Madame Rattazzi visitou Portugal em 1876, 1878 e 1879,
e sobre essas viagens escreveu um livro que em Paris foi publicado com o título
de "Le Portugal A Vol D’Oiseau" e que entre nós se chamou, "Portugal de Relance".
Le Portugal A Vol
D’Oiseau, 1880 – Madame Rattazzi
“Poucos personagens terão sido mais polémicos
do que esta escritora, Madame Rattazzi (1831/1902). Nascida na Inglaterra,
filha de Sir Thomas Wyse e da mãe francesa, Letícia Bonaparte, era de
naturalidade francesa e sobrinha neta de Napoleão I.
Casou em 1849 com um alemão, Frederico de
Solms de quem enviuvou em 1863. Nove dias depois casou com um italiano, Conde
Urbano Rattazzi, que faleceu em 1873. Sete anos mais tarde casou com um espanhol,
D. Luis de Rute de quem também enviuvou em 1889.
Por causa dos seus livros deu tantos
problemas aos seus dois últimos maridos, que várias vezes se tiveram de bater
em duelo, que não encontrou um quarto que a quisesse. Pode dizer-se que foi uma
cidadã europeia”.
Fonte: “portoarc.blogspot.com”
“Em 20 de Janeiro de 1876, madame Rattazzi
chegou a Lisboa indo hospedar-se no hotel Braganza. Era uma mulher dos seus
quarenta e tal anos, muito frescalhota ainda, alta, desempenada, de uma notavel
distinção de maneiras, cabelo todo preto, palida como uma andalusa e com uns
impressionantes olhos languidos cheios duma grande expressão apaixonada.
(…) Em março de 1878, a princeza Rattazzi
efectuou a segunda visita a Portugal. Como da primeira vez, assistiu a diferentes
sessões no Parlamento, a varios espetaculos e deu algumas festas e jantares aos
literatos e aos políticos dessa epoca que, por fim, lhe ofereceram, tam- bem,
um explendido banquete no salão nobre do teatro de D. Maria. Em 17 de Junho do
ano seguinte chegou, novamente, a Lisboa. Desta vez, porem, não deu festas nem
jantares, limitando-se a visitar varias localidades e o Porto. Demorou, apenas,
um mez entre nós, tendo assistido em 16 de Julho - vespera da sua
partida para a Espanha – á corrida por curiosos na praça do Campo de Santa
Ana(…)
(…) Em 1886- por ocasião do casamento do
príncipe D. Carlos com a prin· ceza D. Amelia de Orleans, veio assistir aos festejos,
chegando a Lisboa a 20 de maio, e retirando para Madrid em 2 de Junho. Foi esta
a quinta visita a Portugal (…)”
Fonte: Ilustração Portuguesa II Série – Nº 808, Lisboa, 13
de Agosto de 1921
Ainda antes de
1881, em que a obra que descrevia Portugal seria publicada, por cá, com o
título Portugal de Relance,
já, em 1880, Antero de Quental se referira ao
texto publicado em França, em carta para João Lobo de Moura, nestes
termos:
“A Rattazzi, que passou dois Invernos a desfrutar os
literatos de Lisboa, publicou agora um livro sobre Portugal, delicioso. Imagine
uma parisiense descrevendo ao vivo, estes mirmidões. Não se fala noutra coisa e
está tudo furioso”.
Portugal de Relance
A propósito do olhar
de Marie Solms (condessa de Solms) ou Senhora Rattazzi sobre o nosso país e,
nomeadamente, sobre a cidade do Porto, onde se demorou 8 dias, Camilo Castelo
Branco criticou a sua obra, violentamente. A polémica na qual se envolveu a
intelectualidade nacional ficou conhecida como a “Questão Ratazzi”.
“Depois de
estudar os portugueses e as portuguesas com frequentes visitas celebradas por
“menus” económicos e risos de ironia larga, a Sra. Rattazzi concebeu das suas
impressões viris e másculas um livro que deu à luz em Janeiro, e denominou Portugal
à vol d'oiseau. Portugais et portugaises.
Eu, criado no
velho noticiário, tendo de anunciar o produto d'uma dama dado à luz, antes
quisera, em vez d'um livro bom, anunciar um menino robusto. Acho muito mais
simpática a feminilidade das mães pálidas, com olheiras, emaciadas, que
aconchegam dos seios exuberantes a criancinha rosada, recém-nascida. Não me comove
nem alvoroça o espetáculo d'uma autora que se remira e envaidece na brochura
que deu à luz, obra entre cinco e sete tostões- 740 reis com estampilha. Por
isso, antes quero noticiar um menino robusto que um “oitavo” compacto.” – A Senhora Rattazzi – Camilo
Castelo Branco.
Camilo haveria, em
sequência, de escrever um livro de desafronta.
“A Senhora Rattazzi”
de Camilo Castelo Branco – Fonte: “tertuliabibliofila.blogspot.com”
Madame Rattazzi haveria de responder a Camilo com o opúsculo seguinte.
Carta a Camilo
Castelo Branco de Madame Rattazzi – Fonte: “tertuliabibliofila.blogspot.com”
Marie Solms em retrato
de André Adolphe Eugène Disdéri
A publicação da
obra entre nós, denominada Portugal
de Relance, provocou algum desconforto no meio intelectual da época,
pelo retrato que nela era feito do país e dos portugueses.
Pelos excertos que
se seguem, será fácil ajuizar-se da razão desta polémica:
"A mais activa occupação da realeza em Portugal é a
instituição dos títulos." (I,
pg. 12) "Exceptuando a Belgica, Portugal tem sobre todos os paízes
catholicos a primazia do carrilhão." (I, pg. 28) "O
portuguez é hispanophogo, e se de tempos a tempos não trinca, sob a fórma de
costelleta, o hespanhol que lhe cahe nas unhas, é simplesmente por timidez, e
não porque lhe escasseie o appetite." (I, pg. 69) "Os
usos e costumes theatraes em Portugal estão ainda em estado primitivo." (I,
pg. 106) "As casas em Lisboa, como em todo o resto de Portugal,
são habitadas, principalmente, de verão por um enxame de baratas (...)
Disseram-me que todos acabavam por habituar-se." (II, pg. 19).
(Continua)
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