Revolta contra o
bispo Martinho Rodrigues
Em 1209 os cidadãos do Porto revoltaram-se contra o seu bispo Martinho
Rodrigues que os sufocava com impostos.
“Vale a pena
recordar esta contenda que a cidade travou com o seu bispo. Foi há quase 800
anos. Completam-se em 2009. E o palco dessa luta foi o bairro da Sé. Onde, como
escreveu Firmino Pereira, " em cada uma das suas pedras se inscreve uma
façanha heróica, porque foi precisamente nessa parte do burgo que mais
energicamente se afirmaram as energias da raça na defesa dos seus direitos e
dos seus foros tantas vezes afrontados pela cobiça dos bispos".
Um desses bispos
foi D. Martinho Rodrigues que governou a diocese do Porto de 1191 a 1235. Por
esse tempo o burgo portucalense não ia além do morro da Pena Ventosa em cujo
cume se situava a Catedral e a residência do prelado. O senhorio da cidade,
como tantas vezes aqui se tem dito, pertencia ao bispo da diocese desde os
remotos tempos de D. Hugo. Os cidadãos do Porto, em especial, mas os moradores
da cidade, em geral, eram considerados vassalos do bispo. E D. Martinho
Rodrigues, especialmente este, era um prelado ambicioso. Como senhor da cidade,
arrecadava os impostos sobre todos os géneros e mercadorias que entravam ou
saíam no burgo. E lançava cada vez mais impostos sobre o povo que, naturalmente
descontente, protestava. Pinho Leal escreveu no seu "Portugal Antigo e
Moderno" que a certa altura, o povo, cansado de protestar baldadamente
contra as prepotências do bispo, "… amotinou-se e, furioso, acometeu
contra o paço episcopal arrombando as suas portas e invadindo-o; e chegados aos
aposentos do bispo lançaram-lhe em rosto os vexames de que eram vitimas após o
que o prenderam no próprio paço onde ficou pelo espaço de cinco meses..."
Passou-se isto em 1209. Há quase 800 anos. É da história que D. Martinho
Rodrigues conseguiu, ao fim de cinco meses de encarceramento, fugir da prisão,
de noite, e dirigir-se a Roma onde "chegou em miserável estado". Na
cadeira de S. Pedro sentava-se por essa altura Inocêncio III a quem o bispo
pediu que fulminasse com a pena de excomunhão os chefes do levantamento popular
indicando especialmente dois cidadãos João Alvo e Pedro Feudo Tirou (tirou o
feudo ou vassalagem). Mas foram apenas dois os burgueses do Porto que
participaram no levantamento? Claro que não.
Os cabeças do
motim, se assim se pode dizer, eram ao todo vinte. E estão devidamente
identificados João Alvo e seu irmão, Mendo Guilherme; Vicente Mendes, genro de
João Alvo; Afonso Gondom das Eiras; Tirou Martins Pires e Vicente, ambos genros
de Pedro Feio (Petri Fedi) ; Pedro Soares, filho de Soeiro Monis; João Vai-Vai;
Fernando Monis; Gonçalo Godinho; Pedro Mouro; Pirro das Eiras; Pedro Feio
(Petrum Fedum); Paio Martins; Mendo Bicas; Soeiro Gulherme; João Ferreira do
Monte; João Surdo; Reinaldo Agulheiro; e Miguel Meigenga. Todos estes
"cidadãos portucalenses" ficaram sujeitos à sentença canónica que os
considerou "infames" e por isso foram excomungados. Só que, quando a
sentença chegou ao Porto os cidadãos do burgo, incluindo os directamente
atingidos, encolheram os ombros e "altivamente afrontaram a censura
eclesiástica" com um simples desabafo: "excomunhão não brita
osso" que é como quem diz, "não interessa…" ou seja não é para
levar a sério. Sabe-se que os "condenados" se alhearam por completo
da sentença e da causa que lhe deu origem. Foram, por isso, julgados à revelia
pelos juízes apostólicos e a pena que lhes foi aplicada só podia ser levantada
se eles dessem "uma satisfação conveniente" ao bispo e implorassem a
Roma a absolvição. Nada disso aconteceu e foi o próprio D. Martinho Rodrigues,
anos mais tarde, quando regressou ao Porto, que solicitou de Inocêncio III a
absolvição dos excomungados. Consta do "Censual do Cabido da Sé do
Porto" que o bispo D. Pedro Salvadores, que sucedeu a Martinho Rodrigues,
quando morreu, em 24 de Junho de 1247, contemplou, no seu testamento, Pedro
Feio com quatro morabitinos e João Alvo com dois. O que pode significar que
havia então bom entendimento entre a Mitra e os homens da cidade”.
In JN, 31 Dezembro 2006
Os arcos que se veem agora na Rua de
S. Sebastião, na Sé, foram encontrados bem perto na Calçada de Vandoma
Revolta contra D.
Vasco Martins
Uma outra revolta que ficou contada aconteceu quando os
burgueses da cidade afrontaram D. Vasco Martins, 18.º Bispo do Porto (1327/1342).
Este bispo nunca foi do agrado do rei D. Afonso IV.
A situação agudizava-se pelo facto do prelado viver
praticamente na Curia Romana junto do Papa João XXII, razão pela qual a sua
igreja se encontrava na opinião do monarca ao abandono.
Quando no ano de Cristo de 1334, Benedito XII substitui João
XXII, por morte deste, foi dada ordem para que todos os bispos que o apoiavam
voltassem às suas igrejas.
Chegou o bispo e viu que todos os réditos do bispado tinham
sido embargados pelo rei.
Exigências daqui e, dali, invasões de exércitos galegos,
disputas por coutos e pedaços de territórios, a paz tardava a reinar entre este
bispo, os burgueses da cidade e o rei.
Numa dada ocasião, em consequência do exercício de certos
privilégios que o bispo dizia possuir sobre coutos, caso de Crestuma, por
exemplo, que lhe permitiriam a nomeação de juízes, para administração da
justiça, e que não tinham a anuência da Câmara da cidade, o conflito
agudizou-se.
«Também no
"Catálogo dos bispos do Porto", escrito em 1623 pelo prelado D.
Rodrigo da Cunha (bispo da diocese portucalense entre 1619 e 1627), se abordam
as questões que aconteceram entre o austero bispo D. Vasco Martins e os homens do Senado (leia-se Câmara) que
tanto agitaram a cidade aí por 1341. Escreveu D. Rodrigo:
"chegou o negócio
(os acontecimentos) a termos tais, que em certo alvoroço se juntaram alguns do
povo e com mão armada se foram ao paço do bispo apostados em o afrontarem e
maltratarem, mas ele, que soube do motim primeiro que os conjurados chegassem à
Sé em que assistia a um ofício fúnebre de certa pessoa nobre, se recolheu ao
castelo que era a fortaleza da Igreja do Porto".»
Fonte: Germano Silva
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