Uma mentira muitas vezes dita
Aqueduto da Serra do
Pilar – DGPC
O aqueduto da Serra
do Pilar destinava-se a abastecer de água o mosteiro da Serra do Pilar desde o
século XVI.
Em 1834, mercê dos
ferozes combates acontecidos, nesse local, entre as tropas de D. Pedro IV e D.
Miguel, a igreja e o mosteiro da Serra do Pilar ficaram com marcas de
destruição que, só muitos anos mais tarde, seriam reparadas.
As marcas dos
confrontos resultantes do Cerco do Porto exibidas pela igreja e mosteiro da
Serra do Pilar
Pela clareza com que
é apresentado um tema que importa ser conhecido, dadas as imprecisões como costuma
ser abordado normalmente, em muitas publicações, se dá conta a seguir de um
texto, cortesia de António Conde.
“O mosteiro da Serra do Pilar, cuja fundação
remonta ao ano de 1527, no reinado de D. João III, situa-se nos lugares
antigamente chamados Monte de Quebrantões ou da Meijoeira, uma eminência
rochosa onde não seria fácil encontrar água em quantidade suficiente e que
corresse pela lei da gravidade. A solução foi encontrada, logo no ano seguinte,
nas proximidades da igreja de Mafamude, no manancial do Agueiro.
Assim, em 20 de Fevereiro de 1538,
resolveu-se a questão de propriedade do chão em que assentaria o mosteiro tendo
sido adquirido, por escambo, o casal de Cimiel e as pesqueiras da Ponta dos
Guindães, no Douro. Cerca de 3 meses volvidos, Frei Brás de Braga, o religioso
incumbido da construção do mosteiro, foi ao monte da Meijoeira acompanhado de
Diogo de Castilho e João de Ruão e, segundo as suas palavras “se traçou o mosteiro e se abriram os
alicerces em a igreja e o claustro, e à tarde veio o Bispo” e se
lançou a primeira pedra.
Por instrumento de escambo, de 23 de Maio de
1538, celebrado entre o dito Frei Brás de Braga e Diogo Leite, senhor de Gaia
pequena e da Casa de Campo Belo, o segundo outorgante em cumprimento de uma
provisão régia cedeu ao dito clérigo “a água dos seus casais do Agueiro, e casal de Trancoso, e do casal que
traz Gonçalo Rodrigues, que todos estão sitos na freguesia de Mafamude do
Julgado de Gaia, os quais pertencem a sua terra de Gaia, pequena, e que ele
Diogo Leite por fazer serviço ao dito Senhor, e por a dita água vir para o
mosteiro que o dito Senhor manda ora fazer ao dito Padre Frei Brás no monte e
outeiro da Meijoeira”.
O traçado do aqueduto e os vestígios existentes
Como foi referido o aqueduto tinha o seu
manancial no lugar do Agueiro. Existem ainda na Quinta do Marques do Agueiro
três respiros em terreno agrícola e um, de maior grandiosidade, no jardim da
Praceta Adelino Amaro da Costa. A mina depois de receber água destes pontos
atravessa a rua D. Pedro V e recebe água de outros pontos situados no lugar de
Trancoso, junto ao Colégio de Gaia. Entre a Rua D. Pedro V e a via de cintura
existem dois respiros, nas traseiras dos prédios, que foram preservados aquando
das obras de construção daquela via.
De seguida a mina atravessa a Avenida da
República em direção à Travessa Particular Honório Costa onde ainda
existe um respiro, de grandes dimensões que foi louvavelmente integrado em
condomínio de prédio. Daí o aqueduto seguia até ao sítio da atual praceta 25 de
Abril onde existiu um pequeno outeiro chamado das Pedras de Pé de Azeite onde,
antes da construção da praceta, existia a casa da família Cal Brandão. A partir
daí o aqueduto seguia à superfície e em arcadas pela rua 14 de Outubro, passava
junto à Fonte do Casal (que abastecia) e depois pela atual Alameda da Serra do
Pilar, onde faz a separação entre as freguesias de Santa Marinha e Oliveira do
Douro. A entrada no atual Quartel da Serra dava-se junto ao portão nascente. A
meio da Alameda da Serra do Pilar ainda existe, integrado numa habitação, parte
dum arco do aqueduto, cuja imagem aqui se reproduz. Ao longo do percurso há
ainda algumas estruturas de apoio à mina que ainda abastecem o quartel, porém
de construção atual e de reduzido valor arquitetónico.
A ruína do aqueduto
Nos finais do séc. XIX era visível o estado
de degradação de alguns arcos do aqueduto, havendo reclamações de particulares
para que os mesmos fossem apeados considerando-se que, para além da segurança,
eram um entrave ao progresso. O jornal “A Luz do Operário”, de 3 de Junho de
1926 dá-nos conta da preocupação dos moradores, temendo pela sua segurança e
alertando para a necessidade de por fim a tal “pesadelo”. Foram os últimos
arcos a ser derrubados.
Curiosamente o Estado que nada fez pela
preservação deste monumento, em 20.08.1946, pelo Decreto-Lei nº 35.817 procedeu
à classificação como imóvel de interesse público do “troço existente do aqueduto da Serra do Pilar (lugar do Sardão,
freguesia de Oliveira do Douro)". Tratou-se de classificar um
monumento já inexistente e confundi-lo como parte de um outro que nada tem de
comum. Esta incongruência ainda hoje se mantém na página eletrónica do IGESPAR
onde o aqueduto dos Arcos do Sardão é referido como “troço existente do aqueduto da Serra do Pilar”.
Quisemos aqui evocar este monumento hoje
desaparecido cuja memória perdura nas imagens que ficaram e nos vestígios de
que aqui damos conta que faziam parte da mesma estrutura.
Cortesia de António Conde
Respiro do aqueduto
da Serra do Pilar na Rua engenheiro Adelino Amaro da Costa, ao Agueiro - Ed. António
Conde
Estrutura de antigo
arco do aqueduto da Serra do Pilar, integrado na construção, na Alameda da
Serra do Pilar – Ed. Graça Correia
Aqueduto e Festa da
Senhora do Pilar no Campo de Manobras c. 1930
O arraial da Senhora
do Pilar, de que a foto acima é testemunho, era das mais concorridas das
redondezas.
O dia 15 de Agosto é
dedicado no calendário religioso à Assunção de Nossa Senhora ao Céu. O culto a
Nossa Senhora do Pilar teve origem em Espanha, em pleno séc. XVII e terá sido
trazido para Portugal depois da Restauração.
“Foi ontem o arraial da Senhora do Pilar, no
sítio da Serra.
A concorrência àquele local, tão povoado de
recordações e tão assinalado pelas devastações do tempo e da guerra, tocam as
raias de extraordinária.
Na Serra achava-se um número de pessoas,
talvez não inferior a 28 ou 30.000.
Tão extraordinário foi o arraial que tudo
ficou literalmente vazio, vindo muitas das vendedeiras de novo à cidade
abastecer-se de pão e outros géneros para ocorrer à enorme procura que eles ali
tinham.
Toda a qualidade de fruta, especialmente as
melancias, tiveram grande extracção.”
In jornal “O
Comércio do Porto”, 17 de Agosto de 1865 – 5ª Feira
Vista do convento e
igreja da Serra do Pilar através do aqueduto
Mesma perspectiva da foto anterior, poucos anos mais tarde. Ao longe, na linha
do horizonte, o aqueduto do mosteiro da Serra do Pilar
Rua de Rocha Leão contornando o maciço rochoso da Serra do Pilar e que durante 2 décadas
constituiu o acesso Sul ao tabuleiro superior da ponte Luís I
Vista sobre o rio
Douro obtida em 1950 a partir do adro da igreja da Serra do Pilar
Igreja da Serra do
Pilar em 1950 ainda muito danificada, com vista obtida da Rua Rocha Leão
Vista parcial da
igreja da Serra do Pilar obtida a partir do Jardim do Morro, na segunda metade
do século XX
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