Não haverá muitos estudiosos desta parte antiga da cidade
que, como Nuno Cruz, a descrevam de modo tão entendível, no seu blogue
denominado, precisamente, “Porta Nobre”. Diz ele, então:
“A Porta Nova ou Nobre era
uma das entradas medievais na cidade do Porto situada grosso
modo a meio da atual rua Nova da Alfândega, ainda que a uma cota
inferior. Inicialmente um simples postigo da
muralha que abraçava a cidade, foi supostamente alargada e elevada à categoria
de porta durante o
reinado de D. Manuel I. Por diversas vezes por ela entraram os mais altos
dignitários que demandavam esta cidade, vindos da outra banda, atravessando o
rio e acostando os barcos de passagem no areal que desapareceu com a construção
do edifício da alfândega (fazendo a sua entrada no burgo pela rua dos
Banhos). Existiu até 1871, ano em que foi sacrificada em nome do
progresso e com ela um pouco mais da história e da memória da cidade”.
Para a construção da nova Alfândega foi necessário proceder
a demolições importantes na zona ribeirinha de Miragaia, bem como para abertura
do acesso àquela estrutura, o que viria a ser a Rua Nova da Alfândega.
A entrada na cidade pela muralha no que tinha sido o Postigo da Praia e depois foi Porta Nova e
finalmente Porta Nobre, continuando já intra muros pela Rua dos Banhos, há
muito que desapareceu.
Duma passagem adjacente à muralha e que daí corria para
nascente, denominada Rua de Cima do Muro, só sobrou um pequeno
troço que hoje se chama Muro dos
Bacalhoeiros.
O Bairro dos Banhos não resistiu também ao progresso.
O edifício da Alfândega Nova, responsável pela intervenção
urbanística de fundo, foi mandado edificar a 25 de Setembro de 1859, na praia
de Miragaia, segundo projecto do arquiteto francês Jean-François Colson e
devido às características do terreno, assentou sobre estacaria de madeira.
A Alfândega viu o seu primeiro núcleo edificado, inaugurado
em 1869 e a construção terminada dez anos mais tarde, apresentando uma área de
36.000 metros quadrados e sendo composto por três corpos principais, com uma
disposição de fachadas claramente demonstrativa das suas funções.
A fachada principal está voltada para o rio.
As caves da Alfândega Nova com os seus arcos característicos
denominados de Furnas
Em 1888, foi construído um ramal de caminho-de-ferro ao qual
se deu o nome de Ramal da Alfândega e que tinha como objectivo a ligação da
Alfândega à Estação de Campanhã. Desembocava onde é hoje o parque de
estacionamento.
Estação ferroviária da Alfândega
Aquela faixa ribeirinha seria revolvida na segunda metade do
século XIX, impossibilitando o trânsito que passou a ser feito pela Calçada da
Esperança, hoje a Rua Tomás Gonzaga.
A abertura da Rua Nova da Alfândega de ligação da Alfândega
Nova à Rua do Infante D. Henrique estaria em uso pleno c. 1880, pois, há
documentos que nos dão conta disso a propósito duma contenda toponímica, na
transcrição de um artigo inserto em O
Tripeiro, série V, ANO XIII, escrito por António Sardinha a páginas 63 e no
qual é dito que em 1875, apenas uma porção da rua estava construída.
Segue o texto.
“A nova alfândega
construída na praia de Miragaya, reclamava uma communicação fácil e condigna da
grandiosidade do edifício; houve differentes alvitres, pensando-se em
communica-la pela parte baixa da cidade, posta já em contacto fácil pela rua de
S. João ou de Ferreira Borges; e também se pensou em abrir uma nova rua por
detraz de Monchique a entroncar na Restauração (calçada de Monchique, rua de
Sobre-o-Douro). Prevaleceu porém o primeiro alvitre, adoptando-se o projecto,
em verdade arrojado, e que se levou já a seu termo. A nova rua, parte da dos
inglezes, e fazendo uma curva defronte do antigo convento de S. Francisco,
corre depois um alinhamento parallelo á alfândega, entroncando com a rua
marginal de Miragaya. A construcção foi feita a expensas do municipio, que já
gastou com ella 318:519$573 réis, a maior parte absorvidos em expropriações (Abril
de 1875). Com a abertura da nova rua desappareceu o bairro dos Banhos, um
dos mais immundos da cidade; a Porta Nobre, o postigo dos Banhos, a maior parte
da rua de Cima do Muro e uma parte da Reboleira. A rua está ao abrigo das
cheias e absorveu enorme volume de terras, pela maior parte extrahidas do corte
feito para o alargamento da rua de Ferreira Borges. A porção construída pela
camara é desde a rua dos Inglezes até um pouco adiante da antiga Porta Nobre.
Não está empedrada ainda, havendo, porém, já em depósito grande porção de
parallelipípedos (pedra de esteio, de Canellas). Na parte direita da rua
estão-se construindo já novos prédios, subordinados na fachada a um typo
apresentado pela câmara.”
Pinho Leal
(1816-1884) — Portugal Antigo e Moderno
Rua Nova da Alfândega – Ed. Luís Santos
Miragaia e as demolições para a construção da Alfândega
junto da Porta Nobre – Fonte: Arquivo Histórico Municipal Porto
Legenda:
1. Casa actualmente ocupada pelo Mirajazz (nas escadas do
Caminho Novo)
2. Casa actualmente ocupada pelo Grupo Musical de Miragaia
(na antiga Rua das Barreiras, hoje incorporada na Rua da Arménia)
3. Última casa a ser demolida, já no século XX, que se
encontrava encostada à muralha, onde actualmente a mesma faz o seu último
cotovelo e finaliza
4. Casa actualmente ocupada pela Escola de S. Nicolau, no
topo das escadas do Recanto (aquele pequeno correr é o que resta da antiga Rua
do Forno Velho de Baixo)
5. Fortim de S. Filipe
6. Terreno terraplanado e proveniente da demolição de
prédios que se estendiam até à muralha contígua ao rio
7. Praia de Miragaia
8. Largo de Artur Arcos após demolição das construções
existentes
Perspectiva aproximada à anterior – Fonte: Arquivo Histórico
Municipal Porto
Legenda (Mantiveram-se as referências anteriores):
4. Escola de S. Nicolau
5. Fortim de S. Filipe
6. Área terraplanada resultante de demolições de prédios que
confinavam com a Rua dos Banhos (dava acesso em linha recta com a Porta Nobre)
12. Postigo dos Banhos
13. Igreja de S. Francisco
Publicidade dando conta de que a 8 de Janeiro de 1856, o
topónimo “Praia de Miragaia” ainda existia – In jornal “O Commércio do Porto”
Largo de Artur Arcos e completamente à direita observa-se
uma entrada de uma estreita viela (à direita do 1º prédio) que é o começo das
Escadas do Caminho Novo – Fonte: Google maps
As Escadas do Caminho Novo eram exteriores à muralha e
projectavam-se ao longo de um correr de casas encostadas a ela.
A meio da foto as Escadas do Recanto ligando pelas traseiras
dos prédios à Calçada do Forno Velho – Fonte: Google maps
Planta de Joaquim Costa Lima de 1839 da zona de Miragaia
Legenda (Mantiveram-se as referências anteriores):
4. Casa actualmente ocupada pela Escola de S. Nicolau, no
topo das escadas do Recanto (aquele pequeno correr é o que resta da antiga Rua
do Forno Velho de Baixo)
5. Fortim de S. Filipe
7. Praia de Miragaia
8. Rua do Forno Velho de Baixo (Corria onde hoje é o passeio
a Norte da Rua Nova da Alfândega
9. Rua dos Banhos
10. Calçada do Forno Velho
14. Rua das Barreiras
Zona interior à muralha junto da Porta Nobre antes da
demolição
Legenda (Mantiveram-se as referências anteriores):
P. Porta Nobre
5. Fortim de S. Filipe
6. Centro da área a demolir
11. Edifício à entrada da Porta Nobre
Porta Nobre – Fonte: Nuno Cruz, “aportanobre.blogs.sapo.pt/”
Legenda:
P. Porta Nova ou Porta Nobre
11. Prédio à entrada da Porta Nobre
Sobre a edificação com a referência 11, na foto anterior, diz Sousa Reis:
“Consta a Porta Nobre de um edifício
fortemente construído com toda a solidez, quasi quadrado em forma de torre
feita de pedra assente: é alta e nela praticado está um elegante arco liso e
sem adornos ou maineis; olha ao poente para onde é voltada a fachada principal
exterior, e sobre ele se vêm duas ordens de janelas de peitoris (sic), que correspondem aos andares,
de que esta torre se compõem, contendo cada um deles duas janelas, e no espaço
das primeiras lá se encontra no centro o escudo com as reais quinas
portuguesas.
Na face interna deste
primeiro andar, e logo sobre a porta estava aberto um oratório, aonde se
venerava a imagem de «Nossa Senhora das Neves» que todo era voltado para a rua
dos Banhos; acha-se hoje (c. 1865) tapado
de pedra e cal (...).
O segundo andar desta
torre era reservado para residência de alguma autoridade civil ou militar, ou
finalmente para qualquer repartição pública, como demonstra a grande porta
inferior a outro escudo real que sobre a sua padieira se conserva, e é voltada
para o lado do sul, e tem comunicação pela escada de pedra fabricada para o
cimo da muralha, e próximo ao fortim (...).
Para o mesmo lado do
sul corre, desta torre, um pouco mais recuado da linha do frontispício dela, um
lanço de muralha lisa, que sobe até à altura da soleira da porta do segundo
andar, de que já falei, e pelo lado superior do mesmo lanço foi delineada
através de toda a sua grossura a escada, que facilita a entrada para esse
andar, mas só por cima do muro de defesa da cidade ao qual se sobe por outro
lanço de escadaria também de pedra praticada pela face externa da muralha, de
encontro à parede das costas do fortim (...).”
Sobre o oratório referido no texto anterior, Sousa Reis refere
que, «primitivamente esteve sobre o arco
de S. Domingos, e depois foi transferido para cima do arco da Porta Nobre, onde
ainda pelo lado da rua dos Banhos, se vêm os restos».
Segundo Pinho Leal a imagem do oratório colocado por cima da
Porta Nobre seria da Nossa Senhora do Socorro.
O texto seguinte dá-nos conta do começo dos trabalhos de
demolição da Porta Nobre.
“Arco da Porta
Nobre - Conforme já informamos
os leitores, anda-se procedendo à demolição do antigo arco da Porta Nobre e do
edifício que lhe ficava por cima para a abertura da rua da nova
alfândega. No edifício a que nos referimos havia umas armas e uma
inscrição que a Exma. Câmara, com louvável desvelo, fez remover para o Museu
Municipal da rua da Restauração. A inscrição diz o seguinte: GOVERNANDO AS
ARMAS DESTA CIDADE E SEU PARTIDO, O CORONEL ANTONIO MONERO DE ALMEIDA, SE FEZ
ESTA OBRA NO ANO DE 1731. No andar que ficava ao nível do pátio do mesmo
edifício, apareceu também um letreiro toscamente feito em uma pedra, a qual,
segundo se pode entender, diz: 17 DO 6º DE 1410. No espaço que ia de uma a
outra janela conhecia-se que havia brechas iguais às de inclinar as peças.”
In “O Comércio
do Porto” de 28 de Abril de 1871
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