Entre os inúmeros regentes e músicos que passaram pelo Real
Teatro S. João, podem ser referidos: na família Ribas, José António Ribas na
qualidade de violino concertante e regente, Eduardo Ribas, barítono, Nicolau
Ribas, violino, Hipólito Ribas, flauta e Romão Ribas, violoncelo; na família
Arroyo, José Francisco Arroyo, clarinete e composição, João Arroyo, flauta e
António Arroyo, violoncelo; na família Landeau, José Julião e Albano,
violinistas; a família Costa, Francisco Eduardo da Costa e José da Costa,
contrabaixo.
Actuaram ainda, no Real Teatro S. João, Carlos Dubini,
Marques Pinto, Ciríaco de Cardoso e António Canedo, José Pedro de Oliveira,
Joaquim Casella, Laureano e muitos outros.
Entre os regentes, compositores e ensaiadores, destacaram-se
Francisco Eduardo da Costa e José Cândido.
Camillo Sivori, único aluno directo de Paganini e notável
violinista, esteve no Real Teatro de S. João, em Dezembro de 1854, dando 3
concertos de grande sucesso, que tiveram os maiores aplausos e a casa sempre
repleta.
“Foram muitos os
cantores que escreveram a história deste teatro. Entre eles podemos mencionar
os tenores José de Aguiar Bizarro e Luís Gonzaga, que se estrearam
respectivamente em 1844 e 1848. Também ficaram na sua memória João Cardoso,
mais conhecido por João de Massarelos, A. S. Bonjardim, o Assunção, o José
Soares Guerra, o Miguel Macedo, o Coelho e o Wanimeyl e M. Celestino. Este
último acaba por partir para o Brasil onde desenvolve uma longa carreira.
Destacámos ainda, não só pelos seus dotes vocais mas também pelos seus dotes de
actriz, Maria Jesuína, que em 1840 cantou na empresa, mas depois passou para o
teatro dramático onde se distinguiu como actriz.
Fixados em Portugal,
estes artistas acabam na maior parte dos casos a dar aulas de música e a cantar
como solistas ou nos coros que então vão surgindo na cidade, particularmente
nas igrejas, e onde os seus nomes aparecem mencionados na programação das
festas religiosas”.
Cortesia de Maria José de Sousa Ferraria (2000)
(Dissertação de Mestrado em História Contemporânea
apresentado à Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Artur de Magalhães Basto descreve uma noite de ópera, em “O
Porto do Romantismo”:
«A enchente é
espantosa, e no verão o calor é tão intenso como se “estivesse na câmara de um
vapor, em calmaria, por alturas de S. Tomé ou Senegal”, e as pulgas mais abundantes
“do que em qualquer galegaria de atrás da Sé”.
O “bufete” vendia
sorvetes de diferentes qualidades, a 4 vinténs cada um.
O espectáculo começa e
vai decorrendo numa atmosfera pouco tranquilizadora. Rebentam as primeiras
palmas, estruge uma formidável pateada. Há bravos e assobios. Corre o pano.
Chamados os artistas, estes aparecem no proscénio. A balbúrdia cresce. A
pateada torna-se infernal. Os actores investem contra o público, como em 1849,
na representação dos Foscaris. São lançados dos camarotes impressos com
poesias, respondem-lhes os díscolos arremessando para o palco toda a qualidade
de projecteis, até botas velhas. Martelos, cabos de vassouras, tacão, goelas,
tudo que faça barulho é posto em movimento. No ar esvoaçam pombas brancas e
rodopiam bengalas e mocas e, por vezes, luzem punhais. Partem-se cadeiras
inocentes e cabeças apopléticas. Os artistas são enxovalhados. Uma actriz a
“italiana Luisa Abbadie, enlouqueceu de repente, na noite de 3/5/1852, depois
de ter sido desfeiteada pelo público”.
A chinfrineira é
indescritível, os destroços na mobília avultados e o sangue a escorrer das
testas abundante… resultado: as autoridades ordenam o encerramento do teatro
por alguns dias».
Na sala do Real Teatro de S. João também se realizavam
outros tipos de espectáculos, tais como as festividades carnavalescas, do qual
durante muito tempo foi lembrado o ano de 1855, quando houve festas e bailes de
máscaras durante uma semana.
Após mais de meio século de actividade, o Real Teatro S.
João tinha entrado definitivamente na vida dos portuenses.
A actividade do Real Teatro de São João acabaria por ficar
vinculada, no entanto, sobretudo, ao universo da ópera italiana, cujo monopólio
de representações na cidade deteve, até perto, do final do século XIX.
A segunda metade do século, apresentaria durante a década de
60, naquele âmbito, alguns contra – tempos.
Chegaria, então, o tempo de Adelaide Ristori (Cividale del Friuli, 29 de Janeiro de 1822 — Turim, 8 de Outubro de 1906), uma célebre atriz dramática italiana, frequentemente referida como Marquise, que teve uma amizade com D. Pedro II do Brasil, filho do Imperador D. Pedro I e da imperatriz Maria Leopoldina da Áustria
Chegaria, então, o tempo de Adelaide Ristori (Cividale del Friuli, 29 de Janeiro de 1822 — Turim, 8 de Outubro de 1906), uma célebre atriz dramática italiana, frequentemente referida como Marquise, que teve uma amizade com D. Pedro II do Brasil, filho do Imperador D. Pedro I e da imperatriz Maria Leopoldina da Áustria
“Decorrendo faustosamente
a nova temporada de 1859-1860, dedicado o Teatro de S. João exclusivamente ao
lírico, eis que pisa este palco com a sua companhia dramática italiana a
cotadíssima trágica Adelaide Ristori. A sua estreia na tragédia Medeia, de
Ernest Legouvé, em Novembro de 1859, provocou uma autêntica enchente,
confluindo ao teatro «as primeiras
familias do Porto, e algumas de fóra da terra», terminando o espectáculo
numa verdadeira apoteose como já não se via há alguns anos no Porto. Os relatos
em relação à quinta e última representação da actriz nesta cidade deixam
transparecer essa mesma loucura, num dos acontecimentos mais marcantes que
tiveram lugar no Bairro teatral.”
Cortesia de Danielo Rodrigues Micaelo Rosa (Tese de
Doutoramento em Estudos de Teatro – 2013)
“A noite de hontem
deve ficar eternisada nos fastos theatrais d’esta cidade. (…) Para evitar que
alguns espectadores agenciassem bilhetes, para os revender por preços
fabulosos, o snr. administrador do 1.º bairro resolveu intervir, ordenando que
com a sua assistencia, na competente casinha, ás 3 horas da tarde. Uma hora
antes da marcada, estavam já reunidas, junto do theatro, algumas centenas de
pessoas, que invadiram e occuparam litteralmente o atrio, apenas as portas da
entrada se abriram. Vendo o snr. administrador a impossibilidade de se
effectuar a venda dos bilhetes no meio d’aquelle tumultuar immenso de gente, e
mesmo porque os bilhetes não chegavam para nove decimos do numero de pessoas
que os pediam, mandou sahir toda a gente (…). Quando, á noite, se abriu o
theatro, era ainda immensa a gente que solicitava meio de obter entrada; e
invadiriam a plateia, se a porta não fosse guardada por duas alas de soldados.
(…) No fim da tragedia, o enthusiasmo passou a delirio. As senhoras, de pé, nos
camarotes, agitavam os lenços; a chuva de flores sobre o palco não cessava; nas
plateias agitavam-se os chapeos e os lenços no meio de freneticos applausos
(…). Quasi toda a gente que estava na plateia foi esperar Ristori á sahida do
theatro, e a acompanhou até ao seu hotel, victoriando-a com vivas (…).”
In “O Comércio do Porto”, 29 de Novembro de 1859, p. 2
Em digressão, Madame Ristori rumaria a Madrid, mas atendendo
aos apelos que os portuenses lhes dirigiram, em Fevereiro, estava de volta à
cidade.
Em 10 de Fevereiro de 1860, Madame Ristori deslocar-se-ia ao
Teatro Baquet, o que é narrado na notícia seguinte:
“Folhetim: a
fraternidade no género: não há competição: a srª Ristori, a melhor do mundo,
aplaudiu no Teatro Bacquet a Emília das Neves, a melhor da Península.”
João Sénior, In “O Porto e a Carta”, 13 Fevereiro de 1860,
p. 1
Madame Ristori seria então recebida nos melhores salões da
cidade.
“Sarau: ontem o sr.
Guilherme Augusto Machado Pereira deu um sarau em obséquio de M.me Ristori.”
In “O Porto e a Carta”, 17 de Fevereiro de 1860, p. 3
“Obséquios: O conde de
Terena deu ontem um jantar de honra a M.me Ristori.”
In “O Porto e a Carta”, 18 Fevereiro de 1860, p. 3
Adelaide Ristori
Em 1865, uma outra Adelaide, a afamada cantora lírica Maria Adelaide
Borghi-Mamo, seria contratada pelo empresário Paccini, para cinco récitas, após
ter, até aí, representado em Lisboa.
A sua estreia, na ópera de Donizetti A Favorita,
provocaria tal enchente que alguns espectadores se viram obrigados a saltar
para dentro do espaço ocupado pela orquestra por não terem obtido melhor lugar.
A despedida da artista foi apoteótica e fez lembrar a de
Madame Ristori.
Em 1860, é atribuída ao empresário José Domingos Lombardi, a
exploração e o usofruto do subsídio atribuído ao Real Teatro S. João, por um
período de dois anos.
A nova companhia lírica estreava-se a 5 de Novembro de 1860,
com a ópera “O Poliuto”, de Donizetti, traduzindo-se a sua recepção numa
pateada geral.
A partir daqui as pateadas foram uma constante.
“Hontem foi a primeira
representação da opera «O Trovador», pela actual companhia (…). Esta lindissima
opera, tão popular, e tão conhecida, dá desvantagens a todos os artistas, que a
cantam no nosso theatro, pois lutam com confrontos, e recordações de artistas,
que n’ella enthusiasmaram o publico. Porém ainda levando isto em conta, manda a
verdade se diga, que hontem a execução d’esta partitura, poderá apenas, quando
muito, qualificar-se soffrivel, no todo.
In jornal “O
Comércio do Porto” de 28 de Novembro de 1860, Pág. 3-4
A situação seria remediada com a contratação da soprano
ítalo-argentina Carolina Briol, que devolveria algum público e alegria ao
Teatro de S. João. Carolina Briol estrear-se-ia com a ópera de Verdi,
Rigoletto, passando-se da chuva de pateadas à de bouquets.
“Escusado será dizer
que, graças ao desempenho da soprano, a ópera havia de ser repetida
constantemente, tentando a empresa recuperar o prejuízo financeiro e o
prestígio perdido após sucessivas manifestações de desagrado que marcaram o
início da temporada. Ainda assim, e passado o efeito Briol, o entusiasmo
haveria de ser efémero e o enfado do público pelo desempenho da companhia
traduzido em pateadas”.
Cortesia de Daniel Rodrigues Micaelo Rosa (2013). Tese para
a obtenção do grau de “Doutor em Estudos de Teatro” – Universidade de Lisboa
Após uma das habituais tournées de Verão, da companhia do
Teatro do Ginásio, dá-se o retorno de alguém já conhecido, o empresário Ângelo
Alba.
“Com o retorno do
empresário Ângelo Alba, o Teatro de S. João voltaria a apresentar uma companhia
lírica e uma companhia dramática portuguesa, esta última sob a direcção de João
Manuel Martins Costa. Esta, enquanto se davam óperas no primeiro teatro da
cidade, apresentava o seu repertório no Teatro Variedades (Camões),
principalmente no formato de espectáculos de benefício para com os artistas que
faziam parte da companhia, que servia sobretudo para assegurar a sobrevivência
financeira destes. Estrear-se-ia no palco do Teatro de S. João com o drama
Aristocracia e Dinheiro, de César de Lacerda, e a comédia Os Zuavos, de António
Mendes Leal. A companhia lírica, por seu lado, iniciaria a temporada de
1861-1862 com a ópera de Giuseppe Verdi, Luisa Miller.
No final da temporada,
a administração do Teatro de S. João decidiu atribuir a exploração do teatro a
Ângelo Alba por um período de dois anos, (…)”
Cortesia de Daniel Rodrigues Micaelo Rosa (2013). Tese para
a obtenção do grau de “Doutor em Estudos de Teatro” – Universidade de Lisboa
Um acontecimento trágico iria arrasar com a vida artística
da quase totalidade dos teatros da cidade, nos últimos anos do século.
Tudo se ficou a dever ao incêndio do Teatro Baquet, na noite
de 21 de Março de 1888, em que perderam a vida, cerca de 120 espectadores.
“Durante a festa de
benefício do actor Firmino Rosa, um incêndio consumiu em poucas horas todo o
interior do Teatro Baquet. A programação – extensa – incluía a ópera cómica
Dragões de Vilares e a zarzuela Grã Via, ambas do agrado de um público entusiasmado
que “pedia furiosamente bis” (SOUSA BASTOS 1908: 321).
Foi a troca apressada
de panos de fundo, para repetir a cena anterior – o quadro “Os três ratas”,
desempenhado por Firmino, Sanches e Gomes – que fez com que, no contacto com
uma gambiarra, um dos panos se incendiasse. O pano de boca foi baixado
rapidamente, mas não impediu que o fogo fosse anunciado momentos depois pelos
espectadores de um camarim com um postigo sobre o palco. O rápido alastrar do
fogo, o fumo intenso, a falta de iluminação (tendo sido cortado o gás assim que
o incêndio deflagrou) e o pânico geral resultaram na morte de cerca de 120
pessoas”.
Fonte: “pt.wikipedia.org”
Após a tragédia, apesar das vistorias impostas às salas de
espectáculos e à melhoria das condições das mesmas, os portuenses estavam
relutantes em visitá-las. Todos os teatros da cidade se viriam a ressentir, com
excepção para um, que seria inaugurado passados 6 meses, sobre aquele trágico
acontecimento.
Tratava-se do Teatro D. Afonso, inaugurado na Rua de Alexandre
Herculano e que, com Ciríaco Cardoso ao leme, viria a agravar, com os sucessos
que ia arrebatando, os problemas dos restantes.
O Real Teatro S. João não fugia à mediocridade que se
instalou, aliada à gestão desastrosa de D. Luciano Rodrigo, a qual, nem a
atribuição do subsídio governamental conseguiu travar.
“Ciriaco de Cardoso, à
frente da empresa do Teatro D. Afonso na época 1889-1890 iria, com o seu arrojo
programático, colocar em questão a suposta exclusividade do lírico no Teatro de
S. João. Era este tipo de espectáculo exclusivo de um teatro de primeira ordem?
A resposta, a ver pela afluência que se verificaria a este popular teatro,
parecerá óbvia. Apesar de se tratar de espectáculos operáticos obviamente mais
modestos, tendo em conta o seu público-alvo e a própria espacialidade e
acústica do teatro, era mais um filão, como tantos outros, a explorar. E
veremos futuramente como vários teatros não temeriam em explorá-lo.
A ópera O Barbeiro de Sevilha entrava em
ensaios no Teatro D. Afonso logo no início de 1890 (O Comércio do Porto, 23.01.1890, p. 2). Este passo marcaria
aquele que seria o rumo desta casa de espectáculos na próxima década: a
apresentação de espectáculos líricos, aproveitando o temporário sub-rendimento
do Teatro de S. João. A estratégia iniciada por Ciriaco de Cardoso traria bons
proveitos e viria, gradualmente, dar mais visibilidade ao teatro por si
arrendado”.
Cortesia de Daniel Rodrigues Micaelo Rosa (2013). Tese para
a obtenção do grau de “Doutor em Estudos de Teatro” – Universidade de Lisboa
Para o Real Teatro S. João, a noite de 11 de Abril de 1908,
aproximava-se inexoravelmente.
Este teatro que atravessou todo o século XIX seria o palco
de alguns episódios que ficaram célebres.
Camilo Castelo Branco foi um dos frequentadores assíduos do
teatro e que protagonizou cenas que ficaram para a posteridade.
Uma delas, na época de 1848/49, acabaria em pancadaria na
Estalagem da Ponte da Pedra, local para onde, os que podiam, se retiravam para
gozar os prazeres da mesa e também as belezas do rio Leça, em breves passeatas
de barco.
Seria, então, no Carnaval de 1849, que Camilo e Aloysio Seabra Ferreira, depois de tocarem no orgão do Mosteiro de Leça do Bailio, a "Maria da Fonte", se dirigiram a comer um jantar de lampreia na taverna da Ponte da Pedra.
“O Teatro S. João, no
Porto, foi na altura palco de confrontos entre duas cantoras líricas:
Dabedeille, apoiada pelos setembristas, e Clara Belloni, pelos cartistas. Entre
os últimos estava Camilo, que se destacou pela participação ativa nos vários
confrontos através de críticas no Jornal do Porto, em folhetins humorísticos e
em brigas nos cafés.
Nos Serões de S.
Miguel, Camilo rememora o jantar de homenagem a Dabedeille decorrido na
Estalagem da Ponte da Pedra. Presentes, numa sala ao lado, estavam Camilo e
Aloysio Ferreira a comer enguias de caldeirada com colorau. Quando se ouvem as
felicitações em honra de Dabedeille, Camilo e Aloysio decidem brindar a favor
de Belloni, tendo o banquete descambado em rixa”.
Cortesia de Elzira Sá Queiroga (2015)
(Mestrado em Estudos do Património – Universidade Aberta)
A propósito da cena narrada acima, resultou que Camilo e o
amigo tiveram de bater em retirada, pois os “inimigos” eram muitos.
Como escreveu Camilo: “Aloísio
retirava ferido pela ponta de um estoque de bengala; eu que entrara resoluto a
morrer, inutilizado o copo na cabeça do mais cobarde, cruzei os braços
esperando a morte numa atitude romana.”
No Real Teatro de São João, lugar onde inaugurou, com o seu
famoso e infame cornetim de lata, um novo tipo de pateada, na contenda que em
1849 opôs os partidários de Clara Belloni e os defensores de Adèle Dabedeille,
duas primas donas de então, Camilo viu e ouviu repetidas vezes as diversas
óperas.
As citadas pateadas haveriam de conduzir à demissão, por
decreto de 6 de Fevereiro de 1849, do administrador do 1º Bairro, Adriano
Ferreira Pinto Basto.
“ (…) quasi que
geralmente, de cumplicidade nestas cenas desagradáveis, mas não novas, que
tiveram lugar no teatro de S. João. Vira-se ali brilhar o ferro na mão do
sicário, o sr. Adriano. O governo demitiu o sr. Adriano, e o sr. Adriano era
interessado na empresa, e ao mesmo tempo a autoridade que devia conhecer dos
seus desvarios, e manter o sossego no teatro”.
In jornal “A Pátria” de 19 de Fevereiro de 1849
Adèle Dabedeille faria o seu "début" no Real Teatro
de S. João, na ópera de Marino Faliero, de Gaetano Donizetti (1797-1848), cujo
falecimento, no ano anterior, comovera todos os amantes da ópera.
Camilo faria, ainda, um elogio público a Clara Belloni, no
jornal Eco Popular.
«Tenham paciência os
nossos antagonistas do teatro, mas a sr.ª Beloni acaba de receber os mais
frenéticos aplausos, como a mais justa prova do seu merecimento, e não dos
nossos caprichos. A melodiosa cantora cercada de ramos e coroas já pode sorrir
para os seus motejadores porque o triunfo a tem posto tão alta como a estátua
de Washington, onde os rapazes não chegam com a pedrada.
Cantou deliciosamente,
arrebatou os mesmos que a depreciam, e parece-nos que catequisou muitos
“trabalhadores” para o seu partido. O cronista está com as mãos de molho,
porque as fez em pedaços, e em lhe caindo as mãos há - de bater com os cotos».
Saragoçano (Camilo Castelo Branco), In Eco Popular, de 17 de
Fevereiro de 1849
Num outro episódio, Camilo mete na ordem um jornalista.
“Em 23 de janeiro de
1851, Camilo Castelo Branco agride, à mocada, no corredor do Teatro S. João, o
jornalista Novais Vieira (o Novais dos óculos), por este ter publicado no
jornal “A Pátria” um artigo em que lhe chamava Lombrigas (pseudónimo de Camilo,
mas precedido de Anastácio das…) onde insinuava que o escritor tomara uma certa
atitude porque “a falsa sóror já não pinga tanto” (referindo-se ao pseudónimo
“sóror Dolores” da poetiza D. Maria Adelaide Brown) e porque “a verdadeira
sóror só pinga alguns docitos”, referindo-se à freira D. Isabel Vaz Mourão, que
no Convento de Ave-Maria protegia Bernardina Amélia, filha de Camilo e Patrícia
Emília.”
Fonte: “PortoDesaparecido”
Passado pouco tempo sobre a cena acabada de narrar, enchia o
palco com as suas actuações sempre muito aplaudidas, a actriz Emília das Neves.
In “Periódico dos Pobres do Porto”
O aspecto da zona da Praça da Batalha, em noites de
espectáculo era de autêntica feira.
“Nas noites de
espectáculo a concorrência na Batalha e ruas próximas era sensível e até nos
tempos antigos era assinalada pela venda de doces e rebuçados como nos
arraiais. A formatura dos trens, o alinhamento das seges, a série de carroções
com os bois deitados no chão, a fileira das cadeirinhas, guardadas apenas por
algum dos galegos vigilantes, e o agrupamento dos lampiões, defendidos pelos
criados menos dormentes, isto em volta do teatro, pareciam um acampamento!”
Cortesia de Rui Cunha (“portoarc.blogspot.com/”), In O
Tripeiro, Volume V (1926)
Carroção
As idas ao Real Teatro de S. João, um acontecimento
periódico que abrangia, nalguns casos, famílias inteiras, foram-nos descritas,
entre outros, primorosamente, por Ramalho Ortigão.
“O meio de transporte
habitual das famílias, para o Teatro de S. João, para os bailes, para as
romarias, era o famoso carroção, veículo de 4 rodas da forma de um prédio, com
duas fachadas laterais de cinco janelas cada uma, e porta ao fundo, a que o
passageiro subia por quatro degraus de escada guarnecida por um corrimão. Uma
junta de alentados bois de Barroso puxava pelo "monumento”.
“Havia famílias
enormes que não cabiam em duas salas e que se acomodavam num carroção. No
Inverno, uma dessas ingentes moles chegava à porta do Teatro S. João. A
portinhola abria-se, havia uma escada com corrimão para descer; o carroção
começava a despejar senhoras. O pátio do Teatro enchia-se e o carroção
continuava sempre a deitar gente. Pasmava-se que ele pudesse conter tantas
pessoas, ia-se olhar e encontrava-se ainda, lá dentro, no escuro, a mexer-se e
a preparar-se para sair, tanta gente como a que estava fora”.
Uma outra perspectiva duma ida ao teatro é-nos dada no texto
que se segue.
“Não era sem certos
cuidados que algumas famílias se dispunham a ir ao teatro. A mãe dá ordem à
criada que faça a ceia; o pai diz ao galego que ponha duas velas de cêbo no
lampião de folha. Apenas o jantar (almoço) terminou e o último palito fez a
limpeza dentária, vai a família dormir a sesta, porque tem de perder a noite. À
hora própria lá segue a família para o teatro, porque é bom ir cedo e sem
fadiga. O chefe de família leva duas pistolas no bolso para o que der e vier;
atrás, a criada com o merendeiro, os frangos assados, a vitela, as azeitonas, a
pingoleta etc. Chegam as damas ao camarote, estendem as mantilhas de lapim para
fora da borda e colocam-nas cuidadosamente nuns arcaicos lanceiros de pau que
havia nos camarotes; ao fundo a criada senta-se junto ao cesto da ceia. Os
espectadores começam a encher o teatro e o Aniceto vem distribuir pelas estantes
da orquestra os diversos papéis da partitura; trabalho que faz pacificamente,
excepto se algum frequentador das varandas lhe grita de lá; - Oh Clemente,
quebraste a infusa! – porque então o homem perde a cabeça, troca os papeis e dá
por paus e pedras.
Os janotas cumprem a
sua elegante missão de conquistadores; as damas choram ou sorriem, como as
situações da peça o exigem; à hora própria, aproveitam-se os intervalos para a
ceia e tudo corre no melhor dos mundos, se os artistas não desafinam e se as
tormentas teatrais não provocam as pateadas.
Que velhos costumes e
clássicos hábitos da velha sociedade que dormia a sesta e ia cear ao teatro!”
Cortesia de Rui Cunha (“portoarc.blogspot.com/”), In O
Tripeiro, Volume V
Quem nos descreve uma entrada no Real Teatro S. João, é
Júlio César Machado, na obra “Scenas da Minha Terra”, durante uma sua visita à
cidade em 1861:
Aquele jornalista, tradutor, autor de romances, contos e
peças de teatro, que se salientou, sobretudo, como folhetinista e cronista, na
mesma obra e durante a mesma visita àquele teatro, escrevia sobre a
movimentação das portuenses no final do espectáculo:
Certo dia, depois de acontecidos alguns desacatos e pateada,
a polícia proibiu a entrada de bengalas ou qualquer outro objecto perigoso.
“Os beligerantes, ao
terem conhecimento da “ordem superior”, não se intimidaram, antes pelo
contrário, nessa noite era de ver como, todos humildes, iam fazer a entrega das
suas badines no bengaleiro respectivo. O governador civil rejubilava por ver
como as suas determinações eram rigorosamente cumpridas; mas o que ele não
sabia era que a cada bengala depositada correspondia um cabo de vassoura, a que
previamente de cortara a rama de piaçaba, insidiosamente enfiado pelo colete
abaixo duma grande parte daqueles tão submissos quão resignados cumpridores da
lei. Escusado será dizer que, nessa noite, no teatro S. João não caiu Tróia,
isso não; mas o espectador incauto ou desprevenido veio de lá escorraçado a
rabo de vassoura, como qualquer intrometido fraldiqueiro”. Cortesia de Rui
Cunha (“portoarc.blogspot.com/”), In “O Tripeiro”, Volume 2, 1/7/1909
Cartaz anunciando a ópera ZÁZÁ de Ruggero Leoncavallo, em
Novembro de 1907, cinco meses antes do incêndio que destruiu o Real Teatro S.
João – Cortesia de Rui Cunha
(Continua)
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