quarta-feira, 26 de julho de 2017

(Continuação 16) - Actualização em 01/05/2018


“Em 1845 foram “reformadas” segundo o novo Plano de Estradas do Reino, as da província de Entre Douro e Minho.
Vitais, neste plano, eram aquelas que cobriam os acessos ao Porto: as de Guimarães, de Braga e de Penafiel por onde se escoava a maioria do tráfego entre a cidade e as regiões minhotas e durienses”.
Fonte: Helder Pacheco



Dentro desta óptica em substituição da Rua do Lindo Vale, estreita, irregular e mal pavimentada, uma empresa encarregada de efectuar aquelas reformas abriu a grande e moderna via de penetração (inovadoramente pavimentada a macadame) até ao Porto. Atribuíram-lhe o nome do político António Bernardo da Costa Cabral, na altura ministro do Reino, que não era, ou não veio a ser, uma figura apreciada pelos portuenses que, preferiram chamar à nova artéria, a ”Estrada da Cruz das Regateiras”.
Em 1851, em sinal de repúdio por aquele baptismo e quando o ministério de Costa Cabral caiu, a população tratou de derrubar a pedra que, junto à Praça do Marquês, assinalava o início e a designação da rua. Porém, a tradição e a vontade dos populares não conseguiram impor-se e, tanto o nome de Cruz das Regateiras como o de Estrada, desapareceram definitivamente – ao contrário de outros topónimos – e Costa Cabral ficou nome assente e enraizado.
Curiosamente, aponte-se que, nos meados do século XIX, os lugares atravessados pela rua eram tão excêntricos que o Município recusou arcar com a despesa da abertura da mesma, alegando tratar-se de uma obra “fora das barreiras” da cidade.
Em 1839, um troço da actual Rua da Alegria, partindo do que é hoje, sensivelmente, a junção daquela rua com a Rua D. João IV (inexistente à data) e terminando na Rua Costa Cabral, já se chamava Rua 24 de Agosto.




A Rua 24 de Agosto à direita em 1839




Começada a abrir no início da década de 1840, a Rua da Constituição teve o seu primeiro troço inaugurado em 1845, entre a Praça do Marquês de Pombal e a Rua de Antero de Quental.
Denominava-se então Rua 27 de Janeiro, em honra do restabelecimento da Carta Constitucional de 1826 por António Bernardo da Costa Cabral, proclamada nessa data na cidade do Porto em 1842. Com a queda dos Cabrais, o derrube da Carta e a recuperação da Constituição de 1822, recebeu o nome de Rua da Constituição, designação que ostenta até aos dias de hoje.
Uma panorâmica excelente sobre esta rua é-nos dada no texto seguinte por quem conhece bem a cidade.




Ligando a Praça do Marquês à estrada da Circunvalação, na Areosa, a Rua de Costa Cabral é a mais extensa do Porto. Desenvolve-se em linhas rectas que lhe dão um traçado uniforme; inflecte, porém, decididamente para o interior sem que disso o transeunte se dê conta. Essas parcelas rectilíneas definem zonas residenciais com diversos estilos de construções. Do Marquês até Silva Tapada encontra-se uma fileira de habitações (só interrompida por alguns cruzamentos), algumas notáveis no quadro da arquitectura portuense oitocentista. São de referir as que, ao nível dos telhados (no 2º ou 3º Andares), apresentam uma varanda-miradouro «para apanhar o fresco». Antes da Avenida dos Combatentes aponta-se o Palacete do Lima que abriga a sede do Académico, clube que chegou a atingir grande nível no panorama desportivo da cidade e do país (o seu recinto de jogos, o «Estádio do Lima», foi, durante décadas, o único relvado do Porto, tendo assistido a alguns dos maiores acontecimentos em inúmeras modalidades. Futebol, caseiro ou internacional; andebol de 11, que enchia o estádio quando era contra a Espanha; ciclismo – as noites das «perseguições» e das voltas a Portugal; atletismo… Tudo por ali passava: desde o S. Lorenzo de Almagro – que «deu onze ao Porto» - até ao Elvas do Patalino… Numa miseranda operação a que ninguém teve coragem de se opor, o Estádio do Lima foi destroçado há anos para construírem «arranha-céus». Lá deveria ter ficado um parque desportivo polivalente ao serviço da juventude da cidade.
Logo a seguir ao Palacete do Lima está o grande edifício que pertenceu a uma das fábricas portuenses do Tabaco. Nele é magistral a marquise que cobre o vão de uma das entradas, bem como a grade do muro junto da rua, admirável conjugação das artes de ferreiro e vidraceiro. Depois, quase fronteiro à Rua do Lima, está o edifício do cinema Júlio Dinis, dos anos 40. Trata-se de um imóvel evidentemente estranho ao padrão arquitectónico do local. De um desenho geometrizado em linhas rectas, funcional, sem efeitos decorativos e pintado de cor rosada, sempre se destacou do ambiente da rua. O projecto, importado da arquitectura modernista da época, dá, afinal, ao cinema, o valor de um documento estético que a cultura portuense assimilou e que deve ser conservado. Vem, depois, o cruzamento com a Avenida dos Combatentes (convite para uma deambulação sob o túnel dos plátanos do seu passeio central).Próximo da Igreja das Antas, dentro de um alto muro, encontram-se os magníficos parques e Casa dos Cepedas, armoriada, do século XVIII, um paraíso de sossego, que está prestes a tornar-se um condomínio fechado. (É interessante a cor amarela de todo o conjunto construído e notável o portão de ferro).
E sigamos por Costa Cabral. Alguns vandalismos recentes e gaiolas abstrusas se nos deparam. Depois da Rua de Joaquim Pires de Lima e até ao cruzamento que os portuenses conhecem como «Silva Tapada» (nome da rua que lá principia) há uma série de boa arquitectura em habitações no estilo do fim do século: a harmonia cuidada da porta lateral, uma ou duas janelas ao lado, primeiros andares com varandas ou janelas, etc. Tudo alinhado. Tudo certo. No granito, no ferro, no azulejo. Sabia-se construir… Pelo meio, aparecem os caixotes. Nesta correnteza, pode visitar a Casa Museu de Fernando de Castro, onde viveu o poeta, coleccionador e homem rico que, se não se destacou nas letras, ao menos legou à cidade as suas obras de arte, com relevo para uma colecção importante de pintura portuguesa.
Após Silva Tapada e até ao Largo da Cruz, a rua alarga um tanto em nova recta. Aqui a burguesia portuense – já do século vinte – fez construir as suas moradias que assinalam uma época de excelente arquitectura, com pormenores de grande requinte decorativo (portas, varandas, lavrados de cantaria, grades, azulejos) formando um conjunto extraordinariamente correcto (que, como seria de esperar, corre riscos, pois alguns atentados já o atingiram). Passado o Largo da Cruz, Costa Cabral começa a transformar-se numa rua incaracterística, de péssima arquitectura, nem moderna nem antiga, ou que nem é arquitectura, mas indigência cultural. Aqui e ali alguns bons prédios sobrevivem miraculosamente. Antes da Areosa pressente-se, em construções baixas, nalguns muros desalinhados, em certas habitações (especialmente umas muito pequenas, recuadas, próximo do cruzamento com a Rua de Santa Justa) a marca rural da antiga (e que continua a ser) estrada de Guimarães, restos de um tempo em que ela era um caminho através dos campos, no território maiato.” 
Com a devida vénia a Hélder Pacheco




Atravessando terrenos rurais, quintas e casas, a Rua de Costa Cabral rompeu com a imagem dos arruamentos da zona, caminhos mais ou menos aldeãos e irregulares.
Alguns eram, todavia, úteis e calcorreados, pois, através deles, viajantes e vizinhos dirigiam-se para as Antas ou para o Campo Grande (Campo 24 de Agosto), ou passavam em direcção às Goelas de Pau e Bonfim. Seguiam ainda para Campanhã e, por outro lado, para as diversas aldeias de Paranhos (então campos e mais campos).





Largo da Cruz




Centro de irradiação de caminhos e referência obrigatória na saída da cidade, eis, na foto anterior, o Largo da Cruz, aliás Largo Cruz das Regateiras ou Largo 25 de Março, topónimo para ce­lebrar um rijo combate que, naquele dia e mês, ali se travou, no ano de 1833, entre mi­guelistas e liberais.
Desde Março de 1883 que, neste largo, passou a existir um hospital de alienados – O Hospital do Conde de Ferreira.
Na Cruz das Regateiras, lojas de merceeiro e de vinhos animavam o local e, no século XX, teve aí sedeada a 6ª Esquadra de Polícia, depois transformada em Posto de Esquadra nº 2 e, depois substituídos por uma outra esquadra, na Rua de Naulila.
Aqui, as padeiras de Valongo que rumavam à cidade regateavam com as autoridades fiscais os valores a pagar pelas mercadorias transportadas e, deste comportamento, o epíteto de "regateiras". 



“Até há bem pouco tempo, algumas casas do século XIX e uma pequena escadaria, uma viela tranquila e praticamente rural, é tudo o que resta do sítio antigo. Mas, com as suas árvores vigorosas, o seu chafariz de ferro fundido, de lampião em cima, e o mictório de ferro na entrada da Rua de Contumil, o Largo da Cruz é um pedaço do Porto arrabaldino que se desagrega, tragado pelos apetites imobiliários”.
Texto de Helder Pacheco




Relativamente ao “retrato” anterior do Largo da Cruz, hoje restam poucas casas, um pequeno troço da viela e um fontanário, sem água e descaracterizado e o velho mictório de ferro desapareceu.
Por aqui, se ouvia falar do Casal do Vale da Quinta da Cruz das Regateiras, ou Quinta do Paço, que pertenceu ao cabido e que seria o local em que acabou por ser implantado o Hospital do Conde de Ferreira. Nas imediações deste, a poente, ficava Lamas.
Do chamado Largo da Cruz das Regateiras para poente, no século passado, um caminho que deu origem à viela (e depois rua) do Relógio, que teve a sua metade norte absorvida pela abertura da Avenida de D. João II, primeiro e depois pela VCI.
A origem daquele nome radica no relógio de sol do palacete do Dr. Jaime Magalhães, já demolido, que ficava na esquina da Rua Pereira Reis. Este relógio foi depositado à guarda do Museu de Etnografia e História e está desaparecido.
Aliás, do museu, que funcionava no solar de S. João Novo, entretanto encerrado, o respectivo espólio está desaparecido e, há quem diga, que parte dele foi “ visitar a capital”.
A Rua de Costa Cabral que, no seu percurso para Norte, vai acabar no lugar conhecido por Areosa, seguia à data da sua abertura, depois, pelo lugar de Ermesinde, da freguesia de S. Lourenço de Asnes, do concelho de Valongo, e continuava em direcção a Guimarães.




Largo da Cruz




Outra perspectiva da foto anterior, observando-se o desaparecido mictório (urinol) – Fonte: Google maps




O Largo da Cruz, actualmente - Fonte: Google maps



Relativamente às duas últimas fotos, o prédio degradado situado numa esquina, já não existe.
O fontanário que estava junto de um marco do correio, que já foi desmontado, está há muito desactivado, e o que resta da viela no canto direito da penúltima foto, é um curto troço da actual Rua Diogo Cão que foi cortada pela via de Cintura Interna.
O típico urinol, adossado ao velho prédio, desapareceu também.





Rua Costa Cabral à Cruz das Regateiras - Fonte: Google maps




Na foto acima, a casa ao centro, à qual se tem acesso pela pequena escada, deve ser, agora, a mais antiga do local. No seu sub-solo existe uma mina de água, e a linha de água a ela associada é conhecida pelo Rego das Consortes, que faz percurso dentro dos terrenos do Hospital Conde de Ferreira, e vai juntar-se a outras linhas de água, que formarão em Lamas a ribeira da Asprela.
Uns quantos metros à frente, no local das últimas construções, ficava a demolida, em 1916, capela do Senhor da Cruz.




Abertura da Avenida D. João II, nas traseiras do Hospital do Conde de Ferreira



A avenida, cujos trabalhos de construção se podem apreciar na foto anterior, desapareceria, entretanto, com a sua substituição pela Via de Cintura Interna, que passaria junto ao Hospital Conde de Ferreira, visível ao centro.
As terras mais próximas pertenciam à Agra de Coalhães regadas pela fonte do Vale.




Hospital Conde de Ferreira e Avenida D. João II em 1960



Na foto acima pode ver-se, em 1º plano, a rotunda com o topónimo de Praça D. Manuel I, formada pela Avenida Fernão de Magalhães e a Avenida D. João II e, no fim desta, ao longe, o Bairro do Outeiro e o cemitério de Paranhos.
A Avenida D. João II transformar-se-ia na VCI (Via de cintura Interna).



O local da antiga Rotunda das Antas é hoje um viaduto sobre a VCI – Fonte: Google maps





Gravura do Hospital do Conde de Ferreira



Na gravura acima é visível, em primeiro plano, o jardim (a Sul) de que o hospital foi amputado pela passagem, inicialmente, da Avenida João II e, depois, pela Via de Cintura Interna.

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