19.8 Rua Mouzinho da Silveira
A Rua de Mouzinho da Silveira começou a ser planeada em 1872,
mas, os trabalhos apenas se iniciaram em 1877, incidindo sobre o leito do
Rio da Vila, parte dele ainda a descoberto e regularizando o seu percurso.
Esta artéria anteriormente já teve em alguns dos seus
trechos o nome de Rua da Vila e de Rua das Congostas.
Para se criar esta via, larga e recta, foram destruídos
diversos espaços urbanos: o Largo de S. Roque, praça urbanizada um século
antes por João de Almada e que ficava entre as ruas das Flores e do Souto, onde
se ergueu uma capela oitavada dessa invocação em 1776; a Ponte Nova (que
ainda se regista na actual toponímia, na rua que une a Rua das Flores à
Rua da Bainharia, e que garantia a passagem do Rio da Vila); e as radicais
transformações da zona do Largo de S. Domingos/Rua de S. João e ainda, a
destruição da Rua da Biquinha, da Rua dos Canos e da Rua
das Congostas.
Edifícios que sobreviveram ao desaparecimento da Rua das
Congostas - Fonte: “aportanobre.blogspot.pt”; In “Porto Vivo, Projecto
Base de Documento Estratégico, para o quarteirão da Feitoria Inglesa”
Os cinco edifícios
da foto acima constituem como que uma relíquia do arruamento que por
séculos ali existiu e que, desde cerca de 1875, desapareceram para sempre.
A azul, está delineado o trajecto da Rua Mouzinho da Silveira, no troço correspondente à Rua das Congostas, observando-se as edificações a demolir
Sobre este troço da Rua de Mouzinho da Silveira, e que já
fez parte da Rua das Congostas, é interessante um estudo de Nuno Cruz
(aportanobre.blogs.sapo.pt/), a quem se dá o devido crédito, que destaca um
pormenor interessante, envolvendo a capela de S. Salvador do Mundo.
Troço da Rua Mouzinho da Silveira junto à Praça do Infante –
Fonte: Google maps
A fachada actual da capela (que antes de 1891 se encontrava
recuada) foi edificada no actual alinhamento da rua.
O prédio com o, nº 64-66, que se lhe segue (a cota inferior,
à direita) viu, no novo alinhamento, a sua fachada recuada, tendo-lhe sido
expropriada uma pequena área (5,75m2).
Os proprietários do prédio contíguo àquele, com o, nº
58-60-62 tiveram de adquirir à Câmara uma pequena área para que aquele
alinhamento fosse feito (1,65m2).
Planta do local com áreas respectivas envolvidas no processo
de alinhamento – Fonte: “aportanobre.blogs.sapo.pt/”
As linhas coloridas paralelas no desenho acima, representam
o actual passeio adjacente aos prédios, sendo A, b e C as áreas envolvidas no
alinhamento citado.
A letra P, identifica o Pátio de S. Salvador.
Rua Mouzinho da Silveira
Praça do Infante D. Henrique, 1916 – Ed. Grandes Armazéns
Hermínios
Como se pode observar nas duas fotos anteriores, a fachada
da capela de S. Salvador do Mundo já foi alinhada com a Rua Mouzinho da
Silveira, mas, à data, os prédios que vimos referindo, ainda não tinham sido
intervencionados.
Sobre a Rua das Cangostas como também era
chamada nomeadamente por Camilo Castelo Branco, o romancista escreve na sua
obra “O Sangue”:
“Quando os frades de
S. Domingos, do Porto, no primeiro quartel do seculo XVI offereceram terreno da
sua cerca aos portuenses que quizessem edificar, muitos aceitaram a
liberalidade dos dominicanos, e para logo se formou a rua das Cangostas. Um dos
fundadores da nova rua chamava-se Pero Barrios judeu oriundo de Castella, e
official de tecidos de prata e ouro”.
A abertura da Rua Mouzinho da Silveira, é um momento de
profunda transformação nesta zona da cidade, sem dúvida a mais radical
intervenção no burgo velho até às intervenções da década de 1940 (na zona
do Terreiro da Sé) e de 1950 (com a abertura da Avenida da Ponte).
Abertura em 1877 da Rua Mouzinho da Silveira
«Como escreveram
Hélder Marques, José A. Rio Fernandes e Luís Paulo Martins:
"O
incremento comercial e industrial que se opera na segunda metade do século
XIX é não só responsável pela reorganização das principais vias de
trânsito de mercadorias no velho burgo, (...) como leva à abertura da Rua
Nova da Alfândega (iniciado em 1871), que se vai articular posteriormente com a
Rua de Mouzinho da Silveira, ampla artéria entre a área ribeirinha e a
cidade alta, fazendo desaparecer o que restava do curso sub-aéreo do Rio
da Vila e o Largo de S. Roque."
É conhecido o
"Projecto de abertura da Rua de Mouzinho da Silveira – Rua da
Biquinha paralela à Rua das Flores", datado de 1875 e da autoria de Luís
António Nogueira (Plantas Antigas da Cidade, p. 104), e que constitui um
precioso documento para reconstituição do espaço urbano afectado pelas
obras de 1877. A sua versão mais acessível encontra-se publicada
n'O Tripeiro, pela mão de Monteiro de Andrade.
A empresa não foi
fácil e teve de lutar com dificuldades de diversa natureza. Criar uma
artéria com 19 metros de largura, em pleno espaço urbano do velho
Porto obrigava a expropriações e ao encanamento do rio da Vila sendo obra
de engenharia de certo vulto. As dificuldades encontradas na construção
desta artéria encontram-se espelhadas no Relatório da Câmara, apresentado
em 1880 e que se revela um curioso e importante testemunho histórico:
"(...)
Tem continuado muito morosamente a abertura desta rua, e isto devido à
grande dificuldade que se tem encontrado nas aquisições dos prédios que
tiveram e têm de ser expropriados; sendo necessário recorrer-se, pela
maior parte, a duas vistorias, em algumas das quais têm os proprietários
lançado mão de provas testemunhais, embaraçando-se assim a conclusão duma
obra que vai proporcionar ao público uma ampla e fácil comunicação da
cidade baixa e margem do rio Douro com o interior da cidade.
O aqueduto desta rua,
que tem 2m,50 de largura e 3m,25 de altura, está construído na extensão de
301 metros, recebendo já as águas do Rio da Vila, e vão continuando as
obras através de grandes obstáculos, já pela qualidade do terreno, que tem
de ser perfurado, e já por se não poder atacar a rua em vários pontos como
convém. (...) No último empréstimo foi incluída também o soma necessária para
as expropriações que têm de ser feitas com a comunicação da Rua de Mouzinho
da Silveira e a Rua de D. Maria II. (...)”.
Segundo Horácio
Marçal, Monteiro de Andrade e Eugénio Andrea da Cunha e Freitas, o traçado
da Rua Mouzinho da Silveira foi realizado em duas fases: a primeira
fase, obedecendo a um projecto apresentado por Luís António Nogueira, em
1872 e aprovado pela Câmara em 17 de Junho de 1875, que ia do Convento de
S. Bento de Ave-Maria até ao alto da rua de S. João: a segunda fase, aprovada
segundo o mesmo projecto, seguia daí à Rua Nova dos Ingleses (primeiro
designada por Rua Nova ou Rua Formosa, e hoje conhecida
como Rua Infante D. Henrique).
Com as demolições para
dar lugar à Rua de Mouzinho da Silveira seriam destruídos o Hospital de S. Crispim (ou dos Palmeiros) e a
Capela de S. Crispim, que se erguiam lado a lado, logo à entrada da Rua da Biquinha, voltados ao Largo de
S. Domingos.
Na Planta
de 1875, que o Senado aprovou, e pela qual se construiu a Rua de Mouzinho
da Silveira, indicam-se os novos locais onde deveriam ser reconstruídas
estas duas estruturas».
Fonte: “ruasdoporto.blogspot.pt”; In Bairro da Sé do Porto –
Monografias
Planta da Zona da Rua Mouzinho da Silveira
Legenda:
1- Rua dos Mercadores
2- Rua Nova dos Ingleses
3- Rua das Congostas
4- Rua das Flores
5- Porta de Carros
6- Entrada poente da futura Rua Mouzinho da Silveira
7- Praça Nova
8- Rua da Biquinha
Planta da zona de S. Domingos
Legenda:
1. Chafariz
2. Igreja da Misericórdia
3. Capela de S. Crispim
4. Rua da Biquinha
5. Capela da Senhora das Neves ou da Escada
6. Capela dos Terceiros de S. Domingos
Obs: Na planta pode ver-se que houve um projecto para
prolongar a Rua de S. João até junto da igreja da Misericórdia e que se previa,
ainda, abrir o que foi mais tarde, a Rua Ferreira Borges.
Assinalado com 5 esteve, junto onde mais tarde passaria a
Rua Sousa Viterbo a capela da Nossa Senhora das Neves.
Rua da Biquinha e capela – “Ed. aportanobre.blogspot”
Na foto acima pode ver-se a Capela de S. Crispim no canto
inferior direito.
A famosa Rua da
Biquinha, paralela à Rua das Flores desenvolvia-se a partir da capela.
Zona de S. Domingos
A planta acima é de 1839 de Joaquim da Costa Lima Júnior.
A Rua das Flores na planta de F. Perry Vidal, na versão de
1865
Outra planta do mesmo local com o Rio da Vila a azul
Legenda:
4. Beco do Cadavai
XV. Largo de S. Roque
2. Rua da Biquinha
3. Rua das Congostas
47. Largo da Calçada do Corpo da Guarda
1. Actual Viela do Anjo
Capela de S. Crispim
– Fonte: “aportanobre.blogspot”
Na foto acima de
1872 vê-se à esquerda a capela de S. Crispim, que ficava no sentido ascendente
da Rua de S. João, ao cimo à direita.
A sua fachada
principal ficava praticamente no enfiamento da Rua de S. João.
Para a direita da
foto o prédio no gaveto da Rua de S. João e da Rua das Congostas seria
demolido.
Vista aérea do local
em que esteve a capela de S. Crispim - Fonte: “aportanobre.blogspot”
O prédio assinalado
com uma seta amarela na vista anterior e os situados na Rua de S. João à
direita no sentido ascendente, ainda subsistem ao ano da foto que se segue, que
é o de 1872.
Rua de S. João –
Fonte: “aportanobre.blogspot”
A foto anterior foi
obtida aquando da visita do imperador do Brasil D. Pedro II em 1872.
O prédio assinalado
com a seta amarela é bem visível ainda hoje.
Planta da zona da
capela de S. Crispim - Fonte: “aportanobre.blogspot”
1. Capela de S.
Crispim
2. Rua de S. João
3. Rua das Congostas
4. Rua da Biquinha
5. Travessa da
Bainharia
6. Largo de S.
Domingos
Obs:O traço vermelho
recto mostra o alinhamento da Rua Mouzinho da Silveira
Planta
identificadora da Rua da Biquinha a vermelho - Fonte: “aportanobre.blogspot”
“Na planta anterior de 1881 se mostra que
quando se iniciou a construção dos edifícios da Rua Mouzinho da Silveira, no
tocante aos da sua face Poente mais próximo ao Largo de São Domingos, a última
casa a ser construída foi a da esquina pois que ainda não figura na planta
(imagem no meio) e assim por esse terreno se poderia entrar diretamente para as
traseiras das novas casas.
Pelos alinhamentos das casas e plantas não é
difícil verificar que essas traseiras deverão
ser o que resta da antiga Rua da Biquinha que existia nesse local (já
urbanizado desde os tempos medievais) e que foi obliterada da memória da cidade
quando a nova rua foi rasgada naquela área”.
Com a devida vénia
a: “aportanobre.blogspot”
Local da planta
anterior actualmente - Fonte: “aportanobre.blogspot”
A linha amarela
indica o possível trajecto da Rua da Biquinha.
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