Revolta durante o
funeral do bispo D. Manuel de Santa Inês
“Em 24 de janeiro
de 1840 faleceu D. Manoel de Santa Ignez, governador do Porto e seu bispo desde
1832. Separava-o dos outros bispos a forma como chegara ao cargo: por escolha
régia. Na verdade, este bispo nunca foi confirmado pelo papa e, claro, foi eleito
por D. Pedro IV por ser um caso raro: um eclesiástico afecto à causa liberal!
Data de 18 de Julho a sua nomeação, assinada por José Xavier Mouzinho da
Silveira que refere: «Tendo-se verificado por inquirição de testemunhas que o
bispo do Porto desertara daquele rebanho de Jesus Cristo, que tinha sido
confiado ao seu ministério (...): Hei por bem, em nome da rainha, nomear para
fazer as vezes de bispo, na qualidade de Governador do mesmo bispado, a Frei
Manuel de Santa Inês, da Ordem dos Religiosos de Santo Agostinho Descalços
(...)». Assim vem publicado na Cronica Constitucional do Porto de 19 de Julho
de 1832. Diga-se de passagem, que ao mesmo prelado foi entregue o arcebispado
de Braga, que se encontrava em Sede Vacante pelo mesmo motivo: fuga.
O bispo ausente era
D. João de Magalhães e Avelar, que sempre se mostrara contra o liberalismo
(ironia das ironias, falecido logo em 1833, a sua valiosa biblioteca pessoal
veio a constituir o núcleo inicial da Biblioteca Pública Municipal do Porto,
fundada por D. Pedro IV no mesmo ano!).”
Com o devido crédito a Nuno Cruz, Adm. do Blogue “A Porta Nobre”
Busto do bispo D. Manuel Santa Inês no Largo de S. Brás, Baguim do
Monte – Fonte: Wikipédia
Dom Manuel de Santa Inês parece ter sido um bispo algo proscrito pelo Cabido, pois a sua nomeação nunca teve confirmação papal.
Nascido em 2 de Dezembro de 1762, em Baguim
do Monte, teve por secretário, durante o seu bispado, Henrique Duarte e Sousa
Reis, mais conhecido por ter escrito os Apontamentos para a
verdadeira história antiga e moderna da cidade do Porto,
O bispado portuense, só ganharia uma nova cabeça passível de ostentar a
mitra episcopal três anos depois da morte deste prelado, que fora - não se pode
negar - escolhido pelo "regente em nome da rainha"...
A imprensa da época, aquando da sua morte, referia que, logo no dia 25,
teve lugar na Sé «o ofício solene de defuntos, pelo repouso da alma do Exmo.
bispo eleito». A missa foi cantada pelo Chantre Tomás da Rocha Pinho «e
tanto este senhor como os seus companheiros, que estava no seu coro baixo, de
batina e capa, só figuravam como particulares, e não como cabido.»
Um jornal prosseguia com uma pequena descrição das autoridades e
militares presentes, dizendo também que o General Barão de Alcobaça «tinha
mandado dar tiros de artilharia de espaço a espaço, e ele mesmo se postou à testa
de toda a tropa de pret e voluntários móveis, fixos, e provisórios, tanto da
cidade, como dos subúrbios, que chegava desde a porta da Sé até ao meio da rua
Chã».
Quando o finado bispo eleito se sacramentou, tinha pedido ao cabido que
o sepultassem numa sepultura do claustro, por ser naquele lugar que, por norma, se sepultavam os cónegos.
O cabido mandou, no entanto, abrir a campa, não no claustro, debaixo
dos arcos, mas sim num lugar descoberto, que fica circundado pelo claustro.
Acabado o ofício, na continuação das cerimónias fúnebres,
“quando se tirava
da eça o caixão para se conduzir à sepultura, principiou um grande alarido,
pedindo uns que o cadáver fosse conduzido para a real capela da Lapa, e outros,
que fosse sepultado no jazigo dos Srs. bispos; crescia cada vez mais o tumulto,
e o povo ameaçava os cónegos, e lhes exprobrava não fazerem as devidas honras
ao bispo (…).
Estando as cousas
nesta desordem o Exmo. Sr. Barão de Alcobaça e o Exmo. Sr. Administrador Geral
trataram de acomodar o túmulo (sic), do melhor modo possível: o Ilmo. cabido
assustado já oferecia, que o cadáver fosse sepultado na capela de S. Vicente,
jazigo dos Srs. bispos; um momento pareceu o povo deliberar, mas as vozes se
ouviram: à Lapa à Lapa, porque podem desenterrar o corpo e leva-lo para outra
parte: estas vozes foram seguidas, e o caixão tornou-se a por na eça, havendo a
circunstância, que algum cuidado deu, de se queimar um bocado do bambolim, que
servia de ornato à eça.
Decidido, que o
cadáver fosse sepultar à Lapa, deram-se todas as providências para esse fim.
A irmandade
da Lapa, mandou à pressa armar de preto os altares, da sua ampla, e majestosa
igreja. O concurso foi imenso à porta da Sé, e ruas contiguas; e apesar de
estar uma noite escura, e chuvosa, o acompanhamento, e concurso das ruas do
trânsito, era grande.
Seriam 8 horas
quando chegou à Lapa o carro da morte, puxado a duas parelhas.
O caixão foi
recebido à porta da igreja, aonde se lhe entoou um responso, cantando a oração
o Ilmo. Sr. Cónego Luís de Santa Rita Araújo, especial amigo de sua Ex.ª.
Com o devido crédito a Nuno Cruz, adm. do blogue “A Porta Nobre”
Mais tarde, a 31 de Janeiro de 1840, o governo que era à data chefiado
por Costa Cabral, incumbiu o Conselheiro Presidente da Relação do Porto que o informasse
«do modo porque teve lugar aquela desagradável ocorrência; declarando se ela
foi puramente fortuita, ou se foi provocada, por quem, com que motivos, e para
que fins prováveis», dado ter informações de que, por alturas do funeral do
bispo, o sossego público da cidade do Porto estivera, por momentos, a ser
seriamente alterado.
Mausoléu no cemitério da Lapa do bispo Santa Inês – Ed. Nuno Cruz
No túmulo de D. Manoel de Sancta Ignez, no cemitério da Lapa, pode
ler-se gravado na pedra:
Entretanto, em 2020, o Largo de S. Brás, em Baguim do Monte, seria sujeito a remodelações e o busto do bispo Manuel de Santa Inês foi deslocada alguns metros.
Sobre a vida deste bispo existe um
manuscrito inédito na Biblioteca Pública Municipal do Porto, de
Henrique Duarte e Sousa Reis, que foi seu secretário.
Por sua vez, Henrique Duarte de Sousa e Reis, nasceu na Póvoa de
Varzim, em 26 de Outubro de 1810, vindo a trabalhar, mais tarde, na Biblioteca
Pública do Porto, de 7 de Janeiro de 1842 a 1848, escrevendo, posteriormente
(entre 1863 e 1872), os 7 volumes manuscritos de “Apontamentos para a cidade
do Porto”.
Henrique Duarte de Sousa Reis descendia de uma família de comerciantes,
com posses, que, devido a diversas vicissitudes, teria ido à falência.
Texto extraído da biografia de Henrique Duarte de Sousa Reis da autoria
de Carlos de Passos – Fonte: “Revista de
Guimarães”, nº 42 (1932), p. 52-60
Henrique Duarte de Sousa Reis acabaria por não concluir os estudos
preparatórios para ingressar na Universidade de Coimbra, em parte fruto da
situação económica dos pais, resolvendo, então, rumar, em busca da fortuna, a
terras do Brasil, por onde andou entre 1827 e 1831, quando, na sequência da
revolução de 7 de Abril de 1831, decidiu voltar à pátria, onde enveredou pela
vida eclesiástica, mas cujos estudos interrompeu ao ser nomeado pelo Bispo
Manuel de Santa Inês para seu secretário.
Seria, em 1834, chanceler do bispado e, em 1836, distribuidor da Mitra,
cargos que exerceu até à morte do bispo em 1840.
Em 7 de Janeiro de 1842 passou a ser guarda-sala da Biblioteca
Municipal, apesar de o seu amigo Costa Cabral lhe ter prometido o de 2º
bibliotecário.
Faleceu em Outubro de 1876, depois de um casamento com Joana Izabel
Dias, falecida em 1859, e de quem teve cinco filhos.
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