“Em 1845 foram
“reformadas” segundo o novo Plano de Estradas do Reino, as da província de
Entre Douro e Minho.
Vitais, neste plano,
eram aquelas que cobriam os acessos ao Porto: as de Guimarães, de Braga e de
Penafiel por onde se escoava a maioria do tráfego entre a cidade e as regiões
minhotas e durienses”.
Fonte: Helder Pacheco
Dentro desta óptica em substituição da Rua do Lindo Vale,
estreita, irregular e mal pavimentada, uma empresa encarregada de efectuar
aquelas reformas abriu a grande e moderna via de penetração (inovadoramente
pavimentada a macadame) até ao Porto. Atribuíram-lhe o nome do político António
Bernardo da Costa Cabral, na altura ministro do Reino, que não era, ou não veio
a ser, uma figura apreciada pelos portuenses que, preferiram chamar à nova
artéria, a ”Estrada da Cruz das Regateiras”.
Em 1851, em sinal de repúdio por aquele baptismo e quando o
ministério de Costa Cabral caiu, a população tratou de derrubar a pedra que,
junto à Praça do Marquês, assinalava o início e a designação da rua. Porém, a
tradição e a vontade dos populares não conseguiram impor-se e, tanto o nome de
Cruz das Regateiras como o de Estrada, desapareceram definitivamente – ao
contrário de outros topónimos – e Costa Cabral ficou nome assente e enraizado.
Curiosamente, aponte-se que, nos meados do século XIX, os
lugares atravessados pela rua eram tão excêntricos que o Município recusou
arcar com a despesa da abertura da mesma, alegando tratar-se de uma obra “fora
das barreiras” da cidade.
Em 1839, um troço da actual Rua da Alegria, partindo do que é
hoje, sensivelmente, a junção daquela rua com a Rua D. João IV (inexistente à
data) e terminando na Rua Costa Cabral, já se chamava Rua 24 de Agosto.
A Rua 24 de Agosto à direita em 1839
Começada a abrir no início da década de 1840, a Rua da
Constituição teve o seu primeiro troço inaugurado em 1845, entre a Praça do
Marquês de Pombal e a Rua de Antero de Quental.
Denominava-se então Rua 27 de Janeiro, em honra do
restabelecimento da Carta Constitucional de 1826 por António Bernardo da Costa
Cabral, proclamada nessa data na cidade do Porto em 1842. Com a queda dos
Cabrais, o derrube da Carta e a recuperação da Constituição de 1822, recebeu o
nome de Rua da Constituição, designação que ostenta até aos dias de hoje.
Uma panorâmica excelente sobre esta rua é-nos dada no texto
seguinte por quem conhece bem a cidade.
“Ligando a Praça do
Marquês à estrada da Circunvalação, na Areosa, a Rua de Costa Cabral é a mais
extensa do Porto. Desenvolve-se em linhas rectas que lhe dão um traçado
uniforme; inflecte, porém, decididamente para o interior sem que disso o
transeunte se dê conta. Essas parcelas rectilíneas definem zonas residenciais
com diversos estilos de construções. Do Marquês até Silva Tapada encontra-se
uma fileira de habitações (só interrompida por alguns cruzamentos), algumas
notáveis no quadro da arquitectura portuense oitocentista. São de referir as
que, ao nível dos telhados (no 2º ou 3º Andares), apresentam uma
varanda-miradouro «para apanhar o fresco». Antes da Avenida dos Combatentes
aponta-se o Palacete do Lima que abriga a sede do Académico, clube que chegou a
atingir grande nível no panorama desportivo da cidade e do país (o seu recinto
de jogos, o «Estádio do Lima», foi, durante décadas, o único relvado do Porto,
tendo assistido a alguns dos maiores acontecimentos em inúmeras modalidades.
Futebol, caseiro ou internacional; andebol de 11, que enchia o estádio quando
era contra a Espanha; ciclismo – as noites das «perseguições» e das voltas a
Portugal; atletismo… Tudo por ali passava: desde o S. Lorenzo de Almagro – que
«deu onze ao Porto» - até ao Elvas do Patalino… Numa miseranda operação a que
ninguém teve coragem de se opor, o Estádio do Lima foi destroçado há anos para
construírem «arranha-céus». Lá deveria ter ficado um parque desportivo
polivalente ao serviço da juventude da cidade.
Logo a seguir ao
Palacete do Lima está o grande edifício que pertenceu a uma das fábricas
portuenses do Tabaco. Nele é magistral a marquise que cobre o vão de uma das
entradas, bem como a grade do muro junto da rua, admirável conjugação das artes
de ferreiro e vidraceiro. Depois, quase fronteiro à Rua do Lima, está o
edifício do cinema Júlio Dinis, dos anos 40. Trata-se de um imóvel
evidentemente estranho ao padrão arquitectónico do local. De um desenho
geometrizado em linhas rectas, funcional, sem efeitos decorativos e pintado de
cor rosada, sempre se destacou do ambiente da rua. O projecto, importado da
arquitectura modernista da época, dá, afinal, ao cinema, o valor de um
documento estético que a cultura portuense assimilou e que deve ser conservado.
Vem, depois, o cruzamento com a Avenida dos Combatentes (convite para uma
deambulação sob o túnel dos plátanos do seu passeio central).Próximo da Igreja
das Antas, dentro de um alto muro, encontram-se os magníficos parques e Casa
dos Cepedas, armoriada, do século XVIII, um paraíso de sossego, que está
prestes a tornar-se um condomínio fechado. (É interessante a cor amarela de
todo o conjunto construído e notável o portão de ferro).
E sigamos por Costa
Cabral. Alguns vandalismos recentes e gaiolas abstrusas se nos deparam. Depois
da Rua de Joaquim Pires de Lima e até ao cruzamento que os portuenses conhecem
como «Silva Tapada» (nome da rua que lá principia) há uma série de boa
arquitectura em habitações no estilo do fim do século: a harmonia cuidada da
porta lateral, uma ou duas janelas ao lado, primeiros andares com varandas ou
janelas, etc. Tudo alinhado. Tudo certo. No granito, no ferro, no azulejo.
Sabia-se construir… Pelo meio, aparecem os caixotes. Nesta correnteza, pode
visitar a Casa Museu de Fernando de Castro, onde viveu o poeta, coleccionador e
homem rico que, se não se destacou nas letras, ao menos legou à cidade as suas
obras de arte, com relevo para uma colecção importante de pintura portuguesa.
Após Silva Tapada e
até ao Largo da Cruz, a rua alarga um tanto em nova recta. Aqui a burguesia
portuense – já do século vinte – fez construir as suas moradias que assinalam
uma época de excelente arquitectura, com pormenores de grande requinte
decorativo (portas, varandas, lavrados de cantaria, grades, azulejos) formando
um conjunto extraordinariamente correcto (que, como seria de esperar, corre
riscos, pois alguns atentados já o atingiram). Passado o Largo da Cruz, Costa
Cabral começa a transformar-se numa rua incaracterística, de péssima
arquitectura, nem moderna nem antiga, ou que nem é arquitectura, mas indigência
cultural. Aqui e ali alguns bons prédios sobrevivem miraculosamente. Antes da
Areosa pressente-se, em construções baixas, nalguns muros desalinhados, em
certas habitações (especialmente umas muito pequenas, recuadas, próximo do
cruzamento com a Rua de Santa Justa) a marca rural da antiga (e que continua a
ser) estrada de Guimarães, restos de um tempo em que ela era um caminho através
dos campos, no território maiato.”
Com a devida vénia a Hélder Pacheco
Atravessando terrenos rurais, quintas e casas, a Rua de
Costa Cabral rompeu com a imagem dos arruamentos da zona, caminhos mais ou
menos aldeãos e irregulares.
Alguns eram, todavia, úteis e calcorreados, pois, através
deles, viajantes e vizinhos dirigiam-se para as Antas ou para o Campo Grande (Campo
24 de Agosto), ou passavam em direcção às Goelas de Pau e Bonfim. Seguiam ainda
para Campanhã e, por outro lado, para as diversas aldeias de Paranhos (então
campos e mais campos).
Largo da Cruz
Centro de irradiação de caminhos e referência obrigatória na
saída da cidade, eis, na foto anterior, o Largo da Cruz, aliás Largo
Cruz das Regateiras ou Largo 25 de Março, topónimo para celebrar
um rijo combate que, naquele dia e mês, ali se travou, no ano de 1833, entre miguelistas
e liberais.
Desde Março de 1883
que, neste largo, passou a existir um hospital de alienados – O Hospital do Conde
de Ferreira.
Na Cruz das Regateiras, lojas de merceeiro e de vinhos
animavam o local e, no século XX, teve aí sedeada a 6ª Esquadra de Polícia,
depois transformada em Posto de Esquadra nº 2 e, depois substituídos por uma
outra esquadra, na Rua de Naulila.
Aqui, as padeiras de Valongo que rumavam à cidade regateavam
com as autoridades fiscais os valores a pagar pelas mercadorias transportadas
e, deste comportamento, o epíteto de "regateiras".
“Até há bem pouco
tempo, algumas casas do século XIX e uma pequena escadaria, uma viela tranquila
e praticamente rural, é tudo o que resta do sítio antigo. Mas, com as suas árvores
vigorosas, o seu chafariz de ferro fundido, de lampião em cima, e o mictório de
ferro na entrada da Rua de Contumil, o Largo da Cruz é um pedaço do Porto
arrabaldino que se desagrega, tragado pelos apetites imobiliários”.
Texto de Helder Pacheco
Relativamente ao “retrato” anterior do Largo da Cruz, hoje restam poucas casas, um pequeno troço da viela e um fontanário, sem água e
descaracterizado e o velho mictório de ferro desapareceu.
Por aqui, se ouvia falar do Casal do Vale da Quinta da Cruz
das Regateiras, ou Quinta do Paço, que pertenceu ao cabido e que seria o local
em que acabou por ser implantado o Hospital do Conde de Ferreira. Nas
imediações deste, a poente, ficava Lamas.
Do chamado Largo da Cruz das Regateiras para poente, no
século passado, um caminho que deu origem à viela (e depois rua) do Relógio,
que teve a sua metade norte absorvida pela abertura da Avenida de D. João II,
primeiro e depois pela VCI.
A origem daquele nome radica no relógio de sol do palacete
do Dr. Jaime Magalhães, já demolido, que ficava na esquina da Rua Pereira Reis.
Este relógio foi depositado à guarda do Museu de Etnografia e História e está
desaparecido.
Aliás, do museu, que funcionava no solar de S. João Novo, entretanto encerrado, o respectivo espólio está desaparecido e, há quem diga,
que parte dele foi “ visitar a capital”.
A Rua de Costa Cabral que, no seu percurso para Norte, vai
acabar no lugar conhecido por Areosa, seguia à data da sua abertura, depois, pelo
lugar de Ermesinde, da freguesia de S. Lourenço de Asnes, do concelho de
Valongo, e continuava em direcção a Guimarães.
Largo da Cruz
Outra perspectiva da foto anterior, observando-se o desaparecido mictório (urinol) – Fonte: Google maps
O Largo da Cruz, actualmente - Fonte: Google maps
Relativamente às duas últimas fotos, o prédio degradado situado
numa esquina, já não existe.
O fontanário que estava junto de um marco do correio, que já
foi desmontado, está há muito desactivado, e o que resta da viela no canto
direito da penúltima foto, é um curto troço da actual Rua Diogo Cão que foi cortada pela via de
Cintura Interna.
O típico urinol, adossado ao velho prédio, desapareceu também.
Rua Costa Cabral à Cruz das Regateiras - Fonte: Google maps
Na foto acima, a casa ao centro, à qual se tem acesso pela
pequena escada, deve ser, agora, a mais antiga do local. No seu sub-solo existe
uma mina de água, e a linha de água a ela associada é conhecida pelo Rego das
Consortes, que faz percurso dentro dos terrenos do Hospital Conde de Ferreira,
e vai juntar-se a outras linhas de água, que formarão em Lamas a ribeira da
Asprela.
Uns quantos metros à frente, no local das últimas
construções, ficava a demolida, em 1916, capela do Senhor da Cruz.
Abertura da Avenida D. João II, nas traseiras do Hospital do Conde
de Ferreira
A avenida, cujos trabalhos de construção se podem apreciar na foto anterior, desapareceria, entretanto, com a
sua substituição pela Via de Cintura Interna, que passaria junto ao Hospital Conde
de Ferreira, visível ao centro.
As terras mais próximas pertenciam à Agra de Coalhães
regadas pela fonte do Vale.
Hospital Conde de Ferreira e Avenida D. João II em 1960
Na foto acima pode ver-se, em 1º plano, a rotunda com o
topónimo de Praça D. Manuel I, formada pela Avenida Fernão de Magalhães e a
Avenida D. João II e, no fim desta, ao longe, o Bairro do Outeiro e o cemitério
de Paranhos.
A Avenida D. João II transformar-se-ia na VCI (Via de
cintura Interna).
O local da antiga Rotunda das Antas é hoje um viaduto sobre
a VCI – Fonte: Google maps
Gravura do Hospital do Conde de Ferreira
Na gravura acima é visível, em primeiro plano, o jardim (a
Sul) de que o hospital foi amputado pela passagem, inicialmente, da Avenida
João II e, depois, pela Via de Cintura Interna.
Sem comentários:
Enviar um comentário