terça-feira, 15 de janeiro de 2019

(Conclusão)


Na sua visita ao Porto, Madame Rattazzi hospedou-se no Hotel Francfort que ocupava o local onde está hoje, a estátua conhecida como a “Menina Nua” ou “Juventude”, na Avenida dos Aliados.
No terreno em que estava implantado o hotel (construído em 1851, em pleno Romantismo, por iniciativa do rico negociante da praça do Porto, Luís Domingos da Silva Araújo) tinha existido antes, durante alguns  anos, um cemitério para cães da municipalidade, 
Sobre o hotel Francfort e sobre a sua proprietária, dizia a escritora.





A meio, no gaveto, o Hotel Francfort


Sobre o carácter dos portuenses e a sua relação com a capital, opinava madame Rattazzi.




Aliás, a visão de madame Rattazzi é muito próxima da de Ramalho Ortigão expressa nas “FARPAS”.

“Quando o príncipe reinante e a sua augusta família iam às províncias do Norte, o Porto recebia-os de azul e branco, num grande rasgo de júbilo sublinhadamente plebeu, que entocava a nobreza de pura humilhação perante as magnificências da burguesia dinheirosa e bizarra.
(…) Aqui mora o Faz-Tudo! Solda, gruda, parafusa, martela, arrebita, bota abaixo, reconstitui, engonça, retesa, dá corda, regula, acerta e garante — sempre de lança em punho, feito de pedra, velando potente na fachada dos Paços do Concelho à Praça Nova, por cima da arrecadação das luminárias e das chaves do baluarte feitas de pasta pelo Alba dourador da Rua de Santo António. 
Ramalho Ortigão - As Farpas

Ainda sobre a relação entre Lisboa e o Porto, diga-se que a rivalidade hoje presente, já vem de longe.
Sobre uma visita de um lisboeta ao Porto é o texto seguinte (com uma boa dose de humor), que saiu no “Comércio”, antigo nome de “O Comércio do Porto”, de 14 de Setembro de 1855, anterior, por isso, cerca de 25 anos, às visitas da madame Ratazzi.

“As festas da aclamação em Lisboa prometem ser brilhantes, o que estimamos porque se não somos da capital somos portugueses. Sentimos porém que os festejos nos privem das visitas que às vezes se dignem fazer-nos os nossos compatriotas da metrópole.
É sempre para nós um prazer o ver na nossa província um lisbonense. Não se tenha medo de que o não conheçamos: denunciam-no aqueles meneios, aquela nonchalance e ar de superioridade que constitui o capitalista ou leão de água doce. Estropia, a propósito de qualquer coisa, algumas palavras francesas que ouviu no teatro de D. Fernando, e desce a calçada de Santo António cantarolando Les filles de Marbre. Vota o mais profundo desprezo aos nossos edifícios e sente o mais santo horror pelas Fontainhas e S. Lázaro. Conta as mais romanescas aventuras da Floresta Egípcia e para mostrar até que ponto chega a nossa insipidez aponta a falta do inebriante espetáculo dos touros.
Quando não fala, nem por isso se deixa de conhecer a sua terra natal. É esta a ideia que o domina. Chamem-lhe parvo e pretensioso, mas digam que é lisbonense, que não é provinciano, e ficará satisfeito.
Ele vai à noite ao Guichard, e sente a mais viva indignação ao ver que os garçons dos cafés do Porto não tem os mesmos nomes que os do Marrare e Martinho. Admira sobremodo que o Matta não tenha uma sucursale nesta retrógrada terra.
Quando passa pela Batalha, acomete-o uma saudade pungente pelas noites de S. Carlos, para falar de Alboni que lá esteve e da Grisi que nunca lá foi.
A falta da açorda que papava em Lisboa lembra-lhe a estátua equestre de que se ufana; e a seriedade dos frequentadores do Portuense traz-lhe à memória aquelas noites do Marrare tão cheias de espírito que só há ali, que é perfeitamente da capital. O capitalista fala de tudo com a frivolidade que o caracteriza, e tudo lhe serve para comparar o atraso da província com a alta civilização da capital, porque, seja dito entre parêntesis, raramente o Leão fala em Lisboa, mas sempre na capital. Enfim debaixo da pele do leão, que vestiu, facilmente se descortina a orelha que é sua.
O provinciano reconhece e confere ao lisbonense a superioridade... no ridículo. É por isso talvez que não tem a pretensão de imita-lo. Vanitasvanitatumalfaciaalfaciarum.”
Fonte: “aportanobre.blogs.sapo.pt”

Ainda sobre a relação dos portuenses com os lisboetas escrevia Ramalho Ortigão.


“O portuense não gosta de Lisboa. Não gosta da polícia. Não gosta da autoridade. Da autoridade vinga-se, desprezando-a. Da Polícia vinga-se, resistindo-lhe. De Lisboa vinga-se, recebendo os lisboetas com a mais amável hospitalidade e com a mais obsequiada bizarria.”


Na época das visitas de Madame Ratazzi, a sala de espectáculos de eleição da cidade do Porto era o teatro S. João, que não teve oportunidade de visitar por se encontrar encerrado. No entanto, não deixou de fazer uma breve referência às outras salas de espectáculos.





E acrescentava sobre a actividade artística e modo de a encarar dos portuenses, nomeadamente a independência de pensamento face à capital, na sequência do qual, êxito alcançado por uma companhia em Lisboa, não significava um salvo-conduto para o sucesso no Porto.






Teatro de S. João em 1900 antes do incêndio


Sobre o Palácio da Bolsa disse Madame Rattazzi.




E sobre o imponente Hospital do Conde de Ferreira.



E sobre a disponibilidade dos portuenses para a prática da caridade.




Tendo visitado a Foz do Douro, faz referência a diversas ruas da cidade do Porto, nomeadamente a Rua de S. João e a Rua das Flores, descreve a casa da Quinta da Macieirinha e o seu encontro com o proprietário, Pinto Basto, e anota alguns dos costumes dos portuenses.




Sobre a estadia no Porto da princesa Solms, escreve Artur Magalhães Basto, a propósito de um baile dado em sua honra, no Palacete do Conde de Samodães, na Rua dos Sol, que durante anos foi o local onde funcionou a Escola Comercial Oliveira Martins.




E sobre a visita de madame Rattazzi ao Porto, o caricaturista nascido em Ponte de Lima, Sebastião Sanhudo, fazia publicar no humorístico “O Sorvete” (2º ano, nº 88 – Porto, 1880) um desenho de crítica aos escritos de madame Rattazzi, em que ela era apresentada como um pássaro, por analogia com o título da obra.


Madame Rattazzi com o apôdo “a pássara”, como passou a ser conhecida


A legenda (impressa) da gravura acima diz:
O sábio doutor Costa mostra à Pássara – que viu Portugal d’um golpe – o lindo rio da Viella (nome que lhe dava), os penitentes vermelhos descendo a collina com velas acesas etc”.

Naqueles tempos Rafael Bordalo Pinheiro, já publicava o “António Maria” e o caricaturista apresentava a sua visão de madame Rattazzi.


Princesa Rattazzi em Litografia Colorida de Rafael Bordalo Pinheiro


Por outro lado Guerra Junqueiro na revista “Viagem à Roda da Parvónia”, chama-lhe “Princesa ratazana”.
Mais tarde, veio a público que foi um secretário da princesa que escreveu a obra polémica.

“De resto, quem escreveu o “Portugal à vol d'oiseau» não foi a princeza, mas sim um francez expatriado, que á epoca se achava residindo em Lisboa e era muito da intimidade da suposta-autora, mr. Stenacker”.
Fonte: Ilustração Portuguesa II Série – Nº 808, Lisboa, 13 de Agosto de 1921

Quando a 7 de Fevereiro de 1902, faleceu em Paris, com 71 anos de idade, os portugueses já não se lembravam quem tinha sido madame Rattazzi.

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