Em 22 de Janeiro de 2020, comemora-se o centenário do Teatro
Nacional S. João.
Tudo teve o seu início, há cerca de 250 anos, quando o
teatro, o circo ou os espectáculos de rua, quer declamados quer musicais, eram
o entretenimento das diversas classes sociais.
No que respeita ao teatro, começou na cidade no solar do
Conde de Miranda que, foi depois, dos Duques de Lafões, ao Largo do Corpo da
Guarda (para as bandas da Sé). Os espectáculos aí levados à cena, contavam com
o incentivo do corregedor João Almada, que era quem punha e dispunha na cidade
naqueles tempos.
Na inauguração deste primeiro teatro da cidade, em 1760, subiram
ao palco os intérpretes de uma ópera lírica, destinada a homenagear o casamento
de D. Maria I com D. Pedro, chamado de “O Capacidónio” e tio daquela. Este
teatro foi desenhado por João Glama Stroeberle.
O 1º duque de Lafões, segundo o historiador Horácio Marçal, era
filho de um filho ilegítimo de D. Pedro II e de uma cidadã francesa de seu nome
Ana de Vergé, que aquele perfilhou, nascido em 10/1/1718 e falecido em 1761.
Solar dos Duques de Lafões, no Largo do Corpo da Guarda
Antigo solar dos Duques de Lafões, sendo vísivel a tabuleta de publicidade à fábrica de artigos em couro, de Joaquim José Ribeiro sucs
Largo do Corpo da Guarda e solar dos Duques de Lafões (ambos
desaparecidos), na planta de Telles Ferreira de 1892
Na planta acima, o Solar dos Duques de Lafões está envolvido
por uma elipse a preto, e a área delimitada a roxo foi toda demolida para
abertura da Avenida da Ponte (Avenida D. Afonso Henriques) no fim da década de
1940.
As demolições a decorrer no Largo do Corpo da Guarda, na década de 1940
Perspectiva do local de implantação do solar do Duques de
Lafões que, hoje, se estenderia pela Avenida D. Afonso Henriques – Fonte:
Google maps
Largo do Corpo da Guarda, em 1950. A meio da foto, a Rua Chã
No Largo do Corpo da Guarda, numa estrebaria adaptada com um
tablado, a sala de espectáculos, haveria de realizar-se, a partir de 1760, as primeiras representações teatrais.
Em aniversário real, era certo que subia à cena uma peça
para homenagear o aniversariante.
“Em 28 de
Fevereiro de 1797 realizou-se o último espectáculo neste teatro. A sala teve
depois destino pouco nobre: foi sucessivamente quartel de guardas de segurança
pública, quartel de guarda barreiras e depósito de “calcetas” ou vadios coagidos
pelas autoridades a trabalhos de pavimentação de ruas e caminhos, levando
corrente amarrada à cinta e artelho do pé direito para não fugirem.”
Fonte: Rebelo Bonito em O Tripeiro Série VI, Ano III; Cortesia de Rui
Cunha
Luísa Todi e a cidade do Porto
Luísa Joaquina de Aguiar nasceu a 9 de Janeiro de 1753, em
Setúbal, filha de um professor de música e instrumentista e de uma senhora com
raízes por bastardia na aristocracia.
Casa onde nasceu Luísa Todi, na Rua da Brasileira
Desde muito nova ficou extasiada perante a música, o que a levou a receber lições de técnica vocal, tendo como professor David Perez, mestre da Capela Real.
No ano de 1768, casa com Francisco Todi, viúvo, músico de
origem italiana, rabequista da orquestra do Teatrinho do Bairro Alto e que
influenciará decisivamente a sua carreira.
Em 1769, um ano após o casamento, actua no palácio do Conde
de Soure.
Cantará depois no Porto entre 1772 e 1775 e não sendo uma
portuense, Luísa Todi passará a ter a sua vida familiar muito ligada ao Porto.
Em 30 de Abril de 1772, era registado num assento de
baptismo, pelo abade da Sé do Porto, um menino de nome João, filho de Saverio
Todi e de Luiza Todi, moradores na Rua Senhora de Agosto, tendo sido padrinhos
João de Almada e Melo e a sua mulher Ana Joaquina de Alencastro, moradores no
Corpo da Guarda.
A morada dos padrinhos seria, como é óbvio, o palácio dos
Duques de Lafões.
Em 4 de Setembro de 1773, novo assentamento de baptismo era
feito visando a menina Ana, filha de Francisco Xavier Todi e de Luiza Todi,
moradores na Rua Senhora de Agosto.
Luísa Todi virá a ter mais quatro filhos nascidos em outras
partes da Europa.
No dia 6 de Junho de 1772, dois meses após o nascimento de
João, Luísa Todi actuava no palco do Teatro do Corpo da Guarda, espectáculo do
qual o libreto respectivo dá conta:
“-Demofoonte. Drama para música para se representar no Teatro da muito ilustre cidade do Porto, no felicíssimo dia natalício do Fidelíssimo Monarca D. José I, Rei de Portugal e dos Algarves…, no dia 6 de Junho de 1772. Dedicado à Ilmª e Exmª Senhora D. Ana Joaquina de Lencastre.”
Sendo os intérpretes da obra musical, apresentada naquele
dia, todos de nacionalidade italiana, apenas Luísa Todi, no papel de Dircea,
nos seus 19 anos, tinha a nacionalidade portuguesa.
Entre 1778 e 1779, actua em Paris, onde a carreira artística
começa a tornar-se brilhante.
A Europa rendida à sua voz e ao seu talento, gaba-lhe as
“performances”.
Contratada para o Teatro de Turim, Luísa seguirá daí, para a Rússia, chegando a S. Petersburgo em Maio de 1784, chamada por Catarina II.
Contratada para o Teatro de Turim, Luísa seguirá daí, para a Rússia, chegando a S. Petersburgo em Maio de 1784, chamada por Catarina II.
Luiza Todi acompanha a corte para o Ermitage, passando a
receber joias de grande valor oferecidas pelo czar e pela czarina.
Em Dezembro de 1787, assina uma escritura de três anos para
estar ao serviço de Frederico Guilherme II da Prússia. Durante esse período
actua noutras cidades alemãs e faz algumas actuações em Paris.
Regressada a Paris participa, nas vésperas da revolução de
1789, num concerto com a presença de Maria Antonieta.
Emocionada, a monarca oferece-lhe um anel com o seu retrato.
Os dramáticos acontecimentos, entretanto, ocorridos em França, obrigam-na a
partir e actuar em Veneza, Nápoles e Pádua, com uma passagem por Berlim, onde
conhece Beethoven, que daria um concerto privativo em sua honra.
Depois de breves passagens por Portugal, na última década de
1790, a guerra civil em Nápoles provoca a fuga de Luísa Todi, que embarca em
Fevereiro de 1800, para Portugal.
A qualidade excepcional da sua voz (contralto), da sua
representação, da sua intensidade, tornou-a uma diva, convidada e adorada por
monarcas, casos de Catarina da Rússia e Maria Antonieta e de imperadores, como
Frederico II da Prússia.
Regressada definitivamente a Portugal, em 1800, fixa a sua
residência no Porto onde, em 28 de Abril de 1803, assistirá ao falecimento de
Francisco Todi, numa casa da Rua do Almada.
Em 1809, Luísa Todi é testemunha das invasões das tropas
francesas e do ataque à cidade do Porto que protagonizaram e, em 1811, Luísa
Todi fixa-se em Lisboa, no Bairro Alto, na companhia das duas filhas, na
Travessa da Estrela, à data, nº 2.
A morte leva-a aos 80 anos, a 1 de Outubro de 1833, após,
por volta de 1822, ter cegado, completamente.
No seu testamento figuravam uma quantidade apreciável de
magníficas joias, pelo que, deverá ser lenda, o facto de tudo ter perdido, nas
águas do Rio Douro, durante a fuga, num barquito, aos franceses invasores.
É sepultada num anexo da Igreja da Encarnação, local que,
devido a um profundo arranjo urbanístico, foi transformado, mais tarde, em
chapelaria e loja de velas, na Rua do Alecrim, 76-78.
Hoje, é o antiquário António Costa, propriedade de João
Miguel Teixeira.
“Nos últimos anos, Luiza Todi foi homenageada com uma peça
de teatro sobre a sua vida, intitulada “Eu Sou Luiza Todi”, escrita por
Margarida Lisboa para o Teatro Experimental de Cascais, o que constituiu um
momento muito expressivo. Um livro-álbum e um CD biográficos (o primeiro
escrito por Mário Moreau, e o segundo lido por Carmen Dolores), foram outros
eventos marcantes. Um abaixo-assinado com sete mil nomes foi, entregue ao
ex-Presidente da República Jorge Sampaio para a promoção de uma homenagem nacional
– que incluía a trasladação dos restos mortais da cantora da Igreja da
Encarnação, em Lisboa, para um monumento condigno com a sua grandeza.
A Câmara Municipal de Setúbal adquiriu, entretanto, a casa onde a cantora nasceu e viveu um largo tempo. Trata-se de um imóvel setecentista situado no popular bairro da Fonte Nova. A velha edificação com três andares encontra-se, porém, degradada e devoluta. O município tem o objectivo de recuperar esse prédio e instalar nele a Casa-Museu Luiza Todi. A bisneta da cantora, Maria Manuela Jordão, legou recentemente um vasto acervo de móveis, porcelanas, imagens religiosas, livros, bronzes e marfins que, segundo tradição familiar, pertenceram a Luiza Todi.”
A Câmara Municipal de Setúbal adquiriu, entretanto, a casa onde a cantora nasceu e viveu um largo tempo. Trata-se de um imóvel setecentista situado no popular bairro da Fonte Nova. A velha edificação com três andares encontra-se, porém, degradada e devoluta. O município tem o objectivo de recuperar esse prédio e instalar nele a Casa-Museu Luiza Todi. A bisneta da cantora, Maria Manuela Jordão, legou recentemente um vasto acervo de móveis, porcelanas, imagens religiosas, livros, bronzes e marfins que, segundo tradição familiar, pertenceram a Luiza Todi.”
Cortesia de António Brás (Historiador)
Com o rio Tejo, lá longe, à esquerda, no rés-do-chão do
edifício, em primeiro plano, encontram-se os restos mortais de Luísa Todi –
Fonte: Google maps
Real Teatro S. João
Francisco Almada, que sucedeu a seu pai no governo da
cidade, haveria de dar continuidade, também, à arte cénica, no Porto,
incrementando a construção, bem perto dali, do Teatro S. João, com um projecto aprovado
pelo governo, e um capital reunido entre comerciantes e capitalistas da cidade,
até Abril de 1796. Um capital (31.000$000 reis) subscrito em 313 acções, o que
permitiu avançar com o empreendimento.
Entretanto, em 13 de Maio de 1798, dia do aniversário do
Príncipe D. João, foi inaugurado o novo teatro da autoria do arquitecto Vicente
Mazzoneschi, o “Real Teatro S. João”,
chamando-se, inicialmente, Theatro do Príncipe em honra do
futuro D. João VI.
Para que fosse possível a sua construção foi destruído um
grande pano da Muralha Fernandina, cuja pedra serviu para fazer as suas paredes
e também as da Casa Pia.
O escudo real que esteve na sua frontaria encontra-se nos
terrenos do Museu Nacional Soares dos Reis.
Até 1809, apresentou peças ligeiras e variadas, acontecendo
a primeira temporada de teatro musicado em 1809, com uma zarzuela. A primeira
ópera só lá foi apresentada na temporada 1814/1815.
Durante o cerco do
Porto, foi bastante danificado pela artilharia Miguelista pelo que teve de
sofrer grandes obras entre 1835 e 1838.
Real Teatro S. João em 1905 (postal) – Ed. Tabacaria Arnaldo
Soares
Interior do Real Teatro S. João, antes do incêndio – Foto Guedes
A planta do teatro era em forma de ferradura com o tecto,
redondo, pintado por Joaquim Rafael, com uma nova pintura de Paulo Pizzi em
1856.
Tinha quatro níveis de camarotes e no 2º possuía uma sala
para concertos.
O pano de palco foi pintado por Sequeira, sendo substituído
em 1825, por um do espanhol João Rodrigues a que sucedeu um outro de Palucci.
A iluminação até 1838, foi de velas de sebo e, mais tarde,
de azeite.
Na noite de 11 para o dia 12 de Abril de 1908, um violento
incêndio reduziu o Real Teatro S. João a escombros.
Real Teatro S. João após o incêndio
(Continua)
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