segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

25.76 Cenas de palco e o centenário do Teatro Nacional de S. João - (Actualização em 27/11/2020)


Em 22 de Janeiro de 2020, comemora-se o centenário do Teatro Nacional S. João.
Tudo teve o seu início, há cerca de 250 anos, quando o teatro, o circo ou os espectáculos de rua, quer declamados quer musicais, eram o entretenimento das diversas classes sociais.
No que respeita ao teatro, começou na cidade no solar do Conde de Miranda que, foi depois, dos Duques de Lafões, ao Largo do Corpo da Guarda (para as bandas da Sé). Os espectáculos aí levados à cena, contavam com o incentivo do corregedor João Almada, que era quem punha e dispunha na cidade naqueles tempos.
Na inauguração deste primeiro teatro da cidade, em 1760, subiram ao palco os intérpretes de uma ópera lírica, destinada a homenagear o casamento de D. Maria I com D. Pedro, chamado de “O Capacidónio” e tio daquela. Este teatro foi desenhado por João Glama Stroeberle.
O 1º duque de Lafões, segundo o historiador Horácio Marçal, era filho de um filho ilegítimo de D. Pedro II e de uma cidadã francesa de seu nome Ana de Vergé, que aquele perfilhou, nascido em 10/1/1718 e falecido em 1761.



Solar dos Duques de Lafões, no Largo do Corpo da Guarda


Antigo solar dos Duques de Lafões, sendo vísivel a tabuleta de publicidade à fábrica de artigos em couro, de Joaquim José Ribeiro sucs





Largo do Corpo da Guarda e solar dos Duques de Lafões (ambos desaparecidos), na planta de Telles Ferreira de 1892



Na planta acima, o Solar dos Duques de Lafões está envolvido por uma elipse a preto, e a área delimitada a roxo foi toda demolida para abertura da Avenida da Ponte (Avenida D. Afonso Henriques) no fim da década de 1940.



As demolições a decorrer no Largo do Corpo da Guarda, na década de 1940




Perspectiva do local de implantação do solar do Duques de Lafões que, hoje, se estenderia pela Avenida D. Afonso Henriques – Fonte: Google maps



Largo do Corpo da Guarda, em 1950. A meio da foto, a Rua Chã



No Largo do Corpo da Guarda, numa estrebaria adaptada com um tablado, a sala de espectáculos, haveria de realizar-se, a partir de 1760,  as primeiras representações teatrais.
Em aniversário real, era certo que subia à cena uma peça para homenagear o aniversariante.


“Em 28 de Fevereiro de 1797 realizou-se o último espectáculo neste teatro. A sala teve depois destino pouco nobre: foi sucessivamente quartel de guardas de segurança pública, quartel de guarda barreiras e depósito de “calcetas” ou vadios coagidos pelas autoridades a trabalhos de pavimentação de ruas e caminhos, levando corrente amarrada à cinta e artelho do pé direito para não fugirem.”
Fonte: Rebelo Bonito em O Tripeiro Série VI, Ano III; Cortesia de Rui Cunha


Luísa Todi e a cidade do Porto

 

Luísa Joaquina de Aguiar nasceu a 9 de Janeiro de 1753, em Setúbal, filha de um professor de música e instrumentista e de uma senhora com raízes por bastardia na aristocracia.


Casa onde nasceu Luísa Todi, na Rua da Brasileira


Desde muito nova ficou extasiada perante a música, o que a levou a receber lições de técnica vocal, tendo como professor David Perez, mestre da Capela Real.
No ano de 1768, casa com Francisco Todi, viúvo, músico de origem italiana, rabequista da orquestra do Teatrinho do Bairro Alto e que influenciará decisivamente a sua carreira.
Em 1769, um ano após o casamento, actua no palácio do Conde de Soure.
Cantará depois no Porto entre 1772 e 1775 e não sendo uma portuense, Luísa Todi passará a ter a sua vida familiar muito ligada ao Porto.
Em 30 de Abril de 1772, era registado num assento de baptismo, pelo abade da Sé do Porto, um menino de nome João, filho de Saverio Todi e de Luiza Todi, moradores na Rua Senhora de Agosto, tendo sido padrinhos João de Almada e Melo e a sua mulher Ana Joaquina de Alencastro, moradores no Corpo da Guarda.
A morada dos padrinhos seria, como é óbvio, o palácio dos Duques de Lafões.
Em 4 de Setembro de 1773, novo assentamento de baptismo era feito visando a menina Ana, filha de Francisco Xavier Todi e de Luiza Todi, moradores na Rua Senhora de Agosto.
Luísa Todi virá a ter mais quatro filhos nascidos em outras partes da Europa.
No dia 6 de Junho de 1772, dois meses após o nascimento de João, Luísa Todi actuava no palco do Teatro do Corpo da Guarda, espectáculo do qual o libreto respectivo dá conta:

 

“-Demofoonte. Drama para música para se representar no Teatro da muito ilustre cidade do Porto, no felicíssimo dia natalício do Fidelíssimo Monarca D. José I, Rei de Portugal e dos Algarves…, no dia 6 de Junho de 1772. Dedicado à Ilmª e Exmª Senhora D. Ana Joaquina de Lencastre.”

 

Sendo os intérpretes da obra musical, apresentada naquele dia, todos de nacionalidade italiana, apenas Luísa Todi, no papel de Dircea, nos seus 19 anos, tinha a nacionalidade portuguesa.
Entre 1778 e 1779, actua em Paris, onde a carreira artística começa a tornar-se brilhante.
A Europa rendida à sua voz e ao seu talento, gaba-lhe as “performances”.
Contratada para o Teatro de Turim, Luísa seguirá daí, para a Rússia, chegando a S. Petersburgo em Maio de 1784, chamada por Catarina II.
Luiza Todi acompanha a corte para o Ermitage, passando a receber joias de grande valor oferecidas pelo czar e pela czarina.
Em Dezembro de 1787, assina uma escritura de três anos para estar ao serviço de Frederico Guilherme II da Prússia. Durante esse período actua noutras cidades alemãs e faz algumas actuações em Paris.
Regressada a Paris participa, nas vésperas da revolução de 1789, num concerto com a presença de Maria Antonieta.
Emocionada, a monarca oferece-lhe um anel com o seu retrato. Os dramáticos acontecimentos, entretanto, ocorridos em França, obrigam-na a partir e actuar em Veneza, Nápoles e Pádua, com uma passagem por Berlim, onde conhece Beethoven, que daria um concerto privativo em sua honra.
Depois de breves passagens por Portugal, na última década de 1790, a guerra civil em Nápoles provoca a fuga de Luísa Todi, que embarca em Fevereiro de 1800, para Portugal.
A qualidade excepcional da sua voz (contralto), da sua representação, da sua intensidade, tornou-a uma diva, convidada e adorada por monarcas, casos de Catarina da Rússia e Maria Antonieta e de imperadores, como Frederico II da Prússia.





Regressada definitivamente a Portugal, em 1800, fixa a sua residência no Porto onde, em 28 de Abril de 1803, assistirá ao falecimento de Francisco Todi, numa casa da Rua do Almada.
Em 1809, Luísa Todi é testemunha das invasões das tropas francesas e do ataque à cidade do Porto que protagonizaram e, em 1811, Luísa Todi fixa-se em Lisboa, no Bairro Alto, na companhia das duas filhas, na Travessa da Estrela, à data, nº 2.
A morte leva-a aos 80 anos, a 1 de Outubro de 1833, após, por volta de 1822, ter cegado, completamente.
No seu testamento figuravam uma quantidade apreciável de magníficas joias, pelo que, deverá ser lenda, o facto de tudo ter perdido, nas águas do Rio Douro, durante a fuga, num barquito, aos franceses invasores.
É sepultada num anexo da Igreja da Encarnação, local que, devido a um profundo arranjo urbanístico, foi transformado, mais tarde, em chapelaria e loja de velas, na Rua do Alecrim, 76-78.
Hoje, é o antiquário António Costa, propriedade de João Miguel Teixeira.

 

 

“Nos últimos anos, Luiza Todi foi homenageada com uma peça de teatro sobre a sua vida, intitulada “Eu Sou Luiza Todi”, escrita por Margarida Lisboa para o Teatro Experimental de Cascais, o que constituiu um momento muito expressivo. Um livro-álbum e um CD biográficos (o primeiro escrito por Mário Moreau, e o segundo lido por Carmen Dolores), foram outros eventos marcantes. Um abaixo-assinado com sete mil nomes foi, entregue ao ex-Presidente da República Jorge Sampaio para a promoção de uma homenagem nacional – que incluía a trasladação dos restos mortais da cantora da Igreja da Encarnação, em Lisboa, para um monumento condigno com a sua grandeza.
A Câmara Municipal de Setúbal adquiriu, entretanto, a casa onde a cantora nasceu e viveu um largo tempo. Trata-se de um imóvel setecentista situado no popular bairro da Fonte Nova. A velha edificação com três andares encontra-se, porém, degradada e devoluta. O município tem o objectivo de recuperar esse prédio e instalar nele a Casa-Museu Luiza Todi. A bisneta da cantora, Maria Manuela Jordão, legou recentemente um vasto acervo de móveis, porcelanas, imagens religiosas, livros, bronzes e marfins que, segundo tradição familiar, pertenceram a Luiza Todi.”
Cortesia de António Brás (Historiador)

 

 

 

Com o rio Tejo, lá longe, à esquerda, no rés-do-chão do edifício, em primeiro plano, encontram-se os restos mortais de Luísa Todi – Fonte: Google maps



Real Teatro S. João


Francisco Almada, que sucedeu a seu pai no governo da cidade, haveria de dar continuidade, também, à arte cénica, no Porto, incrementando a construção, bem perto dali, do Teatro S. João, com um projecto aprovado pelo governo, e um capital reunido entre comerciantes e capitalistas da cidade, até Abril de 1796. Um capital (31.000$000 reis) subscrito em 313 acções, o que permitiu avançar com o empreendimento.
Entretanto, em 13 de Maio de 1798, dia do aniversário do Príncipe D. João, foi inaugurado o novo teatro da autoria do arquitecto Vicente Mazzoneschi, o “Real Teatro S. João”, chamando-se, inicialmente, Theatro do Príncipe em honra do futuro D. João VI.
Para que fosse possível a sua construção foi destruído um grande pano da Muralha Fernandina, cuja pedra serviu para fazer as suas paredes e também as da Casa Pia.
O escudo real que esteve na sua frontaria encontra-se nos terrenos do Museu Nacional Soares dos Reis.
Até 1809, apresentou peças ligeiras e variadas, acontecendo a primeira temporada de teatro musicado em 1809, com uma zarzuela. A primeira ópera só lá foi apresentada na temporada 1814/1815.
Durante o cerco do Porto, foi bastante danificado pela artilharia Miguelista pelo que teve de sofrer grandes obras entre 1835 e 1838.



Real Teatro S. João em 1905 (postal) – Ed. Tabacaria Arnaldo Soares



Interior do Real Teatro S. João, antes do incêndio – Foto Guedes



A planta do teatro era em forma de ferradura com o tecto, redondo, pintado por Joaquim Rafael, com uma nova pintura de Paulo Pizzi em 1856.
Tinha quatro níveis de camarotes e no 2º possuía uma sala para concertos.
O pano de palco foi pintado por Sequeira, sendo substituído em 1825, por um do espanhol João Rodrigues a que sucedeu um outro de Palucci.
A iluminação até 1838, foi de velas de sebo e, mais tarde, de azeite.
Na noite de 11 para o dia 12 de Abril de 1908, um violento incêndio reduziu o Real Teatro S. João a escombros.



Real Teatro S. João após o incêndio



(Continua)

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