bella (Avelãs de Caminho) e, no final da tarde, dessa 2ª Feira, Murphy
assinala a sua chegada à Mealhada, onde pernoita.
“Partimos às seis da manhã, e passamos por uma região
abundante, diversificada com vales e serras, revestidas de bosques de abetos e
sobreiros. Atravessando o rio Vouga encontramos outro, a curta distância, com o
nome de Rio da Bella.
Depois de tomarmos um refresco no Sardad passamos
pela Villa da Bella cuja aparência não justifica o nome.
Mealhado fecha a jornada; assim que assentamos, a
mesa estava posta com pão, mel, fruta e vinho.”
4. Mealhada - Coimbra
27 de Janeiro (3ª
Feira)
E, finalmente, às 10 horas da manhã de 3ª Feira, Murphy
chega a Coimbra, cujo panorama o surpreende e encanta e que, por isso, descreve
romanticamente.
“O dia 27 de Janeiro ofereceu a paisagem mais sublime que
já vi. Chegamos ao cimo da montanha mais isolada nesta parte do país ao nascer
do dia, quando alguns raios brilhantes, de uma cor púrpura profunda, começaram
a despontar no céu a nascente. Estes logo se transformaram num feixe de raios
de um tom de açafrão, que pareciam ascender como as chamas de um vulcão; a sua
rápida expansão dissipou instantaneamente todas as sombras e encheu o horizonte
com um glorioso esplendor.”
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