Muitos foram os escritores que tiveram a Foz como motivo ou
referência, que lá nasceram, viveram, a frequentaram ou morreram.
Ramalho Ortigão foi um dos que descreveram a Foz do Douro
como a viveu, e nos transmitiu essas mesmas vivências nos seus escritos.
Nascido no Porto, a 24 de Outubro de 1836, na freguesia de
Santo Ildefonso, na Casa de Germalde (à Lapa), onde foi criado pela avó,
matriculou-se com a idade de catorze anos no curso de Direito da Universidade
de Coimbra, que não chegou a terminar e, na sequência, começaria a leccionar
francês no colégio dirigido por seu pai, o Colégio da Lapa.
Os textos seguintes de Ramalho Ortigão escritos em 1876, mas
que reportavam à sua infância c. 1845, apontavam para algumas particularidades
da Foz do Douro no que respeitava à hospedagem e, ainda, ao modo como os tempos
de ócio eram passados.
Há quem diga que o
escritor Ramalho Ortigão terá vivido na Foz do Douro, mas não existe qualquer prova
do local exacto.
Aponta-se para uma
casa em Carreiros, à data, ainda em território de Bouças, frente ao paredão do
quebra-mar, um pequeno porto de abrigo das lanchas de pesca em dias de mau
tempo.
Hospedarias na Foz do Douro c. 1845 – Fonte: Ramalho
Ortigão, In “As praias de Portugal: guia do banhista e do viajante”-1876
Descrição de tempos de ócio passados na Foz do Douro c. 1845
– Fonte: Ramalho Ortigão, In “As praias de Portugal: guia do banhista e do
viajante” – 1876
Lancemos agora um olhar para o carneiro que encima o “Chalet
e que o seu fundador, o Senhor António dos Santos Carneiro, quis que ficasse
bem à vista, quando o construiu em 1873.
”Chalet do Carneiro” chamou-se ele muitos anos, até que em
1906, o vendeu ao inglês Charles Frederick Chambers, vendendo este, por sua
vez, após 1910, ao suíço Jácome Rasker, crismando-se definitivamente com o nome
por que o conhecemos vai para mais de cem anos.
Pois o “Chalet”, ficará ligado a muitos escritores e poetas
que o frequentaram e foi ao longo dos anos um centro de tertúlia e de
referência desde Camilo Castelo Branco a Eça de Queirós, a Ramalho Ortigão,
Arnaldo e Augusto Gama, Júlio Lourenço Pinto, Diogo de Macedo, Delfim Maia e
Alberto Pimentel, Raul Brandão, Guerra Junqueiro e Araújo Correia, até aos
contemporâneos Eugénio de Andrade, António Rebordão Navarro e Vasco Graça
Moura, entre muitos outros escritores, jornalistas e artistas.
Bem perto do “Chalet” está o Hotel da Boa Vista e o Forte de
S. João.
Pelo hotel descobriu Camilo, a querer passar por
despercebida, uma D. Aldonça, que iria consolar-se com uns bifes de cebolada
(“No Bom Jesus do Monte”,1864) e com uns amores um pouco fugidios…Eça de
Queirós também por lá andou, e Ramalho, e outros frequentadores que abancavam no
“Chalet Suiço”.
Já no que concerne ao forte, por exemplo, diz Camilo num
arrebatamento lírico que nos leva até à história do Castelo de S. João da Foz,
no seu “Mosaico de Curiosidades…”(1885):
“Nas salas da pacífica
fortaleza da cidade do Porto, há catorze anos que fugiam as noites e alvoreciam
as manhãs, esmaiando, sem poder quebrantar, a formosura das graciosas damas que
dispartiam à volta delas o excedente da sua felicidade”.
Mas não foi só Camilo que se arrebatou naquelas muralhas. Já
quase no nosso tempo, Florbela Espanca (1894-1930) também por ali andou.
Casada, primeiro, com um Oficial da guarnição e depois, com o médico militar
também ali prestando serviço, nos meses em que lá viveu, escreveu vários poemas
que se assinalam na sua Obra (”Perdi meus fantásticos castelos/como névoa distante
que se esfuma”, e por aí adiante…).
Por toda a Foz velha as memórias dessa gente, ligada à
literatura, estão bem presentes.
Na Rua das Motas, quase em frente ao histórico Orfeão da
Foz, encontramos o que foi um dos hotéis mais emblemáticos da Foz “literária”:
o Hotel, depois Pensão Mary Castro, hoje uma residência particular.
Aqui não só se hospedou Camilo, mas, também, Eça, Ramalho,
Guerra Junqueiro, Alberto Pimentel e mais uns quantos escritores de nomeada,
que, ora ficavam aqui ou no Hotel da Boa Vista.
Bem perto, na Rua Padre Luís Cabral, no nº 901, que antes foi chamada
de Rua Central, está a casa onde nasceu o Padre Luís Cabral que, exilado no
Brasil, foi professor do escritor Jorge Amado.
Padre jesuíta, professor e orador, o Padre Luís Cabral
nasceu a 1 de Outubro de 1866, na Foz do Douro.
A casa da foto acima está situada na Rua Padre Luís Cabral
nº 901.
“Educado por jesuítas
desde 1882, Luís Gonzaga Cabral frequentou o Noviciado do Barro, em Torres
Vedras, estudou no Colégio de S. Francisco de Setúbal, cursou Filosofia, em
Uclés (Espanha), e Teologia, em Vals (França). Foi ordenado sacerdote em 1897
e, um ano depois, passou a lecionar no Colégio Lisboeta de Campolide do qual
foi reitor, entre 1903 e 1908. Em 1908, foi designado Provincial da Companhia
de Jesus, em Portugal, cargo que ocupou até 1912. De 1912 a 1916, foi professor
de Literatura e Oratória dos estudantes exilados na Bélgica, partindo para o
Brasil, em 1917. Aí leccionou Filosofia, Apologética, Língua e Literatura
Portuguesa e Latina no Colégio António Vieira, na Baía, tornando-se diretor
dessa instituição entre 1930 e 1933”.
Fonte: Infopédia
No nº 28 da Rua Alegre fica a casa que foi de Arnaldo Gama,
autor do “Sargento-Mor de Vilar” e onde Camilo se hospedou variadíssimas vezes.
Na Rua Raúl Brandão, nº 62, encontra-se a casa que tem sido
referida como aquela em que nasceu, viveu e escreveu parte da sua obra o escritor
Raúl Brandão (1867 – 1930).
Por isso, na sua fachada, está colocada uma placa alusiva a
esse facto.
Todavia, no seu livro “Cantareira, 61”, o investigador
Joaquim Pinto da Silva refere que, após o estudo de alguma correspondência do
escritor, nomeadamente a trocada com Teixeira de Pascoaes, é especificado nela,
como endereço, o de Cantareira, 61, que corresponderá, hoje, à Rua do Passeio
Alegre, 254.
A casa terá sido, mesmo, propriedade de Raúl Brandão e,
antes, de seu pai, José Germano Brandão.
Este, em 1883, requeria à Câmara do Porto uma licença de
obra (nº 797/1883), para alteração de umas escadas (que serviriam também um prédio
vizinho em Cantareira, nº 65, propriedade da sua sogra – Margarida Ferreira de
Almeida).
Sabe-se que, a
certidão de nascimento de Raúl Brandão refere-o como nascido na Rua da Bela Vista
(actual Rua Raúl Brandão), morada que poderá ser a residência de uma sua tia,
irmã de sua mãe.
Admite-se, assim,
que a mãe de Raul Brandão, Laurinda Ferreira de Almeida, tenha ido ter o filho
à casa da irmã, talvez por esta ter melhores condições, embora já então morasse
na Cantareira.
Portanto, Raúl
Brandão poderá até ter nascido por aí, no entanto, nunca será o local onde
escreveu e viveu. A descrição que fez em algumas das suas obras, desse local,
dizem, de facto, respeito à morada, Cantareira, 61, mormente as que visavam o
chafariz da Cantareira (ainda existente) e algumas rotinas diárias dos
pescadores.
Em 1909, Raul Brandão e a mulher tornaram-se mesmo
proprietários desta casa da Cantareira, arrematando uma hipoteca feita por
Germano Brandão, seu pai.
A casa que foi de Raúl Brandão e de seu pai, a meio da foto,
na Rua do Passeio Alegre, nº 254 – Fonte: Google maps
Cantareira em 1891. A casa onde viveu Raúl Brandão fica bem
à direita da foto – Ed. “O Progresso da Foz”; Fonte: AHMP
Casa que, até há pouco tempo, foi identificada como aquela onde
nasceu e viveu Raúl Brandão - Ed. MAC
Muito perto do chafariz do Jardim do Passeio Alegre, virado
para o rio, fica o monumento (na foto abaixo) a Raúl Brandão (1867-1930), da
autoria do arquitecto Rogério Azevedo, com esculturas de Henrique Moreira,
inaugurado em 12 de Março de 1967, para comemorar o centenário do seu
nascimento.
À entrada do paredão do farol de Felgueiras, pode ver-se uma
escultura de José Rodrigues em homenagem ao escritor Ferreira de Castro.
Na Rua do Passeio Alegre no nº 544 viveu e trabalhou António
Rebordão Navarro que viria a falecer em 22 de Abril de 2015.
A casa foi doada à sociedade Portuguesa de autores pelo
escritor que foi autor de uma vasta obra literária, da qual se destacam:
"Romagem a Creta" (1964) finalista do Concurso Literário
Internacional Ateneo Arenyense; "Barcelona, Um Infinito Silêncio",
Europa-América (Prémio Alves Redol, 1970); "O Parque dos Lagartos",
Bertrand (1981); "Mesopotâmia", Difel, 1985, (Prémio Internacional
Miguel Torga 1984); "A Praça de Liège", Bertrand, (Prémio Círculo de
Leitores, 1988).
A casa central da
foto acima pertenceu, antes de 1930, às famílias Magalhães Forbes e Tameirão
Navarro.
É agora propriedade da cooperativa Sociedade Portuguesa de
Autores a quem foi doada em 2010, tendo esta entidade criado um prémio
literário com o nome do escritor António Rebordão Navarro (1933-2015), que nela habitou.
Na foto abaixo observa-se a casa que foi sede da Fundação
Eugénio de Andrade, na esquina da Rua do Passeio Alegre com a Calçada de
Serrúbia, aberta em 1995 e extinta em 2011, onde o poeta habitou os últimos
anos da sua vida.
Em Fevereiro de 2020, a casa onde habitou Eugénio de Andrade
foi cedida à União de Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde.
O espólio presente na casa já tinha sido transferido, antes,
para a sala Eugénio Andrade, na Biblioteca São Lázaro.
Em 2022, aquele espólio foi novamente transferido para a
“Casa dos Livros”, inaugurada no Palacete Burmester, à Rua do Campo Alegre, em
1 de Abril de 2022.
A cedência gratuita da chamada "Casa de Serrúbia"
já tinha sido feita pela autarquia portuense em 1997.
A ideia era que aí pudesse ser instalada a Fundação Eugénio
de Andrade, o que aconteceu.
No entanto, seis anos depois da morte do poeta, em Setembro
de 2011, a fundação foi extinta e o espaço deixou de ter utilização pública.
Na Rua de Diu, no nº 159, acima na foto, viveu e escreveu
Antero de Figueiredo, consagrado com um busto no largo, à beira do Mercado da
Foz, do escultor Henrique Moreira.
Na Rua de Gondarém, no nº 500, está a casa onde viveu e
morreu o que poderá considerar-se um dos maiores investigadores da História do
Porto, Artur de Magalhães Basto.
A casa onde viveu e morreu Artur Magalhães Basto
Na Avenida do Brasil, nº 250, viveu João Pina de Morais
nascido em Valdigem, Lamego.
Na foto acima, na Avenida do Brasil, nº 531, viveu e morreu
António Nobre.
Na foto acima, está a casa onde nasceu António Nobre, no nº
469, da Rua de Santa Catarina.
Desaparecida a casa onde faleceu António Nobre, a cidade
parecia querer apagar as memórias do poeta com o desaparecimento, também, do
busto que estava, há anos, no Jardim da Cordoaria.
A inauguração do monumento a António Nobre, no Jardim da
Cordoaria, em mármore róseo, da autoria do arquitecto Correia da Silva,
ocorreria em 26 de Março de 1927.
António Nobre
António Pereira Nobre nasceu a 17 de Agosto de 1867, no
Porto, sendo filho de José Pereira Nobre, da Lixa, e de Ana de Sousa, natural
do Seixo, freguesia de São Mamede de Recezinhos, Penafiel.
Nascido, portanto, no Porto, na Rua Santa Catarina, numa
manhã de Agosto de 1867, foi registado na Igreja de Santo Ildefonso com o nome
de António Pereira Nobre.
Em 1888, matriculou-se na Universidade de Coimbra, mas
reprovou por duas vezes e abandonou o curso.
No ano seguinte parte para Paris, onde durante os cinco anos
seguintes tira a licenciatura em Ciências Políticas e conhece Eça de Queiroz.
Vítima da tuberculose, tenta a cura em sanatórios da Suiça e
Nova Yorque e na calmaria de seixo, em Penafiel.
Viria a morrer em 18 de Março de 1900, na Foz do Douro, onde
vivia e com, apenas, 33 anos de idade.
“A infância e a
adolescência de António Nobre foram passadas entre Leça da Palmeira, onde o
pai, antigo emigrado no Brasil, possuía uma quinta e a Foz do Douro. A praia de
Leça era, nessa altura, frequentada pela fina-flor da colónia inglesa radicada
no Porto. Foi aqui que, muito provavelmente, conheceu os seus primeiros amores
e viveu os seus romances, mas enamorou-se por Leça e, por isso, presta-lhe
homenagem na sua obra.
(…) Hoje, Leça da
Palmeira presta-lhe homenagem através do conjunto escultórico situado na zona
envolvente do Farol da Boa Nova. As esculturas, representando o poeta e as suas
musas inspiradoras, são de 1974, da autoria do escultor Barata Feyo.
Fonte: “leca-palmeira.com/”
Com vinte anos, um ano antes de partir para Coimbra, António
Nobre estava profundamente apaixonado e escreve um poema de amor dedicado a Ana
Maria Antónia Holstein que, em 1889, casaria com Joaquim Augusto de Pinho
Mendonça.
A visada era filha da fundadora do Colégio Luso-Italiano, da
Rua do Bonjardim, Rachel de Sousa Holstein.
Poema de amor de António Nobre
Segundo Guilherme Felgueiras na sua “Monografia de
Matosinhos”, 1958, pág. 488-489, a 22 de Junho de 1932, a Câmara de Matosinhos
resolve dar o nome de Rua de António Nobre à antiga Rua do Sinal, em Leça da
Palmeira.
Transcrição da
placa
Na praia lá da Boa Nova, um dia,
Edifiquei (foi esse o grande mal)
Alto Castelo, o que é a fantasia,
Todo de lápis-lazulli e coral!
Estátua de António Nobre junto ao farol de Leça da Palmeira,
em S. Clemente das Penhas – Fonte: “leca-palmeira.com/”
Entretanto, as largas temporadas que passou no Seixo, terra
de sua mãe, estão referenciadas na sua poesia, como por exemplo na sua obra
“Só”, onde vários poemas como “António”, “Certa Velhinha” falam dessas
vivências, bem como posteriormente as passagens relativas à estalagem de Casais
das senhoras Andrades (actualmente conhecida por residencial Bolinhos de Amor),
em que costumava passar muito do seu tempo.
Aliás, esta demanda, prendia-se com a sua doença, a
tuberculose, da qual viria a falecer a 18 de Março de 1900, na Foz, deixando um
precioso espólio literário.
Em Casais Novos escreveu os seguintes poemas publicados nos
“Primeiros Versos”: “O Amor”, “Inglesinha”, “Inglesa”, “Quando eu Morrer”, “As
Algas”, “Quando chegar a Hora”.
O poeta era irmão do zoólogo Augusto Nobre que deu o nome ao
chamado Aquário da Foz e que tinha casa na Avenida Brasil onde o poeta viria a
morrer.
Sobre a abertura do Aquário Augusto Nobre é a notícia que se
segue.
“Vai dentro de alguns
dias, ser franqueada ao público a Estação Marítima de Zoologia e Aquário da
Foz, anexo da Faculdade de Sciencias do Porto, o qual faz parte do Instituto de
Zoologia da Universidade do Porto, criado por decreto de 30 de Março de 1921.
(…) Este estabelecimento scientifico honra a Sciencia do nosso tempo e a
Universidade a que pertence. Nelle encontrarão os professores e os alumnos, os
estudiosos e investigadores e até os simples amigos e curiosos das coisas da
natureza, excellentes installações e material abundante para diversíssimos
trabalhos”.
In Jornal “O Comércio
do Porto”, 28 de Julho de 1927
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