Em 1784, o
presidente da Junta das Obras Públicas era João de Almada e Melo (1703-1786)
que morreu dois anos depois, não tendo chegado a assistir ao começo das obras
do levantamento desta rua que, em 1805, já estava aberta.
O próprio filho de
João de Almada, Francisco de Almada e Mendonça (1757-1804), que deu continuidade
a muitas obras começadas no tempo do pai, não viu o início do erguer das casas
porque morreu, prematuramente, em 1804.
A Junta das
Obras Públicas tinha numa sessão de 1784, decidido, então, construir a Rua Nova de Santo António , em
cuja acta se lia:
“...entre o
Bairro de Santo Ildefonso e o do Bonjardim, se deviam abrir duas ruas de
comunicação entre estes dois bairros na forma da planta que se acha delineada
sobre o plano extraído do terreno intermédio. Que a primeira dessas ruas deve
principiar a sua abertura na frente do pátio da Igreja dos Congregados e seguir
a sua direcção em linha recta a desembocar na frente da Igreja de Santo
Ildefonso…cujo declive se suavizará alteando o seu pavimento do princípio dela,
e rebaixando o que for necessário no seu fim”.
Por ter começado a
ser construída "em frente ao pátio da igreja de Santo António dos
Congregados" a rua começou por se chamar Rua de Santo António o Novo. Esta designação tinha razão de
ser.
O “Novo” para não ser
confundida com uma outra rua bem mais antiga, a de Rua de Santo António
da Picaria.
Esta rua que se chamou antes Rua de Santo António dos Congregados
ou Rua
de Santo António o Novo, nome pelo qual ainda é conhecida, resultou
então duma decisão de 1784, e seria construída sobre um conjunto de estacas e
arcos, para dar passagem à mina do Bolhão e, também, para vencer o declive do
terreno.
Na parte mais baixa da rua, ou seja, junto da embocadura com
a Rua de Sá da Bandeira que, antes, era o prolongamento da Rua do Bonjardim,
foi montado um sistema de estacaria para facilitar o escoamento de um cano de
água que, proveniente da mina do Bolhão (que vai mais à frente dar origem ao
rio da Vila) se destinava ao abastecimento do, entretanto, demolido mosteiro
das monjas beneditinas de S. Bento de Ave Maria que ficava, onde agora está, a
estação ferroviária de S. Bento.
Como é fácil de imaginar, tendo em conta a topografia do
terreno, a construção da nova rua não foi tarefa fácil.
Por exemplo, os prédios que se construíram nos dois lados
da rua têm a curiosidade de serem mais altos nas traseiras do que na parte da
frente, por causa da profundidade a que tiveram de ser cavados os alicerces,
devido ao desnível do terreno. Daí deriva uma outra curiosidade que é a existência por baixo desta artéria de
quatro túneis, hoje praticamente impercetíveis. Devido ao acentuado desnível
que o terreno apresentava, quando a rua foi delineada, houve necessidade de
erguer também, muros de suporte, e de proceder a aterros para tornar a encosta
mais suave.
Com a construção
daqueles túneis, possibilitou-se a ligação da parte do lado da Rua da Madeira
com o lado oposto, que comunicava com as traseiras do edifício do Teatro de Sá
da Bandeira e, daqui, com a Rua de Passos Manuel.
Os túneis já não são
visíveis, mas é possível, descendo a Rua da Madeira, apercebermo-nos dos
sítios em que foram construídos.
Por exemplo: um
desses locais serviu, durante muitos anos de depósito de máquinas industriais;
noutro funcionou um armazém de bananas; uma marca de águas minerais teve também
o seu armazém num outro túnel; e no túnel que ficava
mais perto do fim da rua, para quem a desce desde a Praça da Batalha,
funcionou um restaurante.
É fácil identificar
as entradas desses antigos túneis, porque apresentam a forma arredondada na
parte superior comum a todos os túneis que se conhecem.
Os túneis existentes
debaixo da Rua de 31 de Janeiro, durante a revolução de Fevereiro de 1927
serviram para algumas famílias escaparem à artilharia da serra do Pilar. Os
ornamentos com que vistosamente se ornamentava a rua em dias festivos eram também
neles guardados até voltarem a ser utilizados.
O projeto inicial da nova artéria previa, ainda, que
sensivelmente a meio, se construísse uma praceta.
Aí por 1851, o espaço onde esse logradouro devia ser
construído ainda não tinha casas. Na altura, esse espaço tinha a forma de um
quadrado e era guarnecido com parapeitos de pedra que permitiam ver, em baixo,
de um lado, os quintais das casas da parte baixa da Rua de Sá da Bandeira e,
do outro lado, a antiga Calçada da Teresa, hoje Rua da
Madeira e o pano da muralha fernandina que descia da Batalha e limitava a
cerca do convento das freiras.
A praceta não chegou a ser feita.
A Rua Nova de Santo
António passou a chamar-se finalmente, em 30 de Agosto de 1874, Rua de Santo
António, dado o desaparecimento de Rua
de Santo António da Picaria.
O topónimo "31 de Janeiro" vai acontecer, após a instituição da República em 1910, como uma homenagem à malograda revolução republicana daquele dia do ano de 1891.
Como nem todos estariam por dentro dos meandros da preparação
de uma revolução, o “Novo Restaurante Recreativo” preparava a abertura para o
dia 31 de Janeiro.
Anúncio da abertura do “Novo Restaurante Recreativo” marcada
para o dia da revolução – Fonte: “Jornal do Porto” em 29 de Janeiro de
1891
A Rua de Santo
António ficaria, também, ligada a outra revolta importante ocorrida na cidade e
que seria votada ao insucesso.
Entre 3 e 9 de Fevereiro de 1927, o Porto foi palco de uma rebelião militar liderada pelo general Sousa Dias.
Entre 3 e 9 de Fevereiro de 1927, o Porto foi palco de uma rebelião militar liderada pelo general Sousa Dias.
À esquerda está o Convento de S. Bento da Ave-Maria
Na foto acima ainda podemos ver um troço da muralha
Fernandina.
Este tramo da
muralha, a Norte do convento, foi destruído juntamente com ele.
À sua direita ficava
a Viela da Madeira e a Calçada da Teresa, personagem desconhecida e que
desencadeia polémica entre os historiadores. Já vimos referidos os nomes de Calçada de Santa Teresa, de Calçada de D. Teresa e Calçada da Teresa. Era a ligação a Cima
de Vila, antes da construção da Rua Nova de Santo António. Junto da muralha de
frente para os Congregados, ficava o Botequim do Frutuoso, um dos primeiros do
Porto.
Rua da Madeira
A actual Rua da
Madeira, antigas Calçada da Teresa
e Viela da Madeira, observada
do lado Nascente, na foto acima.
Antes da construção
da Rua Nova de Santo António,
era por ali que se fazia o trânsito de pessoas entre Cima de Vila e a Porta dos
Carros.
Alçado (21 de Agosto de 1794) das fachadas a sul da Rua Nova de S.
António, que principia do Obelisco para baixo, da autoria de António
Pinto de Miranda – Fonte: AHMP
O arquitecto António
Pinto de Miranda, autor do desenho acima, é também aquele que desenhou para a
Câmara do Porto o alçado sul do edificado proposto para a Praça de Santo
Ovídio.
A referência a um
obelisco reportava a uma coluna arquitectónica colocada junto de igreja de
Santo Ildefonso.
De significado
ignoto e que, hoje, está recolhido em pátio interior desde a década de 1920,
constituiria, talvez, uma memória da abertura da nova rua e onde, imponente
cascata nela se montou no dia 24 de Junho de 1810.
Sobre as dificuldades
de construção dos prédios no terreno, nos dá conta o texto que se segue.
“A sua
construção, como é fácil de imaginar, foi um tanto difícil devido à natureza ou
topologia do local. Basta dizer que, os prédios nela erguidos têm mais andares
para as traseiras do que para a frente, em vista da fundura em que os alicerces
tiveram de ser cavados. Por esse motivo, foi a rua, em alguns pontos, assente
em fortes arcadas de pedra que, por baixo, davam – e dão ainda- passagem de um
para o outro lado. Na embocadura, teve de fazer-se uso de estacaria, por se
espraiar até ali a chamada “mina do Bolhão” que abastecia de água o Convento de
Ave-Maria”.
O Tripeiro Série VI,
Ano IV
Devido a todas as
dificuldades surgidas em virtude do desnível do terreno, a rua só teve avanços
decisivos no erguer do edificado, a partir de 1805, já depois da morte de
Francisco de Almada e Mendonça.
“Mais uma curiosidade da Rua de 31 de Janeiro.
Na frontaria do prédio com o número 230 existiu até há relativamente pouco
tempo uma argola de ferro. Para prender os cavalos dos clientes da casa,
julgava muita boa gente. Mas não. Nos baixos do edifício funcionava, nos finais
do século XIX, um estabelecimento do Miguel Toucinheiro que todas as manhãs
trazia com ele "uma linda e asseada jumenta" que prendia na referida
argola e cujo leite era vendido ali ao público interessado”.
Autor desconhecido
Tabacaria Africana (antes de 1910) ao cimo da Rua de Santo António
Olhar sobre a Praça da Batalha após 1910, pois a placa
toponímica fixada na Tabacaria Africana indica a Rua 31 de Janeiro – Ed. Alvão
Tabacaria Africana com perspectiva sobre a Rua de 31 de
Janeiro
Tabacaria Africana após 1952 quando a fachada metálica foi
substituída pela desta foto
Mesma perspectiva da foto anterior da Tabacaria Africana
actualmente – Fonte: Google maps
“Tabacaria Africana – esquina da Rua de Santo António e Praça da Batalha – Pertenceu a António de Almeida Campos até 1902 e foi trespassada a Alberto Vieira da Cruz. Além de vender todos os artigos ligados ao tabaco, editava lindíssimos postais de costumes portugueses.
Infelizmente a rica frontaria foi destruída há poucos anos”.
In portoarc.blogspot.pt Pegado à Tabacaria Africana, na direcção da Praça da Batalha,
esteve a Tabacaria Trindade, pertencente a Arnaldo Trindade e a Januário
Trindade, avô e pai, respectivamente, do editor discográfico, Arnaldo Trindade.
A Tabacaria Trindade era importadora de charutos havanos e cigarros ingleses da Rothman, além de artigos de Carnaval, uma espécie de clube de clientes brasileiros.
Na foto acima, é observável a fachada do edifício da Casa Fígaro (cabeleireiro, calista e perfumaria de homem e mulher) e da Tabacaria de A. Trindade & C.ª Sucessores, na Praça da Batalha, 141-143. À direita aparecia a Tabacaria Africana.
No lugar do prédio parcialmente visível, à esquerda, haveria de surgir um novo edifício, onde se instalou o Café Chave D’Ouro, em 1920.
A Tabacaria Trindade era importadora de charutos havanos e cigarros ingleses da Rothman, além de artigos de Carnaval, uma espécie de clube de clientes brasileiros.
Casa Fígaro e Tabacaria Trindade, c. 1900 – Ed. Foto Guedes
Na foto acima, é observável a fachada do edifício da Casa Fígaro (cabeleireiro, calista e perfumaria de homem e mulher) e da Tabacaria de A. Trindade & C.ª Sucessores, na Praça da Batalha, 141-143. À direita aparecia a Tabacaria Africana.
No lugar do prédio parcialmente visível, à esquerda, haveria de surgir um novo edifício, onde se instalou o Café Chave D’Ouro, em 1920.
Rua de Santo António em 1904
Na foto acima de 1904, o edifício na esquina, à direita,
ainda não tem a fachada característica da Ourivesaria Reis.
Rua de Santo António, em
1905
No mesmo local, c. 1910,
onde na foto acima passava um carro eléctrico desliza, agora, um carro de bois
Rua de Santo António - Ed. Eduardo Portugal, Arquivo
Municipal de Lisboa
A foto acima é de 1925 e nela se vê que os veículos ainda
circulam “à inglesa”, pois a circulação pela direita só se verifica a partir
de 1 de Junho de 1928.
Conjuntamente com a Rua dos Clérigos e a Praça de D. Pedro,
depois, da Liberdade, a Rua de Santo António/31 de Janeiro, ganhou foros de
excelência. Era a artéria onde imperavam os luveiros, as alfaiatarias e os
cabeleireiros da moda.
O texto seguinte dá-nos uma ideia da vida comercial que se
vivia na rua.
“Nos meados do século XIX havia no Porto sete estabelecimentos que
vendiam luvas, quando estas constituíam um adereço quase obrigatório do
vestuário. Estavam todos na rua então chamada de Santo António. A avaliar pelos
nomes dos proprietários, cinco dessas lojas pertenciam a franceses (Bernard,
Fresquet, Loubié, Martel e Bénard), um espanhol, Vicent e uma portuguesa, Maria
Martins.
Um dos mais célebres
estabelecimentos que funcionaram nesta rua foi a Casa Prud'homme uma
"mercearia fina" pertencente, claro, a um cidadão francês. Neste
estabelecimento vendiam-se os melhores queijos do país de origem do dono, bem
como os mais apreciados champanhes. Era frequentado pela melhor sociedade
portuense daquele tempo, como o presidente da câmara Oliveira Monteiro, o
médico Ricardo Jorge, ou o escritor Camilo Castelo Branco”.
Fonte: “pt.wikipedia.org”
Vicent (antes) uma
loja emblemática
Vicent no nº 174 (depois)
Antes do Vicent esteve aqui a Ourivesaria Miranda & Filhos
Casa de Banhos
Na Rua de Santo
António, existiu uma famosa casa de banhos que recebia água do manancial de
Camões, conduzida por mina construída propositadamente. Foi fechada em
27/9/1909.
Era esta, uma rua
tradicional neste ramo de negócio, pois, em 27 de Julho de 1854, era dado
conhecimento, em anúncio no jornal “O Porto e a Carta”, da oferta de banhos
quentes.
“…de
banhos na R. de Santo António, que a partir do dia 15 vão ter “água do mar
quente”.
E, em 14 de
Fevereiro, já estava concluído um novo encanamento, como dá conta a notícia
seguinte:
“Jantar: a Sociedade do Estabelecimento dos
Banhos, na rua de Santo António, tendo concluído o encanamento da água da bica,
deu ontem um lauto jantar. Pode dar agora mais de 200 banhos por dia.
In “O Porto e a
Carta”, 15 de Fevereiro de 1859, p. 2
A esta casa de Banhos se refere Camilo Castelo Branco no romance “A Brasileira de Prazins, nos seguintes termos:
“O autor teve relações muito saudosas com
este venerando sacerdote, que em 1851 residia num antigo casarão da Rua de
Santo António, que depois se transformou em casa de banhos. Por esse tempo, se
congregavam ali os homens eminentes, por inteligência e haveres, do partido
realista. Neste ano, padre Luís de Sousa passava os seus dias rodeado de
pergaminhos, imobilizado numa poltrona, gemendo as dores da gota. Morreu muito
pobre e muito desamparado”.
Segundo Camilo em
1851 a casa aí existente era a morada do padre Luís de Sousa, que era
correspondente no Porto do exilado D. Miguel.
Mesmo local da foto
anterior - In site Monumentos Desaparecidos
Em fins do século XIX existia nesta rua uma chapelaria chamada “Chapéu Elegante” cujo dono,
em 1895, começou a adoptar o sistema de preço fixo nos seus artigos.
No dia 2 de Março de
1905, abriu a “Joalharia Miranda, Filhos & Duarte”, cujas instalações
se impunham pelo seu gosto artístico. A fachada que ainda hoje, felizmente,
pode ser vista, é de ferro fundido estilo Luís XV.
O termo portuense
“isso é bera!” pretendendo depreciar alguém ou alguma coisa
radica no facto de ter existido na Rua de Santo António, uma loja que vendia
joias falsas e que se chamava “Bera Diamond Palace”. Durante alguns anos foi um
sucesso comercial. Pertenceu a uma estrangeira chamada Bera.
Por fim uma
referência à “Farmácia Central”.
Publicidade à Farmácia Central
O hipotético Mr.
Lencart, “prestigioso farmaceutico parisiense”, não era senão o
inteligente Sr. Álvaro Salgado, dono da Farmácia Central, no nº 203, e que LENCART
era um anagrama de CENTRAL. A verdade é que deve ter vendido milhares e
milhares de caixas de rebuçados e de pomitos, um creme para todas as ocasiões.
Ourivesaria Machado que antes esteve na Rua do Loureiro
O mesmo local, antes e depois da abertura da Rua Sá da
Bandeira (à esquerda)
Em frente está a Rua Sá da Bandeira
Na foto anterior, a confeitaria Palace em 1930, no gaveto das Ruas de Sá da Bandeira e de Santo
António.
Ourivesaria e Joalharia
Âncora em 1960
Esta importante rua da baixa portuense haveria de ser o
palco principal da “Revolta de 31 de Janeiro de 1891”, o primeiro movimento
revolucionário que teve por objectivo a implantação do regime republicano em
Portugal.
A revolta teve, então, lugar na cidade do Porto e teve esta
rua em plano de destaque.
Esta malograda revolta acabaria por ser um ensaio para o
derrube da monarquia, que aconteceria 19 anos depois.
Em 1910, os
republicanos recordando aquele dia de 1891, deram à rua o topónimo de “Rua
31 de Janeiro”, mas, em 1940, a C.M.P. repôs o anterior topónimo de Rua de
Santo António. Por fim, após a revolução de 25 de Abril, voltou a chamar-se Rua
de 31 de Janeiro.
A Rua de Santo António ficaria também ligada a outra revolta
importante ocorrida na cidade e que seria votada ao insucesso.
Entre 3 e 9 de Fevereiro de 1927, o Porto foi palco de uma
rebelião militar liderada pelo general Sousa Dias. Foi a primeira tentativa
consequente de derrube da Ditadura Nacional que então se consolidava em
Portugal, na sequência do golpe de 28 de Maio de 1926.
A intentona terminou com a rendição e prisão dos revoltosos
e saldou-se em cerca de 80 mortos e 360 feridos no Porto e deu início ao
período chamado “ O Reviralho”.
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