terça-feira, 7 de novembro de 2023

25.210 Coimbra tão perto e tão longe

 
Em Dezembro de 1788, o arquitecto irlandês James Cavanah Murphy (1760-1814) incumbido de realizar o levantamento do Mosteiro da Batalha, desembarca, para o efeito, num cais do rio Douro. Irá cumprir a viagem para sul em carruagem.

 
 
 
Vista sobre o Porto e Ribeira do Porto obtida a partir da Ribeira de Gaia (1789) – Gravura de Teodoro de Sousa Maldonado

 
 
Da sua permanência em Portugal irá, mais tarde, publicar duas obras: Travels in Portugal, London, 1795; General View of the State of Portugal, London, 1798.
No início de 1789, James Murphy empreende uma viagem por terra, para sul, até à Batalha (onde se deteve por cerca de 3 meses) tendo, então, seguido por outros itinerários no sul do país.
No que concerne ao estado das vias de comunicação, naqueles tempos, pode dizer-se que a única ligação aceitável, era a que ia de Lisboa a Coimbra.
A construção e a conservação de estradas e caminhos, até ao século XVIII, esteve a cargo dos concelhos, que nunca tinham orçamentos que permitissem tarefa de tal dimensão.
Em 1788, D. Maria l manda construir, uma estrada de Lisboa ao Porto.
Em complemento, D. Maria I determina a publicação do alvará de 28 de Março de 1791:
 
 
 “Eu a Rainha. Faço saber aos que este Alvará virem: que tendo entendido o estado de ruína em que se achão as Estradas Públicas do Reino, ainda a mais principal delas, que comunica esta capital com a Cidade do Porto […]. Resolvi mandar proceder ás Obras de Construção das Estradas principais, dirigidas á cómmoda, e útil comunicação interna deste Reino; Ordenando que elas fossem gradualmente construindo pelo Methodo, Regulamento, e Plano, que tenho determinado.”
 
 
 
A nova estrada, que foi determinado unir as duas principais cidades do país, irá ser começada de sul para norte. Acabará por chegar a Coimbra, mas, devido a várias condicionantes e imprevistos, como sejam as invasões francesas acontecidas no início do século XIX, não terá quaisquer desenvolvimentos entre a cidade coimbrã e o Porto.
No percurso Lisboa-Coimbra, só a partir de 1798 (com duração de quarenta horas) foi possível a introdução da Mala-Posta, com alguns períodos de várias interrupções, e o serviço só seria prolongado até ao Porto, em 1855.
Àquele serviço de correio associava-se o de passageiros.
É, num contexto, ainda anterior a este, que vai decorrer a viagem de James Murphy, que terá como destino Coimbra. Começará no dia 23 de Janeiro de 1789, e vai ser por ele narrada numa das suas obras.


 

Tipo de carruagem usada, possivelmente, por James Murphy, puxada por mulas

 
 
Em 23 de Janeiro de 1789, James Murphy põe o pé na estrada, atravessando o rio Douro, com certeza, a bordo de uma barcaça, pois a Ponte das Barcas não tinha sido levantada e só seria inaugurada em 1806.


 
1. Porto - Carvalhos
23 Janeiro (6ª Feira)
 
 
“Assim que atravessamos o Douro, juntaram-se-nos três outras carruagens que regressavam a Lisboa; duas delas estavam vazias, a outra tinha sido contratada por um senhor da província do Minho.
Este senhor tem sido o meu topógrafo na estrada; e temo que os nomes de alguns lugares, não encontrados nos mapas portugueses, façam parte da corrupta ortografia local, onde se fala um dialecto entre o português e o espanhol.
Fomos também acompanhados, no primeiro dia de viagem, por quatro galegos, contratados pelos arrieiros para os ajudar a resgatar os seus veículos e mulas dos obstáculos que se interpunham.
É extraordinário que tão perto da segunda cidade do reino não haja um caminho a que possamos chamar de estrada; é verdade que alguns esforços foram feitos para abrir uma, mas foi tão mal planeada que na primeira enchente provocada pelas chuvas a maior parte dela foi varrida.
Não teríamos podido prosseguir sem a ajuda desses muleteiros, visto que as mulas caíam a cada momento, ou ficavam atoladas na lama, onde teriam permanecido, se não fossem os esforços de toda a companhia.”
“Às quatro horas da tarde chegamos a Dos Carvalhos num estado miserável; mulas e almocreves, galegos e passageiros, todos com os trajes, salpicados da cabeça aos pés.
A Estalagem dos Carvalhos ou Caravansary of the Oaks, dista cerca de uma légua do Porto, e de onde partimos às 9 horas da manhã, concluiu esta jornada.”
 
 
James Murphy deixa-nos, na oportunidade, uma descrição da Estalagem dos Carvalhos e uma gravura da mesma na sua obra Travels in Portugal.

 
 

A View of the Caravansary of the Oaks (Estalagem dos Carvalhos) –Ed. James Murphy
 
 
 
“A Estalagem apresenta uma arquitectura rural e popular. O edifício tem um rés-do-chão que se prolonga em alpendre o qual se abre para um pátio. Num corpo de uma das extremidades do edifício colocavam-se os estábulos. No corpo principal a porta da entrada e a sala das refeições. O piso superior era reservado para os quartos”.
 
 
 
 
 
2. Carvalhos – Arrifana (Santo António da Rafana)
24 Janeiro (Sábado)
 
 
“Aqui os nossos galegos entregaram-nos à nossa sorte e regressaram ao Porto. Às cinco da manhã continuamos o nosso caminho, no meio de uma chuva incessante, até Santo António da Rafana, onde nos alojámos para pernoitar.
A refeição, que incluiu jantar e ceia, consistia em pão, vinho, peixe seco e azeite; o último eu não provei, pois reparei no galheteiro reabastecido com a lamparina. Um senhor português que se sentou ao meu lado gritou num inglês estropiado: "Isso é péssimo, senhor, mas não espere melhor até chegar a Lisboa."
 
 
 
 
3. Arrifana – Albergaria-a-Velha (Algarve Veilha)
25 Janeiro (Domingo)
 
 
 
“Os nossos arrieiros recusaram-se a partir esta manhã sem antes assistir à missa. Acompanhamo-los a uma pequena capela, a cerca de meia milha da aldeia, onde um venerável velho padre celebrou o serviço do dia com grande decência.
O auditório tinha uma aparência de respeitabilidade e não se via, entre as pessoas, nenhuma cuja maneira de vestir denotasse miséria. A jornada daquele dia foi mais gratificante do que a anterior, pois o tempo estava bom e o caminho razoavelmente limpo.
Em direção ao Oeste contemplámos uma agradável vista sobre o mar; as terras das margens pareciam bem cultivadas e as montanhas plantadas com árvores. Às cinco horas concluímos a nossa viagem, numa pequena aldeia chamada Algarve Veilha,  a nove léguas bem contadas do Porto.”
 
 
 
 
4. Albergaria-a-Velha – Mealhada (Mealhado)
26 Janeiro (2ª Feira)
 
 
Em direcção à Mealhada, James Murphy atravessa o rio Vouga e o Rio da Bella (Rio Águeda??), passa no Sardad (Sardão),  pela Villa Bella (Avelãs de Caminho) e, no final da tarde, dessa 2ª Feira, Murphy assinala a sua chegada à Mealhada, onde pernoita.
 
 
“Partimos às seis da manhã, e passamos por uma região abundante, diversificada com vales e serras, revestidas de bosques de abetos e sobreiros. Atravessando o rio Vouga encontramos outro, a curta distância, com o nome de Rio da Bella.
Depois de tomarmos um refresco no Sardad passamos pela Villa da Bella cuja aparência não justifica o nome.
Mealhado fecha a jornada; assim que assentamos, a mesa estava posta com pão, mel, fruta e vinho.”
 
 
 
4. Mealhada - Coimbra
27 de Janeiro (3ª Feira)
 
 
E, finalmente, às 10 horas da manhã de 3ª Feira, Murphy chega a Coimbra, cujo panorama o surpreende e encanta e que, por isso, descreve romanticamente.
 
 
“O dia 27 de Janeiro ofereceu a paisagem mais sublime que já vi. Chegamos ao cimo da montanha mais isolada nesta parte do país ao nascer do dia, quando alguns raios brilhantes, de uma cor púrpura profunda, começaram a despontar no céu a nascente. Estes logo se transformaram num feixe de raios de um tom de açafrão, que pareciam ascender como as chamas de um vulcão; a sua rápida expansão dissipou instantaneamente todas as sombras e encheu o horizonte com um glorioso esplendor.”


 
 

Cidade de Coimbra (1812) – Pintura de Thomas Staunton St. Clair (1785-1847); gravura C. Turner and Colnaghi, London 1815; Colecção do Royal Collection Trust

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