quinta-feira, 20 de julho de 2017

(Continuação 10) - Actualização em 05/12/2018

19.8 Rua Mouzinho da Silveira

A Rua de Mouzinho da Silveira começou a ser planeada em 1872, mas, os trabalhos apenas se iniciaram em 1877, incidindo sobre o leito do Rio da Vila, parte dele ainda a descoberto e regularizando o seu percurso.
Esta artéria anteriormente já teve em alguns dos seus trechos o nome de Rua da Vila e de Rua das Congostas.
Para se criar esta via, larga e recta, foram destruídos diversos espaços urbanos: o Largo de S. Roque, praça urbanizada um século antes por João de Almada e que ficava entre as ruas das Flores e do Souto, onde se ergueu uma capela oitavada dessa invocação em 1776; a Ponte Nova (que ainda se regista na actual toponímia, na rua que une a Rua das Flores à Rua da Bainharia, e que garantia a passagem do Rio da Vila); e as radicais transformações da zona do Largo de S. Domingos/Rua de S. João e ainda, a destruição da Rua da Biquinha, da Rua dos Canos e da Rua das Congostas.



Edifícios que sobreviveram ao desaparecimento da Rua das Congostas - Fonte: “aportanobre.blogspot.pt”; In “Porto Vivo, Projecto Base de Documento Estratégico, para o quarteirão da Feitoria Inglesa”


Os cinco edifícios da foto acima constituem como que uma relíquia do arruamento que por séculos ali existiu e que, desde cerca de 1875, desapareceram para sempre.



A azul, está delineado o trajecto da Rua Mouzinho da Silveira, no troço correspondente à Rua das Congostas, observando-se as edificações a demolir



Sobre este troço da Rua de Mouzinho da Silveira, e que já fez parte da Rua das Congostas, é interessante um estudo de Nuno Cruz (aportanobre.blogs.sapo.pt/), a quem se dá o devido crédito, que destaca um pormenor interessante, envolvendo a capela de S. Salvador do Mundo.


Troço da Rua Mouzinho da Silveira junto à Praça do Infante – Fonte: Google maps


A fachada actual da capela (que antes de 1891 se encontrava recuada) foi edificada no actual alinhamento da rua.
O prédio com o, nº 64-66, que se lhe segue (a cota inferior, à direita) viu, no novo alinhamento, a sua fachada recuada, tendo-lhe sido expropriada uma pequena área (5,75m2).
Os proprietários do prédio contíguo àquele, com o, nº 58-60-62 tiveram de adquirir à Câmara uma pequena área para que aquele alinhamento fosse feito (1,65m2).


Planta do local com áreas respectivas envolvidas no processo de alinhamento – Fonte: “aportanobre.blogs.sapo.pt/”


As linhas coloridas paralelas no desenho acima, representam o actual passeio adjacente aos prédios, sendo A, b e C as áreas envolvidas no alinhamento citado.
A letra P, identifica o Pátio de S. Salvador.


Rua Mouzinho da Silveira



Praça do Infante D. Henrique, 1916 – Ed. Grandes Armazéns Hermínios



Como se pode observar nas duas fotos anteriores, a fachada da capela de S. Salvador do Mundo já foi alinhada com a Rua Mouzinho da Silveira, mas, à data, os prédios que vimos referindo, ainda não tinham sido intervencionados.
Sobre a Rua das Cangostas como também era chamada nomeadamente por Camilo Castelo Branco, o romancista escreve na sua obra “O Sangue”:

“Quando os frades de S. Domingos, do Porto, no primeiro quartel do seculo XVI offereceram terreno da sua cerca aos portuenses que quizessem edificar, muitos aceitaram a liberalidade dos dominicanos, e para logo se formou a rua das Cangostas. Um dos fundadores da nova rua chamava-se Pero Barrios judeu oriundo de Castella, e official de tecidos de prata e ouro”.

A abertura da Rua Mouzinho da Silveira, é um momento de profunda transformação nesta zona da cidade, sem dúvida a mais radical intervenção no burgo velho até às intervenções da década de 1940 (na zona do Terreiro da Sé) e de 1950 (com a abertura da Avenida da Ponte).


Abertura em 1877 da Rua Mouzinho da Silveira


«Como escreveram Hélder Marques, José A. Rio Fernandes e Luís Paulo Martins:
"O incremento comercial e industrial que se opera na segunda metade do século XIX é não só responsável pela reorganização das principais vias de trânsito de mercadorias no velho burgo, (...) como leva à abertura da Rua Nova da Alfândega (iniciado em 1871), que se vai articular posteriormente com a Rua de Mouzinho da Silveira, ampla artéria entre a área ribeirinha e a cidade alta, fazendo desaparecer o que restava do curso sub-aéreo do Rio da Vila e o Largo de S. Roque."
É conhecido o "Projecto de abertura da Rua de Mouzinho da Silveira – Rua da Biquinha paralela à Rua das Flores", datado de 1875 e da autoria de Luís António Nogueira (Plantas Antigas da Cidade, p. 104), e que constitui um precioso documento para reconstituição do espaço urbano afectado pelas obras de 1877. A sua versão mais acessível encontra-se publicada n'O Tripeiro, pela mão de Monteiro de Andrade.
A empresa não foi fácil e teve de lutar com dificuldades de diversa natureza. Criar uma artéria com 19 metros de largura, em pleno espaço urbano do velho Porto obrigava a expropriações e ao encanamento do rio da Vila sendo obra de engenharia de certo vulto. As dificuldades encontradas na construção desta artéria encontram-se espelhadas no Relatório da Câmara, apresentado em 1880 e que se revela um curioso e importante testemunho histórico:
"(...) Tem continuado muito morosamente a abertura desta rua, e isto devido à grande dificuldade que se tem encontrado nas aquisições dos prédios que tiveram e têm de ser expropriados; sendo necessário recorrer-se, pela maior parte, a duas vistorias, em algumas das quais têm os proprietários lançado mão de provas testemunhais, embaraçando-se assim a conclusão duma obra que vai proporcionar ao público uma ampla e fácil comunicação da cidade baixa e margem do rio Douro com o interior da cidade.
O aqueduto desta rua, que tem 2m,50 de largura e 3m,25 de altura, está construído na extensão de 301 metros, recebendo já as águas do Rio da Vila, e vão continuando as obras através de grandes obstáculos, já pela qualidade do terreno, que tem de ser perfurado, e já por se não poder atacar a rua em vários pontos como convém. (...) No último empréstimo foi incluída também o soma necessária para as expropriações que têm de ser feitas com a comunicação da Rua de Mouzinho da Silveira e a Rua de D. Maria II. (...)”.
Segundo Horácio Marçal, Monteiro de Andrade e Eugénio Andrea da Cunha e Freitas, o traçado da Rua Mouzinho da Silveira foi realizado em duas fases: a primeira fase, obedecendo a um projecto apresentado por Luís António Nogueira, em 1872 e aprovado pela Câmara em 17 de Junho de 1875, que ia do Convento de S. Bento de Ave-Maria até ao alto da rua de S. João: a segunda fase, aprovada segundo o mesmo projecto, seguia daí à Rua Nova dos Ingleses (primeiro designada por Rua Nova ou Rua Formosa, e hoje conhecida como Rua Infante D. Henrique).
Com as demolições para dar lugar à Rua de Mouzinho da Silveira seriam destruídos o Hospital de S. Crispim (ou dos Palmeiros) e a Capela de S. Crispim, que se erguiam lado a lado, logo à entrada da Rua da Biquinha, voltados ao Largo de S. Domingos.
Na Planta de 1875, que o Senado aprovou, e pela qual se construiu a Rua de Mouzinho da Silveira, indicam-se os novos locais onde deveriam ser reconstruídas estas duas estruturas».
Fonte: “ruasdoporto.blogspot.pt”; In Bairro da Sé do Porto – Monografias


Planta da Zona da Rua Mouzinho da Silveira


 Legenda:

1- Rua dos Mercadores
2- Rua Nova dos Ingleses
3- Rua das Congostas
4- Rua das Flores
5- Porta de Carros
6- Entrada poente da futura Rua Mouzinho da Silveira
7- Praça Nova
8- Rua da Biquinha


Planta da zona de S. Domingos

Legenda:

1. Chafariz
2. Igreja da Misericórdia
3. Capela de S. Crispim
4. Rua da Biquinha
5. Capela da Senhora das Neves ou da Escada
6. Capela dos Terceiros de S. Domingos

Obs: Na planta pode ver-se que houve um projecto para prolongar a Rua de S. João até junto da igreja da Misericórdia e que se previa, ainda, abrir o que foi mais tarde, a Rua Ferreira Borges.
Assinalado com 5 esteve, junto onde mais tarde passaria a Rua Sousa Viterbo a capela da Nossa Senhora das Neves.


Rua da Biquinha e capela – “Ed. aportanobre.blogspot”

Na foto acima pode ver-se a Capela de S. Crispim no canto inferior direito.
A famosa Rua da Biquinha, paralela à Rua das Flores desenvolvia-se a partir da capela.

Zona de S. Domingos

A planta acima é de 1839 de Joaquim da Costa Lima Júnior.

A Rua das Flores na planta de F. Perry Vidal, na versão de 1865


Outra planta do mesmo local com o Rio da Vila a azul

Legenda:

4. Beco do Cadavai
XV. Largo de S. Roque
2. Rua da Biquinha
3. Rua das Congostas
47. Largo da Calçada do Corpo da Guarda
1. Actual Viela do Anjo

Capela de S. Crispim – Fonte: “aportanobre.blogspot”

Na foto acima de 1872 vê-se à esquerda a capela de S. Crispim, que ficava no sentido ascendente da Rua de S. João, ao cimo à direita.
A sua fachada principal ficava praticamente no enfiamento da Rua de S. João.
Para a direita da foto o prédio no gaveto da Rua de S. João e da Rua das Congostas seria demolido.

Vista aérea do local em que esteve a capela de S. Crispim - Fonte: “aportanobre.blogspot”


O prédio assinalado com uma seta amarela na vista anterior e os situados na Rua de S. João à direita no sentido ascendente, ainda subsistem ao ano da foto que se segue, que é o de 1872.

Rua de S. João – Fonte: “aportanobre.blogspot”

A foto anterior foi obtida aquando da visita do imperador do Brasil D. Pedro II em 1872.
O prédio assinalado com a seta amarela é bem visível ainda hoje.

Planta da zona da capela de S. Crispim - Fonte: “aportanobre.blogspot”

 Legenda:

1. Capela de S. Crispim
2. Rua de S. João
3. Rua das Congostas
4. Rua da Biquinha
5. Travessa da Bainharia
6. Largo de S. Domingos

Obs:O traço vermelho recto mostra o alinhamento da Rua Mouzinho da Silveira

Planta identificadora da Rua da Biquinha a vermelho - Fonte: “aportanobre.blogspot”


“Na planta anterior de 1881 se mostra que quando se iniciou a construção dos edifícios da Rua Mouzinho da Silveira, no tocante aos da sua face Poente mais próximo ao Largo de São Domingos, a última casa a ser construída foi a da esquina pois que ainda não figura na planta (imagem no meio) e assim por esse terreno se poderia entrar diretamente para as traseiras das novas casas. 
Pelos alinhamentos das casas e plantas não é difícil verificar que essas traseiras deverão ser o que resta da antiga Rua da Biquinha que existia nesse local (já urbanizado desde os tempos medievais) e que foi obliterada da memória da cidade quando a nova rua foi rasgada naquela área”.
Com a devida vénia a: “aportanobre.blogspot”

Local da planta anterior actualmente - Fonte: “aportanobre.blogspot”

A linha amarela indica o possível trajecto da Rua da Biquinha.

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