Na sua visita ao
Porto, Madame Rattazzi hospedou-se no Hotel Francfort que ocupava o local onde está hoje, a estátua conhecida
como a “Menina Nua” ou “Juventude”, na Avenida dos Aliados.
No terreno em que estava implantado o hotel (construído em 1851,
em pleno Romantismo, por iniciativa do rico negociante da praça do Porto, Luís
Domingos da Silva Araújo) tinha existido antes, durante alguns anos, um cemitério para cães
da municipalidade,
Sobre o hotel Francfort e sobre a sua proprietária, dizia a escritora.
A meio, no gaveto,
o Hotel Francfort
Sobre o carácter dos portuenses e a sua relação com a capital, opinava
madame Rattazzi.
Aliás, a visão de
madame Rattazzi é muito próxima da de Ramalho Ortigão expressa nas “FARPAS”.
“Quando o príncipe
reinante e a sua augusta família iam às províncias do Norte, o Porto recebia-os
de azul e branco, num grande rasgo de júbilo sublinhadamente plebeu, que
entocava a nobreza de pura humilhação perante as magnificências da burguesia dinheirosa
e bizarra.
(…) Aqui mora o
Faz-Tudo! Solda, gruda, parafusa, martela, arrebita, bota abaixo, reconstitui,
engonça, retesa, dá corda, regula, acerta e garante — sempre de lança em punho,
feito de pedra, velando potente na fachada dos Paços do Concelho à Praça Nova,
por cima da arrecadação das luminárias e das chaves do baluarte feitas de pasta
pelo Alba dourador da Rua de Santo António.
Ramalho Ortigão - As Farpas
Ainda sobre a relação entre Lisboa e o Porto, diga-se que a rivalidade
hoje presente, já vem de longe.
Sobre uma visita de um lisboeta ao Porto é o texto seguinte
(com uma boa dose de humor), que saiu no “Comércio”, antigo nome de “O Comércio
do Porto”, de 14 de Setembro de 1855, anterior, por isso, cerca de 25 anos, às
visitas da madame Ratazzi.
“As festas da
aclamação em Lisboa prometem ser brilhantes, o que estimamos porque se não
somos da capital somos portugueses. Sentimos porém que os festejos nos privem
das visitas que às vezes se dignem fazer-nos os nossos compatriotas da
metrópole.
É sempre para nós um
prazer o ver na nossa província um lisbonense. Não se tenha medo de que o não
conheçamos: denunciam-no aqueles meneios, aquela nonchalance e ar de superioridade que constitui o
capitalista ou leão de água doce. Estropia, a propósito de qualquer coisa,
algumas palavras francesas que ouviu no teatro de D. Fernando, e desce a
calçada de Santo António cantarolando Les filles de Marbre. Vota o mais profundo desprezo aos nossos
edifícios e sente o mais santo horror pelas Fontainhas e S. Lázaro. Conta as
mais romanescas aventuras da Floresta Egípcia e para mostrar até que ponto
chega a nossa insipidez aponta a falta do inebriante espetáculo dos touros.
Quando não fala, nem
por isso se deixa de conhecer a sua terra natal. É esta a ideia que o domina. Chamem-lhe
parvo e pretensioso, mas digam que é lisbonense, que não é provinciano, e
ficará satisfeito.
Ele vai à noite ao
Guichard, e sente a mais viva indignação ao ver que os garçons dos cafés do Porto não
tem os mesmos nomes que os do Marrare e Martinho. Admira sobremodo que o Matta
não tenha uma sucursale nesta retrógrada terra.
Quando passa pela
Batalha, acomete-o uma saudade pungente pelas noites de S. Carlos, para falar
de Alboni que lá esteve e da Grisi que nunca lá foi.
A falta da açorda que
papava em Lisboa lembra-lhe a estátua equestre de que se ufana; e a seriedade
dos frequentadores do Portuense traz-lhe à memória aquelas noites do Marrare
tão cheias de espírito que só há ali, que é perfeitamente da capital. O
capitalista fala de tudo com a frivolidade que o caracteriza, e tudo lhe serve
para comparar o atraso da província com a alta civilização da capital, porque,
seja dito entre parêntesis, raramente o Leão fala em Lisboa, mas sempre na
capital. Enfim debaixo da pele do leão, que vestiu, facilmente se descortina a
orelha que é sua.
O provinciano
reconhece e confere ao lisbonense a superioridade... no ridículo. É por isso
talvez que não tem a pretensão de imita-lo. Vanitas, vanitatum, alfacia, alfaciarum.”
Fonte: “aportanobre.blogs.sapo.pt”
Ainda sobre a relação dos portuenses com os lisboetas escrevia
Ramalho Ortigão.
“O portuense não gosta
de Lisboa. Não gosta da polícia. Não gosta da autoridade. Da autoridade
vinga-se, desprezando-a. Da Polícia vinga-se, resistindo-lhe. De Lisboa
vinga-se, recebendo os lisboetas com a mais amável hospitalidade e com a mais
obsequiada bizarria.”
Na época das
visitas de Madame Ratazzi, a sala de espectáculos de eleição da cidade do Porto
era o teatro S. João, que não teve oportunidade de visitar por se encontrar
encerrado. No entanto, não deixou de fazer uma breve referência às outras salas
de espectáculos.
E acrescentava
sobre a actividade artística e modo de a encarar dos portuenses, nomeadamente a
independência de pensamento face à capital, na sequência do qual, êxito
alcançado por uma companhia em Lisboa, não significava um salvo-conduto para o
sucesso no Porto.
Teatro de S. João em
1900 antes do incêndio
Sobre o Palácio da
Bolsa disse Madame Rattazzi.
E sobre o imponente
Hospital do Conde de Ferreira.
E sobre a
disponibilidade dos portuenses para a prática da caridade.
Tendo visitado a Foz
do Douro, faz referência a diversas ruas da cidade do Porto, nomeadamente a Rua
de S. João e a Rua das Flores, descreve a casa da Quinta da Macieirinha e o seu
encontro com o proprietário, Pinto Basto, e anota alguns dos costumes dos
portuenses.
Sobre a estadia no
Porto da princesa Solms, escreve Artur Magalhães Basto, a propósito de um baile
dado em sua honra, no Palacete do Conde de Samodães, na Rua dos Sol, que
durante anos foi o local onde funcionou a Escola Comercial Oliveira Martins.
E sobre a visita de
madame Rattazzi ao Porto, o caricaturista nascido em Ponte de Lima, Sebastião
Sanhudo, fazia publicar no humorístico “O Sorvete” (2º ano, nº 88 – Porto,
1880) um desenho de crítica aos escritos de madame Rattazzi, em que ela era
apresentada como um pássaro, por analogia com o título da obra.
Madame Rattazzi com o
apôdo “a pássara”, como passou
a ser conhecida
A legenda (impressa)
da gravura acima diz:
“O
sábio doutor Costa mostra à Pássara – que viu Portugal d’um golpe – o lindo rio
da Viella (nome que lhe dava), os penitentes vermelhos descendo a collina com
velas acesas etc”.
Naqueles tempos Rafael Bordalo Pinheiro, já publicava o “António Maria”
e o caricaturista apresentava a sua visão de madame Rattazzi.
Princesa Rattazzi em Litografia Colorida de Rafael Bordalo Pinheiro
Por outro lado Guerra Junqueiro na revista “Viagem à Roda da Parvónia”,
chama-lhe “Princesa ratazana”.
Mais tarde, veio a público que foi um secretário da princesa que
escreveu a obra polémica.
“De resto, quem
escreveu o “Portugal à vol d'oiseau» não foi a princeza, mas sim um francez
expatriado, que á epoca se achava residindo em Lisboa e era muito da intimidade
da suposta-autora, mr. Stenacker”.
Fonte: Ilustração Portuguesa II Série – Nº 808, Lisboa, 13
de Agosto de 1921
Quando a 7 de Fevereiro de 1902, faleceu em Paris, com 71
anos de idade, os portugueses já não se lembravam quem tinha sido madame Rattazzi.
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