“Frequentemente referimo-nos ao Porto como sendo uma cidade
medieval, especialmente no que toca ao bairro da Sé e seus arredores.
Não obstante, muitas das ruas da cidade intra-muros terem
origens em caminhos e azinhagas medievais, elas não são actualmente de todo
povoadas por casas da mesma época.
As ruas mais antigas foram em boa parte demolidas (Sé,
Cividade, Congostas...) e as subsistentes realinhadas - a maioria nos meados do
século XIX - para facilitar o cada vez maior tráfico de carros de bois, e
depois de automóveis.
Quanto às casas, bastará ao transeunte dar uma passeata
rápida pela cidade velha, mesmo nas ruas mais antigas do morro da Sé, para
perceber que o edificado da habitação comum remonta, na sua maioria ao século XIX, algumas ainda do século XVII.
Serão muito poucos os
resquícios dos séculos anteriores. E todas as que nos ficaram desde o século
XIX para trás surgem já algo modificadas.
Não é isto de estranhar e, não é nenhuma desfeita nem
desprimor para a nossa cidade!
É que a esmagadora maioria das casas eram de madeira!
Material que facilmente se degrada, e nós bem sabemos quão húmido é o clima
portuense que se entranha nos ossos! Juntemos ao motivo passagem do tempo os
incêndios (que numa cidade de madeira sempre garantia estragos de muita monta)
e a simples vontade do proprietário em querer reedificar para obter melhores
condições de habitabilidade, coisa que veio crescendo com os tempos.
Coloquemo-nos no século XVI ou mesmo XVII, no areal onde agora existe o cais de Gaia, e olhemos para o Porto. Veremos com certeza habitações de menor altura, caiadas de branco ou já enegrecidas pela humidade... um mar de madeira povoado por ilhotas de pedra que eram as casas nobres, ou verdadeiras ilhas da mesma pedra que eram as igrejas ou conventos. Aqui e ali já se começavam a ver os primeiros solares ou palacetes. Atrás, a emoldurar o cenário, a cerca gótica com os vértices de Cimo de Vila e Olival, mais atrás o monte da Lapa ainda coberto de árvores.
A este sim, ainda se poderia chamar de Porto medieval”.
In “aportanobre.blogspot”
Coloquemo-nos no século XVI ou mesmo XVII, no areal onde agora existe o cais de Gaia, e olhemos para o Porto. Veremos com certeza habitações de menor altura, caiadas de branco ou já enegrecidas pela humidade... um mar de madeira povoado por ilhotas de pedra que eram as casas nobres, ou verdadeiras ilhas da mesma pedra que eram as igrejas ou conventos. Aqui e ali já se começavam a ver os primeiros solares ou palacetes. Atrás, a emoldurar o cenário, a cerca gótica com os vértices de Cimo de Vila e Olival, mais atrás o monte da Lapa ainda coberto de árvores.
A este sim, ainda se poderia chamar de Porto medieval”.
In “aportanobre.blogspot”
(Mercado do
Anjo, Igreja dos Clérigos e Torre dos Clérigos)
Recolhimento do Anjo à esquerda e Torre dos Clérigos -
Gravura de J. Holland
Torre dos Clérigos – Gravura In: “Fair Lusitania” (Formosa Lusitânia) de
Lady Jackson, (Catherine Hannah Charlotte Elliott)
A obra mencionada na gravura acima foi traduzida por Camilo
Castelo Branco em 1878, mas, a narrativa da autora, reporta ao ano de 1873.
Recolhimento do Anjo e Torre dos Clérigos
A gravura anterior é de 1833, de Joaquim Villanova, precisamente o ano, em que, a 6 de Setembro, seria colocado na Torre dos Clérigos o relógio que tinha pertencido ao convento dos Lóios.
O Mercado do Anjo ficava naquele espaço a que foi dado, mais
tarde, o nome de Praça de Lisboa, ali mesmo à sombra da Torre dos Clérigos e
que, actualmente, está transformado num belo espaço, denominado Passeio dos
Clérigos ou Jardim das Oliveiras.
O mercado foi inaugurado em 9 de Julho de 1839, para
comemorar a entrada do Exército de D. Pedro no Porto seis anos antes.
O terreno onde foi
levantada a Igreja e Torre dos Clérigos situava-se fora das muralhas ao cimo da
Calçada da Natividade, antes Calçada
da Arca, num local conhecido por Campo
da Cruz da Cassoa, (local da
igreja dos Clérigos) onde existia no sentido ascendente, à esquerda,
uma cruz de pedra com um Cristo pintado e junto deste, passava um velho caminho
que ladeava um outro baldio, que viria a ser também ocupado pela Irmandade dos
Clérigos, o velhinho Campo das Malvas (local da Torre dos Clérigos).
Aquela cruz de pedra está hoje guardada na Igreja dos
Clérigos, na chamada “Sala dos Cristos”.
A esse velho caminho que seguia para as Malvas, dava-se o
nome de Estrada do Recolhimento do Anjo por dar acesso a esta
instituição fundada junto da antiquíssima ermida de S. Miguel-o-Anjo, que ali
existia, desde os tempos de D. Afonso Henriques.
O Campo das Malvas, durante anos
serviu como local onde eram enterrados os executados, sendo também conhecido
por “Adro
dos Enforcados”.
A expressão “mandar
para as Malvas” tem a ver com este local, após ser recitada pelo povo uma
quadra, sobre a história do assassinato do sobrinho de um Bispo, que namorando
a filha de um taberneiro da antiga Rua Mendo Afonso, foi morto por um
outro antigo namorado da rapariga num acesso de ciúmes. O assassino era um
cordoeiro que morava na Cordoaria, e foi executado por enforcamento e enterrado
nas Malvas. A letra da quadra era:
“Adeus que vou para as
malvas, passando pelas urtigas, vão os rapazes para a forca, por causa das
raparigas.”
Sobre a Rua Mendo Afonso, diz Andrea da Cunha e Freitas, In
Toponímia Portuense:
“…mais ao menos onde hoje começa a Rua dos
Clérigos, na embocadura do actual Largo dos Loios, existia rasgado na muralha
Fernandina, um postigo denominado das Hortas, ou de Santo Elói, e nele
principiava um pouco em diagonal, para a Rua do Souto (Caldeireiros) uma rua
que se chamava de Mendo Afonso - sujeito que não sabemos quem fosse. A rua de
Mendo Afonso, segundo Horácio Marçal, desapareceu na 1ª década do séc. XVII,
abrindo-se no lugar dela um Terreiro que junto ao rossio já existente deu
origem ao Largo dos Lóios de hoje. Na planta de Costa Lima denomina-se Rua de Santo Elói, a parte mais
estreita do largo, entre as Ruas de Trindade Coelho e dos Caldeireiros, e que
talvez seja último vestígio da velha Rua de Mendo Afonso ou Postigo de Men
Afonso”.
Os terrenos da Cruz da Cassoa e das Malvas, pertenciam no
começo do século XVIII ao padre Bento Pereira da Silva e a Manuel Mendes
Machado, e João da Silva Guimarães, respectivamente.
Aqueles proprietários, ainda resolveram e começaram a
levantar naqueles terrenos umas moradias, que foram embargadas pela Câmara a
pedido do padre Inácio António Coutinho, sob o pretexto de serem prejudiciais
ao Recolhimento do Anjo, que estava nas proximidades.
Oito anos depois do embargo em 1731, os donos da Cruz da
Cassoa e das Malvas ofereceram os terrenos à irmandade dos Clérigos pobres de
S. Filipe Néri.
A Igreja dos Clérigos situada na Rua de S Filipe de Néri é a
representação mais marcante que se conhece do estilo tardo-barroco em
território português e encontra-se classificado como Monumento Nacional desde
1910.
A sua construção teve início em 1732 e constitui a obra mais
imponente de Nicolau Nasoni.
A história da Igreja dos Clérigos remonta à Irmandade dos
Clérigos.
A Irmandade dos Clérigos resultou da fusão de três
instituições de beneficência: Confraria dos Clérigos Pobres de Nossa Senhora da
Misericórdia, fundada em 1630 na Santa Casa da Misericórdia; a Irmandade de S.
Filipe de Nery, fundada em 1665, na Igreja de Nossa Senhora da Graça; e por
último, a Confraria dos Clérigos de S. Pedro, fundada em 1666, também na Igreja
de Nossa Senhora da Graça, mas que em 1673 foi para a Igreja de Santo António
na Porta de Carros (Congregados).
Todas as irmandades foram criadas na cidade durante o século
XVII, com a finalidade de socorrer clérigos em dificuldades. A nova entidade
que se passaria a denominar “Irmandade
dos Clérigos Pobres de Nossa Senhora da Misericórdia de S. Pedro ad-víncula e
de S. Filipe Nery”, acabaria logo por juntar capital próprio, mas
faltava-lhes uma casa própria ou uma igreja, já que, antes, a instituição
funcionava na Igreja da Misericórdia do Porto.
É, precisamente a 31 de Maio de 1731, que se realiza uma
assembleia geral presidida por D. Jerónimo Távora e Noronha, principal mecenas
de Nasoni, com a finalidade de se decidir sobre a proposta da construção de uma
nova igreja para a Irmandade dos Clérigos.
Para a construção do novo templo, a Irmandade aceitaria uma
doação de um terreno baldio situado no cimo de uma calçada que ia da Fonte de
Arca até ao Adro dos Enforcados (um terreno fora da antiga Muralha Fernandina,
onde eram sepultados os criminosos sentenciados na forca e os que morriam fora
da religião). Foi nomeada, igualmente, uma comissão de quatro irmãos para
administradores dessa obra.
As propostas para o título de padroeira da igreja foram
três: Senhora do Socorro, Senhora das Necessidades ou Senhora da Assunção.
Escolheram a última.
Devido à nova construção da igreja e Torre dos Clérigos, o
Adro dos Enforcados seria mudado, mais tarde, para outro lugar, junto aos
terrenos do Hospital de Santo António.
A primeira pedra da igreja é lançada no dia 23 de Junho de
1732, justamente na presença do arquitecto Nicolau Nasoni, tocando todos os
sinos dos diferentes templos da cidade ao mesmo tempo, para comemorar esse
facto. As obras começaram a seguir, a bom ritmo, mas ao fim de algum tempo
ficaram totalmente paradas. A razão deveu-se, provavelmente, a várias intrigas
movidas pelo pároco da Igreja de Santo Ildefonso, preocupado com a concorrência
que o novo templo vinha estabelecer. A expulsão do mestre pedreiro António
Pereira, aliado do referido pároco, e a sua substituição por Miguel Francisco
da Silva não alteraram grandemente o estado das obras.
Em 1745, numa vistoria, não foram aprovados os alicerces da
frontaria e decidiu-se, então, que tudo se desfizesse e fosse tudo refeito de
novo, com a grandeza que a obra parecia merecer.
A 28 de Julho de
1748, mesmo sem que o edifício estivesse totalmente terminado, a igreja seria
aberta ao culto.
Só dois anos depois é que a fachada principal estaria pronta.
A escadaria que antecede a igreja foi principiada em 1750 e as suas obras
demorariam cerca de 4 anos.
Concluído o templo, o complexo seria ainda dotado de um
pequeno hospital e enfermaria, para atender às necessidades dos clérigos na
doença, mas as obras só começariam em 1753 com a doação de um outro terreno que
ficava por detrás da igreja.
Assim, em 23 de Agosto de 1753 é oferecida à Irmandade dos
Clérigos, o terreno atrás da igreja dos Clérigos pelo irmão Luís de Almeida
Barbosa. Na sequência, Nicolau Nasoni desenha a torre sineira em 7 semanas,
tendo sido aprovado o desenho em 8 de Fevereiro de 1754. A obra terá terminado,
provavelmente em 7 de outubro de 1763, com a chegada do grande sino de
Hamburgo.
A torre sineira, que viria a ser conhecida por Torre dos
Clérigos, foi a última construção do conjunto dos Clérigos, dos quais fazem
então parte, a igreja e uma enfermaria.
Adossado à Torre dos Clérigos vê-se o edifício que foi
enfermaria
A torre foi levantada tendo em conta o aproveito do terreno
que sobrara para a instalação da enfermaria dos Clérigos. O projeto inicial de
Nasoni previa a construção de duas torres, e não apenas de uma.
Devido às modificações radicais e ampliação de que foi alvo,
em relação ao projecto primitivo, a capela-mor da igreja teve de ser totalmente
reconstruída.
De 1767 até 1773 procedeu-se à referida reconstrução da
capela-mor, seguindo-se outros pequenos arranjos, vindo as obras a ser dadas
como inteiramente concluídas em 1779, com a sagração da igreja no dia 12 de
Dezembro desse ano, pelo bispo do Porto D. Frei João Rafael de Mendonça. Esta
sagração da igreja ocorreu muito depois da sua abertura, em 28 de Julho de
1748. O atraso de décadas foi motivado por erros nas medidas do retábulo do
altar-mor.
Em 1924 o bispo de então mandou que das antigas instalações
hospitalares se fizesse alojamento para sacerdotes, com a divisão do espaço em
quartos.
Nasoni foi enterrado nesta igreja, à qual dedicou muito
tempo e dedicação, mas ainda não foi possível identificar o seu sarcófogo.
“A parte exterior da
igreja é constituída por uma escadaria dupla ornamentada de vasos floridos
esculpidos em pedra.
A fachada principal
composta por um portal encimado por uma janela de grande dimensão separada das
janelas laterais por pilastras lavradas em espiral. No nível superior desta
fachada podemos admirar uma outra janela de grande porte com repisa erguida e almofadada
onde se encontra a mitra papal. Nas partes laterais deste nível superior
deparamo-nos ainda com duas estátuas recolhidas em nichos em forma de concha,
uma de S. Pedro e a outra de S. Filipe de Néri.
A culminar este
notável projecto arquitectónico deparamos com um frontão triangular
salientando-se-lhe no centro um monograma A M esculpido no tímpano da armação
saliente e enfeitado com folhagem, grinalda e volutas em homenagem à Nossa
Senhora da Assunção.
De visita ao interior
do templo concluímos que este possui apenas uma nave, de forma elíptica.
O tecto é uma abóbada
dividida por arcos entrevalados por um escudo formado pelo monograma A M. As
chaves de S. Pedro, a mitra e a folhagem descaindo sobre o entablamento estão
sustentados por pilastras.
Na entrada da igreja é
de realçar a sumptuosa imagem do Arcanjo S. Miguel segurando um escudo de
madeira.
Na capela-mor
encontramos um trono ostentando a imagem da Virgem e sob ele uma urna contendo
os restos mortais do mártir Santo Inocêncio e de Nicolau Nasoni, falecido em
1773. Podemos ainda maravilhar-nos com o retábulo estilo Luís XV todo de
mármore de diversas cores.
Igreja dos Clérigos
A meio da escadaria da foto anterior, vê-se a
porta da Capela de Nossa Senhora da Lapa.
Na cabeceira da igreja,
voltada para o jardim da Cordoaria deparamos com a maior Torre de Portugal, com
75m de altura, notável pela sua elegância e harmonia de formas, também em
estilo barroco, erguida entre 1748 e 1763 com projecto do italiano Nicolau
Nasoni sob encomenda de Dom Jerónimo de Távora Noronha Leme e Cernache a pedido
da Irmandade dos Clérigos Pobres.
Referimo-nos
evidentemente à Torre dos Clérigos.
Construída em granito
lavrado e dividida por andares de linhas suaves, é servida por uma escadaria de
240 degraus finalizando num belíssimo campanário de onde se pode observar o
Porto e arredores de uma forma verdadeiramente indescritível”.
In Site:
“portoXXI.com”
A capela de Nossa Senhora da Lapa com entrada voltada para a
fachada principal, não tem qualquer acesso à igreja. A entrada principal para
esta, é feita por uma entrada pela fachada lateral, voltada para a Rua S. Filipe
Néry, facto desconhecido até, de muitos portuenses.
“A igreja foi
construída essencialmente em granito e apresenta uma nave única, coberta por
cúpula, com o brasão da Irmandade dos Clérigos ao centro. A planta é elíptica e
nas duas paredes laterais abrem-se dois púlpitos de pregação e quatro altares –
altar do Santíssimo Sacramento, de Nossa Senhora das Dores (ou do Senhor
morto), de Santo André Avelino e de São Bento. A opção pelo abandono de duas
torres laterais, inicialmente previstas no alinhamento dos púlpitos, obrigou a
um reforço estrutural, determinando a construção de paredes exteriores duplas,
mais estáveis, com corredores de passagem em serventia rodeando a nave, que
permitem aceder a zonas mais elevadas como o coro-alto e disfrutar da visão
interior da nave e da capela-mor a partir de pontos de vista inesperados. A
capela-mor, oblonga, foi alvo de diversas modificações importantes a partir de
1750 – aquando da construção do corpo central, entre a igreja e a torre –, e
acolhe um altar-mor em mármore de várias cores, de inspiração rococó e com risco
de Manuel dos Santos Porto (executado entre 1767 e 1780), onde se destaca, ao
centro em posição elevada, a imagem de Nossa Senhora da Assunção e, nos
flancos, as imagens em madeira policromada de São Pedro ad Vincula e S. Filipe
Néri. De um lado e de outro da capela-mor localizam-se, em posição simétrica,
cadeirais em madeira de Jacaranda ricamente trabalhada (1774-1777) e, acima
deles, dois órgãos ibéricos de talha barroca (1774-1779) que permanecem
funcionais no presente”.
Fonte: “pt.wikipedia.org”
Perspectiva obtida a
partir do altar-mor – Fonte: “portoarc.blogspot.pt”
A Torre dos Clérigos
Na foto anterior, no
dealbar do século XX, vê-se um
candeeiro de jardim belíssimo no passeio que ladeia o jardim da Cordoaria, à
esquerda e, mais adiante, a torre com
a sua esfera e cruz, que seriam afectadas por uma tempestade em 1835.
«3 de Setembro [de 1835]. Na noite que
precedeu este dia caiu um raio elétrico sobre a cúpula da Torre dos Clérigos e
lhe destruiu algumas pedras e bem assim as pirâmides que a rematam pelo lado do
sul, abalando o globo de cobre sobre o qual se hasteia a cruz de ferro que está
colocada no mais alto da dita torre, estragos estes que na sua restauração
custaram avultada soma de cabedal à Irmandade dos Clérigos Pobres, a quem
pertence este majestoso edifício. Sofreram bastante dano algumas casas sitas na
rua da Assunção sobre as quais caíram grandes pedras quebradas pelo raio; uma
centelha ou faísca perdida[?] na casa dos Wanzellers em Vilar e outra na torre
do mosteiro das religiosas de Santa Clara correndo em várias direções destes
dous edifícios pequenos danos causaram mas não o deixaram de fazer com grande
susto dos seus habitadores”.
Henrique Duarte e
Sousa Reis, In “Apontamentos para os Anais da cidade do Porto, 1832-1839”
Em 31 de Julho de 1863, eram repostas em cima da Torre dos Clérigos, a
Cruz e a Bola que um furacão derrubara no início do ano de 1862, em pleno
inverno.
De facto, a 9 de Março de 1862, um violento temporal derrubou a cruz e
a bola da Torre dos Clérigos, caindo aquela sobre o telhado da igreja,
provocando grandes estragos e a bola cairia à esquina da Rua do Correio
rolando, Clérigos abaixo, até ao Largo dos Lóios.
Aproveitando a oportunidade, foi decidido dotar a torre com um para-raios.
"A Torre dos
Clérigos, ex-libris da cidade do Porto, é a mais expressiva obra do barroco
portuense e só em 1910, já na vigência da República, foi classificada como
monumento nacional. Construída (1748 -1763) como simples torre sineira da
igreja que viria a tornar célebre, é hoje uma atração turística. Visitam-na,
anualmente, mais de 300 mil pessoas (em 2012). Com os seus 75 metros de altura, foi,
durante muitos anos, a mais alta construção do País. Situada num ponto elevado
da cidade, serviu como referência aos navios que, ainda no alto mar, por ela se
orientavam para demandar a barra do Douro. Os mercadores portuenses
utilizaram-na para coisas práticas como servir de "relógio da
cidade", no tempo em que aquele objecto era uma raridade. Uma imaginativa
engenhoca, constituída por um morteiro, um gatilho de revólver, um fio e uma
lente era colocada no cimo da torre. Chamava -se a "meridiana".
Quando o sol do
meio-dia incidia sobre a lente queimava o fio que soltava o gatilho que fazia
detonar o morteiro. Era o sinal que o lojista esperava para encerrar o
estabelecimento para o almoço. Mas houve outro curioso aproveitamento. Não
havia mercador do Porto que não tivesse negócios com a Inglaterra. O vapor da
Mala Real Inglesa, que trazia as encomendas e as letras de câmbio para
pagamentos de anteriores fornecimentos, vinha ao Douro uma vez por mês. A fim
de estarem preparados para receber atempadamente as letras e despacharem novas
encomendas, os comerciantes arranjaram maneira de saber, de véspera, da chegada
do barco. Pelo telégrafo, ainda do alto mar, os do vapor comunicavam à
Associação Comercial o dia previsto para a entrada na barra. A Associação fazia
chegar a mensagem à Irmandade dos Clérigos que mandava içar na torre uma vara
com duas bandeiras nas pontas. Era o sinal da aproximação do barco. Tempo de
tratar dos negócios. Ora, digam-me lá se isto não era uma gente com imaginação,
que tudo fazia para contrariar a inércia e garantir o futuro - o seu e o da
própria cidade”.
Com a devida vénia a Germano Silva
Galeria Sul do Palácio da Bolsa (ao fundo a estação do telégrafo) - Fonte: "doportoenaoso"
Antigo Telégrafo do Palácio da Bolsa - Fonte: "doportoenaoso"
“(…)conveniencias
do commercio, que tinha interesse em receber a correspondencia no dia da
chegada, foi combinado, entre a direcção da Associação Commercial e o director
do correio, com consentimento da Irmandade dos Clerigos que, logo que, pelo
telegrapho commercial, houvesse noticia de estar á vista o paquete, fosse
colocado um signal na Torre dos Clerigos, que era avistada de quasi todos os
pontos da cidade, avisando os commerciantes para mandarem buscar a
correspondencia ao correio, que era então no extincto convento das
Carmelitas”.
Fonte: ”O Tripeiro”
Sobre a engenhoca chamada a “meridiana” que esteve colocada no
topo da Torre dos Clérigos e depois, durante um ano, no telhado de um prédio da
Rua de 31 de Janeiro, o texto abaixo, que foi escrito pelo próprio autor do
automatismo no jornal “O Nacional”, com data de Maio de 1846 mas surge,
apenas, publicado em Julho, é deveras interessante.
«Snr. Redactor, -
Nem tudo será eivado do phrenesi do seculo, nem tudo será politica no nosso
reino. Nesse vortice immenso em que giramos, onde mais vezes se batem as
paixões que os interesses do paiz, tambem alguma cousa ha-de surgir de
verdadeira utilidade. O Porto acaba de fazer uma adquisição desta especie, e
por fortuna minha coube-me a mim o seu desempenho. Ahi tem elle uma meridiana
sonante, ahi tem ele por tanto satisfeita uma das suas grandes necessidades.
A simples meridiana é uma maquina demasiado
comprehensivel e de facil obra, mas não assim se este instrumento se encarrega
de transmittir a hora que marca para um ponto longinquo por meio do toque de
sinos. A meridiana que hoje tem o Porto pratica isto.
Acha-se ella colocada no magnifico e a todos
os respeitos muito apropriado edificio da torre dos Clerigos, e a seguinte é a
descrição abreviada do seu maquinismo e effeitos.
Passando o sol pela linha norte-sul da cidade
(segundo a fraze ainda hoje recebida) um de oito delgados cordões feitos de
quatro fios de retroz preto, que se acha na mesma linha, se queima quando
ferido pelo foco de uma lente, e immediatamente pelos espaço de quasi dous
minutos, se faz ouvir um repique em muitos sinos, e a detonação de um morteiro.
Isto se passa na altura de 52 metros, ou pouco mais ou menos 235 palmos acima
da baze da torre, e portanto dá aviso à maior parte da cidade de quando é o seu
verdadeiro meio dia, e convida a todos para que regulem os seus relogios talvez
duzentas e tantas vezes por anno que tantos são os dias presumiveis em que a
atmosfera do Porto deixa ver a face do sol, devendo ao mesmo tempo fazer-se uso
das tabuas d’equação, que muito bom seria, snr. redactor, se um qualquer
periodico nos desse a sua publicação de futuro para mais commodidade dos
habitantes.
Não obstante estar a meridiana collocada fóra
da torre: e distante da máquina que tange os sinos, cousa de 50 palmos [11m], e
esta afastada delles uns 102 [22,44m], o que tornou um pouco dificil a
communicação deste lado; tudo se venceu, e uma vez truncado o cordão que se
expoz á acção dos raios solares convergidos pela lente, os sinos tocam, echôa o
morteiro, e a peça que contem os 8 cordões foge da sua posição, para depois de
dar tempo á deslocalisação do fóco, vir offerecer, por um outro movimento que
faz sobre o seu eixo, um novo cordão que no outro dia ha-de repetir esta mesma
scena. E porque são 8 os cordões, e 8 tambem os dias de corda que aquella
maquina tem, só depois de sectionado o ultimo cordão, é que é preciso refaze-la
de novos cordões, e de nova corda que é necessario dar-lhe.
Se alguma meridiana semelhante a esta existe
na Europa ou na America, eu não tenho disso conhecimento, e se as leis da
mecanica não fossem circumcriptas a certos respeitos, e por isso mais faceis de
se repetirem os seus resultados do que é possível renovarem-se as figuras do
Kaleidoscopo, eu não teria duvida em sustentar que de certo outra meridiana
igual não ha, por isso que ella é de minha pura invenção, e execução no mais
delicado de suas partes. E ainda me lisongeio, que tão feliz fui em suas
combinações, que nenhuma me falhou, e não tive que perder uma unica peça, salvo
as que engeitei por menos consistentes, e ainda algumas outros em consequência
do novo acordo tomado para serem tangidos mais sinos, e não um só.
Convencido como estou de que a minha obra é
de inquestionavel utilidade, não quererei para mim o exclusivo dos ganhos que
d’ahi possam provir; e por isso direi que o Porto a deve à Ex.ma. Camara
municipal que a mandou fazer, aos seus commissionados, os Ill.mos snrs. Antonio
Alves de Sousa Guimarães, e Manuel Joaquim Gomes Guimarães que comigo trataram;
a s. Exc.ª o snr. bispo da diocese, aos Ill.mos mesarios da irmandade dos
clerigos e seu secretario o Ill.mo snr. D. Francisco da Piedade Silveira, que
prestaram o edificio, e finalmente aos meus amigos os Ill.mos. Snrs. Francisco
Joaquim da Silva Natividade, João Vieira Pinto, Luiz Ferreira de Sousa Cruz,
que particularmente me prestaram todo o auxilio de que careci para a levar a
cabo, e outras mais pessoas que muito me obsequiaram, e que por não ser
nimiamente prolixo deixo de mencionar, e a quem peço desculpa, e agradeço.
Sou, snr. redactor, de V. muito attento
venerador e criado,
Verissimo Alves
Pereira - Porto 10 de Maio de 1846»
Fonte: Nuno Cruz, In: “aportanobre.blogspot.pt”
Em 1908 no “O Tripeiro”, ano 1, p. 176, alguém que ainda era
vivo, e tinha assistido ao funcionamento da “meridiana” dava nota de que:
“Toda a gente que trazia
relogio no bolso, puchava por elle, não para saber se era meio dia, que
annunciava o tal púm!, mas
para vêr se os jornaes que traziam a equação do tempo, prevenindo do minuto ou segundos em que o
morteiro fazia púm, antes
ou depois do meio dia verdadeiro, falavam certo.
Escusado será dizer
que nos dias em que não havia sol a descoberto, não havia meio dia.
Tres, quatro, ou mais
dias de chuva ou de nevoa, como acontece durante o inverno, e a respeito do
meio dia... nicles!
Ora como o tal púm ao meio dia fazia estremecer
as pedras da tal varanda onde collocavam os taes páus com os saccos de café
(salvo seja) e ia-as desconjuntando pouco a pouco, resolveu quem d'isso
tratava, supprimir o ta púm!
com grave desgosto para os pedreiros e carpinteiros principalmente, que tinham
grande sympathia pelos relogios
de sol, que só regulavam quando havia sol, mas que elles colocavam sobre
uma pedra, para quando désse o tiro na torre dos Clérigos, irem vêr se estavam
certos”.
Fonte: Nuno Cruz, In: “aportanobre.blogspot.pt”
Sobre o texto anterior é explicada a referência aos sacos de
café num outro artigo de “O Tripeiro”.
“«Não eram saccos de
café (…) eram bandeiras, como poderiam ser balões de folha de flandres, ou de
zinco pintado. Eu explico:
Até 1856, pouco mais
ou menos, o unico meio de transporte para a correspondencia do Porto com a
Gran-Bretanha, eram os paquetes da companhia ingleza P. & O. (Peninsular
and Oriental), que appareciam á vista da nossa barra de quinze em quinze dias.
Os vapores, n'aquella epoca, eram de pequenas dimensões e pouca força,
comparados com os que se empregam actualmente na navegação transatlantica; por
isso, não se podendo contar, senão approximadamente, com o dia e hora da
chegada, e para obtemperar ás conveniencias do commercio, que tinha interesse
em receber a correspondencia no dia da chegada, foi combinado, entre a direcção
da Associação Commercial e o director do correio, com consentimento da
Irmandade dos Clerigos que, logo que, pelo telegrapho commercial, houvesse
noticia de estar á vista o paquete, fosse colocado um signal na Torre dos
Clerigos, que era avistada de quasi todos os pontos da cidade, avisando os
commerciantes para mandarem buscar a correspondencia ao correio, que era então
no extincto convento das Carmelitas [...].
Aquelle signal
consistia, para os dias de bom tempo, em duas bandeiras com as côres da
Companhia P. & O. pendentes de um travessão de cada lado ( norte e sul) do
varandim superior da Torre; e, para os dias de chuva, em dois balões de lata,
pintados com as mesmas côres.
Os caixeiros, a quem
competia o serviço de ir ao correio esperar pela distribuição da correspondencia
para a levarem a casa dos patrões, tinham ordem de estar attentos á collocação
do signal, nas proximidades da chegada dos paquetes, que principalmente de
inverno, demoravam um ou mais dias, o que os fazia arreliar, porque os privava
de algumas horas de descanso ou de recreio.
Os paquetes, apesar de
pequenos, não podiam entrar a barra do Porto; por isso havia uma catraia do
sota-piloto Manoel Francisco, encarregada de ir fóra da barra levar e receber
as malas de correspondencia e alguns passageiros, que houvessem de embarcar ou
desembarcar e que, n'aquelle tempo, eram raros: pois com o mar agitado era
muito arriscada a entrada ou saida da catraia.
Muitas vezes sucedia a
catraia entrar ao fim da tarde, obrigando os empregados do correio a irem fazer
a separação de noite, serviço esse que algumas vezes levava até ás 10 ou 11
horas.»
Fonte: Nuno Cruz, In: “aportanobre.blogspot.pt”
Tabela de acerto diário da hora de acordo com o tiro da meridiana, válida para o mês de Outubro de 1846 – In periódico
“Progressista”
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