terça-feira, 7 de janeiro de 2020

(Continuação 1) - Actualização em 20/03/2020


Entre os inúmeros regentes e músicos que passaram pelo Real Teatro S. João, podem ser referidos: na família Ribas, José António Ribas na qualidade de violino concertante e regente, Eduardo Ribas, barítono, Nicolau Ribas, violino, Hipólito Ribas, flauta e Romão Ribas, violoncelo; na família Arroyo, José Francisco Arroyo, clarinete e composição, João Arroyo, flauta e António Arroyo, violoncelo; na família Landeau, José Julião e Albano, violinistas; a família Costa, Francisco Eduardo da Costa e José da Costa, contrabaixo.
Actuaram ainda, no Real Teatro S. João, Carlos Dubini, Marques Pinto, Ciríaco de Cardoso e António Canedo, José Pedro de Oliveira, Joaquim Casella, Laureano e muitos outros.
Entre os regentes, compositores e ensaiadores, destacaram-se Francisco Eduardo da Costa e José Cândido.
Camillo Sivori, único aluno directo de Paganini e notável violinista, esteve no Real Teatro de S. João, em Dezembro de 1854, dando 3 concertos de grande sucesso, que tiveram os maiores aplausos e a casa sempre repleta.



“Foram muitos os cantores que escreveram a história deste teatro. Entre eles podemos mencionar os tenores José de Aguiar Bizarro e Luís Gonzaga, que se estrearam respectivamente em 1844 e 1848. Também ficaram na sua memória João Cardoso, mais conhecido por João de Massarelos, A. S. Bonjardim, o Assunção, o José Soares Guerra, o Miguel Macedo, o Coelho e o Wanimeyl e M. Celestino. Este último acaba por partir para o Brasil onde desenvolve uma longa carreira. Destacámos ainda, não só pelos seus dotes vocais mas também pelos seus dotes de actriz, Maria Jesuína, que em 1840 cantou na empresa, mas depois passou para o teatro dramático onde se distinguiu como actriz.
Fixados em Portugal, estes artistas acabam na maior parte dos casos a dar aulas de música e a cantar como solistas ou nos coros que então vão surgindo na cidade, particularmente nas igrejas, e onde os seus nomes aparecem mencionados na programação das festas religiosas”.
Cortesia de Maria José de Sousa Ferraria (2000)
(Dissertação de Mestrado em História Contemporânea apresentado à Faculdade de Letras da Universidade do Porto


Artur de Magalhães Basto descreve uma noite de ópera, em “O Porto do Romantismo”:

«A enchente é espantosa, e no verão o calor é tão intenso como se “estivesse na câmara de um vapor, em calmaria, por alturas de S. Tomé ou Senegal”, e as pulgas mais abundantes “do que em qualquer galegaria de atrás da Sé”.
O “bufete” vendia sorvetes de diferentes qualidades, a 4 vinténs cada um.
O espectáculo começa e vai decorrendo numa atmosfera pouco tranquilizadora. Rebentam as primeiras palmas, estruge uma formidável pateada. Há bravos e assobios. Corre o pano. Chamados os artistas, estes aparecem no proscénio. A balbúrdia cresce. A pateada torna-se infernal. Os actores investem contra o público, como em 1849, na representação dos Foscaris. São lançados dos camarotes impressos com poesias, respondem-lhes os díscolos arremessando para o palco toda a qualidade de projecteis, até botas velhas. Martelos, cabos de vassouras, tacão, goelas, tudo que faça barulho é posto em movimento. No ar esvoaçam pombas brancas e rodopiam bengalas e mocas e, por vezes, luzem punhais. Partem-se cadeiras inocentes e cabeças apopléticas. Os artistas são enxovalhados. Uma actriz a “italiana Luisa Abbadie, enlouqueceu de repente, na noite de 3/5/1852, depois de ter sido desfeiteada pelo público”.
A chinfrineira é indescritível, os destroços na mobília avultados e o sangue a escorrer das testas abundante… resultado: as autoridades ordenam o encerramento do teatro por alguns dias».



Na sala do Real Teatro de S. João também se realizavam outros tipos de espectáculos, tais como as festividades carnavalescas, do qual durante muito tempo foi lembrado o ano de 1855, quando houve festas e bailes de máscaras durante uma semana.
Após mais de meio século de actividade, o Real Teatro S. João tinha entrado definitivamente na vida dos portuenses.
A actividade do Real Teatro de São João acabaria por ficar vinculada, no entanto, sobretudo, ao universo da ópera italiana, cujo monopólio de representações na cidade deteve, até perto, do final do século XIX.
A segunda metade do século, apresentaria durante a década de 60, naquele âmbito, alguns contra – tempos.
Chegaria, então, o tempo de Adelaide Ristori (Cividale del Friuli, 29 de Janeiro de 1822 — Turim, 8 de Outubro de 1906), uma célebre atriz dramática italiana, frequentemente referida como Marquise, que teve uma amizade com D. Pedro II do Brasil, filho do Imperador D. Pedro I e da imperatriz Maria Leopoldina da Áustria



“Decorrendo faustosamente a nova temporada de 1859-1860, dedicado o Teatro de S. João exclusivamente ao lírico, eis que pisa este palco com a sua companhia dramática italiana a cotadíssima trágica Adelaide Ristori. A sua estreia na tragédia Medeia, de Ernest Legouvé, em Novembro de 1859, provocou uma autêntica enchente, confluindo ao teatro «as primeiras familias do Porto, e algumas de fóra da terra», terminando o espectáculo numa verdadeira apoteose como já não se via há alguns anos no Porto. Os relatos em relação à quinta e última representação da actriz nesta cidade deixam transparecer essa mesma loucura, num dos acontecimentos mais marcantes que tiveram lugar no Bairro teatral.”
Cortesia de Danielo Rodrigues Micaelo Rosa (Tese de Doutoramento em Estudos de Teatro – 2013)



“A noite de hontem deve ficar eternisada nos fastos theatrais d’esta cidade. (…) Para evitar que alguns espectadores agenciassem bilhetes, para os revender por preços fabulosos, o snr. administrador do 1.º bairro resolveu intervir, ordenando que com a sua assistencia, na competente casinha, ás 3 horas da tarde. Uma hora antes da marcada, estavam já reunidas, junto do theatro, algumas centenas de pessoas, que invadiram e occuparam litteralmente o atrio, apenas as portas da entrada se abriram. Vendo o snr. administrador a impossibilidade de se effectuar a venda dos bilhetes no meio d’aquelle tumultuar immenso de gente, e mesmo porque os bilhetes não chegavam para nove decimos do numero de pessoas que os pediam, mandou sahir toda a gente (…). Quando, á noite, se abriu o theatro, era ainda immensa a gente que solicitava meio de obter entrada; e invadiriam a plateia, se a porta não fosse guardada por duas alas de soldados. (…) No fim da tragedia, o enthusiasmo passou a delirio. As senhoras, de pé, nos camarotes, agitavam os lenços; a chuva de flores sobre o palco não cessava; nas plateias agitavam-se os chapeos e os lenços no meio de freneticos applausos (…). Quasi toda a gente que estava na plateia foi esperar Ristori á sahida do theatro, e a acompanhou até ao seu hotel, victoriando-a com vivas (…).”
In “O Comércio do Porto”, 29 de Novembro de 1859, p. 2


Em digressão, Madame Ristori rumaria a Madrid, mas atendendo aos apelos que os portuenses lhes dirigiram, em Fevereiro, estava de volta à cidade.
Em 10 de Fevereiro de 1860, Madame Ristori deslocar-se-ia ao Teatro Baquet, o que é narrado na notícia seguinte:


“Folhetim: a fraternidade no género: não há competição: a srª Ristori, a melhor do mundo, aplaudiu no Teatro Bacquet a Emília das Neves, a melhor da Península.”
João Sénior, In “O Porto e a Carta”, 13 Fevereiro de 1860, p. 1


Madame Ristori seria então recebida nos melhores salões da cidade.


“Sarau: ontem o sr. Guilherme Augusto Machado Pereira deu um sarau em obséquio de M.me Ristori.”
In “O Porto e a Carta”, 17 de Fevereiro de 1860, p. 3


“Obséquios: O conde de Terena deu ontem um jantar de honra a M.me Ristori.”
In “O Porto e a Carta”, 18 Fevereiro de 1860, p. 3



Adelaide Ristori



Em 1865, uma outra Adelaide, a afamada cantora lírica Maria Adelaide Borghi-Mamo, seria contratada pelo empresário Paccini, para cinco récitas, após ter, até aí, representado em Lisboa.
A sua estreia, na ópera de Donizetti A Favorita, provocaria tal enchente que alguns espectadores se viram obrigados a saltar para dentro do espaço ocupado pela orquestra por não terem obtido melhor lugar.
A despedida da artista foi apoteótica e fez lembrar a de Madame Ristori.
Em 1860, é atribuída ao empresário José Domingos Lombardi, a exploração e o usofruto do subsídio atribuído ao Real Teatro S. João, por um período de dois anos.
A nova companhia lírica estreava-se a 5 de Novembro de 1860, com a ópera “O Poliuto”, de Donizetti, traduzindo-se a sua recepção numa pateada geral.
A partir daqui as pateadas foram uma constante.


“Hontem foi a primeira representação da opera «O Trovador», pela actual companhia (…). Esta lindissima opera, tão popular, e tão conhecida, dá desvantagens a todos os artistas, que a cantam no nosso theatro, pois lutam com confrontos, e recordações de artistas, que n’ella enthusiasmaram o publico. Porém ainda levando isto em conta, manda a verdade se diga, que hontem a execução d’esta partitura, poderá apenas, quando muito, qualificar-se soffrivel, no todo.
In jornal “O Comércio do Porto” de 28 de Novembro de 1860, Pág. 3-4


A situação seria remediada com a contratação da soprano ítalo-argentina Carolina Briol, que devolveria algum público e alegria ao Teatro de S. João. Carolina Briol estrear-se-ia com a ópera de Verdi, Rigoletto, passando-se da chuva de pateadas à de bouquets.


“Escusado será dizer que, graças ao desempenho da soprano, a ópera havia de ser repetida constantemente, tentando a empresa recuperar o prejuízo financeiro e o prestígio perdido após sucessivas manifestações de desagrado que marcaram o início da temporada. Ainda assim, e passado o efeito Briol, o entusiasmo haveria de ser efémero e o enfado do público pelo desempenho da companhia traduzido em pateadas”.
Cortesia de Daniel Rodrigues Micaelo Rosa (2013). Tese para a obtenção do grau de “Doutor em Estudos de Teatro” – Universidade de Lisboa


Após uma das habituais tournées de Verão, da companhia do Teatro do Ginásio, dá-se o retorno de alguém já conhecido, o empresário Ângelo Alba.


“Com o retorno do empresário Ângelo Alba, o Teatro de S. João voltaria a apresentar uma companhia lírica e uma companhia dramática portuguesa, esta última sob a direcção de João Manuel Martins Costa. Esta, enquanto se davam óperas no primeiro teatro da cidade, apresentava o seu repertório no Teatro Variedades (Camões), principalmente no formato de espectáculos de benefício para com os artistas que faziam parte da companhia, que servia sobretudo para assegurar a sobrevivência financeira destes. Estrear-se-ia no palco do Teatro de S. João com o drama Aristocracia e Dinheiro, de César de Lacerda, e a comédia Os Zuavos, de António Mendes Leal. A companhia lírica, por seu lado, iniciaria a temporada de 1861-1862 com a ópera de Giuseppe Verdi, Luisa Miller.
No final da temporada, a administração do Teatro de S. João decidiu atribuir a exploração do teatro a Ângelo Alba por um período de dois anos, (…)”
Cortesia de Daniel Rodrigues Micaelo Rosa (2013). Tese para a obtenção do grau de “Doutor em Estudos de Teatro” – Universidade de Lisboa


Um acontecimento trágico iria arrasar com a vida artística da quase totalidade dos teatros da cidade, nos últimos anos do século.
Tudo se ficou a dever ao incêndio do Teatro Baquet, na noite de 21 de Março de 1888, em que perderam a vida, cerca de 120 espectadores.


“Durante a festa de benefício do actor Firmino Rosa, um incêndio consumiu em poucas horas todo o interior do Teatro Baquet. A programação – extensa – incluía a ópera cómica Dragões de Vilares e a zarzuela Grã Via, ambas do agrado de um público entusiasmado que “pedia furiosamente bis” (SOUSA BASTOS 1908: 321).
Foi a troca apressada de panos de fundo, para repetir a cena anterior – o quadro “Os três ratas”, desempenhado por Firmino, Sanches e Gomes – que fez com que, no contacto com uma gambiarra, um dos panos se incendiasse. O pano de boca foi baixado rapidamente, mas não impediu que o fogo fosse anunciado momentos depois pelos espectadores de um camarim com um postigo sobre o palco. O rápido alastrar do fogo, o fumo intenso, a falta de iluminação (tendo sido cortado o gás assim que o incêndio deflagrou) e o pânico geral resultaram na morte de cerca de 120 pessoas”.
Fonte: “pt.wikipedia.org”


Após a tragédia, apesar das vistorias impostas às salas de espectáculos e à melhoria das condições das mesmas, os portuenses estavam relutantes em visitá-las. Todos os teatros da cidade se viriam a ressentir, com excepção para um, que seria inaugurado passados 6 meses, sobre aquele trágico acontecimento.
Tratava-se do Teatro D. Afonso, inaugurado na Rua de Alexandre Herculano e que, com Ciríaco Cardoso ao leme, viria a agravar, com os sucessos que ia arrebatando, os problemas dos restantes.
O Real Teatro S. João não fugia à mediocridade que se instalou, aliada à gestão desastrosa de D. Luciano Rodrigo, a qual, nem a atribuição do subsídio governamental conseguiu travar.


“Ciriaco de Cardoso, à frente da empresa do Teatro D. Afonso na época 1889-1890 iria, com o seu arrojo programático, colocar em questão a suposta exclusividade do lírico no Teatro de S. João. Era este tipo de espectáculo exclusivo de um teatro de primeira ordem? A resposta, a ver pela afluência que se verificaria a este popular teatro, parecerá óbvia. Apesar de se tratar de espectáculos operáticos obviamente mais modestos, tendo em conta o seu público-alvo e a própria espacialidade e acústica do teatro, era mais um filão, como tantos outros, a explorar. E veremos futuramente como vários teatros não temeriam em explorá-lo.
A ópera O Barbeiro de Sevilha entrava em ensaios no Teatro D. Afonso logo no início de 1890 (O Comércio do Porto, 23.01.1890, p. 2). Este passo marcaria aquele que seria o rumo desta casa de espectáculos na próxima década: a apresentação de espectáculos líricos, aproveitando o temporário sub-rendimento do Teatro de S. João. A estratégia iniciada por Ciriaco de Cardoso traria bons proveitos e viria, gradualmente, dar mais visibilidade ao teatro por si arrendado”.
Cortesia de Daniel Rodrigues Micaelo Rosa (2013). Tese para a obtenção do grau de “Doutor em Estudos de Teatro” – Universidade de Lisboa



Para o Real Teatro S. João, a noite de 11 de Abril de 1908, aproximava-se inexoravelmente.
Este teatro que atravessou todo o século XIX seria o palco de alguns episódios que ficaram célebres.
Camilo Castelo Branco foi um dos frequentadores assíduos do teatro e que protagonizou cenas que ficaram para a posteridade.
Uma delas, na época de 1848/49, acabaria em pancadaria na Estalagem da Ponte da Pedra, local para onde, os que podiam, se retiravam para gozar os prazeres da mesa e também as belezas do rio Leça, em breves passeatas de barco.
Seria, então, no Carnaval de 1849, que Camilo e Aloysio Seabra Ferreira, depois de tocarem no orgão do Mosteiro de Leça do Bailio, a "Maria da Fonte", se dirigiram a comer um jantar de lampreia na taverna da Ponte da Pedra.



“O Teatro S. João, no Porto, foi na altura palco de confrontos entre duas cantoras líricas: Dabedeille, apoiada pelos setembristas, e Clara Belloni, pelos cartistas. Entre os últimos estava Camilo, que se destacou pela participação ativa nos vários confrontos através de críticas no Jornal do Porto, em folhetins humorísticos e em brigas nos cafés.
Nos Serões de S. Miguel, Camilo rememora o jantar de homenagem a Dabedeille decorrido na Estalagem da Ponte da Pedra. Presentes, numa sala ao lado, estavam Camilo e Aloysio Ferreira a comer enguias de caldeirada com colorau. Quando se ouvem as felicitações em honra de Dabedeille, Camilo e Aloysio decidem brindar a favor de Belloni, tendo o banquete descambado em rixa”.
Cortesia de Elzira Sá Queiroga (2015)
(Mestrado em Estudos do Património – Universidade Aberta)


A propósito da cena narrada acima, resultou que Camilo e o amigo tiveram de bater em retirada, pois os “inimigos” eram muitos.
Como escreveu Camilo: “Aloísio retirava ferido pela ponta de um estoque de bengala; eu que entrara resoluto a morrer, inutilizado o copo na cabeça do mais cobarde, cruzei os braços esperando a morte numa atitude romana.”


No Real Teatro de São João, lugar onde inaugurou, com o seu famoso e infame cornetim de lata, um novo tipo de pateada, na contenda que em 1849 opôs os partidários de Clara Belloni e os defensores de Adèle Dabedeille, duas primas donas de então, Camilo viu e ouviu repetidas vezes as diversas óperas.
As citadas pateadas haveriam de conduzir à demissão, por decreto de 6 de Fevereiro de 1849, do administrador do 1º Bairro, Adriano Ferreira Pinto Basto.
 
“ (…) quasi que geralmente, de cumplicidade nestas cenas desagradáveis, mas não novas, que tiveram lugar no teatro de S. João. Vira-se ali brilhar o ferro na mão do sicário, o sr. Adriano. O governo demitiu o sr. Adriano, e o sr. Adriano era interessado na empresa, e ao mesmo tempo a autoridade que devia conhecer dos seus desvarios, e manter o sossego no teatro”.
In jornal “A Pátria” de 19 de Fevereiro de 1849
 
 
 
 
Retrato de Adélia Dabedeille
 
 
Adèle Dabedeille faria o seu "début" no Real Teatro de S. João, na ópera de Marino Faliero, de Gaetano Donizetti (1797-1848), cujo falecimento, no ano anterior, comovera todos os amantes da ópera.
Camilo faria, ainda, um elogio público a Clara Belloni, no jornal Eco Popular.



«Tenham paciência os nossos antagonistas do teatro, mas a sr.ª Beloni acaba de receber os mais frenéticos aplausos, como a mais justa prova do seu merecimento, e não dos nossos caprichos. A melodiosa cantora cercada de ramos e coroas já pode sorrir para os seus motejadores porque o triunfo a tem posto tão alta como a estátua de Washington, onde os rapazes não chegam com a pedrada.
Cantou deliciosamente, arrebatou os mesmos que a depreciam, e parece-nos que catequisou muitos “trabalhadores” para o seu partido. O cronista está com as mãos de molho, porque as fez em pedaços, e em lhe caindo as mãos há - de bater com os cotos».
Saragoçano (Camilo Castelo Branco), In Eco Popular, de 17 de Fevereiro de 1849



Num outro episódio, Camilo mete na ordem um jornalista.


“Em 23 de janeiro de 1851, Camilo Castelo Branco agride, à mocada, no corredor do Teatro S. João, o jornalista Novais Vieira (o Novais dos óculos), por este ter publicado no jornal “A Pátria” um artigo em que lhe chamava Lombrigas (pseudónimo de Camilo, mas precedido de Anastácio das…) onde insinuava que o escritor tomara uma certa atitude porque “a falsa sóror já não pinga tanto” (referindo-se ao pseudónimo “sóror Dolores” da poetiza D. Maria Adelaide Brown) e porque “a verdadeira sóror só pinga alguns docitos”, referindo-se à freira D. Isabel Vaz Mourão, que no Convento de Ave-Maria protegia Bernardina Amélia, filha de Camilo e Patrícia Emília.”
Fonte: “PortoDesaparecido”




Passado pouco tempo sobre a cena acabada de narrar, enchia o palco com as suas actuações sempre muito aplaudidas, a actriz Emília das Neves.



In “Periódico dos Pobres do Porto”



O aspecto da zona da Praça da Batalha, em noites de espectáculo era de autêntica feira.

“Nas noites de espectáculo a concorrência na Batalha e ruas próximas era sensível e até nos tempos antigos era assinalada pela venda de doces e rebuçados como nos arraiais. A formatura dos trens, o alinhamento das seges, a série de carroções com os bois deitados no chão, a fileira das cadeirinhas, guardadas apenas por algum dos galegos vigilantes, e o agrupamento dos lampiões, defendidos pelos criados menos dormentes, isto em volta do teatro, pareciam um acampamento!”
Cortesia de Rui Cunha (“portoarc.blogspot.com/”), In O Tripeiro, Volume V (1926)


Carroção


As idas ao Real Teatro de S. João, um acontecimento periódico que abrangia, nalguns casos, famílias inteiras, foram-nos descritas, entre outros, primorosamente, por Ramalho Ortigão.


“O meio de transporte habitual das famílias, para o Teatro de S. João, para os bailes, para as romarias, era o famoso carroção, veículo de 4 rodas da forma de um prédio, com duas fachadas laterais de cinco janelas cada uma, e porta ao fundo, a que o passageiro subia por quatro degraus de escada guarnecida por um corrimão. Uma junta de alentados bois de Barroso puxava pelo "monumento”.
“Havia famílias enormes que não cabiam em duas salas e que se acomodavam num carroção. No Inverno, uma dessas ingentes moles chegava à porta do Teatro S. João. A portinhola abria-se, havia uma escada com corrimão para descer; o carroção começava a despejar senhoras. O pátio do Teatro enchia-se e o carroção continuava sempre a deitar gente. Pasmava-se que ele pudesse conter tantas pessoas, ia-se olhar e encontrava-se ainda, lá dentro, no escuro, a mexer-se e a preparar-se para sair, tanta gente como a que estava fora”.

Uma outra perspectiva duma ida ao teatro é-nos dada no texto que se segue.


“Não era sem certos cuidados que algumas famílias se dispunham a ir ao teatro. A mãe dá ordem à criada que faça a ceia; o pai diz ao galego que ponha duas velas de cêbo no lampião de folha. Apenas o jantar (almoço) terminou e o último palito fez a limpeza dentária, vai a família dormir a sesta, porque tem de perder a noite. À hora própria lá segue a família para o teatro, porque é bom ir cedo e sem fadiga. O chefe de família leva duas pistolas no bolso para o que der e vier; atrás, a criada com o merendeiro, os frangos assados, a vitela, as azeitonas, a pingoleta etc. Chegam as damas ao camarote, estendem as mantilhas de lapim para fora da borda e colocam-nas cuidadosamente nuns arcaicos lanceiros de pau que havia nos camarotes; ao fundo a criada senta-se junto ao cesto da ceia. Os espectadores começam a encher o teatro e o Aniceto vem distribuir pelas estantes da orquestra os diversos papéis da partitura; trabalho que faz pacificamente, excepto se algum frequentador das varandas lhe grita de lá; - Oh Clemente, quebraste a infusa! – porque então o homem perde a cabeça, troca os papeis e dá por paus e pedras.
Os janotas cumprem a sua elegante missão de conquistadores; as damas choram ou sorriem, como as situações da peça o exigem; à hora própria, aproveitam-se os intervalos para a ceia e tudo corre no melhor dos mundos, se os artistas não desafinam e se as tormentas teatrais não provocam as pateadas.
Que velhos costumes e clássicos hábitos da velha sociedade que dormia a sesta e ia cear ao teatro!”
Cortesia de Rui Cunha (“portoarc.blogspot.com/”), In O Tripeiro, Volume V


Quem nos descreve uma entrada no Real Teatro S. João, é Júlio César Machado, na obra “Scenas da Minha Terra”, durante uma sua visita à cidade em 1861:






Aquele jornalista, tradutor, autor de romances, contos e peças de teatro, que se salientou, sobretudo, como folhetinista e cronista, na mesma obra e durante a mesma visita àquele teatro, escrevia sobre a movimentação das portuenses no final do espectáculo:





Certo dia, depois de acontecidos alguns desacatos e pateada, a polícia proibiu a entrada de bengalas ou qualquer outro objecto perigoso.


“Os beligerantes, ao terem conhecimento da “ordem superior”, não se intimidaram, antes pelo contrário, nessa noite era de ver como, todos humildes, iam fazer a entrega das suas badines no bengaleiro respectivo. O governador civil rejubilava por ver como as suas determinações eram rigorosamente cumpridas; mas o que ele não sabia era que a cada bengala depositada correspondia um cabo de vassoura, a que previamente de cortara a rama de piaçaba, insidiosamente enfiado pelo colete abaixo duma grande parte daqueles tão submissos quão resignados cumpridores da lei. Escusado será dizer que, nessa noite, no teatro S. João não caiu Tróia, isso não; mas o espectador incauto ou desprevenido veio de lá escorraçado a rabo de vassoura, como qualquer intrometido fraldiqueiro”. Cortesia de Rui Cunha (“portoarc.blogspot.com/”), In “O Tripeiro”, Volume 2, 1/7/1909


Cartaz anunciando a ópera ZÁZÁ de Ruggero Leoncavallo, em Novembro de 1907, cinco meses antes do incêndio que destruiu o Real Teatro S. João – Cortesia de Rui Cunha


(Continua)

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