quinta-feira, 19 de julho de 2018

(Continuação 14)


Revolta dos Taberneiros


Esta revolução teve lugar em 1757 contra a decisão do Marquês do Pombal de proibição de venda de vinho “avulso” e, pretendia evitar, assim, a degradação da qualidade do vinho do Porto, que era alvo de muitas mixórdias, quando era um produto que permitia a entrada de largas divisas no País, após a assinatura com os ingleses, em 1703, do tratado de Methuen, que vigoraria até 1836.
Foram seus negociadores o embaixador extraordinário britânico John Methuen, por parte da Rainha Ana da Grã-Bretanha, e D. Manuel Teles da Silva, marquês de Alegrete, pela coroa portuguesa.
Esta passaria, a partir de então, a controlar através da Companhia Geral de Agricultura e das Vinhas do Alto Douro, todo o circuito comercial do vinho, inclusive os locais de consumo e venda – As Tavernas. 
Na manhã do dia 23 de Fevereiro de 1857, uma Quarta-Feira de cinzas, estalaria a revolta, mas, quando pelas três horas da tarde saía à rua a procissão das Cinzas da igreja dos Terceiros de S. Francisco, a mesma, pareceu acalmar.
Pretendia o povo que fosse revogada a criação da Companhia e que se restabelecesse o comércio do vinho a retalho da forma que estava antes.


“Não eram cumpridos cinco meses após a instituição da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, em 10-9-1756, quando eclodiu na cidade do Porto uma revolta popular contra a Companhia que o romancista histórico Arnaldo Gama memorou em Um Motim Há Cem Anos. Serviu também de tema na dissertação de licenciatura de Fernando de Oliveira, na antiga Faculdade de Letras da Universidade do Porto, publicada sob o título O Motim Popular de 1757.
Camilo Castelo Branco relata o acontecimento em Como Deus Castiga – Crónica Portuense, mas despreocupado com a exactidão dos factos, na irreprimível expansão da sua imaginação criadora. No decorrer da reconstituição do motim, vão-se comentando as apontadas versões.
Tudo aconteceu na manhã de quarta-feira de Cinzas, dia 23 de Fevereiro de 1757. Nas igrejas cumpria-se a liturgia da penitência e à tarde, como de costume, saía a procissão de S. Francisco. Gente dos arredores veio à cidade.
Camilo, na obra citada, erra ao escrever que a procissão de Cinza recolhia pela uma hora e três quarto, quando os sinos da Catedral e da Misericórdia picaram a rebate, pois a verdade histórica é que a procissão saiu da Igreja de S. Francisco às quatro horas da tarde depois de acalmada a cidade. O acórdão proferido em Relação pelos juízes da Alçada em 12-10-1757, publicado em livro no ano de 1758, sob o título Sentença da Alçada que El-Rei Nosso Senhor mandou conhecer da Rebellião na cidade do Porto em 1757, e da qual Sua Magestade Fidelíssima nomeou presidente João Pacheco Pereira de Vasconcelos «…» refere expressamente que os vendeiros se juntaram na manhã do dia 23 de Fevereiro.



Livro editado em 1758 com a sentença da Alçada e narrativa do julgamento


(…) Arnaldo Gama, sempre escrupuloso, também indica as 10 horas e meia da manhã para o começo da rebelião.
O local da concentração dos amotinados foi na Porta do Olival, à Cordoaria. A sentença o confirma:
«Mostra-se mais, que José Rodrigues de alcunha o Grande, João Francisco chamado o Mourão, e António de Sousa de alcunha o Negres ou o Negro, Soldado do Regimento de Infantaria da Guarnição desta Cidade, foram dos principais Amotinadores do Povo; de tal sorte que o dito Soldado, sendo persuadido pelo Réu António de Sequeira Teixeira a ir ao Tumulto, foi dos primeiros, que se acharam na Porta do Olival, aonde ele principiou» (pág. 35, ver também pág. 42).
As mulheres que faziam parte daquele grupo principiaram, em altos gritos, «as vozes sediciosas de Ah que de Povo, Viva o Povo, e morra a Companhia» e para concitarem todo o povo da cidade, os amotinadores planearam mandar tocar a rebate os sinos da Igreja da Misericórdia e da Sé Catedral, logo que principiasse o tumulto, o que veio a acontecer.
Continua a descrição no relatório da sentença: «Mostra-se mais que os Amotinadores para melhor concitarem a Plebe, e fazerem mais pública e formal a sua manifesta rebelião, determinaram que alguns rapazes levassem umas bandeirinhas encarnadas, com ramos de oliveira, para o Povo as seguir» (págs. 53 e 54).
Desta forma, os amotinados foram pela Rua de S. Bento, desceram as Escadas da Esnoga e tomaram a Rua de Belomonte a caminho do Largo de S. Domingos. Levavam o propósito previamente combinado, de se dirigirem à casa do juiz do povo, José da Silva por alcunha o Lisboa, um alfaiate e taberneiro que morava defronte do chafariz, interpelando-o para que tomasse a direcção do protesto.
Camilo cometeu um erro palmar neste ponto. Afirma que José da Silva, o tal juiz do povo, morava à entrada da Rua do Loureiro, para quem sai da Rua Chã: Ao toque de rebate, ergueu-se medonho alarido na Rua Chã, à entrada da Rua do Loureiro, onde morava o Juiz do Povo, José da Silva, justamente na casa onde hoje está aberta uma loja de barbeiro (pág. 253)”.
(…) quem morava na primeira casa da Rua do Loureiro, do lado esquerdo no sentido de quem desce, e que actualmente tem os números de polícia 166-168, depois da última casa da Rua Chã - esta tem os números 133-137 -, era o Dr. Luís Beleza de Andrade.


Casa de Beleza de Andrade na Rua Chã, após recuperação

(…) Tudo se tinha combinado previamente no sentido de que o juiz do povo, o tal Lisboa, pretextaria o estado de doente por ter tomado uma purga e que fora violentado ao tumulto (sentença, pág. 23), de forma a não cair nas malhas da justiça inculpado por comparticipação no motim.
A multidão reclamava a sua presença, e escutado pretexto, rolou-se ameaçadora contra a porta da casa pois o povo não sabia a prévia combinação com os dirigentes do movimento. Ele apareceu e continuou a invocar a sua doença: “Viva o povo! Eu sou do povo! Mas, senhores, eu estou muito mal…estou muito doente. Tomei uma purga… não posso ter-me em pé”. Assim reconstrói Arnaldo Gama os seus dizeres.

Os amotinados José Rodrigues, João Francisco e o soldado José Pinto de Azevedo foram à vizinha Rua Nova, buscar uma cadeirinha de mãos em que, segundo o plano ajustado, devia nela ser transportado o juiz do povo (como consta do relatório da sentença (pág. 36 - § XVI), a fim de ser o cabecel da revolta.
(…) Assomada a Rua Chã, a multidão já calculada em 5.000 pessoas, dirigiu-se à casa de morada do desembargador Bernardo Duarte de Figueiredo, corregedor do crime e chanceler das justiças, «insultando, e violentando o dito Ministro com atrevidas vozes, e ameaças, para que desse por extinta a Companhia, como consta da sentença, o que ele formalizou assinando os documentos, coacto, e violentando-o a que os mandasse afixar e publicar a som de caixas, e que nomeasse para o caso as ausências do Juiz do Povo actual, Joseph Fernandes da Silva, de alcunha o Lisboa, outro também da sua facção, chamado Thomaz Pinto, determinando, que se fechassem as Tavernas da mesma Companhia, e se devassassem os seus Armazéns (pág. 7 da sentença - § 1º)».
A referida casa de morada do desembargador Bernardo Duarte de Figueiredo fica sobre o arco da antiga Viela da Cadeia, actualmente designada Travessa da Rua Chã, e tem na dita Rua Chã o número de polícia 92 .


Casa onde morava o Corregedor  Dr. Bernardo Duarte de Figueiredo


A mole imensa, galvanizada pelo êxito, propôs-se continuar a cumprir o programa preestabelecido de queimar a documentação da instituição e ajustar contas com o provedor Luís Beleza de Andrade que morava a escassos metros do corregedor da justiça, ao fundo da Rua Chã, ou mais precisamente, na última casa da Rua do Loureiro, do lado esquerdo quem desce, junto da qual os amotinados ainda há pouco tinham passado quando subiram este arruamento”.
Com o devido crédito ao Dr. Rui Moreira de Sá e Guerra, adm. blogue “ruisaeguerra.blogspot.com”



“Em 1757 o Porto foi palco de duas revoltas populares contra a Companhia Geral de Agricultura e das Vinhas do Alto Douro, instituída em 1756 por Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal.
O descontentamento motivado pela formação desta companhia monopolista não só se fez sentir entre os agentes ligados à produção e comercialização de vinho do Porto, nomeadamente os comerciantes ingleses e seus colaboradores, mas também entre os numerosos taberneiros, tanoeiros e pequenos armazenistas da cidade.
O primeiro e principal motim aconteceu na manhã do dia 23 de Fevereiro ao som dos sinos da Sé e da Misericórdia. Os amotinados, reunidos na Cordoaria e gritando palavras de ordem, avançaram até à casa do juiz do povo, sita no Largo de S. Domingos, que foi arrastado pela turba e conduzido numa cadeirinha por, alegadamente, se encontrar indisposto.
O numeroso e exaltado cortejo seguiu até à Rua Chã, ao encontro das residências do regedor das justiças, a quem foi exigida a extinção da Companhia, e do provedor Luís Beleza de Andrade. O escritório da Companhia, a habitação do seu provedor - de onde um criado disparou sobre os revoltosos - e as casas vizinhas de Manuel Barroso (secretário da Companhia) e de Custódio dos Santos (seu deputado) foram vandalizadas.
Depois destes episódios violentos os ânimos serenaram e pelas três da tarde a cidade já assistia à Procissão das Cinzas. Porém, esta afronta ao poder central estava longe de ser esquecida, pois, apesar da aparente passividade das autoridades, a notícia do motim chegara rapidamente a Lisboa através da relação enviada pelo Desembargador Bernardo Duarte de Figueiredo.
Cinco dias mais tarde, a 28 de Fevereiro, D. José I ordenou a João Pacheco Pereira de Vasconcelos que abrisse no Porto uma devassa.
A 15 de Março, pouco depois da chegada do enviado régio, rebentou segundo motim.
Destes levantamentos populares resultou o apuramento de 462 suspeitos, 26 dos quais foram condenados à pena capital (21 homens e 5 mulheres), a ocupação militar da cidade por vários regimentos da Beira, do Minho e de Trás-os-Montes, a responsabilização dos portuenses pelo aboletamento das tropas, o lançamento de um imposto para pagar os soldos e munições de guerra, a mudança da vereação, a extinção da "Casa dos 24" e, ainda, a nomeação de João de Almada e Melo para Governador do Partido Militar do Porto.
No final, oito condenados conseguiram fugir, uma mulher escapou à forca por se encontrar grávida e os restantes 17 sentenciados à pena capital foram enforcados ou decapitados no dia 14 de Outubro de 1757. As suas cabeças foram colocadas nos patíbulos e os corpos, esquartejados, expostos no Largo de S. Domingos, nas ruas Chã e de Cimo de Vila e no terreiro de Miragaia”.
Fonte: “sigarra.up.pt”

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