sábado, 29 de julho de 2017

(Continuação 19) - Actualização em 08/01/2019 e 08/04/2020




Em 1784, o presidente da Junta das Obras Públicas era João de Almada e Melo (1703-1786) que morreu dois anos depois, não tendo chega­do a assistir ao começo das obras do levantamento desta rua que, em 1805, já estava aberta.
O pró­prio filho de João de Almada, Francisco de Almada e Mendonça (1757-1804), que deu continui­dade a muitas obras começadas no tempo do pai, não viu o início do erguer das casas porque morreu, prematuramente, em 1804. 
A Junta das Obras Públicas tinha numa sessão de 1784, decidido, então, construir a Rua Nova de Santo António , em cuja acta se lia: 



“...entre o Bairro de Santo Ildefonso e o do Bonjardim, se deviam abrir duas ruas de comunicação entre estes dois bairros na forma da planta que se acha delineada sobre o plano extraído do terreno intermédio. Que a primeira dessas ruas deve principiar a sua abertura na frente do pátio da Igreja dos Congregados e seguir a sua direcção em linha recta a desembocar na frente da Igreja de Santo Ildefonso…cujo declive se suavizará alteando o seu pavimento do princípio dela, e rebaixando o que for necessário no seu fim”.



Por ter começado a ser construída "em frente ao pátio da igreja de Santo António dos Congregados" a rua começou por se chamar Rua de Santo António o Novo. Esta designação tinha razão de ser.
O “Novo” para não ser confundida com uma outra rua bem mais antiga, a de Rua de Santo António da Picaria.
Esta rua que se chamou antes Rua de Santo António dos Congregados ou Rua de Santo António o Novo, nome pelo qual ainda é conhecida, resultou então duma decisão de 1784, e seria construída sobre um conjunto de estacas e arcos, para dar passagem à mina do Bolhão e, também, para vencer o declive do terreno.
Na parte mais baixa da rua, ou seja, junto da embocadura com a Rua de Sá da Bandeira que, antes, era o prolongamento da Rua do Bon­jardim, foi montado um sistema de estaca­ria para facilitar o escoamento de um cano de água que, proveniente da mina do Bolhão (que vai mais à frente dar origem ao rio da Vila) se destina­va ao abastecimento do, entretanto, demo­lido mosteiro das monjas beneditinas de S. Bento de Ave Maria que ficava, onde agora está, a estação ferroviária de S. Bento.
Como é fácil de imaginar, tendo em con­ta a topografia do terreno, a construção da nova rua não foi tarefa fácil.
Por exemplo, os prédios que se construíram nos dois la­dos da rua têm a curiosidade de serem mais altos nas traseiras do que na parte da fren­te, por causa da profundidade a que tiveram de ser cavados os alicerces, devido ao desnível do terreno. Daí deriva uma outra curiosidade que é a existência por baixo desta artéria de quatro túneis, hoje pratica­mente impercetíveis. Devido ao acentua­do desnível que o terreno apresentava, quando a rua foi delineada, houve necessi­dade de erguer também, muros de suporte, e de pro­ceder a aterros para tornar a encosta mais suave.
Com a construção daqueles túneis, possibilitou-se a ligação da parte do lado da Rua da Madeira com o lado oposto, que comunicava com as traseiras do edifí­cio do Teatro de Sá da Bandeira e, daqui, com a Rua de Passos Manuel.
Os túneis já não são visíveis, mas é possí­vel, descendo a Rua da Madeira, apercebermo-nos dos sítios em que foram construí­dos.
Por exemplo: um desses locais serviu, durante muitos anos de depósito de máqui­nas industriais; noutro funcionou um ar­mazém de bananas; uma marca de águas minerais teve também o seu armazém num outro túnel; e no túnel que ficava mais perto do fim da rua, para quem a desce des­de a Praça da Batalha, funcionou um restau­rante.
É fácil identificar as entradas desses anti­gos túneis, porque apresentam a forma ar­redondada na parte superior comum a to­dos os túneis que se conhecem.
Os túneis existentes debaixo da Rua de 31 de Janeiro, durante a revolução de Feverei­ro de 1927 serviram para algumas famílias escaparem à artilharia da serra do Pilar. Os ornamentos com que vistosamente se or­namentava a rua em dias festivos eram também neles guardados até voltarem a ser utilizados.
O projeto inicial da nova artéria previa, ainda, que sensivelmente a meio, se construísse uma praceta.
Aí por 1851, o espaço onde esse logradouro devia ser construído ainda não tinha casas. Na altura, esse espaço tinha a forma de um quadrado e era guarnecido com parapeitos de pedra que permitiam ver, em baixo, de um lado, os quintais das casas da parte baixa da Rua de Sá da Bandei­ra e, do outro lado, a antiga Calçada da Te­resa, hoje Rua da Madeira e o pano da mu­ralha fernandina que descia da Batalha e li­mitava a cerca do convento das freiras.
A praceta não chegou a ser feita. 
A Rua Nova de Santo António passou a chamar-se finalmente, em 30 de Agosto de 1874, Rua de Santo António, dado o desaparecimento de Rua de Santo António da Picaria.
O topónimo "31 de Janeiro" vai acontecer, após a instituição da República em 1910, como uma homenagem à malograda revolução republicana daquele dia do ano de 1891.
Como nem todos estariam por dentro dos meandros da preparação de uma revolução, o “Novo Restaurante Recreativo” preparava a abertura para o dia 31 de Janeiro.




Anúncio da abertura do “Novo Restaurante Recreativo” marcada para o dia da revolução – Fonte: “Jornal do Porto” em 29 de Janeiro de 1891  


A Rua de Santo António ficaria, também, ligada a outra revolta importante ocorrida na cidade e que seria votada ao insucesso.
Entre 3 e 9 de Fevereiro de 1927, o Porto foi palco de uma rebelião militar liderada pelo general Sousa Dias.





À esquerda está o Convento de S. Bento da Ave-Maria



Na foto acima ainda podemos ver um troço da muralha Fernandina.
Este tramo da muralha, a Norte do convento, foi destruído juntamente com ele. 
À sua direita ficava a Viela da Madeira e a Calçada da Teresa, personagem desconhecida e que desencadeia polémica entre os historiadores. Já vimos referidos os nomes de Calçada de Santa Teresa, de Calçada de D. Teresa e Calçada da Teresa. Era a ligação a Cima de Vila, antes da construção da Rua Nova de Santo António. Junto da muralha de frente para os Congregados, ficava o Botequim do Frutuoso, um dos primeiros do Porto.



Rua da Madeira



A actual Rua da Madeira, antigas Calçada da Teresa e Viela da Madeira, observada do lado Nascente, na foto acima.
Antes da construção da Rua Nova de Santo António, era por ali que se fazia o trânsito de pessoas entre Cima de Vila e a Porta dos Carros.




Alçado (21 de Agosto de 1794) das fachadas a sul da Rua Nova de S. António, que principia do Obelisco para baixo, da autoria de António Pinto de Miranda – Fonte: AHMP
 

 
O arquitecto António Pinto de Miranda, autor do desenho acima, é também aquele que desenhou para a Câmara do Porto o alçado sul do edificado proposto para a Praça de Santo Ovídio.
A referência a um obelisco reportava a uma coluna arquitectónica colocada junto de igreja de Santo Ildefonso.
De significado ignoto e que, hoje, está recolhido em pátio interior desde a década de 1920, constituiria, talvez, uma memória da abertura da nova rua e onde, imponente cascata nela se montou no dia 24 de Junho de 1810.

 
 

Obelisco no adro da igreja de Santo Ildefonso
 
 
 
Sobre as dificuldades de construção dos prédios no terreno, nos dá conta o texto que se segue.
 
 
“A sua construção, como é fácil de imaginar, foi um tanto difícil devido à natureza ou topologia do local. Basta dizer que, os prédios nela erguidos têm mais andares para as traseiras do que para a frente, em vista da fundura em que os alicerces tiveram de ser cavados. Por esse motivo, foi a rua, em alguns pontos, assente em fortes arcadas de pedra que, por baixo, davam – e dão ainda- passagem de um para o outro lado. Na embocadura, teve de fazer-se uso de estacaria, por se espraiar até ali a chamada “mina do Bolhão” que abastecia de água o Convento de Ave-Maria”. 
O Tripeiro Série VI, Ano IV
 
 
 
Devido a todas as dificuldades surgidas em virtude do desnível do terreno, a rua só teve avanços decisivos no erguer do edificado, a partir de 1805, já depois da morte de Francisco de Almada e Mendonça.




Rua de Santo António antes de 1852



“Mais uma curiosidade da Rua de 31 de Ja­neiro. Na frontaria do prédio com o núme­ro 230 existiu até há relativamente pouco tempo uma argola de ferro. Para prender os cavalos dos clientes da casa, julgava muita boa gente. Mas não. Nos baixos do edifício funcionava, nos finais do século XIX, um estabelecimento do Miguel Toucinheiro que todas as manhãs trazia com ele "uma linda e asseada jumenta" que prendia na re­ferida argola e cujo leite era vendido ali ao público interessado”.
Autor desconhecido


Rua de Santo António, c. 1905







Tabacaria Africana (antes de 1910) ao cimo da Rua de Santo António



Olhar sobre a Praça da Batalha após 1910, pois a placa toponímica fixada na Tabacaria Africana indica a Rua 31 de Janeiro – Ed. Alvão



Tabacaria Africana com perspectiva sobre a Rua de 31 de Janeiro



Tabacaria Africana após 1952 quando a fachada metálica foi substituída pela desta foto


Mesma perspectiva da foto anterior da Tabacaria Africana actualmente – Fonte: Google maps


“Tabacaria Africana – esquina da Rua de Santo António e Praça da Batalha – Pertenceu a António de Almeida Campos até 1902 e foi trespassada a Alberto Vieira da Cruz. Além de vender todos os artigos ligados ao tabaco, editava lindíssimos postais de costumes portugueses.
Infelizmente a rica frontaria foi destruída há poucos anos”.
In portoarc.blogspot.pt 




Pegado à Tabacaria Africana, na direcção da Praça da Batalha, esteve a Tabacaria Trindade, pertencente a Arnaldo Trindade e a Januário Trindade, avô e pai, respectivamente, do editor discográfico, Arnaldo Trindade.
A Tabacaria Trindade era importadora de charutos havanos e cigarros ingleses da Rothman, além de artigos de Carnaval, uma espécie de clube de clientes brasileiros.
 
 
 
 

Casa Fígaro e Tabacaria Trindade, c. 1900 – Ed. Foto Guedes
 
 
 
 
Na foto acima, é observável a fachada do edifício da Casa Fígaro (cabeleireiro, calista e perfumaria de homem e mulher) e da Tabacaria de A. Trindade & C.ª Sucessores, na Praça da Batalha, 141-143. À direita aparecia a Tabacaria Africana.
No lugar do prédio parcialmente visível, à esquerda, haveria de surgir um novo edifício, onde se instalou o Café Chave D’Ouro, em 1920.

 
 

Tabacaria Trindade, à esquerda





Rua de Santo António em 1904



Na foto acima de 1904, o edifício na esquina, à direita, ainda não tem a fachada característica da Ourivesaria Reis.





Rua de Santo António, em 1905


No mesmo local, c. 1910, onde na foto acima passava um carro eléctrico desliza, agora, um carro de bois






Rua de Santo António - Ed. Eduardo Portugal, Arquivo Municipal de Lisboa



A foto acima é de 1925 e nela se vê que os veículos ainda circulam “à inglesa”, pois a circulação pela direita só se verifica a partir de 1 de Junho de 1928.
Conjuntamente com a Rua dos Clérigos e a Praça de D. Pedro, depois, da Liberdade, a Rua de Santo António/31 de Janeiro, ganhou foros de excelência. Era a artéria onde imperavam os luveiros, as alfaiatarias e os cabeleireiros da moda.
O texto seguinte dá-nos uma ideia da vida comercial que se vivia na rua.


Nos meados do século XIX havia no Porto sete estabelecimentos que vendiam luvas, quando estas constituíam um adereço quase obrigatório do vestuário. Estavam todos na rua então chamada de Santo António. A avaliar pelos nomes dos proprietários, cinco dessas lojas pertenciam a franceses (Bernard, Fresquet, Loubié, Martel e Bénard), um espanhol, Vicent e uma portuguesa, Maria Martins.
Um dos mais célebres estabelecimentos que funcionaram nesta rua foi a Casa Prud'homme uma "mercearia fina" pertencente, claro, a um cidadão francês. Neste estabelecimento vendiam-se os melhores queijos do país de origem do dono, bem como os mais apreciados champanhes. Era frequentado pela melhor sociedade portuense daquele tempo, como o presidente da câmara Oliveira Monteiro, o médico Ricardo Jorge, ou o escritor Camilo Castelo Branco”.
Fonte: “pt.wikipedia.org”




Vicent (antes) uma loja emblemática




Vicent no nº 174 (depois) 



Antes do Vicent esteve aqui a Ourivesaria Miranda & Filhos



Casa de Banhos



Na Rua de Santo António, existiu uma famosa casa de banhos que recebia água do manancial de Camões, conduzida por mina construída propositadamente. Foi fechada em 27/9/1909. 
Era esta, uma rua tradicional neste ramo de negócio, pois, em 27 de Julho de 1854, era dado conhecimento, em anúncio no jornal “O Porto e a Carta”, da oferta de banhos quentes.

 “…de banhos na R. de Santo António, que a partir do dia 15 vão ter “água do mar quente”.


E, em 14 de Fevereiro, já estava concluído um novo encanamento, como dá conta a notícia seguinte:


“Jantar: a Sociedade do Estabelecimento dos Banhos, na rua de Santo António, tendo concluído o encanamento da água da bica, deu ontem um lauto jantar. Pode dar agora mais de 200 banhos por dia.
In “O Porto e a Carta”, 15 de Fevereiro de 1859, p. 2



A esta casa de Banhos se refere Camilo Castelo Branco no romance “A Brasileira de Prazins, nos seguintes termos:


“O autor teve relações muito saudosas com este venerando sacerdote, que em 1851 residia num antigo casarão da Rua de Santo António, que depois se transformou em casa de banhos. Por esse tempo, se congregavam ali os homens eminentes, por inteligência e haveres, do partido realista. Neste ano, padre Luís de Sousa passava os seus dias rodeado de pergaminhos, imobilizado numa poltrona, gemendo as dores da gota. Morreu muito pobre e muito desamparado”. 


Segundo Camilo em 1851 a casa aí existente era a morada do padre Luís de Sousa, que era correspondente no Porto do exilado D. Miguel.



Mesmo local da foto anterior - In site Monumentos Desaparecidos



Em fins do século XIX existia nesta rua uma chapelaria chamada “Chapéu Elegante” cujo dono, em 1895, começou a adoptar o sistema de preço fixo nos seus artigos.
No dia 2 de Março de 1905, abriu a “Joalharia Miranda, Filhos & Duarte”, cujas instalações se impunham pelo seu gosto artístico. A fachada que ainda hoje, felizmente, pode ser vista, é de ferro fundido estilo Luís XV.
O termo portuense  “isso é bera!” pretendendo depreciar alguém ou alguma coisa radica no facto de ter existido na Rua de Santo António, uma loja que vendia joias falsas e que se chamava “Bera Diamond Palace”. Durante alguns anos foi um sucesso comercial. Pertenceu a uma estrangeira chamada Bera.
Por fim uma referência à “Farmácia Central”.



Publicidade à Farmácia Central



O hipotético Mr. Lencart, “prestigioso farmaceutico parisiense”, não era senão o inteligente Sr. Álvaro Salgado, dono da Farmácia Central, no nº 203, e que LENCART era um anagrama de CENTRAL. A verdade é que deve ter vendido milhares e milhares de caixas de rebuçados e de pomitos, um creme para todas as ocasiões.




Ourivesaria Machado que antes esteve na Rua do Loureiro



O mesmo local, antes e depois da abertura da Rua Sá da Bandeira (à esquerda)



Em frente está a Rua Sá da Bandeira



Na foto anterior, a confeitaria Palace em 1930, no gaveto das Ruas de Sá da Bandeira e de Santo António.



Ourivesaria e Joalharia Âncora em 1960



Esta importante rua da baixa portuense haveria de ser o palco principal da “Revolta de 31 de Janeiro de 1891”, o primeiro movimento revolucionário que teve por objectivo a implantação do regime republicano em Portugal.
A revolta teve, então, lugar na cidade do Porto e teve esta rua em plano de destaque.
Esta malograda revolta acabaria por ser um ensaio para o derrube da monarquia, que aconteceria 19 anos depois.
Em 1910, os republicanos recordando aquele dia de 1891, deram à rua o topónimo de  “Rua 31 de Janeiro”, mas, em 1940, a C.M.P. repôs o anterior topónimo de Rua de Santo António. Por fim, após a revolução de 25 de Abril, voltou a chamar-se Rua de 31 de Janeiro.
A Rua de Santo António ficaria também ligada a outra revolta importante ocorrida na cidade e que seria votada ao insucesso.
Entre 3 e 9 de Fevereiro de 1927, o Porto foi palco de uma rebelião militar liderada pelo general Sousa Dias. Foi a primeira tentativa consequente de derrube da Ditadura Nacional que então se consolidava em Portugal, na sequência do golpe de 28 de Maio de 1926.
A intentona terminou com a rendição e prisão dos revoltosos e saldou-se em cerca de 80 mortos e 360 feridos no Porto e deu início ao período chamado “ O Reviralho”.

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